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Processo n.º 1020/05
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 70 foi proferida a seguinte decisão sumária:
«1. A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 13 de Janeiro de 2005, de
fls. 13, que dando provimento parcial ao recurso que interpusera da decisão da
1ª instância, o condenou na pena de 220 dias de multa à taxa diária de € 3,00,
em vez de € 4,00, como havia sido determinado pela 1ª instância, pela prática de
um crime de ofensa à integridade física previsto e punido pelo artigo 143º do
Código Penal, mantendo no mais a decisão recorrida.
Por despacho de 11 de Julho de 2005, de fls. 37, o recurso não foi admitido,
por não se enquadrar em nenhum dos casos previstos no artigo 432º do Código de
Processo Penal.
Inconformado, A. reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
invocando a inconstitucionalidade do artigo 400º, n.º 1, alínea e), do Código de
Processo Penal, por violação dos artigos 13º e 20º da Constituição, por “limitar
o duplo grau de recurso”.
Por despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de
2005, de fls. 55 e 56, a reclamação foi indeferida.
2. Ainda inconformado, A. recorreu deste último despacho para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a questão da
inconstitucionalidade do artigo 400º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo
Penal, por violação dos artigos 13º e 20º da Constituição.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. O Tribunal Constitucional já se pronunciou inúmeras vezes no sentido de
que não resulta da Constituição a imposição de um duplo grau de recurso, mesmo
em Processo Penal. Assim se pode ver, por exemplo, no acórdão n.º 640/04
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e na jurisprudência nele citada.
Em particular, já julgou que a norma do artigo 400º, n.º 1, alínea e), do
Código de Processo Penal não é inconstitucional por violação do disposto nos
artigos 13º, 20º e 32º da Constituição (cfr. Acórdão n.º 49/03, publicado no
Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2003 e Acórdão n.º 377/03,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
No Acórdão n.º 49/03 escreveu-se o seguinte:
“Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação
com o duplo grau de jurisdição sendo antes perspectivado como uma faculdade de
recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória ainda
que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do
Supremo Tribunal de Justiça na sequência de recurso interposto de decisão da
Relação que confirmasse a absolvição da 1.ª instância. O que ninguém aceitará.
A verdade é que estando cumprido o duplo grau de jurisdição há fundamentos
razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição mediante
a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias.
Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao
Supremo Tribunal de Justiça evitando a sua eventual paralisação e a
circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta
segunda justificação aliás explica a diferença entre as alíneas e) e f) do n.º 1
do artigo 400.º do Código de Processo Penal; com efeito se ao crime em causa for
aplicável pena de prisão «não superior a oito anos» (alínea f)) – não sendo
hipótese abrangida pela alínea e) naturalmente – só não cabe recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se
este confirmar «decisão de 1.ª instância»”.
Estas considerações têm plena aplicação no caso dos autos, justificando-se
decidir a questão de constitucionalidade neles suscitada nos mesmos termos em
que foi apreciada nos referidos Acórdãos n.º 49/03 e n.º 377/03.
4. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da
decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Assim, pelos fundamentos constantes dos Acórdãos n.º 49/03 e n.º 377/03, nega-se
provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à
questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs., sem prejuízo do
apoio judiciário concedido.»
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto
no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão
sumária e concluindo o requerimento da seguinte forma:
'I – O acórdão da Relação apenas confirmou parcialmente o acórdão do Tribunal
Singular, razão por que, por este lado, não é de aplicar aquela alínea f) do n.º
1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, por não se verificar o requisito
da confirmação exigido.
II – A decisão reclamada, na interpretação que fez do artigo 400, n.º 1, alínea
f) do Código de Processo Penal, viola efectivamente, e como se arguiu na
interposição de recurso, as garantias de defesa do arguido na resultantes do
artigo 32º da CRP, na medida em que surge como efectivamente limitadores do
direito ao recurso, que o Código de Processo Penal consagra, e viola também o
artigo 13º da CRP, no entendimento já defendido.
III – Deve ser julgada inconstitucional a norma do artigo 400º, n.º 1, alínea
f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é inadmissível
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório proferido, em
recurso, pelas Relações, que confirmem (mesmo que parcialmente, desde que in
mellius) decisão da 1ª instância, quando o limite máximo da moldura penas dos
crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado não
ultrapasse 8 anos de prisão.
(…)'.
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da
manifesta improcedência da reclamação, desde logo por não ser 'lícito ao
recorrente alterar, no âmbito da reclamação para a conferência. o objecto do
recurso interposto (…)'.
3. Com efeito, a presente reclamação não pode ser deferida.
Independentemente do que se pudesse dizer quanto à questão agora colocada na
reclamação – referida à al. f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo
Penal e não à alínea e) do mesmo preceito –, a verdade é que não é possível
alterar o objecto do recurso na reclamação para a conferência.
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de negar
provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.,
independentemente do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício