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Procº nº 3/97 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. A. foi julgado e condenado pelo Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira, em 28 de Junho de 1995, a uma pena de prisão de dezoito meses, pela autoria material de um crime de roubo tentado, previsto e punido no artigo
306º, nº 1, e nº 3, alínea b), do Código Penal de 1982, tendo em conta o disposto nos artigos 22º, 23º e 74º do mesmo Código.
Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, veio este, por Acórdão de 11 de Abril de 1996, a negar-lhe provimento, modificando a decisão recorrida apenas quanto à medida da pena, dada a alteração da moldura penal abstractamente aplicável, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei nº
48/95, de 15 de Março, que aprovou a revisão do Código Penal.
2. Ainda inconformado com a pena de prisão de quinze meses aplicada naquele aresto, pretendeu o arguido recorrer do mesmo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, invocando a inconstitucionalidade dos artigos 432º, alínea c), 433º e 410º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal, nos termos que expôs na motivação logo apresentada e da qual se reproduz o seguinte:
'A inconstitucionalidade dos arts. 432º, alínea c), 433º e 410º, nºs
2 e 3, do Código de Processo Penal, apesar de não ter sido suscitada directamente a mesma, está subjacente a toda a motivação do recurso interposto
(v. conclusão 10ª, alínea a) do recurso) para o Supremo Tribunal de Justiça, e por outro lado o douto Acórdão deste Tribunal nos seus mui doutos considerandos tem sempre como pano de fundo aqueles normativos legais. Até porque, parece-nos sobremaneira importante uma passagem daquele Acórdão, que manifestamente cerceia os direitos de defesa do arguido, consagrados no art. 32 da Lei Fundamental
[...]' (sublinhados aditados).
Por sua vez, a aludida conclusão 10ª do seu recurso estava assim redigida:
'10º - decidindo como decidiu o Tribunal 'a quo', violou:
a) o art. 410º, nºs. 2 e 3 do CPP;
b) os arts. 71º e 72º do C. Penal;
c) o princípio 'in dubio pro reo', e não concedeu ao arguido o benefício da dúvida'.
2. Por despacho de 17 de Outubro de 1996, o Conselheiro que substituiu o Conselheiro Relator, entretanto jubilado, indeferiu o requerimento de interposição de recurso, com fundamento em que o recorrente, 'no recurso que interpôs da decisão proferida em 1ª instância, não suscitou a questão da inconstitucionalidade dos apontados preceitos do C.P.P., o que, aliás, anteriormente também não fizera. E também não suscitou a ilegalidade daqueles comandos legais, dando-se até o caso de no recurso para este tribunal haver invocado o dispositivo do art. 410º, 2 e 3, do C.P.P., o que significa que o aceitou como válido'.
3. Apresentada reclamação de tal despacho e confirmado este por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 1996, vieram os autos a este Tribunal, onde o Exmº Procurador-Geral Adjunto se pronunciou pela improcedência da reclamação.
4. Corridos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
5. O recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) está sujeito a certos requisitos específicos, perfeitamente estabelecidos na jurisprudência e na doutrina, em conformidade com o disposto na Constituição e na lei. Assim, é necessário que tenha havido a suscitação da inconstitucionalidade de uma ou mais normas jurídicas durante o processo, que tais normas sejam aplicadas na decisão recorrida com o sentido reputado inconstitucional e, bem assim, que não seja admissível recurso ordinário dessa decisão.
Ora, a invocação da inconstitucionalidade das normas que se pretende que o Tribunal Constitucional agora aprecie em sede de recurso não foi feita perante o Tribunal a quo, razão pela qual este se não pronunciou sobre essa questão - inviabilizando, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie um juízo de constitucionalidade ou inconstitucionalidade antes formulado sobre normas. E como, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da sua lei orgânica, é só isso que cabe ao Tribunal Constitucional fazer, resulta evidente que o requerimento - ou a motivação - do recurso interposto para o Tribunal Constitucional não é já momento idóneo para suscitar, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade. É que, como repetidas vezes se escreveu, tal requisito não pode ser entendido num sentido puramente formal '(tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)', mas sim num sentido funcional (tal que 'essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão)', ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo para apreciar 'a matéria a que tal questão de constitucionalidade respeita'. (cfr., inter alia, os Acórdãos deste Tribunal nºs. 90/85, 94/88, 318/90 e 266/94, os três primeiros publicados no Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1985, 22 de Agosto de 1988 e 15 de Março de 1991, respectivamente, e o último ainda inédito).
6. Nos termos do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso, que deve ser indeferido quando não preencha os requisitos exigidos. Assim, e pelo exposto, nada há a censurar à decisão reclamada.
III - Decisão.
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar-se o reclamante em custas, fixando-se a taxa de justiça em oito Unidades de Conta.
Lisboa, 19 de Junho de 1997 Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa