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Processo n.º 800/04
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Advogando em causa própria, A. reclamou para o Presidente da Relação de Lisboa
do despacho proferido pelo Juiz do Tribunal de Família e Menores de Lisboa que –
com fundamento no n. 1 do artigo 678º do Código de Processo Civil e porque o
valor do incidente não era superior a metade da alçada do tribunal – não lhe
admitiu o recurso jurisdicional que pretendia interpor contra o despacho que
mandou proceder à emissão de novas guias para pagamento da multa a que alude o
n. 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil. Todavia, o Presidente da
Relação de Lisboa indeferiu a reclamação por entender, também, que não era
admissível o recurso.
É desta decisão que vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
pretendendo o recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade do n. 1 do artigo
678º do Código de Processo Civil, questão que tinha sido suscitada na reclamação
para o Presidente da Relação de Lisboa.
Foi então proferida decisão sumária, a julgar improcedente o recurso, com os
seguintes fundamentos:
A questão a decidir é simples, uma vez que este Tribunal já por diversas vezes
apreciou a norma ora impugnada, pronunciando-se sempre no sentido da sua não
inconstitucionalidade.
Assim aconteceu, nomeadamente, nos Acórdãos n.ºs 210/92 (publicado no DR, II
série, de 12 de Setembro de 1992), 95/95 (publicado no DR, II série, de 20 de
Abril de 1995), 496/96 (publicado no DR, II série, de 17 de Julho de 1996) –
este proferido em caso idêntico ao dos presentes autos, em que estava em causa a
possibilidade de recurso de aplicação de multa processual –, 149/99 (publicado
no DR, II série, de 5 de julho de 1999), 340/94 e 431/2002 (disponíveis em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
De facto, a jurisprudência deste Tribunal tem afirmado que a garantia de acesso
ao direito e aos tribunais, decorrente do artigo 20º, n.1 da Constituição, não
impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a
diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos, dispondo aquele de
uma ampla liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de
admissibilidade dos recursos, designadamente reportados ao valor da acção ou da
sucumbência, como sucede com o estabelecimento de alçadas.
É esta jurisprudência que aqui se reitera. Assim, pelos fundamentos dos acórdãos
citados, reafirma-se que a norma questionada não padece da inconstitucionalidade
apontada pelo recorrente.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no n.1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se
negar provimento ao recurso.
Sempre inconformado, reclama o recorrente para a Conferência, nos termos
seguintes:
1 - A decisão sumária reitera a jurisprudência constante do Tribunal
Constitucional, que diz ser de acordo com a Constituição o sistema de indexação
da possibilidade de recurso a um certo valor monetário da causa.
2 - No entanto, a jurisprudência uniforme não é um dogma e pode e deve ser posta
em questão perante novos argumentos.
3- Mas é bem certo que é lógico e aceitável a posição tradicional, se vista na
generalidade dos casos.
4 - E dizemos generalidade dos casos porque, mesmo nas regularidades podem ser
marcadas distintas excepções: é o caso.
5 - Com efeito, há na estrutura do estado democrático de direito uma linha de
força contra a arbitrariedade judicial, tanto mais necessária quanto a
Constituição recolheu a norma de 33 de irresponsabilidade patrimonial dos Juizes
pela decisão.
6 - E, segundo as regras da compressão justificada e proporcional dos direitos
fundamentais, que é direito fundamental ter o cidadão acesso a um Tribunal sem
juízo arbitrário, não pode deixar de jogar aqui a prevalência do princípio
recursivo como morigeração desse mesmo sistema da irresponsabilidade judicial.
7 - Por exemplo, sem recurso, neste caso de multas processuais, os Juizes podem
sistemática mente condenar as partes por mero arbítrio e sistematicamente a
menos uma unidade monetária do que a alçada, porventura a lei estipule
graduações penais muito maiores.
8 - Parece, por conseguinte, ser de completar a orientação contínua do Tribunal
Constitucional neste casos dos limites recursivos, e no sentido de admitir uma
excepção para o recurso de multas impostas pelo Juiz.
9 - Aliás, será completamente ilógico que, por multa criminal do mesmo valor que
uma multa processual, se possa recorrer e não por esta última.
10 - Em suma, o que o recorrente pretende com este pedido de acórdão, é que, no
âmago mesmo da jurisprudência constitucional sobre limitação dos recursos se
introduza agora uma reponderação baseada na salvaguarda constitucional contra o
arbítrio dos Tribunais.
11 - E note-se que neste segmento das multas processuais não funciona
verdadeiramente o contraditório, tomando o Juiz uma parte activa na lide, sem
terceiro distante que não seja ou possa ser o Tribunal de recurso.
V.Ex.as., revogando a decisão singular no sentido de declarar a
inconstitucionalidade das normas invocadas neste recurso, segundo a
interpretação de poderem denegar a impugnação judicial das decisões sobre multas
processuais inferiores à alçada, farão justiça, modernizando e completando
apenas uma orientação tradicional do Tribunal a que pertencem.
Cumpre decidir, lembrando que, verdadeiramente, o reclamante não aduz qualquer
novo argumento que possa fazer alterar a jurisprudência do Tribunal sobre o
assunto em causa. Designadamente, o citado Acórdão n.º 231/2002 enuncia os
fundamentos pelos quais o Tribunal se tem inclinado para esta solução de não
inconstitucionalidade da norma em causa, da seguinte forma:
4 – A questão de constitucionalidade ora suscitada não é nova para este
Tribunal, ainda que tenha sido suscitada em casos não completamente idênticos ao
presente.
De facto, é jurisprudência firme deste Tribunal que a Constituição, maxime, o
direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta
sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa
dos seus direitos, destacando-se os Pareceres da Comissão Constitucional nºs.
8/78 (5º vol.) e 9/82 (19º vol.) e o Acórdão nº. 65/88, de 23 de Março, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 653 a 670.
Mais recentemente, ilustram esse entendimento, entre muitos outros, o Acórdão
nº. 149/99, de 9 de Março, de que se transcreve:
'De resto e já em termos gerais, na interpretação do disposto no artigo 20º, n.º
1 da C.R.P., o Tribunal Constitucional vem reiteradamente entendendo que a
Constituição não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais,
afora aquelas de natureza criminal condenatória e, aqui, por força do artigo
32º, n.º 1 da Lei Fundamental (cfr., por todos, Acórdão n.º 673/95 in DR, II
Série, de 20/3/96); e no mesmo sentido aponta a maioria da doutrina (cfr.
Ribeiro Mendes 'Direito Processual Civil' AAFDL, vol. III pp. 124 e 125 e Vieira
de Andrade 'Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976' pp. 332
e 333).'
Também no Acórdão nº. 239/97, de 12 de Março, se disse:
'A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do
estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado
tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do
sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática,
posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da
esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de recurso.
Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do funcionamento
da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo Tribunal, e
consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são subtraídas – ou dito
de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação especial de recurso
contida no artigo 764º.
Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de ‘filtragem’ de
recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não),
estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas
no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma
forma.
Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de
tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo,
designadamente a chamada ‘discriminação intolerável’ ...., não é afectada pelo
específico aspecto do recurso para o pleno dos acórdãos da Relação, questionado
pelo recorrente.'
Por seu turno, no Acórdão n.º 72/99, de 3 de Fevereiro de 1999, que acompanha
este último acabado de transcrever, destacam-se outros acórdãos demonstrativos
desta jurisprudência:
'A limitação do recurso em função das alçadas não ofende também o princípio
constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da
Constituição da República Portuguesa. Nesse sentido se tem pronunciado a
jurisprudência constante do Tribunal Constitucional. Assim, vejam-se, como mais
significativos, os Acórdãos nºs 163/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 16º vol., p. 301 ss); 210/92 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 22º vol., p. 543 ss); 340/94 e 403/94 (não publicados); 95/95
(publicado no Diário da República, II Série, n.º 93, de 20.4.1995); 377/96
(publicado no Diário da República, II Série, n.º 160, de 12.7.1996)'.
Igualmente na doutrina é pacífico o entendimento segundo o qual a Constituição
não impõe que o legislador consagre a faculdade de recorrer de todo e qualquer
acto de juiz (Cfr., por todos, além dos já citados, Gomes Canotilho e Vital
Moreira, in 'Constituição da República Portuguesa Anotada', 3ª edição, págs. 164
'não existe, porém, preceito constitucional a consagrar a 'dupla instância' ou
'duplo grau de jurisdição' em termos gerais (Ac TC n.º 31/87, 65/88)'.
E, para tanto, é irrelevante o tipo de ilegalidade (erro de julgamento ou
nulidade) de que eventualmente padeça a decisão questionada pela parte.
Pelo exposto, não se encontram razões que abalem esta jurisprudência firme do
Tribunal Constitucional, pelo que o presente recurso tem necessariamente de
improceder.
5 - Importa, apenas, acrescentar que, como aliás salienta o Presidente do
Tribunal da Relação do Porto a fls. 126, o invocado Acórdão nº. 655/98, de 18 de
Novembro, deste Tribunal, que julgou '(...) inconstitucional a interpretação das
normas constantes dos artigos 678º, nº. 1, e 689º, nº. 2, do Código de Processo
Civil, segundo a qual da decisão dos embargos de terceiro, deduzidos contra
execução de sentença de despejo em que o recorrente invoca a qualidade de
arrendatário, não é admissível para o Tribunal da Relação (nos casos em que o
valor da causa seja inferior ao da alçada da relação), diferentemente do
estipulado no artigo 57º, nº. 1, do Regime do Arrendamento Urbano, por violação
dos artigos 13º e 20º da Constituição', em nada contraria o que acaba de
dizer-se (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41º vol., págs. 431 e ss.).
Isto porque, ao contrário do que sucedia naquele caso – e foi determinante para
o juízo de inconstitucionalidade - nos presentes autos não está em causa um
contrato de arrendamento para habitação, com base no qual se intentou acção de
despejo.
Aqui e agora, como se refere no despacho de indeferimento da reclamação
proferido pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto 'Estamos perante um
contrato de arrendamento de um prédio rústico para fins não agrícolas'
(sublinhado nosso), não colhendo a invocação pelo recorrente da jurisprudência
fixada no mencionado Acórdão n.º 655/98.
Cumpre, portanto, reafirmando a firme orientação jurisprudencial deste Tribunal,
confirmar a decisão sumária reclamada, assim improcedendo o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos