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Processo n.º 110/2005
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como reclamante a Marinha, através do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças da Direcção do Serviço de Pessoal e como reclamado A., foi interposto recurso de constitucionalidade na sequência da prolação do acórdão de 9 de Dezembro de 2004, que rejeitou o recurso, interposto ao abrigo do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de Setembro de 2004. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor:
A Marinha, através do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças da Direcção do Serviço de Pessoal, Recorrente no processo à margem identificado, em que é Recorrido o segundo-sargento A., tendo sido notificada do douto Acórdão desse Venerando Tribunal, de 9 de Dezembro de 2004, pretende interpor recurso em matéria constitucional para o Venerando Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), que aprovou as normas reguladoras da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional. Com efeito, o aspecto controvertido neste processo que se pretende ver apreciado no âmbito da Jurisdição Constitucional traduz-se na recusa de aplicação das normas contidas nos artigos 67.º e 83.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo DL n.º 236/99, de 25 de Junho (alterado pela Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto e pelo DL n.º 197-A/2003, de 30 de Agosto), e 26.º,
25.º e 38.º do Regulamento de Avaliação do Mérito dos Militares da Marinha
(RAM), aprovado pela Portaria n.º 502/95, de 26 de Maio, as quais foram sucessivamente consideradas inconstitucionais por violação dos artigos 18.º e
268.º, números 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho de fls. 351. É o seguinte o teor do referido despacho:
O Acórdão deste STA de fls. 338/341 não se pronunciou sobre qualquer questão de constitucionalidade, não tendo tomado posição sobre o acerto ou desacerto do acórdão do tribunal “a quo”, na medida em que se limitam a emitir uma pronúncia em sede dos requisitos de admissibilidade do recurso de revista, previsto no art. 150º do CPTA, concluindo pela não admissão do recurso interposto pelo recorrente. Temos, assim, que a única norma aplicada no dito Acórdão foi o já citado art.
150º, preceito cuja inconstitucionalidade o recorrente não suscitou. Nestes termos, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional.
2. A Marinha, através do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças da Direcção do Serviço de Pessoal, reclamou, ao abrigo dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
A Marinha, através do Chefe da Repartição de Sargentos e Praças da Direcção do Serviço de Pessoal, Recorrente no processo à margem identificado, em que é Recorrido o segundo-sargento A., tendo sido notificada do douto Despacho de fls.
351 do Supremo Tribunal Administrativo, que decidiu não admitir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, vem muito respeitosamente e ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (que aprovou as normas reguladoras da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), reclamar dessa mesma decisão de não admissão do recurso, O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O douto despacho reclamado decidiu, em resumo, não aceitar a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional por considerar que o mesmo tinha por objecto o Acórdão proferido, em 9 de Dezembro de 2004, pelo Supremo Tribunal Administrativo e este não se ter pronunciado sobre qualquer questão de constitucionalidade.
2. O douto despacho aqui reclamado não se pronunciou sobre o cumprimento dos requisitos dos números 1 e 2 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, citada, sendo certo que a Recorrente não exclui a possibilidade de aperfeiçoamento do seu requerimento se para tanto for convidada.
3. Já quanto à não admissão do recurso é que a Recorrente não pode concordar, pelas razões que passa a expor:
3.1. Em primeiro lugar, porque cabe recurso para o Tribunal Constitucional quando se mostrem esgotadas as vias de recurso ordinário, conforme artigo 70, n.º 2, da Lei n.º 28/82, citada.
3.2. Em segundo lugar, porque, como se vê da epígrafe - 'Recursos Ordinários' - do Capítulo II do Título VII do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o recurso previsto no seu artigo 150.º (recurso de revista) é um recurso ordinário. Assim, não podia a Recorrente interpor recurso do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo sem antes fazer uso de mais esta possibilidade de recurso ordinário para o Supremo Tribunal Administrativo.
3.3. Em terceiro lugar, e na sequência do que se disse no precedente, por a admissibilidade do recurso de revista, no caso concreto, não ser objectivamente clara atendendo ao carácter fortemente indeterminado dos conceitos utilizados na determinação dos pressupostos legais daquele recurso
- a Recorrente não podia deixar de accionar mais esta via de recurso, pois se não o fizesse corria o risco do Tribunal Central Administrativo, perante requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o rejeitar com fundamento no facto de ainda não se terem esgotado todas as vias de recurso ordinário.
3.4. Em quarto lugar, o que não pode, salvo o devido respeito, é a Recorrente ficar privada do escrutínio deste Tribunal Constitucional relativamente às questões de (in)constitucionalidade que suscitou nas instâncias - e particularmente quanto ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - apenas pelo facto de o Supremo Tribunal Administrativo ter recusado tomar conhecimento do recurso de revista. Se assim fosse, estaria a criar-se um expediente perverso para afastar a intervenção do Tribunal Constitucional. Com efeito, bastava que o Tribunal de terceira instância, o Supremo Tribunal Administrativo, perante um dado caso, apreciasse negativamente a verificação dos pressupostos legais do recurso de revista para ficar precludido o direito de recorrer para aquele Venerando Tribunal. Salvo o devido respeito, não pode ter sido isto o que o legislador pretendeu ao exigir a exaustão dos meios de recurso ordinário nem ao exigir que a questão de
(in)constitucionalidade houvesse sido suscitada nas instâncias. Parece-nos, aliás, que a sua intenção foi a oposta: dar oportunidade às instâncias de aplicarem o direito em conformidade com a Constituição, sob pena de, não o fazendo, ter o Tribunal Constitucional a última palavra sobre o assunto. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Administrativo, no seu douto Acórdão de 9 de Dezembro de 2004, já aqui referido, reconheceu a admissibilidade de recurso de constitucionalidade do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de Setembro de 2004.
3.5. Por isso, não tendo o Supremo Tribunal Administrativo tomado posição quanto
às questões suscitadas pela Recorrente a propósito do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - e que, já havia suscitado em sede de recurso interposto da decisão de primeira instância - considerou a Recorrente que, salvo melhor opinião, competirá a este Tribunal Constitucional fazê-lo. Aliás e salvo o devido respeito, que é muito, pela decisão do Supremo Tribunal Administrativo, considera a Recorrente que as questões em apreço merecem efectivamente a pronúncia por parte do topo da hierarquia dos Tribunais e deste Tribunal Constitucional.
3.6. Por todo o exposto, é entendimento da ora Recorrente que - com todo o respeito pela posição contrária - o presente recurso deveria ter sido admitido e que este Tribunal deverá conhecer do seu objecto, sem prejuízo de aperfeiçoamento do requerimento inicial, se assim for entendido. Nestes termos, Senhor Presidente, requer-se muito respeitosamente que este Tribunal conceda provimento à presente reclamação, e consequentemente delibere no sentido da admissão do recurso, com o que será praticada a sempre brilhante e acostumada JUSTIÇA O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
A questão suscitada na presente reclamação é perfeitamente idêntica à que foi dirimida no ac. nº 50/05, que indeferiu a reclamação deduzida pela mesma entidade, considerando que a circunstância de a pretensão do recurso ter sido dirigida ao Conselheiro Relator no STA implica que a decisão recorrida era necessariamente o acórdão final proferido por esse Tribunal – e não o acórdão anteriormente proferido pelo TCA, que efectivamente procedera à recusa de aplicação normativa que fundamentara o recurso; e considerando o recurso que seria adequado precludido por via de a sua rejeição ter sido levada a efeito pelo próprio juiz a quem tal requerimento havia sido endereçado.
Cumpre apreciar.
3. O despacho reclamado não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto uma vez que considerou que tal recurso foi interposto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Dezembro de 2004. No entanto, é manifesto que o recurso de constitucionalidade foi interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de Setembro de 2004, que efectivamente procedeu à desaplicação com fundamento em inconstitucionalidade das normas jurídicas submetidas à apreciação do Tribunal Constitucional. Com efeito, a circunstância de o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ter sido endereçado ao Conselheiro Relator no Supremo Tribunal Administrativo e não ao Desembargador no Tribunal Central Administrativo Sul não se afigura relevante no caso dos autos, já que em face do teor de tal requerimento é inequívoca a pretensão de interposição de recurso da decisão do Tribunal Central Administrativo e não da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo: é suficientemente perceptível que o recorrente pretende interpor recurso da decisão que procedeu à desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade e que essa decisão é a proferida pelo Tribunal Central Administrativo. Assim, cabe apreciar se o recurso de constitucionalidade é admissível, após a prolação do acórdão de 9 de Dezembro de 2004, que não admitiu o recurso interposto ao abrigo do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
De acordo com o artigo 70º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários quando os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual. Por outro lado, o nº 2 do artigo 75º da Lei do Tribunal Constitucional determina que o prazo para a interpretação do recurso de constitucionalidade se conta a partir do momento em que se torna definitiva a decisão que não admitiu o recurso ordinário entretanto interposto. Por último e decisivamente, o artigo 70º, nº 6, da Lei do Tribunal Constitucional, determina que a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional por força da opção pela interposição de recurso ordinário, não preclude o direito de interpô-lo ulteriormente. Ora, no presente caso foi interposto um recurso da decisão do Tribunal Central Administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, recurso esse que não foi admitido pelo tribunal ad quem. Após a prolação da decisão de rejeição do recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, ainda era legalmente possível interpor o recurso de constitucionalidade da decisão do Tribunal Central Administrativo. A própria lei do Tribunal Constitucional prevê, no preceito relativo ao prazo de interposição do recurso de constitucionalidade, a interposição de recurso ordinário não admitido, bem como, no referido artigo
70º, nº 6, a possibilidade de interposição de recurso de constitucionalidade depois da interposição do recurso ordinário. Desse modo, a presente reclamação será deferida.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide deferir a presente reclamação, revogando o despacho reclamado e admitindo, consequentemente, o recurso de constitucionalidade interposto.
Lisboa, 15 de Março de 2005
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos