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Processo n.º 449/2005
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Nos autos de recurso contencioso de despacho
proferido na Direcção-Geral dos Registos e do Notariado e instaurados por A. no
1º Juízo Cível de Braga, a impugnante veio reclamar da conta efectuada nesses
autos, requerendo o arquivamento do processo, pois que, na sua óptica,
manter-se-iam os pressupostos que conduziram à concessão do benefício do apoio
judiciário de que desfrutaria.
Por despacho lavrado em 25 de Outubro de 2004 pela Juíza
daquele Juízo, foi indeferida a pretensão, já que foi entendido que o alegado
benefício não foi requerido no âmbito dos autos em causa, mas sim no âmbito de
um processo crime em que foi suscitada uma providência de arresto, cuja
descrição na cabida Conservatória do Registo Predial deu origem às decisões
administrativas que originaram os autos de recurso contencioso.
Não se conformando com esse despacho dele agravou a
impugnante para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Rematou a então agravante a sua alegação com as
«conclusões» a seguir transcritas, para o que ora releva:-
“(...)
8) - Por outro lado a falta de pagamento das taxas de justiça devidas nas várias
fases processuais implicariam, ab initio, a aplicação da sanção prevista no Artº
28º do Código das Custas Judiciais aplicável à data;
9) - E, maxime, a aplicação do dispositivo dos n.ºs 2 e 3 do Artº 14º. do citado
DL 329-A/95, ferindo-se assim todo o processado subsequente de nulidade,
conforme o disposto no Artº 201º do Código de Processo Civil;
10) - Os erros ou omissões da secretaria não podem prejudicar, em caso algum as
partes, como emerge do Artº 161º, n.º 6, do CPC;
11) - Interpretação diferente dos sobreditos normativos legais sempre violará o
direito da agravante ao acesso ao direito e aos tribunais, salvaguardado, de
forma peremptória, no Artº 20º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República
Portuguesa;
12) - Inconstitucionalidade interpretativa expressamente invocada aqui para os
legais efeitos;
13) - A douta decisão carece, por isso, de revogação e substituição por outra
que considere estarem abrangidos os Autos de recurso contencioso da decisão
conservatória abrangidos pelo instituto de apoio judiciário concedido no
processo de origem do facto a registar ou, alternativamente, ordene o
cumprimento das normas previstas no Código das Custas Judiciais em vigor à época
da interposição do recurso para os subsequentes termos.
(...)”.
O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 23 de
Fevereiro de 2005, negou provimento ao agravo.
Foi a seguinte a fundamentação jurídica da decisão
tomada nesse aresto:-
“(...)
Dispõe o art. 17º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro que ‘o
apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado da causa, mantém-se para
efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre o mérito da causa, é
extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão
se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando for concedido em
qualquer apenso’.
Ora, não correndo os autos de recurso contencioso de despacho
proferido pelo Sr. Conservador do Registo Predial por apenso ao processo crime,
resulta claro, à luz do citado artigo, que o benefício do apoio judiciário
concedido ao agravante no âmbito daquele processo não é extensivo aos presentes
autos.
Por isso, bem andou a Mm[ª] Juíza a quo ao indeferir o requerido
arquivamento do processo.
Acresce que não cabe no âmbito do presente recurso conhecer da
arguida nulidade, ficando, de igual modo, prejudicado o conhecimento da invocada
inconstitucionalidade.
É que, mesmo a entender-se que as denunciadas faltas constituem
irregularidade processual, sempre estaríamos perante uma nulidade secundária,
prevista no art. 201º do C. P. Civil e, por isso, sujeita ao regime de arguição
previsto no n.º 1 do art. 205º do C. P. Civil.
Tal significa, no caso em apreço, que o ora agravante deveria ter
reclamado desta nulidade no prazo de 10 dias (cfr. arts. 153º do C. P. Civil), a
contar da notificação do despacho ora sob censura, perante o Tribunal onde foi
cometida a falta e mediante simples requerimento.
Para o conhecimento de tal nulidade é competente o tribunal onde o
processo se encontra ao tempo da reclamação (cfr. arts. 205º, 202, parte final e
206º, n.º 3, todos do C. P. Civil).
Para que a arguição da nulidade em causa pudesse ser efectuada no
tribunal de recurso, com o prazo a correr da distribuição, seria necessário,
ante o disposto no n.º 3 do citado art. 205º, que o processo tivesse sido
expedido para este tribunal no decurso do prazo da arguição, o que seguramente
não aconteceu no caso dos autos.
E jamais essa arguição ocorreria, no tribunal de recurso, através de
recurso, mas em requerimento autónomo expressamente dirigido à arguição da
nulidade.
As únicas nulidades que podem ser arguidas mediante recurso dirigido
ao tribunal superior são as nulidades da sentença, em conformidade com o regime
do nº 3 do art. 668º do C. P. Civil.
Verifica-se, assim, ter o agravante usado de meio processual
inadequado para arguir a dita nulidade, carecendo de qualquer fundamento a sua
pretensão de ver ordenado por este Tribunal o cumprimento das citadas normas do
Código das Custas Judiciais.
Aliás, sempre se dirá que a questão da inobservância dos citados
artigos do C. C. Judiciais, agora, suscitadas pelo agravante é nova, e, por
isso, não foi objecto de apreciação na sentença recorrida.
Ora, vem sendo entendimento unânime, quer na jurisprudência quer na
doutrina, que os recursos visam modificar decisões e não criar decisões sobre
matéria nova, não sendo, por isso, lícito às partes invocar, nos mesmos,
questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.
Daí que, não podendo o tribunal de recurso, pronunciar-se sobre
questão nova, salvo as de conhecimento oficioso e que não tenham já sido
decididas, também não pode ser, com base nela, revogado o despacho recorrido.
(...)”
Notificado do acórdão de que parte se encontra
extractada, veio a agravante interpor, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional,
por seu intermédio intentando a “apreciação da inconstitucionalidade da norma
contida no Artº 161º, n.º 6 do Código de Processo Civil, com a interpretação
feita nos Autos de que a nulidade do acto de secretaria que não cobra qualquer
taxa de justiça, inicial ou subsequente, tem que ser arguida em tempo legalmente
estipulado na lei adjectiva, com o fundamento discordante de que o invocado erro
de secretaria foi tido - pela recorrente e por todas as instâncias judiciais por
onde o processo tramitou - como interpretação de abrangência legal do instituto
de apoio judiciário ao processo de recurso contencioso da acção que a originava,
como havia sido previamente invocado ab initio”.
No requerimento de interposição de recurso foi ainda
invocado que:-
- “tal questão, mostra-se, colocada na fase processual
final, inusitada, imprevista e fora de contexto do processado anterior, não
podendo ter sido suscitada, por isso mesmo, no antecedente, sob forma de
nulidade ou qualquer outra forma”;
- “A norma, assim interpretada, viola, na perspectiva da
recorrente, o disposto no artigo 20º, nºs 1 e 5, da Constituição da República
Portuguesa”;
- “questão de inconstitucionalidade interpretativa que
foi expressamente suscitada nos itens 11( e 12) das conclusões do recurso para o
Venerando Tribunal a quo”.
Por despacho lavrado em 16 de Março de 2005 pela
Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Guimarães, o recurso não foi
admitido, visto que se entendeu que a norma cuja apreciação pelo Tribunal
Constitucional se desejava não foi objecto de aplicação pelo acórdão que se
pretendia impugnar.
Desse despacho reclamou a agravante para o Tribunal
Constitucional nos termos do nº 4 do artº 76º da Lei nº 28/82.
No requerimento corporizador reclamação, disse, em dados
passos, a impugnante:-
“(...)
Sendo certo que suscitou nas alegações de agravo a
inconstitucionalidade interpretativa da norma contida no Artº 161º, n.º 6, do
Código de Processo Civil, cuja, in casu, viola o imperativo do n.º 1 do Artº 20º
da Constituição da República Portuguesa.
E, em consequência, interpôs recurso para este Superior Tribunal o
qual vem agora inadmitido liminarmente por, alegadamente, a veneranda decisão do
Tribunal da Relação de Guimarães não conhecer, por não ter de o fazer, da
nulidade emergente dessas situações processuais de ausência de pagamento prévio
de taxas de justiça.
Ora, afigura-se à reclamante que é irrelevante que a veneranda
decisão tenha conhecido ou não de tais nulidades pois que o decidido, em duas
conclusões, reporta-se à confirmação da inabrangência do instituto apesar de
extemporânea, e a sua declaração formal ser feita fora de tempo, após o termo do
processo, numa fase administrativa de contagem tributária.
É o princípio basilar da sujeição à boa fé e lealdade processual que
está em causa e que o legislador, em submissão aos direitos constitucionais do
abstracto cidadão, pretendeu assegurar com a aludida norma do n.º 6 do Artº 166º
do C.P.C., indispensável à administração da mais sã justiça.
A reclamante entendeu estarem estes Autos abrangidos pelo instituto
de apoio judiciário, nada lhe foi dito em contrário no decorrer de um longo
processado, não lhe foram exigidas em tempo oportuno as taxas de justiça devidas
ao longo do processo, fazendo crer ser a sua interpretação a correcta e admitida
pelas instâncias por onde o processo tramitou.
(...)
A diferente interpretação daquele normativo, posterga o direito da
reclamante a não ser prejudicada pelos sucessivos erros judiciários e ter podido
ponderar se lhe interessava e tinha meios para interpor os recursos de que
lançou mão e pagar a respectiva tributação suavemente, como os demais utentes
dos tribunais, sempre violaria o direito constitucional à igualdade mas, com
interesse objectivo no caso vertente, viola o seu direito de acesso ao direito e
aos tribunais em razão da sua comprovada insuficiência económica.
Matéria que resulta clara do texto do requerimento de interposição
do recurso, logo, admissível para apreciação superior por este Tribunal .
Que, entrementes, ficará prejudicado se vier a ser proferida decisão
que reconheça a formação de acto tácito e impugnação pendentes em processo de
Protecção Jurídica e conceda, assim, esse instituto à aqui reclamante.
(...)”.
Ouvido sobre a reclamação o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser ela
“manifestamente improcedente, já que o acórdão recorrido não aplicou a norma a
que vem reportado o recurso de fiscalização concreta interposto, o que determina
obviamente a inverificação de um seu pressuposto de admissibilidade”.
Cumpre decidir.
2. Deflui da fundamentação que suportou a decisão tomada
pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, de todo em todo, não foi convocada
para ela o preceito ínsito no nº 6 do artº 161º do diploma adjectivo civil.
Na realidade, o que aquele Tribunal de 2ª instância
decidiu foi que, em face dos seus poderes cognitivos, da invocada irregularidade
que tinha sido assacada aos actos da secretaria, no sentido de não terem sido
exigidos preparos ou taxas iniciais ou subsequentes, somente poderia curar caso
o prazo da arguição estivesse a correr ao tempo da interposição do recurso e,
mesmo assim, em requerimento apresentado para tal efeito, não sendo essa
irregularidade cognoscível em sede de recurso interposto de decisão judicial que
se não debruçou sobre a matéria atinente à irregularidade.
E, para tanto, suportou-se, como igualmente resulta da
aludida fundamentação, nos artigos 201º, 205º, 206º e 668º do Código de Processo
Civil.
Acresce que ainda aditou que, tratando-se de matéria que
foi não objecto de decisão do despacho então impugnado, estava ao tribunal de
recurso vedado debruçar-se sobre ela, já que a mesma constituía questão nova, de
conhecimento não oficioso.
Por outro lado, e independentemente da questão de saber
se poderia considerar-se modo processualmente adequado de suscitação de
inconstitucionalidade normativa a forma como foi redigida as «conclusões» 8) a
11) da alegação produzida no agravo, o que é certo é que o sentido
interpretativo que se pretende questionar no requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional não é coincidente com aquele que
eventualmente se conteria naquelas «conclusões».
É certo que a reclamante parece vir agora sustentar que
aquele sentido foi assumido de forma inusitada e imprevista pelo acórdão
desejado recorrer, pelo que não teria, anteriormente, tido oportunidade de com
ele contar e, consequentemente, de suscitar a sua desconformidade
constitucional.
Simplesmente, como se viu, a verdade é que o mencionado
nº 6 do artº 161º não constituiu ratio juris da decisão querida recorrer.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se
a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 6 de Junho de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício