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Processo n.º 236/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 226/2007, que
indeferiu reclamação por ela apresentada, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho do Conselheiro
Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 15 de Janeiro de 2007, que não
admitira recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do STJ, de 7 de
Dezembro de 2006, por (esse despacho) haver entendido que nesse acórdão “não se
mostra aplicada qualquer norma (seu segmento ou interpretação) que, no decurso
do processo, a recorrente tivesse assacado de não conforme à Constituição”.
1.1. O aludido Acórdão n.º 226/2007, para indeferir a
reclamação, desenvolveu a seguinte fundamentação:
“2. A presente reclamação é ostensivamente improcedente, desde logo porque
a reclamante não identifica, com o mínimo de precisão, nem no requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, nem nesta reclamação,
qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a normas de direito
ordinário (ou a uma sua determinada interpretação) para ser sujeita à apreciação
deste Tribunal.
Acresce que a admissibilidade do recurso interposto, como o presente, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação
cumulativa dos requisitos: (i) de o recorrente haver suscitado a
inconstitucionalidade de normas, de modo processualmente adequado, perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e (ii) de a decisão recorrida haver
aplicado, como ratio decidendi, essa norma arguida de inconstitucional.
Ora, nas peças processuais produzidas pela recorrente perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida – a saber: as alegações do recurso de revista
(fls. 411 a 442), a que foi negado provimento pelo acórdão de 17 de Outubro de
2006 (fls. 650 a 657), e a arguição de nulidade e pedido de reforma do
anterior acórdão (fls. 694 a 720), ambos desatendidos pelo acórdão de 5 de
Dezembro de 2006 (fls. 735 a 740) – nenhuma questão de inconstitucionalidade
normativa vem suscitada. As únicas referências à Constituição constantes dessas
peças processuais reportam‑se a decisões judiciais, e não a normas: nas
alegações do recurso de revista imputa‑se directamente ao acórdão do Tribunal
da Relação do Porto, então recorrido, a violação dos artigos 13.º e 204.º da
CRP; na arguição de nulidade e pedido de reforma do acórdão do STJ de 17 de
Outubro de 2006 apenas se diz que este acórdão “ao decidir como decidiu viola a
CRP e lei expressa”. Não foi, assim, suscitada pela recorrente, de modo
processualmente adequado, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
o que logo determina a inadmissibilidade do recurso.
Aliás, no acórdão de 5 de Dezembro de 2006 – que é o expressamente
referido pela recorrente, no requerimento de interposição de recurso, como
constituindo objecto deste recurso –, as normas efectivamente aplicadas foram as
dos artigos 668.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) (para rejeitar as arguições de
falta de fundamentação, de contradição entre os fundamentos e a decisão e de
omissão de pronúncia), e 669.º, n.º 2 (para desatender o pedido de reforma do
anterior acórdão), ambos do CPC, normas estas relativamente às quais jamais a
recorrente suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade.
Admitindo, porém, que terá havido lapso da recorrente na identificação da
decisão recorrida e que ela, em rigor, pretendia interpor recurso do acórdão de
17 de Outubro de 2006, que negou a revista, a conclusão será a mesma. A
imputação de inconstitucionalidade – feita, como se viu, à própria decisão
judicial então impugnada, em si mesma considerada – surgiu no âmbito de
recurso de agravo, que ela alegou juntamente com o recurso de revista, reportado
à não admissão, por extemporânea, da contestação da ré, ora recorrente. Ora, o
STJ expressamente decidiu considerar inadmissível essa parte do recurso, «de
acordo com o n.º 2 do artigo 754.º do CPC, por não se verificar nenhuma das
excepções desse número ou do n.º 3», pelo que, mesmo que fosse possível – e não
é – vislumbrar naquela imputação da inconstitucionalidade uma referência à
interpretação feita, pela Relação, das normas dos artigos 143.º, n.º 1, do CPC e
35.º do Decreto‑Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (no sentido de que, por força
do carácter de urgência atribuído por este último preceito aos processos
judiciais referidos no artigo 28.º do mesmo diploma, não se aplica a regra do
primeiro preceito, que proíbe a prática de actos processuais durante o período
de férias judiciais), sempre seria seguro não ter o primeiro acórdão do STJ
feito aplicação de tal interpretação, que integrava o objecto da parte do
recurso de que não se conheceu, por inadmissibilidade.
Não tendo a recorrente suscitado, perante o STJ, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, designadamente reportada às normas por este
aplicadas como ratio decidendi, o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional era inadmissível, como bem decidiu o despacho ora reclamado,
que, por isso, merece confirmação.”
1.2. Na presente “arguição de nulidade”, aduz a
reclamante:
“Vem a presente reclamação do douto acórdão de 30 de Março de 2007, que
não admite o recurso interposto pela recorrente para o Tribunal Constitucional.
Refere o douto despacho que «não se mostra aplicada qualquer norma (nem
segmento ou interpretação) que, no decurso do processo, a recorrente tivesse
assacado de não conforme à Constituição».
Salvo o devido respeito e que é muito por opinião contrária, o que é certo
é que desde a sua contestação em sede de Tribunal de Comarca de Paredes e
subsequentes agravos e apelação para o Tribunal da Relação do Porto e finalmente
com o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça,
sempre a recorrente defendeu a inconstitucionalidade de norma e
interpretação aplicada no processo.
Atente‑se ao alegado pela recorrente nas suas alegações de revista em que
claramente se refere à INCONSTITUCIONALIDADE do entendimento do Tribunal da
Comarca de Paredes e do Tribunal da Relação do Porto, das normas aplicadas e
violadoras dos artigos 13.º e 204.º da CRP.
Aliás, a essa alegação de inconstitucionalidade se refere o douto acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Outubro de 2006, a fls. 2.
Pelo que dizer‑se que a recorrente nunca suscitou a inconstitucionalidade
no decurso do processo se nos afigura errado e mais uma vez violadora dos seus
direitos constitucionais,
No presente caso de recurso para o Tribunal Constitucional.
E atente‑se que essa questão é relevante para a decisão da causa.
Assim, é facto que a recorrente sempre assacou à aplicação e
interpretação das normas do Código do Arrendamento Urbano efectuada quer em
sede de Tribunal de 1.ª Instância, quer em sede de 2.ª Instância, a sua
inconstitucionalidade.
O que também agora faz em sede de recurso de revista no Supremo Tribunal
de Justiça,
defendendo que o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça viola os
artigos 13.º e 204.º da CRP, por errada interpretação, pelo que
inconstitucional, dos artigos 143.º, 144.º e 668.º do CPC, 28.º e 35.º do
Decreto‑Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, e 328.º, 329.º, 333.º e 334.º do
Código Civil.
Pelo que se afigura estarem preenchidos os requisitos do artigo 70.º, n.º
1, alínea b), e n.º 2, da Lei n.º 28/82, pela aplicação da norma após a sua
submissão a um juízo de constitucionalidade;
suscitação da inconstitucionalidade no decurso do processo, pela
recorrente.
Ora,
A competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas é
reconhecida a todos os tribunais que, quer por impugnação das partes, quer ex
officio pelo juiz, apreciam a inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao
caso concreto submetido a decisão judicial (cf. artigos 204.º e 280.º da CRP).
O processo de fiscalização concreta de norma jurídicas, designado também
por processo incidental ou acção judicial de inconstitucionalidade, traduz a
consagração do direito / dever de fiscalização dos juízes relativamente a
normas a aplicar a um caso concreto.
Uma norma em desconformidade material, formal ou procedimental com a
Constituição é NULA, devendo o juiz, antes de decidir qualquer caso concreto de
acordo com esta norma, examinar se ela viola as normas e princípios da
Constituição.
O que, salvo melhor opinião, não foi feito.
Desta forma, os juízes têm acesso directo à Constituição, aplicando ou
desaplicando normas cuja inconstitucionalidade foi impugnada.
A competência dos Tribunais para exercerem a fiscalização judicial consta
do artigo 204.º da CRP e o seu regime básico está fundamentalmente consagrado no
artigo 280.º da CRP e nos artigos 69.º e seguintes da LTC.
É este o regime geral de acesso ao Tribunal Constitucional.
Das decisões do juiz a quo, quer de acolhimento, quer de rejeição da
inconstitucionalidade, cabe recurso, por via incidental, para o Tribunal
Constitucional – artigo 280.º da CRP.
Como das decisões dos juízes pode haver recursos de inconstitucionalidade
para o TC, diz‑se também que a fiscalização concreta, incidental e difusa, é uma
introdução necessária dos recursos para o TC.
Este poderá vir a revogar a decisão do juiz a quo.
A questão da inconstitucionalidade foi levantada pela recorrente num feito
submetido a julgamento perante um Tribunal – artigo 204.º da CRP.
A questão colocada pela recorrente e suscitada perante o juiz a quo é uma
questão de inconstitucionalidade, isto é, coloca‑se o problema da conformidade
ou desconformidade de normas com a Constituição.
É uma questão concreta de inconstitucionalidade, ou seja, trata‑se de
questão de desconformidade constitucional de um acto normativo [a] aplicar num
caso submetido a decisão perante o juiz a quo.
In casu, artigos 28.º e 35.º do Decreto‑Lei n.º 385/88.
É uma questão objectiva e pressupõe um juízo de conformidade de um acto
normativo com normas e princípios dotados de escalão constitucional e valor
legal reforçado, e foi suscitada durante o processo.
A descodificação da fórmula QUESTÃO SUSCITADA DURANTE O PROCESSO tem dado
origem a vasta jurisprudência.
O Tribunal Constitucional tem recortado este requisito sob uma
perspectiva marcadamente funcional.
Suscitar‑se a questão da inconstitucionalidade significa que essa
invocação pode e deve ser feita em momento em que o Tribunal a quo ainda possa
conhecer da questão.
O que é o caso.
A inconstitucionalidade foi suscitada pela recorrente antes de esgotado o
poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a inconstitucionalidade
respeita – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/98, Diário da República,
II Série, de 22 de Setembro de 1998.
Como se disse, a questão da constitucionalidade suscitada é relevante para
a decisão da causa.
A causa, o feito submetido a decisão judicial, diz respeito a um outro
assunto, questão de fundo, questão de mérito, mas depende também da validade ou
invalidade de uma norma [a] aplicar ao caso.
A questão da constitucionalidade não representa a questão principal, é
antes uma questão incidental relevante para a solução da questão principal.
A noção de questão relevante oscila entre duas posições principais:
Questão relevante é aquela que é decisiva para a decisão do Tribunal, não
podendo esta ser proferida sem a resolução do problema prévio da
inconstitucionalidade;
Questão relevante existe também quando [a] aplicação da norma cuja
constitucionalidade é posta em causa parece necessária ao Juiz a quo, ou quando
este admite como possível vir essa norma a ser aplicada ao feito submetido a
julgamento, mas afasta a sua aplicação por motivo de inconstitucionalidade.
De qualquer modo, não é suficiente afirmar, na decisão do tribunal a quo,
que determinada norma é inconstitucional.
Ela deve ser efectivamente desaplicada por motivos de
inconstitucionalidade, ou aplicada não obstante em vocação [sic] de
constitucionalidade, no feito submetido a apreciação judicial.
Por isso se diz que no juízo sob a aplicação ou desaplicação de uma norma
esta foi aplicada como ratio decidend[i] e não como um simples ob[i]ter dictum
da decisão recorrida.
A questão da inconstitucionalidade deve ter por objecto normas que tenham
de ser aplicadas na causa.
O que é manifestamente o caso s[u]b judice.
Não há, porém, qualquer restrição quanto à natureza das normas
impugnadas, que podem ser normas materiais ou processuais, podem incidir sob
[sic] o mérito da causa ou apenas sob [sic] meios probatórios ou pressupostos
processuais, podem lesar ou não direitos fundamentais ou interesses legítimos
das partes.
Isto não significa que os problemas de inconstitucionalidade digam apenas
respeito a actos normativos, pois podem existir hipóteses de actos privados
directamente violadores da Constituição.
Nestes casos, o juiz deverá considerar estes actos como ilícitos,
contrários à ordem pública constitucional e desaplicá‑los‑á, mas não
configurará o problema como questão autónoma de inconstitucionalidade.
Salvo melhor entendimento, a situação acima referida configura a atitude
tomada pela recorrente nos presentes autos.
Por isso, além da relevância da questão da inconstitucionalidade, expressa
nas regras tradicionais da prejudicialidade e da indispensabilidade, ao juiz da
causa cabe pronunciar‑se sobre a procedência da questão.
O que se nos afigura não aconteceu quer na primeira instância, quer nas
instâncias de recurso.
E como se trata de um verdadeiro controle concreto a efectuar pelo
Tribunal, compreende‑se que exista aqui não só no juízo sobre a manifesta ou
evidente improcedência, mas também sobre o fundamento ou a justeza do
incidente.
De acordo com os princípios do controle concreto, isto significa
pertencer ao juiz da causa decidir se é fundada ou não a pretensão da parte
quanto à inconstitucionalidade.
Sendo certo que uma decisão sobre o incidente da inconstitucionalidade não
impede o juiz da causa, de acordo com os princípios gerais do processo, [de]
apreciar se [se] trata ou não de uma questão inexistente ou manifestamente
improcedente.
Em último termo, é ao Tribunal Constitucional que vai pertencer, a título
definitivo, a qualificação do vício conducente á desaplicação da norma.
Ora, das decisões dos tribunais relativas às questões de
inconstitucionalidade cabe recurso para o Tribunal Constitucional.
E, sendo certo que o objecto do recurso não é [a] decisão do tribunal a
quo sob [sic] o mérito da questão, mas sim o segmento da decisão judicial
relativo à questão de inconstitucionalidade, todavia, trata‑se sempre de uma
norma interpretativamente mediatizada pela decisão recorrida, porque a norma
deve ser apreciada no recurso segundo a interpretação que lhe foi dada nessa
decisão.
O caso presente é um recurso de decisão que aplica uma norma, não
obstante a sua inconstitucionalidade ter sido arguida no processo, efectuado
pela parte de acordo com as regras gerais do processo e é facultativo.
É também de chamar [a] atenção para o facto de o recurso para o Tribunal
Constitucional não se circunscrever às decisões que aplicam actos normativos de
valor legislativo, pois pode ter como objecto quaisquer normas, desde que elas
tenham sido consideradas pelo juiz a quo relevantes para a causa.
No entendimento da recorrente, esta cumpriu com o princípio da exaustão
de recursos – LTC, artigo 70.º; com o princípio da legitimidade – CRP, artigo
280.º;
com o princípio da tempestividade processual – LTC, artigo 70.º;
com o princípio da viabilidade do recurso – LTC, artigo 76.º;
e com o princípio da individualização das normas constitucionais
infringidas e das normas infraconstitucionais infringentes – LTC, artigo 75.º.
Atente‑se que um recurso é fundado quando tiver utilidade para a decisão
de fundo.
Por fim se dirá que o ónus de suscitação da questão da
inconstitucionalidade perante o Tribunal da questão não impede [que] no recurso
para o Tribunal Constitucional possam ser invocados, pela parte recorrente,
fundamentos diversos dos alegados em sede do tribunal da causa.
Tal é pedido ao juiz a quo – CRP, artigo 204.º, e ao Tribunal
Constitucional – LTC, artigo 79.º‑C, não havendo pois razões processuais ou
materiais para impedir o recorrente que, de forma processualmente adequada,
suscitou a questão da inconstitucionalidade, proceda a um recorte mais rigoroso
da questão de direito imbricada na questão da inconstitucionalidade.
Posto isto, se dirá que a não admissão do recurso viola o direito da
recorrente a colocar perante o Tribunal Constitucional a questão da
inconstitucionalidade suscitada no decurso do processo.
Pelo que vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 226/2007, de 30 de Março de
2007, deste Tribunal, proferido em reclamação para a conferência de decisão
sumária do relator, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade que tinha interposto.
Entende a requerente que «o Acórdão em crise deve ser revogado/anulado,
por vício de abstenção/omissão de pronúncia/silêncio cúmplice, por erro de
julgamento e por aplicar a norma adjectiva inconstitucional do artigo 72.º, n.º
2, da LTC, com violação das normas dos artigos 200.º e 204.º da CRP».
Fundamentando o pedido, refere que «não pode ficar ao arbítrio do
Tribunal Constitucional a selecção dos recursos de constitucionalidade ‘em
termos processualmente adequados’ (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), porque essa
norma adjectiva de contornos indefinidos e indeterminados esmaga a textura dos
princípios estruturantes dos artigos 20.º e 204.º da Lei Fundamental».
O Tribunal Constitucional deveria conhecer dos recursos admitidos pelo
tribunal recorrido.
Mais se refere que suscitou a inconstitucionalidade de normas do Código
Civil e do RAU, «mas o TC, em termos processualmente desadequados, silenciou,
pelo que o acórdão é nulo (artigos 660.º, n.º 1, 664.º e 668.º, n.º 1, alínea
d), do CPC)».
Ora, como resulta do douto acórdão, este não dá cumprimento ao artigo
78.º‑A da LTC, não convidando o recorrente a indicar integralmente os elementos
exigidos pelos n.ºs 1 a 4 do artigo 75.º‑A.
Mais como se revela pelo douto Acórdão n.º 226/2007, o parecer do
Ministério Público é posterior ao exame preliminar e decisão sumária do
relator.
A nulidade absoluta implica ineficácia do acto por si mesmo, sem
necessidade da intervenção do juiz.
Além disso, a nulidade absoluta tem carácter geral, podendo qualquer
pessoa invocá‑la a seu favor e contra quem quer que seja.
O juiz pode e deve, ex officio, por sua iniciativa e em qualquer momento
apreciar a nulidade.
A fiscalização judicial da conformidade dos actos legislativos segundo a
medida parâmetro da Constituição significa estender o princípio da legalidade
aos órgãos legislativos no exercício da função legislativa.
Justifica‑se por isso saber como concebia a doutrina administrativa a
figura da ilicitude dos actos administrativos que violassem normas jurídicas.
A nulidade significa a invalidade de um acto administrativo a que faltam
elementos essenciais quanto à competência, quanto à forma e quanto ao conteúdo.
A nulidade opera ipso jure, tendo as decisões jurisdicionais ou
administrativas reconhecedoras da nulidade efeito meramente declarativo.
A desconformidade dos actos normativos com o parâmetro constitucional dá
origem ao vício da inconstitucionalidade.
A doutrina costuma distinguir entre vícios formais, vícios materiais e
vícios procedimentais.
Ao tratarmos da nulidade parcial da lei, verificar‑se‑á que a
irregularidade substancial de uma ou várias disposições pode implicar a
anulação da lei in toto [sic].
As normas relacionadas com o procedimento são de ordem pública.
Os tribunais devem declarar oficiosamente a nulidade das actuações quando
tenham sido infringidos os trâmites essenciais do procedimento.
O exame da observância das normas de procedimento deverá preceder o de
qualquer outro aspecto relacionado com o acto impugnado.
Esta prioridade afecta inclusivamente a alegação da inadmissibilidade do
recurso, ou seja, se ocorrer vicio de procedimento o acto deverá ser anulado e
reposta a actuação até ao momento em que se verificou tal vício.
O procedimento deverá caracterizar‑se pela unidade de actos que o
constituem e pelo seu carácter teleológico, já que os ditos actos visam atingir
um determinado fim.
Vem a recorrente arguir a nulidade do referido acórdão, suscitando a
nulidade da decisão sumária proferida pelo Doutor Conselheiro Relator.
Por conseguinte, o meio processual de que lançou mão não foi o da
«reclamação para a conferência», nos termos do artigo 68.º‑A [sic] da Lei do
Tribunal Constitucional, mas antes a invalidade decorrente do incumprimento do
n.º 5 do artigo 75.º‑A do mesmo diploma.
Como assim, arguindo-se a nulidade de um[a] decisão do Ex.mo Relator,
cabia a este Ex.mo Julgador, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 706.º do
Código de Processo Civil [assim, no original], não submeter o citado despacho à
conferência, mas antes proferir outro despacho que d[i]rimisse o incidente
suscitado.
Com efeito, ao submeter a arguição de nulidade, desde logo, o M.mo Senhor
Conselheiro Relator prejudicou a ora recorrente, ao cercear‑lhe a hipótese de,
em caso de vontade de reclamação para a conferência, de os Senhores Juízes que a
compuseram se verem confrontados com novos elementos eventualmente carreados
pela reclamante.
É que, lido e relido, com atenção, o relatório do acórdão proferido nos
autos, colhe‑se a certeza, ex adverso do que vem referido, de que o recurso, tal
como interposto, reunia e reúne todas as condições formais para que os seus
termos venham a ser objecto de conhecimento, sobretudo, do acórdão.
Por isso, não consegue a recorrente entender, salvo o devido respeito, a
afirmação precipitada do acórdão.
Ora, se a aqui recorrente invocou, expressamente, outra norma e outra
pretensão, não parece que possa o Tribunal Constitucional, a seu bel-talante,
proceder a uma interpretação correctiva da vontade claramente expressa pelo
reclamante e, posto isto, dar o que não lhe foi pedido, denegando o que lhe fora
impetrado.
Termos em que, face ao exposto, se conclui pela nulidade do
«entendimento» a que o Tribunal «entendeu» proceder, sem ter curado de explicar
esse «entendimento», pelo que deverá V.ª Exa. Senhor Juiz Conselheiro Relator
anular todo o processado posterior ao requerimento apresentado pelo reclamante
e que deu origem a um acórdão que não devia ter sido proferido, mas antes a um
despacho, como é de lei.
Nestes termos, nos de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.
Ex.as deve o douto Acórdão reclamado ser revogado por nulo.”
1.3. Os reclamados A. e mulher B. apresentaram a
seguinte resposta:
“1 – O Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional é imerecedor de
qualquer censura, devendo consequentemente improceder a arguida nulidade, por
falta de qualquer fundamento.
2 – Na verdade, o acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional não
enferma de qualquer nulidade, fazendo uma correcta e ponderada aplicação do
direito.
3 – Na medida em que, tanto no requerimento de interposição do recurso
para o Tribunal Constitucional, como na própria reclamação, não é suscitada com
o mínimo de consistência, qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a
normas de direito ordinário para ser sujeita à apreciação do Tribunal
Constitucional.
4 – Aliás, como bem decidiu o douto acórdão proferido pelo Tribunal
Constitucional,
5 – A recorrente não suscita perante o STJ questões de
inconstitucionalidade normativa.
6 – Por conseguinte, o acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional mais
não faz do que constatar tais deficiências, e consequentemente indeferir a
reclamação apresentada.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Antes de mais, importa sublinhar que o Acórdão n.º
226/2007 – contrariamente ao que a reclamante inexplicavelmente sustenta – não
decidiu qualquer reclamação para a conferência contra decisão sumária do Relator
no Tribunal Constitucional que tivesse decidido não conhecer do recurso de
constitucionalidade, nos termos do artigo 78.º‑A da LTC, nem apreciou qualquer
arguição de nulidade de despacho do mesmo Relator.
O dito Acórdão decidiu uma reclamação para o Tribunal
Constitucional contra o despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça de
não admissão do recurso, prevista e regulada no n.º 4 do artigo 76.º e no artigo
77.º da LTC.
No âmbito desta última reclamação – cuja tramitação
legal expressamente prevê a intervenção do Ministério Público antes da prolação
da decisão do Tribunal Constitucional (n.º 3 do artigo 77.º da LTC) – é
absolutamente descabida a formulação de convites para aperfeiçoamento do
requerimento de interposição de recurso, convites que só podem ter lugar: no
tribunal recorrido, antes de proferido o despacho de admissão ou de não admissão
do recurso de constitucionalidade (n.º 5 do artigo 75.º‑A da LTC); e, no
Tribunal Constitucional, quando no tribunal recorrido tiver sido admitido o
recurso apesar das deficiências do respectivo requerimento de interposição (n.º
6 do mesmo preceito).
Nestes termos, o Acórdão n.º 226/2007 conheceu da
questão de que devia conhecer (a correcção do despacho de não admissão de
recurso de constitucionalidade) e apenas desta, não padecendo, assim, nem de
omissão nem de excesso de pronúncia, ou de qualquer outro vício gerador da sua
nulidade, sendo sabido que não assumem esta natureza nem os hipotéticos erros de
julgamento nem a pretensa aplicação de normas inconstitucionais.
3. Pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a
presente arguição de nulidade.
Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 16 de Maio de 2007.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos