Imprimir acórdão
Processo n.º 118/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.1. A fls. 3203 foi proferida a seguinte decisão sumária:
A. pretende recorrer para este Tribunal do acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal de Justiça em 13 de Janeiro de 2005 que, com fundamento no artigo 400º
n. 1 alínea f) do Código de Processo Penal, rejeitou o recurso que a arguida
havia interposto para aquele Alto Tribunal. Após haver sido convidada – ao
abrigo do disposto no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional – a
completar o seu requerimento, diz:
[...] notificada do despacho de fls.3198, e, em cumprimento do mesmo, declara
que o recurso é interposto nos termos do art.70-1-b). lei 28/82 – a contrario –
por violação do art. 32º da Constituição da República Portuguesa, com referência
à não aplicação dos arts.206, 217, 71 e 72, todos Código Penal.
Esta inconstitucionalidade foi levantada aquando do recurso interposto da
decisão em 1ª instância, na conclusão n° 42 da motivação de recurso apresentado
perante o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo havido omissão de pronúncia
quanto a esta questão no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Igualmente, no Recurso apresentado perante este Venerando Tribunal tal questão
foi novamente levantada, na conclusão n° 46 da motivação apresentada perante o
Venerando S.T.J. sem que no entanto tenha sido decidida, pois o Recurso, no
Acórdão final, foi rejeitado por inadmissibilidade.
Sendo que quanto à admissibilidade do Recurso interposto para o Venerando S.T.J.
a Arguida, desde a promoção da Senhora Procuradora-geral Adjunta junto do
S.T.J., vem pugnando pela sua admissibilidade sob pena de violação dos arts. 29
e 32 ambos da Constituição da República Portuguesa.
O recurso não pode ser admitido.
Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, que a
recorrente pretende usar, cabe das decisões jurisdicionais que apliquem norma
acusada de inconstitucional. Logo por aqui se vê que não cabe neste recurso a
oportunidade de avaliar a 'não aplicação dos artigos 206º, 217º, 71º e 72º,
todos Código Penal', como pretende a recorrente. E também não cabe recurso da
decisão, na parte relativa 'à admissibilidade do recurso' interposto para o
Supremo Tribunal de Justiça, visto que o recurso de inconstitucionalidade tem
carácter normativo, não podendo ser sindicada a decisão recorrida, enquanto tal.
Em suma, não pode conhecer-se do recurso interposto pela arguida A..
Também a co-arguida B. pretende recorrer do mesmo aresto, ao abrigo da citada
alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC. No seu requerimento, diz em conclusão:
Vem o presente recurso interposto para este douto Tribunal Constitucional nos
termos do disposto no artigo 70° n.º 1 alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei
n.º13-A/98, de 26 de Fevereiro,
O mesmo visa a declaração da inconstitucionalidade do artigo 210 n.º 1 alínea b)
do C. Penal de 82, por violação do artigo 32° n.º 2 e 29° n.º 4 da Constituição
da Republica Portuguesa, mormente dos Princípios da celeridade e da aplicação da
lei mais favorável ao arguido,
Efectivamente, todo o presente processado se vê devastado por uma
inconstitucionalidade gritante, sem que se tenha procedido à aplicação dos mais
elementares princípios constitucionais,
A data da prática dos factos remonta-se aos anos de 1995 sendo que o processo
esteve parado em sede de inquérito até à data da sua prisão em 6 de Abril de
2000,
Essa inércia processual nunca esteve ligada a ausência da ora Recorrente, com
residência certa, mas sim a um certo “desleixo” que se revela mais tarde com
consequenciais, nomeadamente com a prescrição de alguns crimes,
No entanto, o mesmo já não acontece com o crime de burla em que a ofendida é C.
por se considerar que a prisão - entretanto ocorrida a 6/4/2000 - teria
interrompido o decurso desse prazo,
Com esta atitude, então com abrigo legal, permitiu-se o prolongamento de
situações processuais, que de outro modo já se encontrariam prescritas,
Violando assim o disposto no artigo 32° n. ° 2 da C. República Portuguesa, que
estabelece a celeridade da justiça, tal como o principio da aplicação da lei
mais favorável, já que na data em que foi presa em vigor se encontrava o C.
Penal de 95.
Não estabelecendo o C. Penal de 95 a prisão como factor de interrupção, uma vez
que a sua presença no nosso ordenamento jurídico já não existia, não faz de modo
algum sentido aplicar um regime mais gravoso e que se revela mais favorável
apenas à entidade prossecutora,
A razão de ser do instituto da prescrição prende-se com a necessidades de
prevenção especial que deixam de existir com o passar do tempo.
Subverte-se assim, com a continua aplicação do disposto no artigo 120° n.º 1
alínea b) do C. Penal, entre outros, os supra referidos princípios e artigos
constitucionais, e permite a perpetuação de uma situação processual, o que de
modo algum se pretende,
Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento de V. Ex.as., deve
ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 120° n.º 1 alínea b) do C. Penal
de 1982, com as demais consequências legais, fazendo-se com esta medida melhor
JUSTIÇA!
O recurso desta arguida não é igualmente de receber, e também porque em causa se
não pretende que esteja uma norma acusada de inconstitucional aplicada na
decisão recorrida, mas porque se visa sindicar a actividade processual ocorrida,
designadamente em virtude de se haver permitido 'o prolongamento de situações
processuais, que de outro modo já se encontrariam prescritas'.
Não pode, por isso, conhecer-se do recurso interposto pela arguida B..
Em face do exposto, decide-se, ao abrigo do n. 1 do artigo 78-A da LTC, não
conhecer dos recursos interpostos pelas arguidas.
2.1. Desta decisão reclama a recorrente B., nos seguintes termos:
1°. Vem o [...] Relator considerar que o recurso não é de apreciar uma vez que
'não pretende que esteja uma norma acusada de inconstitucional aplicada na
decisão recorrida, mas porque se visa sindicar a actividade processual ocorrida,
designadamente em virtude de se haver permitido o prolongamento de situações
processuais, que de outro modo já se encontrariam prescritas'.
2°. No entanto, e salvo o devido respeito, a verdade é que justamente o que se
pretende é que uma norma que se acusa de inconstitucional foi ilegítima e
inadequadamente aplicada no caso concreto, não se tratando apenas de sindicar a
actividade processual recorrida. Se não vejamos:
3°. A ora recorrente invoca no seu recurso a inconstitucionalidade do artigo
120º n.º 1 alínea b) do C. Penal de 1982, seja, a sua desconformidade com o
disposto, entre outros, no artigo 32° n.º 2 da Constituição da República
Portuguesa, que determina o justo princípio da celeridade processual,
4°. Efectivamente, o que a recorrente tenta demonstrar é a
inconstitucionalidade do artigo 120°, n° 1, alínea b) do C. Penal de 1982, que
determinava a interrupção da prescrição do procedimento criminal com a prisão,
5°. Ora, o artigo 32° n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa estabelece
que “Todo o arguido se presume inocente até ao transito em julgado da sentença
de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as
garantias de defesa”.
6°. O que se pode afirmar não aconteceu neste processo,
7.º A celeridade processual é garantida pelo facto de todos os actos que com
relevância criminal se encontrarem sujeitos a prazos prescricionais,
8°. A prescrição assenta na ideia que decorrido um período de tempo, previsto
na lei, os factos deixam de poder ser puníveis criminalmente e deixam de ter
relevância,
9°. “...quem for sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo
porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há
muito tempo já ditada correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não
cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança...”
10º. No entanto, na situação dos presentes autos, embora sejam factos que se
reportam a uma década atrás, a prescrição não se verificou atento o facto de em
plena vigência do C. Penal de 1982 se considerar a prisão como factor de
interrupção da contagem do prazo prescricional,
11°. O facto de se considerar a prisão como factor de interrupção da contagem
do prazo de prescrição, criou situações como a dos presentes autos: a prisão
preventiva é decretada como forma de evitar a prescrição do procedimento
criminal,
12.º Tanto assim é que a prisão preventiva da ora recorrente foi decretada sem
que houvesse motivação clara: a recorrente esteve sempre contactável,
encontrava-se sujeita a apresentações semanais e sempre as cumpriu,
13º De facto, a prisão preventiva decretada quer à ora recorrente, quer às
restantes arguidas só teve a duração de seis meses, passando os quase dez anos
em liberdade,
14°. Durante este espaço de tempo a ora recorrente já refez a sua vida,
encontra-se totalmente integrada na sociedade e nunca mais perpetuou outros
factos que pudessem integrar crime punível,
15°. Esta situação é deveras comum em processos da vigência do Código Penal de
1982, daí que a prisão tenha sido eliminada do C. Penal de 1995 quer como factor
interruptor quer como suspensivo da prescrição,
16°. A sua manutenção continuaria a criar situações inconstitucionais e
humanamente repreensíveis,
17.º O que aconteceu no caso dos presentes autos foi exactamente isso: criou-se
uma situação altamente reprovável em que pessoas com a sua vida normalizada, têm
que voltar, quase uma década depois, a cumprir prisão por crimes, que se não
fosse a prisão, se encontrariam prescritos,
18°. Ao contrario do afirmado pelo Ex.mo Senhor Conselheiro deste douto
Tribunal, de que a ora recorrente “...não pretende que esteja uma norma acusada
de inconstitucional aplicada na decisão recorrida...”, a verdade é que o
pretendido pela mesma é que a norma do artigo 120º n.º 1 alínea b) do C. Penal
de 1982, seja declarada inconstitucional por violação, entre outros, do artigo
32°, n° 2 da Constituição da República,
19°. Temos a fundada esperança, alicerçada na teleologia das normas e na praxis
deste Tribunal, de que este não permitirá que se consume a brutal e desumana
iniquidade que se avizinha.
Nestes termos e nos mais de direito, requer com o douto suprimento de que a
presente reclamação seja julgada procedente consequentemente que seja apreciado
o objecto do seu recurso, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!
2.2. Por seu lado, a recorrente A. apresentou a seguinte reclamação:
Já perante o Venerando STJ em requerimento de fls. apresentado em 17 de Março de
2005 a recorrente havia alegado o seguinte:
'....declara que o recurso é interposto nos termos do art.70-1-b) Lei 28/82 – à
contrário –, por violação do art. 32º da Constituição da República portuguesa,
com referência à não aplicação dos arts. 206, 217, 71 e 72, todos Código Penal.'
Esta inconstitucionalidade foi levantada aquando do recurso interposto da
decisão em 1ª instância, na conclusão n° 42 da motivação de recurso apresentado
perante o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo havido omissão de pronúncia
quanto a esta questão no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Igualmente, no Recurso apresentado perante este Venerando Tribunal tal questão
foi novamente levantada, na conclusão n° 46 da motivação apresentada perante o
Venerando S.T.J., sem que no entanto tenha sido decidida, pois o Recurso, no
Acórdão final, foi rejeitado por inadmissibilidade.
Sendo que quanto à admissibilidade do Recurso interposto para o Venerando
S.T.J., a Arguida, desde a promoção da Senhora Procuradora-gera1 adjunta junto
do S. T. J., vem pugnando pela sua admissibilidade sob pena de violação dos
arts. 29 e 32, ambos da Constituição da Republica Portuguesa, requerendo a final
a admissão do recurso para este Tribunal Constitucional tendo o mesmo sido
admitido.
Pelo que o Tribunal Constitucional deve tomar conhecimento do presente recurso.
Nestes termos, deve ser deferida a presente reclamação pelo que deve conhecer-se
do objecto do presente recurso seguindo-se os demais trâmites.
2.3. O representante do Ministério Público neste Tribunal é de opinião de que
é de manter a decisão reclamada.
3.1. Vejamos: pretendem as recorrentes impugnar o acórdão de 13 de Janeiro de
2005 pelo qual o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não conhecer tanto do
recurso interposto pela arguida A. (na sua totalidade), como do recurso
interposto pela arguida B. na parte relativa aos crimes de burla, simples e
qualificada em que fora condenada, negando provimento ao recurso desta última
arguida quanto ao crime de burla agravada.
Reafirma-se que a recorrente B. não suscitou adequadamente no processo qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa relacionada com a norma que pretende
impugnar. A reclamante insiste que a norma foi aplicada 'no caso dos presentes
autos'. O certo, porém, é que a disciplina do recurso previsto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da LTC exige não só que a norma nele acusada de
inconstitucional tenha sido aplicada, e de forma determinante, na decisão
recorrida, o que não sucedeu, como ainda se exige que a questão normativa haja
sido adequadamente suscitada pelo recorrente no processo, o que igualmente não
sucedeu; por esta razão o Tribunal não pode conhecer do objecto do recurso
interposto por esta arguida.
3.2. Quanto à reclamação formulada por A.: o recurso de inconstitucionalidade
que esta arguida pretende interpor não visa sequer a impugnação de norma
aplicada na decisão recorrida, mas a apreciação da decisão condenatória, que não
a recorrida, por motivo de 'não aplicação dos artigos 206º, 217º, 71º e 72º do
Código Penal'. Reafirma-se, portanto, a inadmissibilidade do recurso que – ao
contrário do que é seu pressuposto – não visa o conhecimento de qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa.
4.Nestes termos, o Tribunal decide manter a decisão de não conhecimento dos
recursos interpostos, indeferindo as reclamações apresentadas. Custas pelas
recorrentes, fixando-se taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 8 de Junho de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos