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Processo nº 727/2005
2ª Secção
Relatora.: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. requereu cópia dactilografada do despacho de fls. 46 e verso. O Juiz do
Tribunal Judicial da Comarca de Velas indeferiu o requerimento nos seguintes
termos:
Vem o I.M. dos requeridos, invocando o artigo 259° do Código de Processo Civil,
requerer que lhe seja enviada cópia dactilografada do despacho de fls. 46 e
verso, arguindo a sua imperceptibilidade.
Vejamos:
Dispõe o artigo 259° do C.P.C. que: «quando se notifiquem despachos, sentenças
ou acórdãos, deve enviar-se ou entregar-se ao notificado cópia ou fotocópia
legível da decisão e dos fundamentos».
Donde, salvo melhor opinião, o artigo apenas se reporta à qualidade das cópia e
não do despacho que as mesmas hão-de reproduzir.
Ainda assim, caso se considerasse que assistia razão ao peticionante, ou seja,
que a letra do despacho de fls 46 era imperceptível, não teríamos a menor dúvida
em deferir o requerido.
Acontece que a análise 'objectiva' da mesma letra, não é de molde a concluir
pela sua imperceptibilidade.
A sua leitura postulará, quando muito, alguma atenção acrescida, mas certamente
ao alcance de um causídico confrontado diariamente com despachos judiciais e
respectivos termos jurídicos.
Motivo porque se indefere o peticionado.
Foi interposto recurso ordinário, que não foi admitido.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., réu nos autos acima identificados, vem interpor Recurso para o Tribunal
Constitucional do Douto Despacho de fls. 54, ao abrigo do disposto na alínea G)
do nº 1 do art. 70 da LCT e nº 5 do art. 280 da CRP, pedindo a apreciação ao
Tribunal AD QUEM do art. 259 do CPC, considerando que, o Douto Despacho atrás
referenciado violou o art. 20 nº 1 do Constituição da República Portuguesa e o
Direito constitucionalmente reconhecido de acesso aos Tribunais, nomeadamente o
direito que assiste às partes de um processo judicial de conhecerem
efectivamente as decisões que lhe digam respeito, considerando que o art. 259 do
CPC constituindo precisamente uma concretização do direito de acesso aos
Tribunais, impõe aos Tribunais o dever de enviar ou de entregar às partes as
cópias ou, fotocópias facilmente legíveis das decisões jurisdicionais -
legibilidade essa que há-de ser avaliada na óptica ou na perspectiva daquelas –
Acórdão TC, BMJ, 411, P. 155, sendo assim, inconstitucional, a norma do art. 259
do CPC, na interpretação do Douto Despacho ora recorrido, ou seja, a de que cabe
ao Juiz avaliar e decidir sobre a legibilidade ou ilegibilidade das cópias ou
fotocópias dos textos de despachos, sentenças ou acórdãos por si manuscritos,
enviados ou entregues às partes juntamente com a notificação, por violação do
art. 20 nº 1, da Constituição, Acórdão TC, BMJ, 411, P. 155.
O recorrente produziu alegações que concluiu do seguinte modo:
A., Recorrente, nos autos de recurso acima identificado, vem apresentar
conclusões das alegações.
1º Considera o recorrente que o despacho de fls. 54 proferido pelo Tribunal a
quo, violou o art. 20 n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
2° O art. 259 do Código de Processo Civil, só não será uma concretização
constitucionalmente claudicante do direito à informação efectiva das partes
sobre o conteúdo dos despachos, sentenças e acórdãos se ele for interpretado
como impondo aos tribunais um dever de enviar ou de entregar ás partes cópias,
ou fotocópias facilmente legíveis das decisões jurisdicionais.
3° Requerida a repetição de uma notificação, com cópia do despacho a que
respeite, com a alegação de que a recebida era ilegível, tal pretensão só não
deve ser deferida se for manifesto que constitui mero expediente dilatório. A
legibilidade deve ser apreciada na perspectiva do destinatário da notificação.
Nestes termos, e nos mais de Direito, com o Douto suprimento de V.Exas, deverá
ter provimento o presente recurso, e ser entregue ao recorrente pelo Tribunal a
quo cópia dactilografada do despacho de fls. 46.
O recorrido não contra‑alegou.
Cumpre apreciar.
II
Fundamentação
4. O recorrente, no presente recurso, interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1
do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, submete à apreciação do
Tribunal Constitucional a norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, na
interpretação segundo a qual “cabe ao juiz avaliar e decidir sobre a
legibilidade ou inelegibilidade das cópias ou fotocópias dos textos de
despachos, sentenças ou acórdãos por si manuscritos, enviados ou entregues às
partes juntamente com a notificação”. Invocou o recorrente o Acórdão nº 444/91.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 444/91, decidiu julgar
inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição, a norma do
artigo 259º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual “cabe
ao juiz avaliar e decidir sobre a legibilidade ou inelegibilidade das cópias ou
fotocópias dos textos de despachos, sentenças ou acórdãos por si manuscritos,
enviados ou entregues às partes juntamente com a notificação”.
Na decisão recorrida, tal norma foi aplicada, como ratio decidendi, na
interpretação julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no aresto
referido. Com efeito, a referência à «análise “objectiva”», no contexto da
decisão recorrida, não é mais do que a concretização do critério do juiz sobre a
legibilidade do despacho por si proferido.
Verifica‑se, pois, o pressuposto processual do recurso da alínea g) do nº 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação pela
decisão recorrida de norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional.
5. O Tribunal Constitucional reitera nos presentes autos o juízo de
inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 444/91.
Não suscitando o presente processo qualquer questão nova que deva ser apreciada,
remete‑se para a fundamentação do Acórdão nº 444/91 (BMJ nº 411,
p. 155 e ss.), concluindo‑se pela inconstitucionalidade da norma em apreciação.
III
Decisão
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional
a norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, por violação do artigo 20º,
nº 1, da Constituição, na interpretação segundo a qual “cabe ao juiz avaliar e
decidir sobre a legibilidade ou inelegibilidade das cópias ou fotocópias dos
textos de despachos, sentenças ou acórdãos por si manuscritos, enviados ou
entregues às partes juntamente com a notificação”, revogando, consequentemente,
a decisão recorrida, que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo
de inconstitucionalidade.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos