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Processo n.º 66/2005
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 15 de Fevereiro de 2005 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:-
“1. Não se conformando com o acórdão tirado em 13 de Julho de 2001 pelo tribunal colectivo do 1º Juízo do Tribunal de comarca de Chaves que, pela prática de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelo artº 146º, números 1 e
2, com referência aos artigos 144º, alíneas b) e c), e 132º, nº 2, alínea g), este como aqueles do Código Penal, condenou os arguidos A., B. e C., respectivamente, nas penas de três anos e oito meses de prisão, três anos e oito meses de prisão - penas estas às quais foi perdoado um ano de prisão - e dois anos e dez meses de prisão - ficando esta última suspensa na sua execução pelo período de três anos -, e condenou ainda aqueles arguidos a pagarem determinadas indemnizações a favor da demandante civil D. e do Hospital Distrital de Chaves, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, quer a indicada demandante, esta no que tange ao perdão aplicado, quer os arguidos.
Em 16 de Julho de 2001 os indicados arguidos requereram o acesso às actas de audiência e, sendo tal pretensão deferida por despacho de 18 seguinte, vieram eles, em 18 e 21 de Setembro do mesmo ano, solicitar a prorrogação, por quinze dias, do prazo, com vista a análise e estudo dessas actas.
Tendo, por despacho de 28 de Setembro de 2001, sido determinado que o prazo para a interposição de recurso por parte dos arguidos se contava a partir de 17 de Setembro de 2001, pois que a partir de tal data não existia qualquer impedimento deles no acesso às actas, vieram os arguidos, em 9 de Outubro seguinte, apresentar novo requerimento através do qual pretendiam ser esclarecidos sobre o significado da expressão «deferido» utilizada no despacho de 18 de Setembro de 2001, se no despacho de 28 de Setembro de 2001 se conheceu de um justo impedimento e se foram ouvidos os demais sujeitos processuais, solicitando, por fim, que lhes fosse concedido uma prorrogação, por quinze dias, dos prazos legalmente estabelecidos, contados desde o início da data em que foram notificados da cessação do impedimento.
Por despacho de 19 de Novembro de 2001 foi entendido:-
- que nada havia a esclarecer quanto aos despachos por via dos quais se deferiu o acesso às actas e em que foi determinado que o prazo para recorrer se contava desde o dia 17 de Setembro de 2001;
- que, ao se dizer que o prazo para a interposição de recurso se contava a partir de 17 de Setembro de 2001, isso significava que se teve em consideração um «justo impedimento» no acesso às actas, e que era a partir dessa data, e não de qualquer outra, que o prazo começava a contar;
- que falecia razão aos arguidos no tocante à solicitada prorrogação do prazo, mantendo-se, por isso, o determinado no despacho de 28 de Setembro de
2001.
Desse despacho de 19 de Novembro de 2001 interpuseram recurso os arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na motivação de recurso do acórdão condenatório em parte alguma vieram os arguidos suscitar qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de norma ou normas ínsitas no ordenamento jurídico infra-constitucional, outro tanto sucedendo no que concerne à motivação do recurso do despacho de 19 de Novembro de 2001.
Na realidade, nesta última motivação, apenas se surpreendem, no que ora releva, as seguintes expressões, em que é feita referência ao Diploma Básico:-
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E, também não lhes repugnou, salvo o devido respeito, ter requerido o esclarecimento do despacho de fls. 453 pelas razões que visavam conseguir o direito sagrado de se defenderem mediante a consulta das actas, e, nos prazos normais, ou, nas circunstâncias dos autos, por anormais, praticarem os actos a que têm direito fora do prazo como dispõe o nº 2 do artº 107º do C.P.C. que impõe que para o efeito sejam ouvidos os outros sujeitos processuais o que in casu não ocorreu, e, como também estabelece o nº 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa.
CONCLUSÕES:
1º O douto despacho recorrido violou por erro de interpretação, e, de falta de aplicação a disciplina do nº 2 do artº 107º do C.P.P., como resulta da matéria invocada. sobejamente constante dos autos, pois no caso verifica-se o justo impedimento;
2º Como a manter-se o mesmo despacho este violava o princípio sagrado das garantias do processo penal previsto no nº 1 do artº 32º da C.R.P..
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Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de Maio de
2002, entendido que era competente para curar do recurso o Tribunal da Relação do Porto, por isso que a impugnação do acórdão condenatório também visava matéria de facto, foram os autos remetidos àquele Tribunal de 2ª instância que, por acórdão de 19 de Março de 2003, negou provimento ao recurso interposto do despacho de 19 de Novembro de 2001 e, por acórdão de 18 de Junho de 2003, negou provimento ao recurso dos arguidos interposto do acórdão condenatório lavrado na
1ª instância, concedendo, porém, provimento ao recurso interposto pela demandante civil D., assim revogando a determinação, constante desse aresto, concedendo o perdão de um ano às penas impostas aos arguidos A. e B..
Requerido pelos arguidos o esclarecimento de determinadas ambiguidades e a correcção de certos lapsos de que, na sua óptica padeceria o acórdão, pretensão que foi indeferida por acórdão de 7 de Janeiro de 2004, recorreram eles para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na motivação do recurso, igualmente não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Também nesta peça processual (rectificada por requerimento apresentado em 30 de Janeiro de 2004) tão só se vislumbram, no que agora interessa, as seguintes asserções:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
25º E, também não lhes repugnou, salvo o devido respeito, ter requerido o esclarecimento do despacho de fls. 453 pelas razões que visavam consegui[r] o direito sagrado de se defenderem mediante a consulta das actas, e, nos prazos normais, ou, nas circunstâncias dos autos, por anormais, praticarem os actos a que têm direito fora do prazo como dispõe o nº 2 do artº 107º do C.P.C. que impõe que para o efeito sejam ouvidos os outros sujeitos processuais o que in casu não ocorreu, e, como também estabelece o nº 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa. CONCLUSÕES
1º Como resulta dos autos, o Tribunal da 1ª instância não possuía meios técnicos para proceder [à] gravação da prova, e, reiterando, ninguém prescindiu da documentação da prova e, as actas foram mantidas em segredo nos termos constantes dos autos.
Tal omissão sufragada pelo Tribunal da Relação do Porto deixou de aplicar o disposto pelos artigos 363º, 364º, nº 4, e, ainda, a disciplina deles resultante em conexão com os artºs 427º, 428º, 410º nºs 3 e 4, todos do C.P.P. que, sem qualquer margem para dúvida impõem ao Tribunal Colectivo ou a reprodução integral da prova quando o Tribunal dispõe de meios técnicos para o efeito ou a consignação pelo menos em súmula em acta do que resultar das declarações orais.
Tais declarações não foram ditadas, como flui de todo o processado.
Deixou de haver lealdade e justeza nos autos. As actas foram apenas tornadas públicas, como consta da informação de fls. 453, a partir de 17/9/2001 com as infidelidades que os arguidos lhe atribuíram.
Aliás, é, a nosso ver, a jurisprudência seguida em vários acórdãos deste Venerando Tribunal, e, a nosso ver, a mais justa e acertada.
2º Essa omissão vem lesar o direito fundamental da defesa dos arguidos, e, o prestígio da justiça que não puderam ver reapreciada a matéria tal como foi produzida em discussão da causa, e, viola as normas dos artºs 13º, 32º, nº 1,
204º, e, 205º da C.R.P.
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15º Ainda o Tribunal, não obstante, e, repetindo, violou o artº 363º, e, 364º do C.P. Penal, por não ter ordenado que se documentasse a audiência de discussão e julgamento, e, as normas supra citadas da C.R.P.
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Emitido «parecer» pelo Representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, ao mesmo responderam os arguidos, tendo na cabida peça processual, escrito, a dado passo:-
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A procura das actas foi uma saga incessante que muito prejudicou a defesa dos arguidos, da verdade, e, da justiça.
3º Daí que não tendo o Tribunal da 1ª instância meios técnicos para proceder
[à] gravação da prova, como consta dos autos, e, porque nenhum interveniente processual prescindiu da prova, nem foram ditadas [ ] e consignadas em actas as declarações prestadas oralmente em Tribunal, como igualmente resulta dos autos, impõe-se a anulação do julgamento, pois houve violação dos artºs 13º, 32º, nº 1,
204º, e, 205º da Constituição da República Portuguesa, e, tal omissão tendo impedido, e, impede os arguidos de poder ver reapreciada a matéria discutida em audiência de julgamento.
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Pelo exposto, e, salvo o merecido respeito por melhor perecer, há, além do mais, erro notório na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que este Digno Tribunal, estão certos os Recorrentes, irá apreciar’.
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de Setembro de 2004, confirmado, in totum, a decisão recorrida, dele vieram os arguidos solicitar esclarecimentos e correcção de inexactidões e lapsos, dizendo, no que para o caso releva:-
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É, efectivamente, um acórdão que de uma forma reiteradíssima sufraga, e, proclama que este Venerando Tribunal s[o]mente, e, apenas reexamina matéria de direito.
Não ignoram os Recorrentes o quanto é difícil estabelecer fronteiras entre matéria de facto e de direito.
E, não ignoram que se uma instância omitiu ou fez má aplicação do direito ou até deixou de o apreciar nos encontramos na esfera do direito e aqui a fronteira
é aparente, vê-se, é cristalina.
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Ora o douto acórdão deste Venerando Tribunal proclama com exuberância que efectivamente a lei ‘faz questão de assinalar um recurso efectivo em matéria de facto em ambos os julgamentos’, e, por isso, ao nível da Relação.
E, também se anota no mesmo acórdão que para se prosseguir essa finalidade, e, com vista a uma correcta reponderação, se imponha ao julgador que ‘dite para a acta o que resulta provado’. Nada foi dito quanto à prova.
Também o douto acórdão anota na respectiva página 13 que quanto aos exames relativos [à]s ofensas, e, suas lesões se surpreendem vícios graves.
Com as omissões referidas, e que desenvolveram nas suas alegações, foram violadas as garantias de defesa dos Recorrentes, e, acauteladas nos artigos 13,
32 Nº 1, 204º, e, 205º da Constituição da República Portuguesa tal como alegaram sob os números 2º e 15º das suas alegações de recurso.
É [ó]bvio que não podendo, com tal omissão, os Recorrentes ter um recurso efectivo em matéria de facto em ambos os julgamentos, há ofensa grave directa ao nº 1 do artigo 32º da C.R.P., bem como ao que o mesmo diploma fundamental dispõe no artº 204º e nº 1 do artigo 205º.
A violação dos referidos preceitos constitucionais é pois manifesta, e, isto é uma questão de direito, pois, sendo certo que este Tribunal enquanto de revista, e, porque dos autos decorre uma injustiça gritante que se vê como uma verdade cristalina, poderia fazer uso dos seus poderes de reapreciação, e, ordenar a repetição do julgamento em 1ª instância.
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Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10 de Novembro de 2004 desatendido o requerido, vieram os arguido apresentar nos autos requerimento com o seguinte teor:-
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A., B., e C., arguidos, e, recorrentes nestes autos, nos termos dos artigos 75º, 75º-A nº 3, e, 78º, todos da Constituição da República Portuguesa, vêm, por ter legitimidade, recorrer do douto acórdão que confirmou a decisão pela qual foram condenados, decisão essa que nos presentes autos é definitiva, não admitindo qualquer recurso ordinário, e, porque não se conformam com a decisão proferida por este Venerando Tribunal da mesma interpor recurso para o Tribunal Constitucional pois que nela foram aplicadas, por um lado, normas cuja inconstitucionalidade já foi trazida pelos Recorrentes a debate nos autos, e, por outro lado, foram aplicadas normas cuja ilegalidade igualmente foi suscitada por eles nos mesmos, normas que este Venerando Tribunal nem abordou nem aflorou pois, sem quebra de respeito pelo decidido, a consideração das mesmas poderia levar, do que estão sinceramente convictos, a conclusão contrária [à] sufragada no acórdão ora em recurso.
Termos em que requerem a Vªs Exªs se dignem admitir-lhes o presente recurso interposto para o Tribunal Constitucional no efeito, e, regime previstos no nº 3 do artigo 78º da C.R.P., dignando-se ordenar que os Recorrentes prestem quaisquer indicações ou supram quaisquer omissões que julguem ocorrer face [à] lei no ora requerido com vista [à] sua admissão, e, se prossigam os demais termos processuais até final’.
Tendo o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho prolatado em 3 de Dezembro de 2004, solicitado aos arguidos que, em oito dias, indicassem quais as normas ou princípios constitucionais violados, bem como a peça processual em que foi suscitada a questão de inconstitucionalidade, vieram estes dizer:-
- que no requerimento de interposição de recurso por lapso se referiram à Constituição da República Portuguesa, já que se queriam referir à Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sendo ao abrigo da ‘al. b) do nº 1 do artº 72 desta Lei’ que o recurso era interposto ;
- que o concedido prazo de oito dias representava uma limitação do prazo previsto no nº 5 do artº 75º-A daquela Lei;
- que, sem conceder, ‘os Recorrentes nas suas conclusões de recurso, aliás, na sua conclusão nº 2 suscitaram a violação das normas dos artigos 13.
32º, 10º, 204º, e, 205º todos da Constituição da República Portuguesa porquanto o acórdão de que recorrem ao interpretar os artigos 363º e 364º, nº 4, do C.P.P., devidamente conjugados com os artigos 118º, nº 2, e, 123º, nº 1, do C.P.P. violou o núcleo essencial das garantias de defesa dos arguidos especialmente o direito ao recurso em matéria de facto, aplicando, pois, normas cuja ilegalidade foi suscitada durante o decurso dos autos como mencionaram supra, e, sobre o que este Tribunal nunca se pronunciou, e, que nem sequer aflorou’.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 5 de Janeiro de 2005, revogou o anterior despacho de 3 de Dezembro de 2004, na parte em que fixou o prazo de oito dias, concedendo novo prazo de dez dias, que correria de novo.
Na sequência, os arguidos apresentaram novo requerimento no qual repetiram a parte acima transcrita do seu anterior requerimento apresentado após serem notificados do despacho de 3 de Dezembro de 2004.
Por despacho de 26 de Janeiro de 2005 o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. Porque tal despacho não vincula este órgão de administração de justiça, e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Assim, em primeiro lugar, não é entendível que, sendo o recurso ancorado na alínea b) do nº 1 do artº 70º, e anotando-se que esta circunstância nunca foi indicada pelos arguidos, venham estes agora sustentar, no respectivo requerimento de interposição, que suscitaram, antes da prolação do acórdão intentado impugnar, a ‘ilegalidade’ da interpretação das normas dos artigos 363º e 364º, nº 4, em conjugação com os artigos 118º, nº 2, e 123º, nº 1, todos do Código de Processo Penal.
Mas, ainda que a utilização do vocábulo ‘ilegalidade’ se tenha devido a lapso, hipotisando-se que pretenderiam escrever
‘inconstitucionalidade’, o que é certo é que, como deflui do relato supra efectuado, a afirmação de que aquela suscitação ocorreu não corresponde à realidade.
Na verdade, em passo algum da motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça se vislumbra qualquer asserção de onde decorra, directa ou indirectamente, expressa ou implicitamente, que aquelas normas adjectivas criminais (ainda que alcançadas por via de um processo interpretativo do qual, aliás, note-se, nunca é feita a mínima menção) enfermavam do vício de contraditoriedade com a Lei Fundamental.
O que, como se viu, foi dito naquela motivação foi que a actuação do tribunal da 1ª instância - e que não foi objecto de censura por parte do Tribunal da Relação do Porto - consubstanciava uma omissão consistente em se ter deixado ‘de aplicar o disposto pelos artigos 363º, 364º, nº 4, e, ainda, a disciplina deles resultante em conexão com os artºs 427º, 428º, 410º nºs 3 e 4, todos do C.P.P.’, vindo tal actuação omitiva a ‘lesar o direito fundamental da defesa dos arguidos, e, o prestígio da justiça que não puderam ver reapreciada a matéria tal como foi produzida em discussão da causa, e, viola as normas dos artºs 13º, 32º, nº 1, 204º, e, 205º da C.R.P.’
A mesma postura foi reafirmada na resposta ao «parecer» exarado pelo Representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, como resulta da transcrição a que acima se procedeu.
Nunca foi minimamente escrito o que quer que seja de onde se extraísse ou pudesse extrair que a decisão então sob recurso, ou seja, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, levou a efeito uma aplicação dos preceitos processuais penais agora indicados no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal com uma dada dimensão interpretativa que, na perspectiva dos arguidos, era ofensiva do Diploma Básico.
O que foi brandido pelos recorrentes foi que aquela decisão, ao
«acobertar» a actuação omissiva do tribunal da 1ª instância, foi, ela mesma, violadora de determinadas normas ou princípios constitucionais.
Ora, como é sabido, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas pertencentes ao ordenamento jurídico ordinário e não quaisquer outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas. O que vale por dizer que a imputação do vício de inconstitucionalidade a uma decisão judicial sem que, ao menos do mesmo passo, se impute aos normativos que constituíram a sua ratio decidendi uma enfermidade constitucional, não pode abrir a via do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Desta sorte, não tendo os recorrentes, precedentemente à prolação do acórdão de 22 de Setembro de 2004, suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, falece, in casu, um dos pressupostos do recurso, não se tornando assim necessário, sequer, entrar na questão de saber se o acórdão ora desejado impugnar veio a aplicar algum ou algum dos preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso.
Neste contexto, não se toma conhecimento do respectivo objecto, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
Da transcrita decisão vieram os arguidos requerer a respectiva aclaração dizendo, em síntese:-
- que o relator “tomou a devida nota dos diversos passos e datas dos requerimentos”, mas que eles, reclamantes, “pretendiam, e, pretendem trazer a este Tribunal a questão nuclear dos autos”, que “é o princípio da protecção dos direitos de defesa dos Recorrentes no processo criminal em que foram acusados, e, foram condenados, e, os seus direitos postulam os instrumentos, os meios necessários, e, aptos para a sua defesa”;
- que o processo em que foram julgados não assegurou todas as suas garantias de defesa, já que lhes “não foi concedido o direito de ver reapreciada pelo Tribunal da Relação a matéria que a primeira instância apreciara”;
- que, em “vários passos das suas alegações suscitaram a violação de várias normas, e, inclusivamente sob o nº 2 das suas alegações de recurso invocaram a violação dos artigos 13º, 32º, 10º, 204º, e, 205º todos da C.R.P. ... como defendem, que tendo o acórdão violado os supracitados preceitos ao interpretar como interpretou os artigos 363º e 364º nº 4 do Código de Processo Penal devidamente conjugados com os artºs 118º nº 2, e, 123º nº 1 deste diploma violou o núcleo essencial das garantias de defesa dos arguidos”;
- que, assim, “parece aos Recorrentes que o acórdão do S.T.J. interpretou os artigos 363º e 363º nº 4 do C.P.P. devidamente conjugados com os artºs 118º nº 2, e, 123º nº 1desse diploma, no sentido de que a falta de documentação na acta das declarações oralmente prestadas na audiência de julgamento seja por meios técnicos idóneos [à] reprodução integral das declarações, seja através de uma súmula ditada pelo juiz daquilo que resultar dessas declarações, constitui uma mera irregularidade que se deve considerar sanada se não for invocada no início do julgamento, e, que tal entendimento viola o núcleo essencial das garantias de defesa dos arguido, particularmente do direito ao recurso em matéria de facto, e, como tal ofende o artº 32º nº 1 da C.R.P.”, sendo esta inconstitucionalidade arguida e reiterada na 2ª conclusão da motivação de recurso para o S.T.J.
Entendendo-se que, em face do que é referido no requerimento agora apresentado pelos arguidos, o mesmo consubstancia uma verdadeira reclamação visando a impugnação da decisão sumária proferida, pois que, na óptica dos recorrentes, a mesma não teria atentado naquilo que, sustentam, era a questão nuclear dos autos, foi determinado o processamento dos atinentes termos.
Ouvido o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se o mesmo no sentido de a mesma ser manifestamente infundada. já que era “evidente que - como refere a decisão reclamada - os recorrentes não suscitaram, durante o processo e em termos processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional”.
Por seu turno, a demandante civil D. não efectuou qualquer pronúncia sobre a «reclamação» ora apresentada.
Cumpre decidir.
2. A reclamação ora em apreço em nada abala o que se contém na decisão impugnada.
Reafirma-se, por isso, que, antes do proferimento do acórdão intentado impugnar perante este Tribunal, não foi assacado o vício de inconstitucionalidade a qualquer norma do ordenamento jurídico ordinário e a
«conclusão» 2º da motivação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, acima transcrita, aponta, inquestionavelmente, no sentido de, na perspectiva dos então recorrentes, ter sido a alegada actuação omissiva do tribunal da 1ª instância (de não transcrição na acta, por súmula, das declarações e depoimentos produzidos em audiência) que violava determinados normativos da Lei Fundamental.
Nunca, em passo algum, como se anotou na decisão em análise, foi imputada a qualquer norma infra-constitucional, ainda que alcançada por meio de um processo interpretativo, a desarmonia com o Diploma Básico.
Por isso não merece censura a decisão em causa, pelo que se indefere a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 6 de Abril de 2005
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício