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Processo n.º 398/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante
A. e são reclamados o Ministério Público, B. e C., vem a primeira reclamar,
conforme previsto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele
Tribunal, em 16 de Janeiro de 2007, que decidiu não admitir recurso interposto
para o Tribunal Constitucional, do Acórdão da Relação de Lisboa de 14-3-2006.
Alegou a reclamante, em síntese, o seguinte:
“Estando no âmbito de Recurso para o TC de um Acórdão de não conhecimento da
Revista por parte do STJ com base em irrecorribilidade da Decisão, deveria o
Sr. Conselheiro – Presidente ter em conta a regra especifica do artigo 75º n.º 2
da Lei do Tribunal Constitucional na contagem do prazo de interposição de
Recurso para o Tribunal Constitucional, razão pela qual deverá o Requerimento de
Interposição do Recurso para o Tribunal Constitucional ser admitido, por o
mesmo ter dado entrada no STJ em tempo, ou seja, no dia 12 de Janeiro de 2007,
dentro do prazo de dez dias contados desde a data em que a decisão de não
admissão do Recurso de Revista a tornou definitiva, nos termos do disposto nas
disposições conjugadas do art. 75º da LTC e do 677º do C.P.C.”.
Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou
sobre a reclamação apresentada nos seguintes termos:
“Mesmo que se admita a tempestividade do recurso de fiscalização concreta
interposto, em consonância com a linha argumentativa da reclamante – assente na
ideia de que a “definitividade” da decisão que não admitiu o recurso ordinário,
interposto para o Supremo, apenas se “consumou” com o esgotamento do prazo de 10
dias para a possível e eventual suscitação de “incidentes” pós-decisório, face
ao acórdão constante de fls. 63 – a reclamação sempre teria de improceder, por
manifesta inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso
interposto.
Na verdade, o momento e o local adequados para suscitar a questão de
inconstitucionalidade normativa que pretendia submeter aos poderes cognitivos
deste Tribunal eram as conclusões do recurso de apelação, interposto para a
Relação de Lisboa, já que são naturalmente estas que delimitam os poderes
cognitivos do Tribunal ao apreciar o recurso, vinculando-o ao respectivo
conhecimento e apreciação (art. 72º, nº 2, “in fine” da Lei nº 28/82) –
irrelevando em absoluto, quer as alegações apresentadas perante o STJ (que não
chegou a conhecer do recurso), quer o teor de quaisquer outros documentos ou
“pareceres”, apresentados pela parte.
Ora, como resulta inquestionavelmente do teor da alegação que apresentou, a
fls. 32/37, não se mostra suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, susceptível de integrar objecto idóneo de um recurso de fiscalização
concreta, baseado na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal
Constitucional”.
*
Da análise dos autos resulta o seguinte:
- Por Acórdão de 14-3-2006, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença
proferida no 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa que, em acção
tutelar comum, havia decidido “alterar o nome da menor, no tocante à composição
dos apelidos, passando tal nome a ser C.”.
- Do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu a reclamante para o
Supremo Tribunal de Justiça, tendo o Conselheiro relator a quem o processo foi
distribuído decidido em 28-9-2006 “não conhecer do recurso de revista
interposto por A.”.
- Desta decisão foi interposta reclamação para a conferência, a qual foi objecto
de Acórdão de 5-12-2006, que julgou improcedente a reclamação.
- Em 7-12-2006 foram expedidas cartas registadas para os mandatários das partes
para notificação deste último Acórdão.
- A reclamante em 12-1-2006, por fax dirigido ao S.T.J., apresentou recurso para
o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“ - O Recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de
Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos
1875º n.º 1 e 2 do C. Civil e do artigo 103º n.º 2 alínea e) do Código de
Registo Civil, com a interpretação com que foram aplicados na decisão proferida
pelo Tribunal da Relação de Lisboa (Decisão que está em causa e com a qual não
concordamos por estar ferida de Inconstitucionalidade, mas que se aplicaria, por
o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ter entendido que desse mesmo
Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não é admissível recurso
para o STJ).
- Assim, com a interpretação dos normativos legais supra citados – Artigos 1875º
n.º 1 e 2 do C. Civil e do artigo 103º n.º 2 alínea e) do Código de Registo
Civil – esse mesmo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, onde se decide
proceder à alteração do nome da menor C., começa por referir que na falta de
acordo dos pais quanto à composição do nome, a escolha será feita pelo Tribunal
tendo por base e único critério o interesse da criança.
- Interesse esse que, segundo a interpretação dada aos preceitos supra citados,
pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (mantido pelo Supremo Tribunal de
Justiça, por o mesmo considerar não ser admissível Recurso para a Instância
Superior), se deverá estabelecer “de acordo com os critérios gerais e
maioritários, decorrentes dos usos e costumes vigentes e prevalecentes em
Portugal, ou seja, a composição do apelido com os apelidos maternos, de via
materna e paterna, respectivamente, e, seguido dos apelidos paternos, via
materna e paterna, respectivamente”.
- Justificando e fundamentando essa interpretação quando diz na solução a dar ao
litígio (concretização do interesse da menor) há que sopesar o “costume secular
em Portugal na ordenação dos apelidos das crianças que são nacionais
portugueses, e que não obstante a alteração legislativa introduzida pelo DL nº
36/97, de 31 de Janeiro, continua a ser usado, de um modo esmagadoramente
maioritário, pelos cidadãos do País.” (Pág. 6 do Acórdão do TRL),
- Mais alega, na tal interpretação que faz das normas do artº. 1875º do C.C. e
103º nº 2 al. e) do C. Registo Civil, e que aplica na decisão, o seguinte: “não
existem, pois, motivos suficientes que justifiquem uma alteração da tradição
pacificador na ordenação dos apelidos que, repete-se, é a seguida pela
esmagadora maioria dos portugueses.” (Pág. 8 do Acórdão do TRL).
- Com tal interpretação e aplicação dos preceitos nestes termos, apesar da
própria Lei ter sido alterada pelo DL. nº 36/97 de 31 de Janeiro (decorrente da
evolução civilizacional e da salvaguarda dos direitos fundamentais do homem e
da mulher na CRP), acaba por dar prevalência aos apelidos do Pai em detrimento
dos apelidos da mãe a final, prejudicando, assim, a manutenção do nome da menor,
que tem os apelidos da mãe no final do seu nome desde que nasceu (há mais de
três anos).
- Ora, esta interpretação das normas, quando conjugada com o do próprio texto
dos artigos 1875º n.º 1 e 2 do C.C. e do artigo 103º n.º 2 al. e) do Código de
Registo Civil que não distingue nem discrimina, é inconstitucional na medida não
se limita a aferir, através dos elementos disponíveis no processo, a
concretização do interesse da menor, mas antes faz prevalecer Usos e Costumes e
os sobrepõem à Lei vigente, violando a Constituição da República Portuguesa e
seus Princípios Basilares constitutivos de um Estado de Direito.
- O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa faz, com a interpretação e
aplicação das normas da forma acima descrita, uma interpretação das normas
desconforme com o Regime dos Direitos Liberdades e Garantias Pessoais
consagrados Constitucionalmente – artigo 26º nº 1 da C.R.P. que consagra a
protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
- Acresce que a aplicação dos preceitos normativos acima referenciados, da forma
como são interpretados gera uma desigualdade injustificada e impossibilita a
garantia da igualdade de oportunidades (igualdade material de sujeitos),
constitucionalmente assegurada a todos os cidadãos.
- Acresce que, esta interpretação dada ao artº 1875º não tem em consideração a
alteração legislativa operada pelo DL nº 36/97 de 31 de Janeiro, sendo que para
a dar solução ao litígio (alegadamente para concretização do interesse do menor)
interpreta e aplica a norma do 1875º de acordo com Lei não vigente (anterior
redacção do art. 1875º do C.C.)
- Tal aplicação das normas artigos 1875º nº 1 e 2 do C.C. e do artigo 103º n.º 2
al. e) do Código de Registo Civil, com a interpretação que lhe foi dada, e acima
descrita, viola também os artigos 12º e 13º da Constituição da Republica
Portuguesa, os Princípios Constitucionais da Universalidade (Artº. 12º CRP) e da
Igualdade e não discriminação consagrado no artº 13º da CRP, preceitos
constitucionais respeitante aos Direitos, Liberdades e Garantias e directamente
aplicáveis, nos termos do artº 18º da Constituição.
- O Acórdão interpreta e aplica os citados preceitos com o preenchimento do
elemento “interesse da Criança/menor” para a composição do seu nome, através de
“critérios gerais e maioritários” e “usos e costumes prevalecentes em Portugal”,
com total desrespeito pela a alteração legislativa que a Lei Portuguesa
consagrou como forma de salvaguardar os Direitos Fundamentais.
- A questão da Inconstitucionalidade foi suscitada nos autos: a Fls com as
Alegações de Recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e suas Conclusões, bem
como no documento junto com essa peça processual – Parecer subscrito pela
Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, a Fls. com as
Alegações de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – arts. 171º a 177º e
nas respectivas Conclusões”.
- O processo foi concluso em 16-1-2007 ao Conselheiro Relator, com a seguinte
informação:
“Ao Exmº Conselheiro Presidente da 6ª Secção, Azevedo Ramos, com informação que
os autos, a que se referem, o requerimento ora apresentado pela Exmª Mandatária
do recorrente, não obstante, o seu relator, Exmº Sr. Conselheiro Fernandes
Magalhães, actualmente jubilado, ter decidido os mesmos, estes tiveram o seu
trânsito em 21/12/06 e foram após essa data, remetidos ao T. Família e Menores
de Lisboa – 1ª Secção (Pº 39/04.7). Assim sendo, e porquanto se colhe da
informação obtida da aplicação informática que se imprimiu e aqui se anexa, este
requerimento também entrou muito “para além do prazo” previsto inclusivé com
multa a liquidar nos termos do art. 145º, nº 6 CPC), pelo que nos termos do
disposto no artº 166º nº 2 do C.P.C., faço a presente conclusão, a fim de que V.
Exª determine o que houver por conveniente”.
- Nessa mesma data foi proferida a seguinte decisão pelo Conselheiro Relator:
“Não admito o recurso para o Tribunal Constitucional, por ser extemporâneo,
face à informação supra”.
*
II - Fundamentação
1. Da tempestividade do recurso
Relativamente ao início do prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, dispõe o nº 2, do artº 75º, da LTC:
“Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência,
que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo
para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna
definitiva a decisão que não admite recurso”.
A decisão que não admite recurso torna-se definitiva quando transita em julgado,
isto é quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos
termos dos artº 668º e 669º, do C.P.C. (artº 677º, do C.P.C.).
A última decisão que não admitiu o recurso para o S.T.J., do Acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa, foi a proferida pelo Acórdão do S.T.J., de 5-12-2006,
notificado às partes por carta registada expedida em 7-12-2006.
Podendo este Acórdão ser susceptível de reclamação, nos termos dos artº 668º e
669º, do C.P.C., o mesmo só transitou em julgado em 21-12-2006, tendo em conta o
funcionamento da presunção prevista no artº 254º, nº 2, do C.P.C., e do prazo
geral de 10 dias para a dedução de incidentes previsto no artº 153º, do C.P.C..
O início do prazo para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional
(10 dias) do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa só se iniciou, pois, em
4-1-2007, atento o decurso do período de férias judicias que decorreu entre
22-12-2006 e 3-1-2007 (artº 144º, nº 1, do C.P.C.).
Tendo o recurso para o Tribunal Constitucional sido interposto em 12-1-2007, o
mesmo foi atempadamente deduzido, uma vez que se inseriu no prazo de 10 dias
previsto no artº 75º, nº 1, da LTC.
Contudo, apesar de não ter acolhimento o fundamento de não admissão do recurso
invocado na decisão reclamada, isso não significa que este seja necessariamente
admitido, devendo verificar-se o cumprimento dos restantes requisitos de
admissibilidade.
2. Da invocação durante o processo da questão de inconstitucionalidade
O Ministério Público veio alegar que não se mostra cumprido o requisito da
invocação durante o processo da questão de inconstitucionalidade.
Na verdade, o artº 72º, nº 2, da LTC, exige que os recursos previstos na alínea
b), do nº 1, do artº 70º, só possam ser interpostos pela parte que haja
suscitado a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer.
No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a
reclamante indicou que tinha suscitado a respectiva questão “com as Alegações
de Recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e suas Conclusões, bem como no
documento junto com essa peça processual – Parecer subscrito pela Comissão para
a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, a Fls. com as Alegações de Recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça – arts. 171º a 177º e nas respectivas
Conclusões”.
A invocação da questão nas alegações de recurso para o S.T.J. não é relevante,
uma vez que a decisão recorrida é a proferida pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, só relevando a arguição efectuada antes de ter sido proferida a decisão
recorrida, de modo que esta tenha o dever de a apreciar.
Nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação, não se encontra a arguição
expressa da questão de inconstitucionalidade referida no requerimento de
recurso, tendo-se, contudo, escrito no ponto 17:
“No que concerne à interpretação usos e costumes remeto para o Parecer que junto
como documento, elabaorado pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das
Mulheres no seu ponto III – 11 e 12, parecer este que teve como base um parecer
elaborado pela jurista da Comissão Drª Irene Cândida Rodrigues da Silva”.
Nos referidos pontos do indicado Parecer consta o seguinte:
“A verdade é que o homem era sempre privilegiado em relação à mulher, até que a
evolução civilizacional e a salvaguarda dos direitos fundamentais do homem e da
mulher na CRP – Constituição da República Portuguesa, vieram pôr cobro ao uso e
costume de discriminar a mulher, em razão do sexo, de tal forma que até “o
costume” do marido maltratar a mulher foi tipificado como crime do Código Penal
de 1982 (cfr. artº 153º desse diploma). A lei penaliza o agressor ou agressora
como infractores e as estatísticas conhecidas por todos/as dizem–nos que as
mulheres são as vítimas maioritárias desse crime hediondo.
Só que já estamos no século XXI e a própria CRP consagra no seu artº 13º o
princípio da igualdade e da não discriminação. Princípio este que qualquer ramo
de direito tem que respeitar e que colide, neste caso, com qualquer uso ou
costume, para já não falar de outros diplomas e convenções que consagram a
igualdade e proíbem a discriminação entre o homem e a mulher”.
Da leitura das alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e dos
pontos do parecer junto para os quais aquela peça processual remeteu não se
mostra enunciada a questão de inconstitucionalidade que a reclamante pretende
ver apreciada.
Na verdade, em nenhum lado desta peça se aponta a norma, ou se concretiza o
segmento normativo ou a interpretação normativa que a reclamante argui de
inconstitucional, pelo que não se mostra suscitada de modo processualmente
adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a questão de
inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada.
Não se mostrando cumprido o requisito enunciado no artº 72º, nº 2, da LTC, não é
possível conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo que
deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
III - Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
*
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. (artº 7º, do D.L.
303/98).
*
Lisboa, 8 de Maio de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos