Imprimir acórdão
Processo n.º 417/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, foi
proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação do Porto, em que figura como recorrente A. e como
recorrida B., a 4ª Vara Cível da Comarca do Porto, por decisão de 16 de Julho de
2003, considerou o seguinte:
Para abrir caminho à decisão importa fazer, desde logo, uma caracterização
sumária da figura jurídica subjacente aos autos.
Ora, 'arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra
o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante
retribuição.' (art. 1º do D.L. n° 321-B/90 de 15-10 que aprovou o regime do
arrendamento urbano - R.A.U.), sendo certo que, o arrendamento urbano pode ter
como fim a habitação, a actividade comercial ou industrial, o exercício de
profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio (art. 3° do citado diploma
legal).
Assim, o primeiro elemento desta figura consiste na obrigação de proporcionar o
gozo de um prédio urbano, por uma das partes - o senhorio à outra - o
arrendatário ou inquilino. Essa obrigação do senhorio desdobra-se num conjunto
de prestações, de que as principais são as enumeradas no art. 1310 do C. Civil:
- entregar ao arrendatário o prédio urbano arrendado,
- assegurar-lhe o gozo deste para os fins a que se destina.
O segundo elemento do contrato de arrendamento que resulta da definição legal é
o seu prazo de duração que pode ser determinado por lei, convencionado pelas
partes ou estabelecido pelos usos.
O terceiro elemento que resulta da noção dada pelo art. 1° do R.A.U. é a
retribuição a que está obrigado o arrendatário.
No caso presente, é ponto assente que por contrato de arrendamento celebrado em
15 de Janeiro de 1974 e com início em 1 de Fevereiro de 1974 foi dado de
arrendamento para habitação pelo então proprietário C. ao marido da R. D., o
apartamento no 4° andar esquerdo do prédio sito na Rua X., --- - Porto pela
renda mensal de Esc. 4.000$00, sendo que D. faleceu em 15 de Abril de 1997,
tendo a R. tomado a posição deste como inquilina.
A partir daqui, é questão pacífica a existência de um contrato de arrendamento
que envolve as partes tendo como objecto o apartamento acima identificado,
destinando-se o local arrendado para ser utilizado como habitação do
arrendatário.
Neste contexto, a A. fundamenta a sua pretensão no facto de ter procedido à
actualização da renda, sendo que a R. recusou o pagamento da renda de acordo com
a actualização efectuada e não pagou as rendas vencidas de Junho a Outubro de
1997.
Neste domínio, e nos termos do disposto no art. 64° nº 1 al. a) do R.A.U., o
senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e
lugar próprios, nem realizar depósito liberatório.
Que dizer?
Nos termos do art. 81°, introduzido no R.A.U. pelo D.L. n° 278/93, de 10-08,
ratificado pela Lei n° 13/94, de 11 de Maio (que apenas lhe introduziu o nº 2,
passando o originário nº 2 a nº 3), 'o senhorio pode suscitar para o termo do
prazo do contrato ou da sua renovação, uma actualização obrigatória da renda.
até ao que seria o seu valor em regime de renda condicionada, (...) quando o
arrendatário resida na área metropolitana de Lisboa ou do Porto e tenha outra
residência ou for proprietário de imóvel nas respectivas áreas metropolitanas,
ou quando o arrendatário resida no resto do país e tenha outra residência ou
seja proprietário de imóvel nessa mesma comarca, e desde que os mesmos possam
satisfazer as respectivas necessidades habitacionais imediatas'.
E dispõe o nº 3 do mesmo artigo que a actualização rege-se pelo art. 33° sendo,
porém que a comunicação do senhorio deve ser feita com a antecedência mínima de
90 dias em relação ao termo do prazo do contrato ou da renovação e a denúncia do
arrendatário deve ser enviada por escrito no prazo de 15 dias após a recepção da
comunicação do senhorio devendo o prédio ser restituído devoluto até ao termo do
prazo do contrato ou da sua renovação.
Por outro lado, de acordo com o art. 33° do R.A.U., comunicada pelo senhorio ao
arrendatário, com a antecedência referida, o novo montante da renda e o
coeficiente e os demais factores utilizados no seu cálculo, essa renda
considera-se aceite se o arrendatário não discordar nos termos do art. 35°, ou
seja com base em erro nos factos relevantes ou na aplicação da lei. A
discordância, devidamente fundamentada deve ser comunicada ao senhorio.
Nesta sequência, cabe notar que suscitada uma actualização nos termos do art.
81°-A do R.A.U., o inquilino poderá opor-se com o fundamento de que não se
verificam os pressupostos referidos no seu nº 2°: a disponibilidade de duas
residências que satisfaçam as suas exigências habitacionais imediatas, sendo que
seria inadmissível, a todos os títulos, que uma comunicação do senhorio de que
se verificam os pressupostos do art. 81°-A se possa impor, sem mais, ao
arrendatário.
E se tal oposição for feita pelo arrendatário, a única conclusão a retirar é que
a nova renda não poderá ser praticada enquanto não for resolvida em juízo a
questão de estar ou não preenchido esse pressuposto permissivo de actualização
da renda.
A partir daqui, cabe referir que em 26-06-1996, os AA. expediram para a R. e seu
marido a carta que dos autos é fls. 14, por estes recepcionada, na qual, além do
mais, afirmam 'fazer nova comunicação de actualização de renda, que se tomará
eficaz a partir da próxima renovação do arrendamento, para o caso e logo e desde
que seja desfavorável aos senhorios a decisão judicial referida ...' mais lhes
comunicando estarem reunidos os pressupostos para actualização da renda 'por
terem conhecimento que são proprietários de uma habitação no 2° andar do prédio
urbano sito na Rua Y., 120, Porto, inscrito na matriz sob o art. ----°.
Neste ponto, a R. questiona a identificação do imóvel em apreço e o facto de a
comunicação ser condicionada em termos de eficácia a um acontecimento futuro e
incerto.
Quanto a esta matéria, e em relação ao primeiro elemento, ficou demostrado que
não obstante a carta referida fazer referência ao nº 120 do prédio sito na Rua
Y., do seu teor a R. percebeu que se tratava do nº 122, identificando o prédio,
o que afasta a crítica da R. ao teor da comunicação neste domínio.
Por outro lado, e quanto à comunicação ser condicionada em termos de eficácia a
um acontecimento futuro e incerto, entende-se que os AA. apenas quiseram
acautelar a hipótese de êxito quanto ao recurso interposto da decisão
respeitante á acção anterior em momento anterior àquele em que operava a
actualização realizada através da carta de 26-06-96, ou seja, para o caso de ser
conhecida decisão diferente antes de Fevereiro de 1997, o procedendo, assim, o
reparo feito pela R. nesta matéria.
Não se olvida que por carta datada de 08-05-1997 e que dos autos é fls. 31, os
AA. afirmaram à R. que deveria a partir desse momento oferecer 'a renda de Esc.
68.781$00 conforme notificação que lhes foi feita', sendo que tal resulta da
leitura dos AA. sobre uma determinada realidade, quando é certo que se entende
que a actualização operada seria eficaz a partir da renovação do contrato
(ocorrida em Fevereiro de 1997).
Avançando um pouco mais, verifica-se que a R. questiona também o fundamento da
actualização quer quanto à existência de residência ou propriedade de imóvel nas
respectivas áreas metropolitanas, ou quando o arrendatário resida no resto do
país e tenha outra residência ou seja proprietário de imóvel nessa mesma
comarca, quer quanto ao facto de a mesma satisfazer as respectivas necessidades
habitacionais imediatas.
Ora, ficou provado que a habitação sita no 2° andar do nº 122 da Rua Y. ficou
devoluta desde, pelo menos, 05-06-96 e durante alguns meses, de modo que, não
sofre qualquer dúvida o facto de existir uma alternativa nos termos do art.
81°-A do R.A.U..
Mas será uma alternativa viável?
O apartamento arrendado é habitado apenas pela R. e é constituído por hall de
entrada, três quartos de dormir, dois quartos de banho completos, arrumos, sala
comum, corredor, cozinha, dispensa, wc e varanda descoberta.
Por seu lado, a habitação sita no 2° andar do prédio com o nº 122 na Rua Y.,
freguesia de ---------, Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o art.
-----° é pertença da R. e composta de seis divisões, tendo mais de dois quartos,
cozinha, sala e casa de banho completa, reunindo o n° de divisões necessárias às
necessidades da R. .
Com relevância para aferir esta matéria, ficou provado que a R. tem acentuadas
limitações de mobilidade, especialmente da marcha, que faz sempre apoiada em
canadianas, com grandes dificuldades e quase sempre com ajuda de terceiros e que
tal habitação não dispõe de elevador, fazendo-se o acesso através de lanços de
escadas com curvas fechadas e apertadas.
A partir daqui, entende-se que apesar de, em termos de espaço, a habitação da
Rua Y. poder constituir uma alternativa satisfatória, sendo que nada foi alegado
pela R. quanto ao estado da habitação em termos de espaço, a situação da R. com
referência ao acesso à referida habitação, permitem a afirmação que a habitação
da Rua Y. não satisfaz as necessidades habitacionais imediatas da R..
Com efeito, não se trata de uma simples questão de comodidade, trata-se de algo
relacionado com a qualidade de vida da própria R., e seria colocada em crise no
âmbito desta habitação em função do respectivo acesso.
E se assim é, falta um dos elementos a que alude o art. 81°-A quanto à
possibilidade de actualização da renda, o que retira qualquer virtualidade à
actualização realizada pelos AA., de modo que, e uma vez que os AA. têm recusado
receber a renda no valor de Esc. 14.048$00 oferecida pela R., pelo que esta vem
procedendo ao seu depósito, do que foi dado conhecimento aos AA., não existe
conduta subsumível ao disposto no art. 64° nº 1 al. a) do R.A.U., o que tem um
verdadeiro efeito de implosão sobre a presente acção.
Em todo o caso, diga-se sempre que às cartas enviadas pelos AA., a R. respondeu,
enviando àqueles a carta de fls. 28 a 30 e na qual afirma não aceitar a
actualização, considerando correcta a renda então vigente de Esc. 13.678$00 e
enviando a carta de fls. 33, afirmando considerar correcta a renda de Esc.
14.048$00, verificando-se que, em rigor, os arrendatários não colocaram em causa
os cálculos para a actualização feitos pelos, colocando em crise, como se disse,
o fundamento invocado para a aludida actualização, pelo que, a essa tomada de
posição, há que se atribuir o efeito de suspender a prática, efectiva, da renda
actualizada, até se mostrar decidido, em sede judicial, que a arrendatária
efectivamente dispõe de uma habitação para satisfazer as suas necessidades
habitacionais, sendo que esta suspensão, autorizava, naturalmente, a
arrendatária a continuar a pagar a renda que até aí vinha pagando, sem que por
tal motivo lhe pudesse ser imputada a mora no pagamento das rendas devidas e sem
que, consequentemente, lhe pudesse ser movida, com êxito, uma acção de resolução
do contrato de arrendamento e despejo por tal motivo.
Tal significa que, mesmo que se entendesse que se verificavam os requisitos do
art. 81°-A do R.A.U. e na medida em que no âmbito da presente acção se cumula o
pedido de resolução do contrato com o pedido de pagamento da renda resultante da
actualização operada, sempre a R. teria de ser absolvida do pedido de despejo,
sendo condenada a pagar as rendas actualizadas a partir do termo do prazo do
contrato ou da sua renovação.
B. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto. O Tribunal da Relação
do Porto, por acórdão de 28 de Setembro de 2004, considerou o seguinte:
A questão essencial a decidir consiste em saber se ocorrem os requisitos
exigidos pelo art. 81-A do RAU para o senhorio poder suscitar a actua1ização da
renda, nomeadamente se os factos assentes permitem ou não concluir que a
habitação de que a Ré é proprietária satisfaz as suas necessidades habitacionais
imediatas.
Vejamos:
O artigo 81-A do RAU, aditado pe1o Dec. Lei nº 278/93, de 10 de Agosto (e que
teve nova redacção, dada pela Lei nº 13/94, de 11 de Maio), veio permitir a
actua1ização de renda 'até ao que seria o seu valor em regime de renda
condicionada', quando o prédio arrendado para habitação se situe na área
metropolitana de Lisboa ou do Porto e o arrendatário tenha outra residência ou
seja proprietário de imóvel situado nessa área que 'possa satisfazer as
respectivas necessidades habitacionais', ou quando se trate de casa arrendada
noutro ponto do país e o arrendatário tenha outra residência ou seja
proprietário de imóvel nas mesmas condições, na área da respectiva comarca.
Verificando-se os apontados requisitos, o senhorio para poder tornar efectiva a
actualização da renda, terá de comunicar ao arrendatário, por escrito, a
actualização pretendida, com 90 dias de antecedência em relação ao termo do
contrato ou da sua prorrogação (al. do nº 3, do art. 81-A, do RAU). E a
comunicação terá de identificar 'com rigor' as residências ou imóveis do
arrendatário que se encontram nas apontadas condições (nº 2). Se o arrendatário
não estiver disposto a suportar a actualização, poderá denunciar o contrato, no
prazo de 15 dias após a recepção da comunicação do senhorio, evitando a
prorrogação desde a qual passaria a renda a ser 'actualizada' (al. b) do nº 3,
do mesmo artigo).
A ratio legis do preceito, expressa no preâmbulo do Dec. Lei 278/93, aponta
inequivocamente no sentido de que a protecção do arrendatário, que de certa
forma justifica a não actualização das rendas, não merece tutela quando este
dispõe de outra residência na mesma comarca ou na mesma área metropolitana em
que resida que possa satisfazer as suas necessidades de habitação imediatas.
No caso dos autos está assente que a Ré/arrendatária é proprietária de um andar
situado na cidade do Porto e que à data em que o senhorio comunicou a
actualização da renda aquele andar se encontrava devoluto, ou seja, em condições
de poder ser ocupado pela Ré.
A única questão em discussão consiste em saber aquele andar satisfaz as suas
necessidades habitacionais.
A verificação do referido requisito depende: por um lado, da prova de que a
residência do arrendatário tem capacidade para nela habitar, isto é, que é
suficiente, do ponto de vista das divisões e seu estado de conservação, para
nela se instalar e aí passar a viver; por outro, é ainda necessário que essa
residência esteja livre e devoluta, ou seja, susceptível de ser ocupada pelo
arrendatário na altura em que o senhorio toma a iniciativa de actualizar a renda
(v. Ac. do STJ de 26-11-96, CJ-STJ, Tomo III, p. 117).
O andar pertencente à Ré, devoluto na altura em que os senhorios comunicaram a
actualização da renda, é composto de seis divisões, tendo mais de dois quartos,
cozinha, sala e casa de banho.
Não oferece, pois dúvidas, que do ponto de vista de divisões dispõe de condições
para a Ré aí se instalar e passar a viver. Nada foi alegado quanto ao seu estado
de conservação que possa afastar a possibilidade de satisfazer as necessidades
habitacionais da Ré. E encontrava-se devoluto na altura em que o senhorio
comunicou a actualização da renda, ou seja, estava em condições de ser de
imediato ocupado pela arrendatária.
Na sentença recorrida entendeu-se que apesar de, em termos de espaço, a
habitação pertencente à Ré poder constituir uma alternativa satisfatória, pelo
facto do prédio não possuir elevador haveria prejuízo para a qualidade de vida
da Ré, dadas as dificuldades de acesso à habitação, concluindo que não satisfaz
as suas necessidades habitacionais imediatas.
Posição de que discorda a apelante alegando que a falta de qualidade de vida da
Ré verificar-se-ia quer no arrendado, quer na habitação de que é proprietária,
pois é algo inerente ao seu estado físico e não aos requisitos da habitação.
Entendemos que lhe assiste razão.
A falta de elevador poderá tomar menos cómoda a utilização pela Ré do andar de
que é proprietária, mas satisfaz as suas necessidades de habitação. Como referem
os apelantes a falta de qualidade de vida da Ré verificar-se-ia quer no
arrendado, quer na habitação de que é proprietária, pois é algo inerente ao seu
estado físico e não aos requisitos da habitação.
Porém, ao contrário do que defendem os apelantes não há fundamento para o pedido
despejo, com fundamento na falta de pagamento de rendas.
Suscitada uma actualização nos termos do art. 81°-A, o inquilino pode opor-se
com o fundamento de que não se verificam os pressupostos referidos no seu nº 2:
a disponibilidade de residência que satisfaça as suas exigências habitacionais
imediatas.
E verificando-se a dita oposição por parte do arrendatário, a nova renda não
poderá ser praticada enquanto não for resolvida em juízo a questão de estar ou
não preenchido esse pressuposto permissivo de actualização da renda (art. 36° nº
3, do RAU 'ex vi' do art. 85°-A).
Está provado que, tendo a Autora comunicado à Ré, com a devida antecedência, o
montante da renda actualizada, respondeu-lhe a Ré que não aceitava tal
actualização, nomeadamente por não se verificar o respectivo pressuposto:
disponibilidade pela Ré de residência própria capaz de satisfazer as suas
necessidades habitacionais imediatas. Não pôs a arrendatária em causa os
cálculos para a actualização feitos pelos senhorios. Mas pôs em causa a
verificação do requisito legal em que estes fundavam a possibilidade da
actualização.
A essa tomada de posição por parte da arrendatária, Ré nos autos, terá que se
atribuir o efeito de suspender a prática, efectiva, da renda actualizada, até se
mostrar decidido, em sede judicial, que a mesma arrendatária efectivamente
dispõe de residência com capacidade para satisfazer as suas necessidades
habitacionais imediatas.
Assim, instaurada a acção a pedir a resolução do contrato e cumulando-se com
esse pedido o de pagamento da renda resultante da actualização operada, ainda
que os autores tenham feito prova da verificação do pressuposto legal de tal
actualização, não há mora quanto à obrigação de pagar a renda actualizada antes
do trânsito em julgado da decisão que julgue improcedente a oposição deduzida
pela arrendatária.
Como assim, deve ser mantida a absolvição da Ré do pedido de despejo, com
fundamento na falta de pagamento da renda actualizada., por não haver mora
quanto à obrigação de pagar o montante actualizado.
Deverá todavia ser condenada a pagar as rendas actualizadas, desde Junho de 1997
(embora se entenda que a actualização era devida a partir da renovação do
contrato ocorrida após a comunicação da actualização, ou seja, a partir de
Fevereiro de 1997, foi pedida apenas a partir da renda vencida em Junho de
1997), uma vez que para tanto fora oportunamente interpelada, tendo a
actualização ficado apenas suspensa até haver decisão judicial quanto à deduzida
oposição que, como se referiu, carece de fundamento.
III - Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente,
condenando-se a Ré a pagar aos Autores a diferença entre os montantes por ela
pagos ou depositados (autorizando-se os autores a levantar os depósitos que
hajam sido efectuados), a título de rendas vencidas desde Junho de 1997,
inclusive, até ao presente, e os montantes da renda actualizada, no valor mensal
de Esc. 68.781$00, devida desde a vencida em Junho de 1997, inclusive.
Confirma-se a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de
despejo.
Custas pelos apelantes e pela apelada, na proporção de 2/3 para aqueles e 1/3
para esta.
B. requereu esclarecimento do acórdão de 28 de Setembro de 2004. Por seu turno,
A. arguiu nulidade (fls. 253 e ss.).
A. requereu ainda esclarecimento do acórdão de 28 de Setembro de 2004,
sustentando o seguinte:
2. Resulta da fundamentação do douto Acórdão em referência, que a satisfação das
necessidades habitacionais da apelada depende, única e exclusivamente, do número
de divisões da habitação e do respectivo estado de conservação.
O citado entendimento resulta bem claro da seguinte passagem do douto Acórdão:
“Não oferece, pois dúvidas, que do ponto de vista de divisões dispõe de
condições para a Ré ai se instalar e passar a viver. Nada foi alegado quanto ao
seu estado de conservação que possa afastar a possibilidade de satisfazer as
necessidades habitacionais da Ré”.
Quanto ao resto, nomeadamente a inexistência de elevador, as condições físicas e
idade da apelada, os lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas que
constituem a única forma de acesso à habitação, instalada num 2º andar, não
passam, afinal, de pequenas questões de comodidade!
Entendimento que, perdoe-se-nos o comentário, é próprio dos tempos que correm,
de idolatria pela juventude, beleza e vigor, e de quase desprezo pela velhice e
doença.
Sucede que, em nossa modesta opinião, o referido entendimento consubstancia uma
interpretação da disposição da parte final do n° 1 do artigo 81º-A do Regime do
Arrendamento Urbano, na parte em que impõe a satisfação das necessidades
habitacionais imediatas, que colide frontalmente com o preceito do n° 1 do
artigo 65° da Constituição da república Portuguesa.
Estatui-se neste preceito que 'Todos têm direito, para si e para a sua família,
a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que
preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Condições de conforto
que impõem, é nossa profunda convicção, um acesso minimamente adequado e
razoável a uma senhora idosa de oitenta e cinco anos, doente e com grandes e
crescentes dificuldades de marcha e mobilidade.
A interpretação do conceito de 'necessidades habitacionais imediatas' vertido na
parte final ao artigo 81°-A do Regime Arrendamento Urbano, subjacente ao Acórdão
em apreciação parece-nos, pelo exposto, claramente inconstitucional.
Inconstitucionalidade que, de qualquer modo, só agora é suscitada, porque a
referida interpretação do normativo aplicável à situação ajuizada colheu de
surpresa a apelada, que nunca considerou, razoavelmente, contar com a mesma.
A apelada requer, portanto, uma análise mais ponderada e aprofundada das
questões ora suscitadas, nomeadamente com vista ao rigoroso esclarecimento da
interpretação legal que resulta do Acórdão, e da sua eventual
inconstitucionalidade.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Dezembro de 2004, indeferiu
os requerimentos da recorrente e da recorrida.
A. requereu a reforma do acórdão, pedido de reforma que foi indeferido por
acórdão de 22 de Fevereiro de 2005.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A.,
Apelada nos autos à margem identificados,
Notificada do douto Acórdão que indeferiu a requerida reforma,
Interpõe Recurso,
Para o Tribunal Constitucional,
Do douto Acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação,
Ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do art. 70° da Lei do Tribunal
Constitucional,
Para apreciação da constitucionalidade da disposição da parte final do n° 1 do
artigo 81°-A do Regime do Arrendamento Urbano, na interpretação perfilhada pelo
Acórdão recorrido,
Por considerar que esta viola o direito a uma habitação condigna consagrado no
n° 1 do artigo 65° da Constituição da República Portuguesa,
Tendo a questão da referida inconstitucionalidade sido suscitada, nomeadamente,
nas alegações orais produzidas na audiência final, no requerimento de
esclarecimento de fls. , remetido a Juízo, sob registo postal no dia 14 do
passado mês de Outubro, e, bem assim, no requerimento de reforma do Acórdão de
fls. , interposto em Juízo no dia 10 de Janeiro de 2005.
A este respeito, acrescenta a recorrente que não suscitou a questão da dita
inconstitucionalidade em sede de resposta à alegação do recurso de apelação, e
não apresentou, sequer, tal resposta, na convicção de que a douta decisão de
facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância, tendo nomeadamente por objecto os
quesitos 2°, 5°, 6° e 7º, e respectiva fundamentação, não permitiriam a mais
ligeira dúvida relativamente à impossibilidade do imóvel do 2° andar do n° 122
da Rua Y. satisfazer as suas necessidades habitacionais, pelo que não poderia,
razoavelmente, contar com a decisão do Tribunal da Relação.
Deste modo,
Requer
A V. Ex.a se digne admitir o presente recurso, por legal e tempestivo,
seguindo-se os ulteriores termos.
Cumpre apreciar.
3. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea
b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é
necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão
de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De
acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se
pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão
de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão
recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se
considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade
normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade
ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre
muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
A recorrente, nos presentes autos, podendo fazê-lo, não apresentou
contra-alegações no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto pela
ora recorrida, no qual foram apresentados argumentos acolhidos pelo tribunal a
quo e que fundamentam a decisão que agora vem impugnada, na parte em que aplica
uma dada interpretação do nº 1 do artigo 85º do Regime do Arrendamento Urbano,
interpretação que, de resto, em momento algum é explicitada pela recorrente.
Nessa medida, não foi suscitada no momento próprio (contra-alegações do recurso
perante o Tribunal da Relação do Porto) uma qualquer questão de
constitucionalidade normativa, quando o podia ter sido, já que, como se referiu,
nas alegações da então recorrente foi apresentado o entendimento que o tribunal
a quo acolheu na decisão recorrida. De resto, repete-se, em momento algum dos
autos, mesmo no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade,
foi explicitada a dimensão normativa que a recorrente considera
inconstitucional.
Por outro lado, ao contrário do que a recorrente sustenta, não foi proferida
qualquer decisão objectivamente imprevisível ou inesperada. É aliás a própria
recorrente que afirma, no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, que suscitou a questão de constitucionalidade nas alegações
orais na audiência final (o que, não obstante a afirmação da recorrente, não tem
qualquer suporte documental nos autos). Independentemente, porém, do alegado
pela recorrente, a verdade é que a decisão recorrida, acolhendo os argumentos da
então recorrente, não tem um conteúdo objectivamente inesperado com o qual a
recorrente não pudesse contar.
Assim, a alegada suscitação da questão de constitucionalidade no pedido de
esclarecimento e no pedido de reforma (que consubstancia uma suscitação
deficiente, insusceptível de permitir dar por verificado o pressuposto
processual do recurso de constitucionalidade interposto, já que, como se disse,
não é identificada, com o mínimo rigor, a interpretação que a recorrente
considera inconstitucional) é intempestiva.
Por último, as deficiências apontadas não podiam ser utilmente supridas por
despacho a proferir ao abrigo do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional,
como resulta do que foi referido.
4. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso de constitucionalidade.
A recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 76º-A,
nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo o seguinte:
A douta decisão ora impugnada funda-se no entendimento que se transcreve:
“Assim, a alegada suscitação da questão de constitucionalidade no pedido de
esclarecimento e no pedido de reforma (que consubstancia uma suscitação
deficiente, insusceptível de permitir dar por verificado o pressuposto
processual do recurso de constitucionalidade interposto, já que, como se disse,
não é identificada, com o mínimo rigor, a interpretação que a recorrente
considera inconstitucional) é intempestiva.”
Apresentam-se, portanto, dois impedimentos ao conhecimento do recurso, que devem
ser analisados com todo o rigor.
A) Da invocada intempestividade do recurso:
1. A recorrente alega, no requerimento de recurso de constitucionalidade, aceite
pelo Tribunal recorrido, que a questão da referida inconstitucionalidade havia
sido suscitada, nomeadamente, nas alegações orais produzidas na audiência final.
O requerimento em causa foi, nos termos legais, notificado à parte contrária,
como se demonstra do talão junto aos presentes, nada tendo sido declarado por
esta em sentido contrário. O silêncio dos recorridos não pode ter outro sentido
que não o do reconhecimento da alegada suscitação.
Ora,
Constitui Jurisprudência pacífica deste mesmo Tribunal que “Tem de
considerar-se suscitada adequadamente uma questão de constitucionalidade, em
alegação oral, quando - nada constando embora da acta sobre tal matéria - a
parte contrária reconhece expressamente a respectiva suscitação.” (Acórdão
349/2000, Boletim do Ministério da Justiça, 499-15 ).
Por outro lado,
2. Alegou ainda a recorrente, no requerimento do presente recurso, que “não
suscitou a questão da dita inconstitucionalidade em sede de resposta à alegação
do recurso de apelação, e não apresentou, sequer, tal resposta, na convicção de
que a douta decisão de facto proferida pelo Tribunal da 1. instância, tendo
nomeadamente por objecto os quesitos 2º, 5°, 6° e 7° e respectiva fundamentação,
não permitiriam a mais ligeira dúvida relativamente à impossibilidade do imóvel
do 2° andar do n° 122 da rua Y. satisfazer as suas necessidades habitacionais,
pelo que não poderia, razoavelmente, contar com a decisão do Tribunal da
Relação.”
A este respeito,
Considera-se na decisão sumária em apreciação que “a verdade é que a decisão
recorrida, acolhendo os argumentos da então recorrente, não tem um conteúdo
objectivamente inesperado com o qual a recorrente não pudesse contar.”
Em primeiro lugar,
Afigura-se-nos indiscutível que não é por determinada interpretação de norma
legal ser perfilhada nos autos pela parte contrária que a mesma se deve passar a
ter como menos inesperada, insólita ou imprevisível. O que a este respeito tem
de prevalecer, naturalmente, é uma análise objectiva e fundamentada do carácter
objectivamente insólito e imprevisível da interpretação ou tese em causa.
Vejamos, portanto, a matéria dos quesitos invocados pela recorrente e
respectivas respostas vertidas na douta decisão da matéria de facto.
Quesito 2°: “E satisfaz (a habitação sita no 2º andar do n° 122 da rua Y. ) as
necessidades habitacionais da Ré?”
Resposta: “Provado apenas o que consta da alínea H) da matéria assente.”
Quesito 5°: “A Ré tem acentuadas limitações de mobilidade, especialmente de
marcha, que faz sempre apoiada em canadianas, com grandes dificuldades e quase
sempre ajudada por terceiros?”
Resposta: “Provado.”
Quesito 6°: “Tal habitação não dispõe de elevador, fazendo-se o acesso através
de lanças de escadas com curvas fechadas e apertadas?”
Resposta: “ Provado.”
Quesito 7°: “Pelo que a Ré não conseguiria nunca aceder à mesma habitação?”
Resposta: “Provado apenas o que consta das respostas aos factos 5° e 6°.”
Resulta, portanto, provado dos presentes autos que a recorrente, actualmente com
85 anos de idade, padece de profundas limitações de mobilidade, que só consegue
movimentar-se com o apoio de canadianas e a ajuda de terceiros.
Demonstrado está também que a habitação de que a recorrente é proprietária,
instalada no 2° andar com entrada pelo n° 122 da rua Y., freguesia de ------- e
concelho do Porto, não tem elevador, sendo o acesso à mesma, sublinha-se, no 2°
andar, efectuado por lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas.
O pedido deduzido nos presentes, de actualização da renda, funda-se na
disposição do n° 1 do artigo 81º-A do Regime do Arrendamento Urbano, na redacção
do Decreto Lei n° 278/93, de 10 de Agosto, ratificado pela Lei n° 13/94, de 11
de Maio, nos termos do qual o senhorio pode suscitar uma determinada
actualização de renda, desde que o inquilino seja proprietário de um imóvel na
mesma comarca que “possa satisfazer as respectivas necessidades habitacionais
imediatas”.
Como já se viu, a aptidão da casa da rua Y. para a satisfação das necessidades
habitacionais da recorrente foi incluída na base instrutória, inclusão da qual
ninguém reclamou, e que, portanto, se manteve intocável até final. Acontece que
a referida aptidão não foi considerada provada, sendo óbvio que o respectivo
ónus da prova caberia aos senhorios, ora recorridos.
Em consequência da prova efectuada, que incluiu uma inspecção ao local, o
Meritíssimo Juiz da 1ª instância não teve dúvidas ou dificuldades em concluir
que “a habitação da rua Y. não satisfaz as necessidades habitacionais imediatas
da R.”
Ora,
Perante toda esta factualidade, claramente demonstrada, faz sentido
considerarmos, como considerou a Ex.ma Conselheira Relatora deste Tribunal, que
a decisão do Tribunal da Relação do Porto não configura “qualquer decisão
objectivamente imprevisível ou inesperada?”
Não constitui novidade que passamos tempos algo estranhos, de diluição de
valores, em que princípios que considerávamos intocáveis são relativizados até à
total indiferença. Mas, não podemos deixar de colocar uma questão que nos parece
fundamental, qual seja a de procurar saber para onde vamos quando admitimos que
uma habitação localizada num 2° andar, cujo acesso só pode ser conseguido pela
subida de lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas, satisfaz as
necessidades habitacionais imediatas duma senhora de mais oitenta anos de idade,
que se desloca com muita dificuldade, sempre apoiada em canadianas e com a ajuda
de terceiros!?! E qual o nosso destino como colectividade pretensamente
solidária quando entendemos que uma decisão deste tipo nada tem de imprevisível
ou inesperado?
B) Da eventual suscitação deficiente da inconstitucionalidade:
A douta decisão sumária objecto da presente reclamação entende que a “alegada
suscitação da questão de constitucionalidade no pedido de esclarecimento e no
pedido de reforma “do Acórdão da Relação” consubstancia uma suscitação
deficiente, insusceptível de permitir dar por verificado o pressuposto
processual do recurso de constitucionalidade interposto, já que, como se disse,
não é identificada, com o mínimo rigor, a interpretação que a recorrente
considera inconstitucional.”
A este respeito,
Deixamos à consideração do Tribunal a parte que se transcreve do requerimento de
esclarecimento do Acórdão da Relação, de fls. 266 a 270:
“Quanto ao resto, nomeadamente a inexistência de elevador, as condições físicas
e idade da apelada, os lanças de escadas com curvas fechadas e apertadas que
constituem a única forma de acesso à habitação, instalada num 2º andar, não
passam, afinal, de pequenas questões de comodidade!
Entendimento que, perdoe-se-nos o comentário, é próprio dos tempos que correm,
de idolatria pela juventude, beleza e vigor, e de quase desprezo pela velhice e
doença.
Sucede que, em nossa modesta opinião, o referido entendimento consubstancia uma
interpretação da disposição da parte final do n° 1 do artigo 81°-A do Regime do
Arrendamento Urbano, na parte em que impõe a satisfação das necessidades
habitacionais imediatas, que colide frontalmente com o preceito do n° 1 do
artigo 65° da Constituição da República Portuguesa.
Estatui-se neste preceito que “Todos têm direito, para si e para a sua família,
a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que
preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.” Condições de conforto
que impõem, é nossa profunda convicção, um acesso minimamente adequado e
razoável a uma senhora idosa de oitenta e cinco anos, doente e com grandes e
crescentes dificuldades de marcha e mobilidade.
A interpretação do conceito de “necessidades habitacionais imediatas” vertido na
parte final do artigo 81° - A do Regime do Arrendamento Urbano, subjacente ao
Acórdão em apreciação parece-nos, pelo exposto, claramente inconstitucional.”
E,
Mais adiante, no requerimento, interposto em Juízo no dia 10 do passado mês de
Janeiro, de reforma do mesmo Acórdão, a recorrente insistiu na suscitação da
inconstitucionalidade, nos termos seguintes:
“Considerou o douto Acórdão dos presentes que: “A falta de elevador poderá tomar
menos cómoda a utilização pela Ré do andar de que é proprietária, mas satisfaz
as suas necessidades de habitação.”
Sucede,
Que o n° 1 do artigo 65° da Constituição da República consagra o direito a “uma
habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto ...”.
Conforto que, obviamente, é sonegado, por completo, a uma senhora de oitenta e
cinco anos de idade, com “acentuadas limitações de mobilidade, especialmente da
marcha, que faz sempre apoiada em canadianas, com grandes dificuldades e quase
sempre com ajuda de terceiros” (cfr. 2.2 da base instrutória da causa),
impondo-se-lhe o acesso a uma habitação no 2º andar, que “não dispõe de
elevador, fazendo-se o acesso através de lanços de escadas com curvas fechadas e
apertadas” (cfr. 2.3 da base instrutória).
Efectivamente,
Embora os Excelentíssimos Desembargadores apenas atribuam importância à
inexistência de elevador, o certo é que também se encontra demonstrado nos
presentes que o acesso à habitação do 2º andar da rua Y. se faz através de
lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas.
Deste modo,
Tem de se sublinhar, com a devida intensidade porque nos encontramos perante
valores e conceitos da Pessoa Humana que se julga(va)m sagrados na Civilização
Ocidental, que uma atenta ponderação da matéria de facto provada, à luz das
regras da experiência, não deixará a mais ligeira dúvida àcerca da falta do
mínimo de conforto constitucionalmente previsto e exigível, na situação
ajuizada, tomando em boa conta as específicas circunstâncias relacionadas com a
apelada e com a habitação do 2º andar da rua Y..
Dúvidas poderão existir, isso sim, acerca da possibilidade da apelada alguma vez
conseguir, mesmo com a ajuda de terceiros, ultrapassar as curvas fechadas e
apertadas dos lanços de escadas que dão acesso à habitação do ~ andar da rua Y..
Do exposto resulta que nos permitimos considerar, salvo o devido respeito, que é
muito, por melhor opinião, que uma adequada e profunda ponderação da decisão de
facto, em toda a sua plenitude, e bem assim, do sentido de mínimo conforto
subjacente à norma do n° 1 do artigo 65° da Constituição, conforto este que não
pode ser dissociado do conceito de dignidade pessoal, permitirão ao Tribunal
concluir pela reforma da douta decisão proferida.”
Por tudo o exposto,
Afigura-se-nos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, a recorrente
identificou com rigor o preceito constitucional (artigo 65°, n° 1) colocado em
causa pela interpretação do 81º-A, n° 1, do Regime do Arrendamento Urbano, e,
bem assim, que se identificou com todo o rigor a interpretação considerada
inconstitucional.
Uma análise mais aprofundada da invocada inconstitucionalidade apenas deve ser
produzida em sede de alegações, sob pena de estas não disporem de função útil.
Aliás,
Constitui entendimento, julgávamos que consensual, deste mesmo Tribunal, que
para iniciar um recurso de constitucionalidade o que importa é que a
inconstitucionalidade da norma haja sido previamente suscitada, podendo a
respectiva fundamentação ser junta apenas nas alegações (cfr. Acórdão 378/89,
BMJ, 387-128).
E, bem assim, que desde que o Tribunal a quo “pôde saber qual a norma cuja
legitimidade constitucional se questionava, e, por isso mesmo, decidir tal
questão”, deve considerar-se suscitada a questão da inconstitucionalidade e,
consequentemente, deixar-se prosseguir o recurso (cfr. Acórdão 180/90, BMJ,
398-548).
A reclamada respondeu o seguinte:
l - A reclamação presente não passa de mais uma manobra dilatória, - conquanto,
processualmente, a mesma possa ter lugar - com vista a diferir os efeitos da
decisão do acórdão da Relação.
E, os argumentos esgrimidos são de tal forma falaciosos que não resistem a uma,
ainda que superficial abordagem.
Desde logo, requerimento de interposição o de recurso constitucionalidade não
admite resposta, pelo que os ora recorridos nada tinham que opinar sobre aquela
interposição, a não ser no momento próprio, aquando a apresentação das
respectivas contra-alegações.
Por outro lado, como se refere no citado Acórdão (Ac. 349/2000, BMJ, 499-15)
sempre seria necessário que a contraparte tivesse reconhecido expressamente a
aludida suscitação, o que não é, seguramente, o caso.
Na verdade, aquando do pedido de esclarecimento do Acórdão da Relação do Porto,
os ora recorridos, na resposta, declararam expressamente sob o ponto nº 7 que a
questão da inconstitucionalidade jamais foi colocada, quer nos articulados quer
nas alegações.
Inexiste, assim, qualquer reconhecimento da alegada suscitação, tácito ou
expresso, por parte dos recorridos e nem poderia haver, dado não ter sido
alegado.
2 - Quanto à previsibilidade da decisão, sempre se dirá que a mesma só pode
resultar da suscitação pela parte contrária e, consequentemente, da
possibilidade do exercício do contraditório.
E, a recorrente parece esquecer que a sua omissão de exercer o contraditório, só
a ela é imputável!!
3 - Por último e quanto ao alegado sobre a suscitação deficiente da
inconstitucionalidade, refira-se, que mais uma vez, a recorrente suscita as
questões de fundo que pretende ver apreciadas e omite o cerne da decisão de que
reclama! E o que aqui está em causa é apenas o requerimento de recurso que
formalmente não está correcto, a questão de constitucionalidade normativa não
foi suscitada de modo processualmente adequado consubstanciando uma suscitação
deficiente.
Cumpre apreciar.
2. A reclamante começa por se referir à “intempestividade do recurso”.
No entanto, a Decisão Sumária fundou-se, não na intempestividade do recurso, mas
sim na intempestividade da suscitação da questão de constitucionalidade num
pedido de esclarecimento da decisão recorrida (tendo sido sublinhado que nos
autos a questão não tinha sido suscitada de modo adequado).
A reclamante invoca, por outro lado, que o requerimento de interposição do
recurso foi admitido pelo tribunal a quo.
Cabe, no entanto, sublinhar que tal decisão de admissão não vincula o Tribunal
Constitucional (artigo 76º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
A reclamante afirma ainda que a circunstância de os recorridos não terem
respondido à notificação da apresentação do requerimento de interposição do
recurso de constitucionalidade consubstancia um reconhecimento de que a questão
de constitucionalidade foi suscitada nas alegações orais. Invoca, para o efeito,
um acórdão do Tribunal Constitucional onde se atribui relevância ao
reconhecimento expresso pela parte contrária da suscitação da questão de
constitucionalidade no processo.
Ora, o silêncio da reclamada nunca poderia ser entendido como reconhecimento
expresso de qualquer comportamento da reclamante, pelo que o aresto invocado não
tem qualquer pertinência na presente reclamação.
De resto, a própria reclamada nega, agora sim expressamente, que alguma vez
tenha ocorrido tal suscitação (cfr. resposta à reclamação, transcrita supra).
A reclamante afirma ainda que a circunstância de a parte contrária ter invocado
a interpretação normativa que agora aquela pretende impugnar não torna a sua
aplicação previsível. Tal afirmação demonstra o contrário do que a reclamante
pretende sustentar. Na verdade, e independentemente da bondade da solução, que
não cabe agora avaliar, é precisamente por a dimensão normativa ter sido
invocada nos autos perante o tribunal a quo pela parte contrária que a
reclamante podia contar com a sua aplicação, tendo, nessa medida, a
possibilidade de contraditório, invocando os argumentos que considerasse
pertinentes. É esse o modo de funcionamento do processo, é esse o sentido do
princípio do contraditório. Qualquer solução diversa implica que o tribunal
apenas possa aderir aos argumentos de uma das partes, o que é manifestamente
insustentável.
De seguida, a reclamante elenca uma série de elementos relativos aos autos e ao
seu entendimento sobre a resolução do litígio.
Como é evidente, não cabe ao Tribunal Constitucional dirimir tal questão. E
quanto ao carácter previsível da decisão tomada pelo tribunal a quo, nada mais
há a acrescentar ao que se deixa dito.
Por último, a reclamante procura demonstrar que identificou com clareza uma
questão de constitucionalidade normativa, procedendo a transcrições de peças
processuais.
No entanto, nessas transcrições apenas é referido o “entendimento” segundo o
qual a “inexistência de elevador, as condições físicas e idade da apelada, os
lanços de escadas com curvas fechadas e afastadas que constituem a única forma
de aceder à habitação, instalado num 2º andar, não passam (...) de pequenas
questões de comodidade”.
A reclamante entende que esse “entendimento” consubstancia uma interpretação do
artigo 81º, nº 1, do RAU.
Ora, esse “entendimento” não é, de modo manifesto, uma interpretação de uma
qualquer norma legal. Esse entendimento constitui uma apreciação, feita pela
reclamante, de várias circunstâncias factuais.
A reclamante afirma ainda que “as interpretações do conceito de necessidades
habitacionais imediatas” é inconstitucional. Mas não diz qual é essa
interpretação.
Não basta, com efeito, referir matéria de facto do caso concreto ou identificar
vicissitudes dos autos para identificar uma questão de constitucionalidade
normativa. Na verdade, é necessário que seja identificado um critério geral e
abstracto de decisão dos casos. Tal identificação não se verificou, e a presente
reclamação apenas confirma que a reclamante se insurge unicamente contra a
decisão judicial proferida.
Como se referiu na Decisão Sumária, a decisão judicial não constitui objecto
idóneo do recurso interposto, pelo que a presente reclamação improcede.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando consequentemente a Decisão Sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 13 de Julho de 2005
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos