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Processo n.º 262/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 156 e seguintes, foi proferida decisão sumária no sentido do
não conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., com
os seguintes fundamentos:
“[...]
2. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional – aquele que foi interposto pelo recorrente – cabe das decisões
dos tribunais «que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo».
Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso fundado nessa
disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo, a
inconstitucionalidade da norma (ou da norma, numa certa interpretação) que
pretende que este Tribunal aprecie e que tal norma (ou tal norma, com essa
interpretação) seja aplicada no julgamento da causa, não obstante a acusação de
inconstitucionalidade que lhe foi dirigida.
3. Vejamos se tais pressupostos processuais do recurso interposto estão
preenchidos no caso dos autos.
3.1. Quanto ao artigo 58º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, observa-se que, sob a aparência de um pedido de apreciação da
inconstitucionalidade de uma norma, o recorrente vem afinal submeter ao
julgamento do Tribunal Constitucional a própria decisão recorrida.
O recorrente tinha sustentado o seguinte nas conclusões das alegações
apresentadas no recurso que interpôs do acórdão proferido pela Secção de
Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 97 e seguintes):
«[...]
4 - Efectivamente, o Art. 58°, n.º 2 do CPTA prevê os prazos de impugnação
aplicáveis aos actos anuláveis.
5 - Contudo, e no que concerne ao prazo de impugnação aplicável aos actos nulos,
aplica-se o disposto no n.º 1 da citada disposição legal, onde se prescreve que:
‘A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo’.
6 - Pelo que, tendo o Recorrente invocado no Processo Principal vícios geradores
da nulidade do Acto cuja suspensão se requer, e sendo a nulidade invocável a
todo o tempo, nos termos do Art. 58°, n.º 1 do CPTA, é inexorável concluir pela
tempestividade do Pedido de Suspensão de Eficácia formulado pelo aqui
Recorrente.
7 - Tanto mais que constituindo o Pedido de Suspensão de Eficácia uma
Providência Cautelar está necessariamente dependente do Processo Principal (cfr.
Art. 113º, n.º 1 do CPTA).
8 - Consequentemente o prazo para a sua interposição só pode ser o prazo para a
interposição do correspondente Processo Principal.
9 - E a interpretação perfilhada pelo Acórdão Recorrido além de colidir com a
própria definição de Providência Cautelar, colide frontalmente com o disposto no
Art. 20°, n.º 5 e Art. 268°, n.º 4 da CRP.
[...].».
A propósito desta questão, decidiu-se no acórdão do Pleno da 1ª Secção do
Supremo Tribunal Administrativo (fls. 130 e seguintes):
«[...]
Ao invés do sustentado pelo Recorrente, os vícios por ele imputados ao acto
contenciosamente impugnado – ineficácia da notificação da deliberação recorrida,
o que, alegadamente, poria em causa o princípio da tutela jurisdicional
efectiva, previsto no art. 268°, n.° 4 da C.R.P., e vício de forma, por falta de
fundamentação, assente na alegada contradição com o relatório do instrutor e
contraditoriedade dos fundamentos constantes do próprio acto punitivo (ver
alegações fls. 100 a 103 inc) –, não são geradores da nulidade do acto
recorrido.
Efectivamente, como é, de há muito, jurisprudência consolidada deste Supremo
Tribunal Administrativo, o vício de forma por falta de fundamentação do acto
administrativo não é gerador de nulidade, mas de mera anulabilidade.
Com efeito, conforme bem se refere no ac. do Pleno da 1ª Secção, de
8-10-98, rec. 34.722, nem a fundamentação é elemento essencial do acto, nem a
lei comina expressamente essa forma de invalidade para o caso – cf. arts. 133°
e 135° do C.P.A. –.
Quanto à alegada irregularidade da notificação (de 13-2-04) da deliberação
punitiva, a mesma não se traduz em ilegalidade do acto administrativo
notificado, não contendendo com a validade deste último, sendo, apenas,
susceptível de actuar ao nível da eficácia do acto administrativo, como é,
também, jurisprudência uniforme deste S.T.A. (v. a título exemplificativo, acs.
da 1ª Secção do S.T.A., de 2.12.99, rec. 45.289; de 8.7.03, rec. 1617/03; de
18-2-04, p. 46.650).
Ora, para aferir da tempestividade do recurso, o tribunal deve atender à
situação de facto tal como vem descrita na petição de recurso, mas não está
vinculado à qualificação jurídica que o recorrente faz dos vícios invocados nem
da sanção que lhe corresponde (acs. deste S.T.A. de 20.3.97, rec. 35.961 e de
14.1.98, rec. 37002, entre outros).
E, note-se, trata-se de conclusão a extrair logo numa primeira análise dos
fundamentos do recurso contencioso em referência.
Deste modo, não sendo aplicável ao prazo de interposição do recurso contencioso
do acto, cuja suspensão de eficácia foi pedida, o prazo de impugnação de actos
nulos, mas o prazo previsto no art. 58°, n.° 2 b) do C.P.T.A., falece, desde
logo, a tese defendida pelo Recorrente, a que se reportam as conclusões ora em
apreço.
Consequentemente, torna-se desnecessário apurar se, conforme considerou o
acórdão recorrido, o prazo para intentar a providência cautelar em questão é
sempre o prazo previsto para a impugnação de actos anuláveis.
[...].».
Do texto do acórdão decorre que o Supremo Tribunal Administrativo não
interpretou a norma do artigo 58º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos no sentido de que a mesma se aplica no caso de o acto
cuja suspensão se peticiona ser um acto nulo. O Supremo Tribunal Administrativo
afastou a norma do artigo 58º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e aplicou a norma do artigo 58º, n.º 2, alínea b), do mesmo
Código, por entender que, na situação em apreço, o vício imputado ao acto
administrativo impugnado «não é gerador de nulidade, mas de mera anulabilidade».
Consequentemente, aquele Supremo Tribunal entendeu ser «desnecessário apurar se,
conforme considerou o acórdão recorrido, o prazo para intentar a providência
cautelar em questão é sempre o prazo previsto para a impugnação de actos
anuláveis».
A verificação de que o Supremo Tribunal Administrativo não atribuiu à norma
questionada o sentido identificado pelo recorrente e por si reputado contrário à
Constituição é, só por si, suficiente para que o Tribunal Constitucional não
possa conhecer do recurso quanto à norma do artigo 58º, n.º 2, alínea b), do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Acresce que o que o recorrente verdadeiramente questiona é a qualificação do
vício imputado ao acto impugnado, praticado pelo Conselho Superior do Ministério
Público, pretendendo, através do presente recurso, que o Tribunal Constitucional
se pronuncie sobre tal qualificação e sobre a identificação da norma do direito
infraconstitucional que fixa o prazo de impugnação aplicável no caso.
Tal pretensão excede obviamente a competência do Tribunal Constitucional, que,
no âmbito dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade
interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, diz respeito a
normas aplicadas na decisão recorrida e não à própria decisão recorrida.
3.2. Quanto ao artigo 203º do Estatuto do Ministério Público, resulta claramente
dos autos que o recorrente não suscitou, durante o processo, perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida – nem sequer equaciona no requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional –, qualquer questão de
inconstitucionalidade.
Nas alegações apresentadas no recurso para o Pleno da 1ª Secção do Supremo
Tribunal Administrativo (fls. 97 e seguintes), disse, a certo passo, o
recorrente:
«[...]
Ora, no caso sub judice, a notificação do Acórdão proferido pelo CSMP de
9/02/2004 não contém os requisitos legalmente exigíveis.
Com efeito, nos termos conjugados do disposto no Art. 203° e Art. 198° do EMMP,
resulta que a notificação da Decisão final para além de ser feita por carta
registada com aviso de recepção deverá ainda constar da mesma o prazo para a
respectiva impugnação e o órgão competente para conhecer da mesma.
Tal interpretação acha-se, aliás, conforme com o disposto no n.º 1, al. c) do
Art. 68° do C.P.A. onde se prevê o ‘conteúdo da notificação’, disposição esta
aplicável ao caso sub judice.
Ora, o Ofício enviado ao aqui Recorrente limita-se a referir a expressão ‘Para
conhecimento’.
E isto aliado ao facto de na última folha da notificação constarem conclusões no
sentido do arquivamento do Processo Disciplinar em causa, levaram o aqui
Recorrente em erro quanto ao teor da referida notificação, ficando aquele
convencido que o mesmo havia sido arquivado.
E só se veio a aperceber que tal não aconteceu quando foi confrontado com a
notificação (recebida a 20/05/2004) para início de ‘cumprimento ao determinado
no acórdão proferido pela secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério
Público, em sua sessão de 9 de Fevereiro último, no processo Disciplinar em que
é visado o Exmº Procurador da República Lic. A., acórdão junto por fotocópia’.
Donde se conclui que do Ofício enviado ao então Arguido não deveria apenas
constar ‘Para conhecimento’, uma vez que se trata de um acto lesivo dos direitos
e interesses do aqui Recorrente, devendo a referida notificação conter a
referência ao prazo para impugnação e ao órgão competente para conhecer da
impugnação.
Achando-se, por consequência, preteridas as garantias de defesa do Arguido.
De facto ao constar no citado Ofício apenas a expressão ‘Para conhecimento’
estão a ser postas em causa as garantias de defesa do aqui Recorrente.
Sendo, pois, ineficaz a notificação do Acto Recorrido.
Tanto mais que está em causa o direito do aqui Recorrente impugnar a Deliberação
que lhe aplicou a pena (grave) de inactividade pelo período de 15 meses.
[...].».
Nas expressões utilizadas não pode ver-se a invocação em termos processualmente
adequados de uma questão de inconstitucionalidade normativa; concretamente, o
recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa a
propósito do artigo 203º do Estatuto do Ministério Público.
O recorrente limitou-se a demonstrar que, em sua opinião, e tendo em conta as
circunstâncias em que ocorreu, era «ineficaz a notificação do acto recorrido»
(cfr. o texto das alegações, a fls. 107).
Não pode assim a norma do artigo 203º do Estatuto do Ministério Público
constituir objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
4. Não estando verificados, no caso em apreço, os pressupostos de
admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional, não pode conhecer-se do respectivo objecto.
[...].”.
2. Notificado dessa decisão, veio A. reclamar para a conferência, nos
termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei deste Tribunal (requerimento de fls. 167 e
seguintes), invocando, para o que aqui releva, o seguinte:
“[...]
3. […] ao invés do entendimento perfilhado pela Decisão Sumária, acham-se, no
caso concreto, preenchidos os pressupostos de admissibilidade do Recurso
previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional.
Senão vejamos:
4. Entendeu o Acórdão proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo
que:
- «para aferir da tempestividade do recurso, o tribunal deve atender à situação
de facto tal como vem descrita na petição de recurso, mas não está vinculado à
qualificação jurídica que o recorrente faz dos vícios invocados nem da sanção
que lhe corresponde».
- «E, note-se, trata-se de conclusão a extrair logo numa primeira análise dos
fundamentos do recurso contencioso em referência».
- «deste modo, não sendo aplicável ao prazo de interposição do recurso
contencioso do acto, cuja suspensão de eficácia foi pedida, o prazo de
impugnação de actos nulos, mas o prazo previsto no Art. 58°, n.º 2 b) do CPTA,
falece, desde logo, a tese defendida pelo Recorrente...».
5. Sucede que o aqui Recorrente impugnou, junto da Secção de Contencioso
Administrativo, a Deliberação proferida pela Secção Disciplinar do Conselho
Superior do Ministério Público, de 9/02/2004, que lhe aplicou a pena de 15 meses
de inactividade.
6. Tendo, para tanto, invocado vícios, de que padece a Deliberação proferida
pela Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, geradores de
nulidade.
7. Ora, tal interpretação da norma prevista no Art. 58°, n.º 2, b) do CPTA,
colide com o disposto nos Arts. 20°, n.º 5 e 268°, n.º 4 da CRP.
8. Pelo que, pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma prevista
no Art. 58°, n.º 2, al. b) do CPTA, no sentido defendido pela Secção de
Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, e pelo Pleno da Secção de
Contencioso Administrativo (Acórdão Recorrido).
9. Ora, a nulidade é invocável a todo o tempo, nos termos do Art. 58°, n.º 1 do
CPTA.
10. Pelo que o prazo para a interposição de Providência Cautelar só pode ser o
prazo para a interposição do correspondente Processo Principal.
11. É que, no âmbito de uma Providência Cautelar, dada a sua natureza, (fins e
grau de profundidade), no exame a fazer pelo Tribunal (sumário), não pode o
Tribunal qualificar em definitivo os vícios do Acto Impugnado, de tal sorte que
lhe atribua os efeitos da mera anulação.
12. Tendo, por consequência, que perante a invocação da nulidade que aplicar o
prazo previsto no Art. 58°, n.º 2, al. b) do CPTA.
13. Pelo que o entendimento perfilhado pelo Acórdão Recorrido colide com a
própria natureza de Providência cautelar e colide frontalmente com o disposto no
Art. 268°, n.º 4 da CRP.
[...]
15. E tal decorre, igualmente, do disposto no Art. 20°, n.º 5 da CRP.
16. Donde se conclui que, para efeitos de prazo de interposição de providências
cautelares, designadamente a suspensão de eficácia de acto administrativo, não
pode deixar de se atender ao tipo de vícios que o interessado impute ao acto
cuja suspensão se requer.
[...]
18. Por outro lado, entendeu, ainda, o Acórdão proferido pelo Pleno da Secção do
Supremo Tribunal Administrativo que: «é manifesto que só a primeira parte do
Art. 198º do EMMP, respeitante à notificação com entrega ao arguido ou sob
registo e com aviso de recepção, se pode reportar ao transcrito artigo 203°,
pois não se está em fase de apresentação da defesa».
19. Ora, nos termos conjugados do disposto no Art. 203° e Art. 198° do EMMP,
resulta que a notificação da Decisão final para além de ser feita por carta
registada com aviso de recepção deverá ainda constar da mesma o prazo para a
respectiva impugnação e o órgão competente para conhecer da mesma.
20. Tal interpretação acha-se, aliás, conforme com o disposto no n.º 1, al. c)
do Art. 68° do C.P.A. onde se prevê o «conteúdo da notificação», disposição esta
aplicável ao caso sub judice.
21. Ora, no caso sub judice, a notificação do Acórdão proferido pelo CSMP em
9/02/2004, não contém os requisitos legalmente exigíveis, uma vez que o Ofício
enviado ao aqui Recorrente limita-se a referir a expressão «Para conhecimento».
22. Donde se conclui que do Ofício enviado ao então Arguido não deveria apenas
constar «Para conhecimento», uma vez que se trata de um acto lesivo dos direitos
e interesses do aqui Recorrente, devendo a referida notificação conter a
referência ao prazo para impugnação e ao órgão competente para conhecer da
impugnação.
23.Achando-se, por consequência, preteridas as garantias de defesa do Arguido.
24. Tanto mais que está em causa o direito do aqui Recorrente impugnar a
Deliberação que lhe aplicou a pena (grave) de inactividade pelo período de 15
meses.
25. Nos termos do Art. 268°, n.º 4 da C.R.P. que: «É garantido aos administrados
tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou
interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem…».
26. Ficando, pois, posto em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
27. Ou seja, a interpretação da norma prevista no Art. 203° do EMMP perfilhada
pelo Acórdão proferido pelo STA no sentido de que «é manifesto que só a primeira
parte do Art. 198° do EMMP, respeitante à notificação com entrega ao arguido ou
sob registo e com aviso de recepção, se pode reportar ao transcrito artigo 203°,
pois não se está em fase de apresentação da defesa», colide com o disposto no
Art. 268°, n.º 4 da CRP.
[...]
29. Acresce que as questões da inconstitucionalidade foram suscitadas pelo
Recorrente quer no Requerimento de Suspensão de Eficácia quer no Recurso
interposto do Acórdão que decidiu do pedido de suspensão de eficácia.
30. Tendo, pois, que concluir-se, pela verificação, no caso concreto, dos
pressupostos de admissibilidade do Recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo
70° da Lei do Tribunal Constitucional.
[...].”.
3. O recorrido Conselho Superior do Ministério Público respondeu,
sustentando a manutenção da decisão sumária reclamada (requerimento de fls. 175
e seguintes).
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. O ora reclamante interpôs o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 58º,
n.º 2, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do
artigo 203º do Estatuto do Ministério Público, cada um deles num determinado
sentido, que assim identificou:
– o artigo 58º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, com o sentido de que se aplica “independentemente do
tipo de vícios que o interessado impute ou venha a imputar, ao acto cuja
suspensão peticiona” e, portanto, também quando o acto cuja suspensão peticiona
é, na perspectiva do requerente, um acto nulo, já que o prazo para apresentação
de pedido de suspensão de eficácia de um acto “só pode ser o prazo para a
interposição do correspondente processo principal”; em seu entender, tal
disposição, com esse sentido, violaria os artigos 268º, n.º 4, e 20º, n.º 5, da
Constituição da República Portuguesa;
– o artigo do 203º do Estatuto do Ministério Público, conjugado com
o artigo 198º do mesmo Estatuto – dos quais “resulta que a notificação da
decisão final para além de ser feita por carta registada com aviso de recepção
deverá ainda constar da mesma o prazo para a respectiva impugnação e o órgão
competente para conhecer da mesma” –, por, no caso sub judice, a notificação do
acórdão proferido pelo Conselho Superior do Ministério Público não conter os
requisitos exigíveis; em seu entender, teria assim sido violado no caso o artigo
268º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
5. Na decisão sumária reclamada, invocou-se como fundamento do não
conhecimento do recurso:
– quanto ao artigo 58º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, que “o Supremo Tribunal Administrativo não atribuiu à
norma questionada o sentido identificado pelo recorrente e por si reputado
contrário à Constituição” e que “o que o recorrente verdadeiramente questiona é
a qualificação do vício imputado ao acto impugnado, praticado pelo Conselho
Superior do Ministério Público, pretendendo, através do presente recurso, que o
Tribunal Constitucional se pronuncie sobre tal qualificação e sobre a
identificação da norma do direito infraconstitucional que fixa o prazo de
impugnação aplicável no caso”;
– quanto ao artigo do 203º do Estatuto do Ministério Público, que “o
recorrente não suscitou, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida – nem sequer equaciona no requerimento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional –, qualquer questão de
inconstitucionalidade”.
6. A reclamação agora deduzida apenas vem confirmar o bem fundado da
decisão sumária proferida nos autos.
O reclamante vem sustentar que se acham, “no caso concreto,
preenchidos os pressupostos de admissibilidade do Recurso previstos na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional”, mas verdadeiramente
não contesta os fundamentos em que assentou a decisão de não conhecimento do
objecto do recurso.
Com efeito, quanto ao artigo 58º, n.º 2, alínea b), do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, o ora reclamante limita-se a insistir:
que “impugnou, junto da Secção de Contencioso Administrativo, a Deliberação
proferida pela Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, de
9/02/2004, que lhe aplicou a pena de 15 meses de inactividade”, “tendo, para
tanto, invocado vícios, de que padece a Deliberação proferida pela Secção
Disciplinar do Conselho Superior o Ministério Público, geradores de nulidade”,
que “a nulidade é invocável a todo o tempo, nos termos do Art. 58°, n.º 1 do
CPTA” e que “o prazo para a interposição de Providência Cautelar só pode ser o
prazo para a interposição do correspondente Processo Principal”.
A propósito da segunda questão que pretende submeter ao Tribunal
Constitucional, diz o ora reclamante que “nos termos conjugados do disposto no
Art. 203° e Art. 198° do EMMP, resulta que a notificação da Decisão final para
além de ser feita por carta registada com aviso de recepção deverá ainda constar
da mesma o prazo para a respectiva impugnação e o órgão competente para conhecer
da mesma”, que “no caso sub judice, a notificação do Acórdão proferido pelo CSMP
em 9/02/2004, não contém os requisitos legalmente exigíveis, uma vez que o
Ofício enviado ao aqui Recorrente limita-se a referir a expressão «Para
conhecimento»”, que “do Ofício enviado ao então Arguido não deveria apenas
constar «Para conhecimento», uma vez que se trata de um acto lesivo dos direitos
e interesses do aqui Recorrente, devendo a referida notificação conter a
referência ao prazo para impugnação e ao órgão competente para conhecer da
impugnação” e que se acham, “por consequência, preteridas as garantias de defesa
do Arguido”.
Face aos termos utilizados na reclamação apresentada, fácil é
portanto verificar que:
– quanto ao primeiro ponto, o ora reclamante vem uma vez mais
questionar a qualificação do vício imputado ao acto impugnado, praticado pelo
Conselho Superior do Ministério Público; através do presente recurso, pretende
afinal o reclamante que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre tal
qualificação e sobre a identificação da norma do direito infraconstitucional que
fixa o prazo de impugnação aplicável no caso.
– quanto ao segundo ponto, nem sequer na reclamação – que, de todo
o modo, não seria já momento adequado para considerar cumprido o ónus de
invocação da questão de inconstitucionalidade durante o processo – o ora
reclamante identifica uma autêntica questão de inconstitucionalidade normativa a
propósito do artigo 203º do Estatuto do Ministério Público.
Relativamente às duas questões colocadas, não se conformando com as
decisões tomadas no acórdão recorrido, o reclamante vem propor a interpretação
que considera correcta a propósito das normas que entende aplicáveis ao caso.
Ora, ao Tribunal Constitucional não compete pronunciar-se sobre a
identificação do direito infraconstitucional aplicável aos casos concretos nem
definir autoritariamente a interpretação correcta a atribuir aos preceitos
aplicáveis.
Como se afirmou na decisão sumária reclamada, a competência do
Tribunal Constitucional, no âmbito dos recursos de fiscalização concreta de
constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC, diz respeito a normas aplicadas na decisão recorrida e não à própria
decisão recorrida.
Nada mais resta pois do que confirmar o decidido.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão
reclamada, que não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos