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Processo n.º 262/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, reclama, nos termos do disposto no
artigo 78.º-A, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
redacção actual (LTC), da decisão sumária do relator na qual se decidiu não
tomar conhecimento do objecto do recurso interposto pelo ora reclamante.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual (LTC), pretendendo ver
apreciada “a interpretação normativa pelo TICL atribuída ao art. 68.º, n.º 1,
al. a), do CPP, que se afigura inconstitucional por violação das normas
constantes dos arts. 2.º (princípio do Estado de direito democrático), 3.º, n.º
3 (princípio da legalidade), 12.º, n.º 1 (princípio da universalidade), 13.º,
nºs 1 e 2 (princípio da igualdade), 18.º, n.º 2 (princípio da força jurídica),
20.º nºs 1, 4 e 5 (princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional
efectiva), 202.º (reserva da função jurisdicional), 203.º (princípio da
independência dos tribunais), 204.º (princípio da apreciação da
inconstitucionalidade), 205.º (princípio da fundamentação das decisões dos
tribunais), 219.º, todos da Lei Fundamental, oportunamente arguida na motivação
e conclusões do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa”, bem como “a
apreciação da interpretação normativa no acórdão do TRL prolatado em conferência
aos 23MAI06, atribuída à disposição referida na alínea anterior e ao art. 263.º
do CPP, na medida em que confirmou, na íntegra, o despacho do TIC, por violação
das mesmas normas e princípios constitucionais”.
2 – Notificado nos termos do disposto no artigo 75.º-A, n.º 5, para “dar
cabal cumprimento ao disposto no n.º 1 sob a cominação estatuída no n.º 7” dessa
norma, veio o recorrente expor o seguinte:
«1. Nos termos do art. 75º-A da LOTC, o recorrente, no requerimento de
interposição de recurso, deve indicar a al. do nº 1 do art. 70º ao abrigo da
qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que
o Tribunal aprecie;
2. No requerimento de interposição de recurso, o Recorrente expressamente
indicou:
a) que o recurso era interposto ao abrigo, inter alia, do disposto no art. 70º,
nº 1, al. b);
b) que o recurso visa a apreciação da interpretação normativa:
i.
pelo TICL atribuída ao art. 68º, nº
1, al. a), do CPP – cfr. al. a);
ii.
pelo TRL atribuída ao art. 68º, nº 1,
a. a), e ao art. 263º, ambos do CPP – cfr. al. b).
3. Significa pois que, aparentemente, o Recorrente deu cumprimento ao disposto
no nº 1 do art. 75º-A da LOTC, posto que:
a) indicou a alínea do nº 1 do art. 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto
– a al. b) do nº 1 do art. 70º;
b) indicou as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal
aprecie – as normas dos arts. 68º, nº 1, al. b), num caso (decisão do TICL, de
8MAR02, fls. 539/540), e esta norma e a do art. 263º, noutro caso (decisão do
TRL), todas do CPP.
4. É com todo o respeito, portanto, que se referenciam estes elementos como
integradores dos requisitos previstos no nº 1 do art. 75º-A da LOTC.
***
5. Nos termos do nº 2 do art. 75º-A da LOTC, sendo o recurso interposto a abrigo
da al. b) do nº 1 do art. 70º, do requerimento deve ainda constar a indicação da
norma ou princípio constitucional que se considera violado, bem como da peça
processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
6. Para a eventualidade de poder ter havido qualquer deficiência no requerimento
de interposição de recurso no que respeita aos requisitos previstos no nº 2 do
art. 75º-A da LOTC, desde já se indica o seguinte:
a) as normas e princípios que o Recorrente entende terem sido violados são:
i. na decisão do TICL: os arts. 2º (princípio do Estado de direito
democrático), 3º, nº 3 (princípio da legalidade), 12º, nº 1 (princípio da
universalidade), 13º, nºs 1 e 2 (princípio da igualdade), 18º, nº 2 (princípio
da força jurídica), 20º, nºs 1, 4 e 5 (princípios do acesso ao direito e à
tutela jurisdicional efectiva), 202º (reserva da função jurisdicional), 203º
(princípio da independência dos tribunais), 204º (princípio da apreciação da
inconstitucionalidade), 205° (princípio da fundamentação das decisões dos
tribunais), 219º, todos da Lei Fundamental;
ii. na decisão do TRL: os arts. 2º (princípio do Estado de direito
democrático), 3º, nº 3 (princípio da legalidade), 12º, nº 1 (princípio da
universalidade), 13º, nºs 1 e 2 (princípio da igualdade), 18º, nº 2 (princípio
da força jurídica), 20º, nºs 1, 4 e 5 (princípios do acesso ao direito e à
tutela jurisdicional efectiva), 202º (reserva da função jurisdicional), 203º
(princípio da independência dos tribunais), 204º (princípio da apreciação da
inconstitucionalidade), 205º (princípio da fundamentação das decisões dos
tribunais), 219º, todos da Lei Fundamental;
b) as peças processuais em que o Recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade foram:
i. quanto à decisão do TICL, de 8MAR02: a motivação e conclusões
do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, interposto aos 23MAI02 (por
telecópia, cujo original foi junto aos autos aos 29MAI02 - fls. 719 e ss., e 752
e ss.);
ii. quanto à decisão do TRL, 23MAI06: o Recorrente suscitou a
questão da inconstitucionalidade no recurso que, aos 28JUL06 (por telecópia,
cujo original deu entrada aos 1AGO06), interpôs para o Supremo Tribunal de
Justiça, o qual, não tendo sido admitido por despacho da Senhora Vice-Presidente
do TRL, de 11JAN07, foi seguido do requerimento de interposição do recurso para
o Tribunal Constitucional, de 25JAN07 (por telecópia, tendo o original sido
junto aos 31JAN07).
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exa., se requer seja considerado
regularmente interposto o recurso e, consequentemente, seja o Recorrente
notificado para apresentar as suas alegações, ao abrigo do disposto no art. 79º
da LOTC».
3 – Integrando-se o presente caso concreto no âmbito da hipótese normativa
delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
e atento o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se
com os seguintes fundamentos.
4 – O presente recurso vem interposto ao abrigo da norma do artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da LTC.
Como é consabido, cabe ao recorrente a delimitação do objecto do recurso em
termos de indicar, clara e adequadamente, a norma cuja constitucionalidade
deseja ver fiscalizada pelo tribunal, exigência esta expressamente referida no
artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC.
Vem este Tribunal reiterando sucessivamente que nada impede que, ao invés de se
controverter a inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas
um seu segmento ou uma determinada dimensão normativa (cf., entre a abundante
jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no
DR II série, de 7 de Setembro de 1994).
Daí decorre, no entanto, que, estando essencialmente em causa uma específica
dimensão normativa do preceito, seja identificada, com precisão, a dimensão ou
interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não
podendo tal identificação reduzir-se a uma mera referência à “interpretação
dada”, numa ou mais decisões judiciais, a vários artigos de um diploma legal,
sem o seu enunciado ou a sua indicação precisa, razão pela qual não basta a
afirmação de que se pretendem ver fiscalizadas a “aplicação e interpretação dos
artigos”, “a interpretação normativa pelo TICL atribuída ao art. 68.º, n.º 1,
al. a), do CPP” ou a “a apreciação da interpretação normativa no acórdão do TRL”
sem que se concretizem minimamente as dimensões normativas relevantes para
efeito do recurso de constitucionalidade.
Essa definição cabe ao recorrente e é imprescindível, quer para delimitar os
poderes de cognição do Tribunal Constitucional, neles se compreendendo o âmbito
do julgamento de inconstitucionalidade (recorte da concreta norma julgada
inconstitucional), a proceder o recurso, quer para lhe permitir verificar se
estão ou não preenchidos os demais requisitos de admissibilidade do recurso
interposto.
5 – Ora, tal ónus não se pode dar por cumprido quando o recorrente, como no
caso acontece, apenas indica pretender ver fiscalizada a interpretação normativa
dada pelo tribunal a quo a determinados preceitos legais, sem definir,
especificadamente, qual a dimensão normativa extraída, por via interpretativa,
desses preceitos de direito positivo que constitui objecto do recurso de
constitucionalidade, sendo que nem mesmo após o convite realizado ao abrigo do
artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC o recorrente indicou, de modo processualmente
adequado, quais as normas (dimensões normativas, critérios normativos concretos,
assumidos como fundamento normativo ou ratio decidendi da decisão) cuja
constitucionalidade pretendia ver apreciadas.
Deste modo, impõe-se concluir que não se encontram satisfeitos os referidos
pressupostos processuais específicos para que o Tribunal Constitucional possa
tomar conhecimento do recurso.
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo Recorrente com 8 (oito) UCs. de taxa de justiça.».
3 – Discordando do decidido, veio o reclamante alegar o seguinte:
“(...)
I. DOS FACTOS
1. A 25JANO7 o ora Reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional
(em Secção) (fls.);
2. A O5MARO7 o Relator proferiu despacho no qual convidou “o recorrente a dar
cabal cumprimento ao disposto no nº 1 e sob a cominação estatuída no nº 7, ambos
do art. 75º-A da Lei nº 28/82, de 15/11, na sua actual versão.” (fls.);
3. A 21MARO7 o ora Reclamante respondeu ao convite de O5MARO7 (fls.);
4. A 28MAR07 o Relator proferiu o despacho reclamado, do seguinte teor:
“1 – A. (...) A1., (...), recorre para o Tribunal Constitucional, nos termos do
disposto no art. 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, (...) na sua redacção
actual (LTC), pretendendo ver apreciada «a interpretação normativa pelo TICL
atribuída ao art. 68º, nº 1, al. a), do CPP, que se afigura inconstitucional por
violação das normas constantes dos arts. 2º (princípio do Estado de direito
democrático), 3º, nº 3 (princípio da legalidade), 12º, nº 1 (princípio da
universalidade), 13°, nºs 1 e 2 (princípio da igualdade), 18°, n°2 (princípio da
força jurídica), 20°, nºs 1, 4 e 5 (princípios do acesso ao direito e à tutela
jurisdicional efectiva), 202° (reserva da função jurisdicional), 203° (princípio
da independência dos tribunais), 204° (princípio da apreciação da
inconstitucionalidade), 205° (princípio da fundamentação das decisões dos
tribunais), 219°, todos da Lei Fundamental, oportunamente arguida na motivação e
conclusões do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa», bem como «a
interpretação normativa no acórdão do TRL prolatado em conferência aos 23MAI06,
atribuída à disposição referida na alínea anterior e ao art. 263° do CPP, na
medida em que confirmou, na íntegra, o despacho do TIC, por violação das mesmas
normas e princípios constitucionais».
2 – Notificado nos termos do disposto no artigo 75°-A, nº 5, para «dar cabal
cumprimento ao disposto no nº 1 sob a cominação estatuída no nº 7» dessa norma,
veio o recorrente expor o seguinte:
1. «Nos termos do art. 75°-A da LOTC, o recorrente, no requerimento de
interposição de recurso, deve indicar a al. do nº 1 do art. 70° ao abrigo da
qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que
o Tribunal aprecie;
2. No requerimento de interposição de recurso, o Recorrente expressamente
indicou:
a) que o recurso era interposto ao abrigo, inter alia, do disposto no art. 70º,
nº 1, al. b);
b) que o recurso visa a apreciação da interpretação normativa:
i. pelo TICL atribuída ao art. 68°, nº 1, al. a), do CPP – cfr.
al. a);
ii. pelo TRL atribuída ao art. 68°, nº 1, a. a), e ao art. 263°,
ambos do CPP – cfr. al. b).
3. Significa pois que, aparentemente, o Recorrente deu cumprimento ao disposto
no nº 1 do art. 75°-A da LOTC, posto que:
a) indicou a alínea do nº 1 do art. 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto
– a al. b) do nº 1 do art. 70°;
b) indicou as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal
aprecie – as normas dos arts. 68°, nº 1, al. b), num caso (decisão do TICL, de
8MARO2, fls. 539/540), e esta norma e a do art. 263°, noutro caso (decisão do
TRL), todas do CPP.
4. É com todo o respeito, portanto, que se referenciam estes elementos como
integradores dos requisitos previstos no nº 1 do art. 75°-A da LOTC.
5. Nos termos do nº 2 do art. 75°-A da LQTC, sendo o recurso interposto a abrigo
da al. b) do nº 1 do art. 70°, do requerimento deve ainda constar a indicação da
norma ou princípio constitucional que se considera violado, bem como da peça
processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
6. Para a eventualidade de poder ter havido qualquer deficiência no requerimento
de interposição de recurso no que respeita aos requisitos previstos no nº 2 do
art. 75°-A da LOTC, desde já se indica o seguinte:
a) as normas e princípios que o Recorrente entende terem sido violados são:
i. na decisão do TICL: os arts. 2° (princípio do Estado de direito
democrático), 3°, nº 3 (princípio da legalidade), 12°, nº 1 (princípio da
universalidade), 13°, nºs 1 e 2 (princípio da igualdade), 18°, nº 2 (princípio
da força jurídica), 20°, nºs 1, 4 e 5 (princípios do acesso ao direito e à
tutela jurisdicional efectiva), 202° (reserva da função jurisdicional), 203°
(princípio da independência dos tribunais), 204° (princípio da apreciação da
inconstitucionalidade), 205° (princípio da fundamentação das decisões dos
tribunais), 219°, todos da Lei Fundamental;
ii. na decisão do TRL: os arts. 2° (princípio do Estado de direito
democrático), 3°, nº 3 (princípio da legalidade), 12°, nº 1 (princípio da
universalidade), 13°, nºs 1 e 2 (princípio da igualdade), 18°, nº 2 (princípio
da força jurídica), 20°, nºs 1, 4 e 5 (princípios do acesso ao direito e à
tutela jurisdicional efectiva), 202° (reserva da função jurisdicional), 203°
(princípio da independência dos tribunais), 204° (princípio da apreciação da
inconstitucionalidade), 205° (princípio da fundamentação das decisões dos
tribunais), 219°, todos da Lei Fundamental;
b) as peças processuais em que o Recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade foram
i. quanto à decisão do TICL, de 8MAR02: a motivação e conclusões
do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, interposto aos 23MA102 (por
telecópia, cujo original foi junto aos autos aos 29MA102 - fls. 719 e ss., e 752
e ss.);
ii. quanto à decisão do TRL, 23MA106: o Recorrente suscitou a
questão da inconstitucionalidade no recurso que, aos 28JUL06 (por telecópia,
cujo original deu entrada aos 1AGOO6), interpôs para o Supremo Tribunal de
Justiça, o qual, não tendo sido admitido por despacho da Senhora Vice-Presidente
do TRL, de 11JAN07, foi seguido do requerimento de interposição do recurso para
o Tribunal Constitucional, de 25JAN07 (por telecópia, tendo o original sido
junto aos 31JAN07).
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exa., se requer seja considerado
regularmente interposto o recurso e, consequentemente, seja o Recorrente
notificado para apresentar as suas alegações, ao abrigo do disposto no art. 79°
da LOTC.»
3 – Integrando-se o presente caso concreto no âmbito da hipótese normativa
delimitada pelo artigo 78°-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), e
atento o disposto no artigo 76°, nº 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se com
os seguintes fundamentos.
4 – O presente recurso vem interposto ao abrigo da norma do artigo 70°, nº 1,
alínea b), da LTC.
Como é consabido, cabe ao recorrente a delimitação do objecto do recurso em
termos de indicar, clara e adequadamente, a norma cuja constitucionalidade
deseja ver fiscalizada pelo tribunal, exigência esta expressamente referida no
artigo 75°-A, nº 1, da LTC.
Vem este Tribunal reiterando sucessivamente que nada impede que, ao invés de se
controverter a inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas
um seu segmento ou uma determinada dimensão normativa (cf., entre a abundante
jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Acórdão nº 367/94 – publicado no DR
II série, de 7 de Setembro de 1994).
Daí decorre, no entanto, que, estando essencialmente em causa uma específica
dimensão normativa do preceito, seja identificada, com precisão, a dimensão ou
interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não
podendo tal identificação reduzir-se a uma mera referência à «interpretação
dada», numa ou mais decisões judiciais, a vários artigos de um diploma legal,
sem o seu enunciado ou a sua indicação precisa, razão pela qual não basta a
afirmação de que se pretendem ver fiscalizadas a «aplicação e interpretação dos
artigos», «a interpretação normativa pelo TICL atribuída ao art. 68°, nº 1, al.
a), do CPP» ou a «a apreciação da interpretação normativa no acórdão do TRL» sem
que se concretizem minimamente as dimensões normativas relevantes para efeito do
recurso de constitucionalidade.
Essa definição cabe ao recorrente e é imprescindível, quer para delimitar os
poderes de cognição do Tribunal Constitucional, neles se compreendendo o âmbito
do julgamento de inconstitucionalidade (recorte da concreta norma julgada
inconstitucional), a proceder o recurso, quer para lhe permitir verificar se
estão ou não preenchidos os demais requisitos de admissibilidade do recurso
interposto.
5 — Ora, tal ónus não se pode dar por cumprido quando o recorrente, como no caso
acontece, apenas indica pretender ver fiscalizada a interpretação normativa dada
pelo tribunal a quo a determinados preceitos legais, sem definir,
especificadamente, qual a dimensão normativa extraída, por via interpretativa,
desses preceitos de direito positivo que constitui objecto do recurso de
constitucionalidade, sendo que nem mesmo após o convite realizado ao abrigo do
artigo 75°-A, nº 5, da LTC o recorrente indicou, de modo processualmente
adequado, quais as normas (dimensões normativas, critérios normativos concretos,
assumidos como fundamento normativo ou ratio decidendi da decisão) cuja
constitucionalidade pretendia ver apreciadas. / Deste modo, impõe-se concluir
que não se encontram satisfeitos os referidos pressupostos processuais
específicos para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do
recurso.
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do recurso.” (negritos nossos);
II. DO DIREITO
5. Portugal é, por determinação constitucional, “um Estado de direito
democrático, baseado (...) no respeito e na garantia de efectivação dos direitos
e liberdades fundamentais (...)“ (art. 2° CRP), no qual, também por determinação
constitucional,
“1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos, (...).
“4. A todos tem direito a que uma causa que intervenham seja objecto de decisão
em prazo razoável e mediante processo equitativo.” (art. 20º, nºs 1, e 4 da
CRP);
“1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar
justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos do cidadãos, reprimir a violação da
legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses (...).“ (art. 202°,
nºs 1 e 2 CRP);
“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que
infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.” (art.
204º da CRP);
“1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas
na forma prevista na lei.” (art. 205º, nº 1, da CRP);
“É garantido ao administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento
desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos
que os lesem, (...).“ (art. 268° da CRP);
e no qual, transpondo para a lei ordinária os princípios constitucionais, se
determina, designadamente, que:
“A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo
razoável, uma decisão judicial que aprecia, com força d caso julgado, a
pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como possibilidade de a fazer
executar.” (art. 2° do CPC);
“Iniciada a instância, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso
especialmente imposto pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular e
célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao
normal prosseguimento da acção (...) / O juiz providenciará, mesmo
oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis
de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da
instância (...)“ (art. 265°, nºs 1 e 2, do CPC)
“1 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado
a:
a) providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias nos termos do nº 2 do
art. 265°;
b) convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números
seguintes.
3 – Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências”
(art. 508° do CPC)
“Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem
ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito
das pretensões formuladas” (art. 7° do CPTA);
“Na condução e intervenção do processo, os magistrados, os mandatários judiciais
e as partes, devem cooperar entre si, concorrendo para que obtenha, com
brevidade e eficácia, a justa composição do litígio” (art. 8° do CPTA);
6. Ora, por todo o exposto tem que concluir-se que o despacho reclamado violou
diversos princípios constitucionais e disposições legais em vigor, nomeadamente
o princípio da colaboração e da boa fé que deve presidir às relações entre os
operadores de justiça, o princípio da pro actione, o princípio da prevalência da
substância sobre a forma, e o princípio do direito a processo equitativo.
Com efeito,
7. Se é verdade que o Senhor Relator, por despacho de 05MAR07, convidou “o
recorrente a dar cabal cumprimento ao disposto no nº 1 e sob a cominação
estatuída no nº 7, ambos do art. 75°-A da Lei nº 28/82, de 15/11, na sua actual
versão.”,
verdade é também que o n°1 do art.75°-A da Lei n°28/82 de 15 de Novembro, na sua
actual versão, dispõe apenas que:
“O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento,
no qual se indique a alínea do n°1 do artigo 70° ao abrigo da qual o recurso é
interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o
tribunal aprecie.”;
Verdade é também que o Recorrente ora Reclamante, a 21MAR07, respondeu àquele
convite, alegando que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n°1 do
art. 70º da LOTC, e que visa “a apreciação da interpretação normativa: i. pelo
TICL atribuída ao art. 68, n°1, al. a), do CPP – ii. pelo TRL atribuída ao art.
68°, n°1 al. a), e ao art. 263°, ambos do CPP – (...)“;
alegando ainda que “aparentemente, o recorrente deu cumprimento ao disposto no
n°1 do art. 75°-A da LOTC, (...)“;
Como é verdade ainda que o Relator, no despacho em que convidou o Recorrente ora
Reclamante a aperfeiçoar o recurso, não indicou qual era, no seu entendimento, a
imperfeição do mesmo.
8. Com efeito, só no despacho reclamado o Senhor Relator revelou que, no seu
entendimento, o facto de o TC entender que “nada impede que, ao invés de
controverter a inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas
um seu segmento ou uma determinada dimensão normativa (...)“,
tem como consequência que “estando essencialmente em causa uma específica
dimensão normativa do preceito, sela identificada, com precisão, a dimensão ou
interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não
podendo tal identificação reduzir-se a uma mera referência à «interpretação
dada», numa ou mais decisões judiciais, a vários artigos de um diploma legal,
sem o seu enunciado ou a sua indicação precisa, razão pela qual não basta a
afirmação de que se pretendem ver fiscalizadas a «aplicação e interpretação dos
artigos», «a interpretação normativa pelo TICL atribuída ao art. 68°, nº 1, al.
a), do CPP» ou a «a apreciação da interpretação normativa no acórdão do TRL» sem
que se concretizem minimamente as dimensões normativas relevantes para efeito do
recurso de constitucionalidade. / Essa definição cabe ao recorrente e é
imprescindível, quer para delimitar os poderes de cognição do Tribunal
Constitucional, neles se compreendendo o âmbito do julgamento de
inconstitucionalidade (recorte da concreta norma julgada inconstitucional), a
proceder o recurso, quer para lhe permitir verificar se estão ou não preenchidos
os demais requisitos de admissibilidade do recurso interposto.”;
E que o Recorrente ora Reclamante não indicou “de modo processualmente adequado,
quais as normas (dimensões normativas, critérios normativos concretos, assumidos
como fundamento normativo ou ratio decidendi da decisão) cuja
constitucionalidade pretendia ver apreciadas.”
9. Ou seja, não pode haver dúvidas de que o Recorrente cumpriu o disposto na
letra do nº 1 do artigo 75°-A° da LOTC,
E que o convite ao aperfeiçoamento do recurso feito pelo despacho de 5MAR07 não
especifica qual a imperfeição de que, no entender do julgador, padecia o mesmo;
10. Isto é, mandam os princípios da cooperação, da boa fé
processual, do direito processo equitativo, da pro actione, da prevalência da
substância sobre a forma, que o Senhor Relator, no despacho em que convidou o
recorrente a aperfeiçoar o recurso, revelasse qual a imperfeição que entendia
existir e que tão bem identificou no despacho ora reclamado.
11. Na verdade, a Justiça tem por fim a
realização do Direito e não o levantamento de obstáculos à realização da mesma
ou a verificação da sapiência dos mandatários das partes que, não obstante terem
referenciado – por remissão –, quais as dimensões normativas que, nas decisões
objecto de recurso, foram consideradas inconstitucionais.
Termos em que se requer seja dado provimento à presente reclamação e,
consequentemente, seja dada oportunidade ao Reclamante de aperfeiçoar o
requerimento de recurso, nos termos agora revelados no despacho reclamado ou, se
assim se entender, notificado para apresentar alegações.».
4 – Por sua vez, o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
considerando que a reclamação carece manifestamente de fundamento, pugnou pelo
seu indeferimento.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
5 – Importa começar por referir que o reclamante não controverte o fundamento
material que determinou a prolação da decisão sumária reclamada.
Insurge-se, é certo, contra o facto do despacho realizado ao abrigo do artigo
75.º-A, n.º 5, da LTC, no qual se convidou o ora reclamante a dar cabal
cumprimento ao disposto no n.º 1 sob a cominação estatuída no n.º 7” dessa
norma, não ter indicado qual a “imperfeição do recurso”, alegando, a esse
propósito, que a decisão reclamada viola diversos princípios fundamentais
constitucionalmente consagrados.
Tal argumentação é, no entanto, manifestamente improcedente.
De facto, perante as exigências vertidas no artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, e, bem
assim, em face do seu confronto com o teor do requerimento de interposição de
recurso, só por mera e injustificada redundância seria de exigir que o Tribunal
fosse mais preciso quanto às razões que determinaram a prolação do referido
despacho.
Não havendo qualquer dúvida de que o reclamante indicou a alínea do artigo 70.º
da LTC ao abrigo da qual foi interposto recurso, cumpria-lhe ter concretizado
também a(s) norma(s) cuja constitucionalidade pretendia ver sindicada.
Por outro lado, como se deixou referido, o Tribunal Constitucional não pode
substituir-se ao reclamante na descrição das normas que considera
inconstitucionais, sendo que, não se encontrando questionados, pura e
simplesmente, os preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso,
mas a interpretação que lhes foi dada, só com a explicitação da dimensão
normativa que se pretende ver apreciada é que se indica a norma que este
Tribunal há-de sindicar, constituindo jurisprudência constante, uniforme e
pacífica, a afirmação de que, no caso de ser questionada uma interpretação
normativa de determinado preceito, o recorrente tem o ónus de indicar – durante
o processo e no requerimento de interposição de recurso – de forma clara e
perceptível o exacto sentido em que a norma foi aplicada na decisão recorrida
(cfr. Acórdão n.º 178/95, publicado no DR II Série, de 21 de Junho de 1995),
pelo que, como sem dificuldade se percebe, ao solicitar “a apreciação da
interpretação normativa: i. pelo TICL atribuída ao art. 68, n°1, al. a), do CPP
– ii. pelo TRL atribuída ao art. 68°, n°1 al. a), e ao art. 263°, ambos do CPP –
(...)”, o reclamante não indicou a norma ou critério normativo que pretendia ver
apreciada, sendo certo que, como expressamente se indica, no recurso não estava
em causa a inconstitucionalidade do disposto tout court nos artigos 68.º, n.º 1,
alínea a), e 263.º do Código de Processo Penal
Não pode, em face disso, aceitar-se o argumento de que o reclamante havia
cumprido “a letra” da norma do artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, dado que
pretendendo aquele ver apreciada uma determinada interpretação/dimensão
normativa é a definição dessa norma que o artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, impõe,
mesmo ao nível do seu estrito teor semântico-gramatical.
Ora, tendo sido dada ao reclamante uma clara oportunidade processual – sem
dúvida estabelecida em homenagem aos princípios constitucionais que enformam o
direito adjectivo – para aperfeiçoar o requerimento de interposição, sem que
aquele, com plenas condições para o realizar, o tivesse feito, não existe
justificação material bastante para que, em violação da lei processual, lhe seja
dada uma nova oportunidade para proceder ao referido aperfeiçoamento.
Por outro lado, improcede também a sua pretensão quanto ao prosseguimento
do recurso para apresentação de alegações, dado que, inexistindo uma adequada
definição do objecto do recurso, mantêm-se intocados os fundamentos que
justificaram a decisão de não tomar conhecimento do objecto do recurso de
constitucionalidade.
C – Decisão
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com 20 (vinte) UCs. de taxa de justiça.
Lisboa, 16 de Maio de 2007
Benjamim Rodrigues
Rui Pereira
Rui Manuel Moura Ramos