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Processo n.º 798/05
Plenário
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
1. CDU – Coligação Democrática Unitária recorre da deliberação da
Assembleia de Apuramento Geral das eleições para os órgãos das autarquias
locais, realizadas em 9 de Outubro de 2005, que indeferiu reclamação relativa ao
total de votos obtidos pela respectiva lista para a Assembleia Municipal de
Coimbra na assembleia de voto de São Martinho de Árvore.
Alega que, apesar de reconhecer que a recontagem dos votos revelava
que a lista apresentada pela CDU para a Assembleia Municipal de Coimbra obtivera
52 votos válidos, na freguesia de São Martinho de Árvore, e não 5 como constava
da acta de apuramento local, a assembleia de apuramento geral manteve este
resultado.
Conclui, pedindo que seja rectificado o número de votos obtido pela
CDU nesta assembleia de voto na eleição para a Assembleia Municipal de Coimbra.
Os representantes dos partidos políticos e coligações intervenientes
na mesma eleição não responderam (n.º 3 do artigo 159.º da lei aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto - LEOAL).
O processo está instruído com certidão da acta da reunião da
assembleia de apuramento geral e cópia, que se requisitou, da acta de apuramento
local da assembleia de voto de São Martinho de Árvore.
2. Resulta dos documentos que instruem o recurso o seguinte:
a) Da acta da reunião da assembleia de apuramento geral das
eleições para as autarquias locais, realizadas em 9 de Outubro de 2005, na área
do Município de Coimbra, consta o seguinte, quanto à assembleia de voto de São
Martinho de Árvore:
“Confirmaram-se os resultados constantes das actas enviadas, com as seguintes
ressalvas:
- [omitido]
- Na secção de voto única e na eleição para a Assembleia Municipal o número
total de votos válidos incluídos na acta é de 601 (seiscentos e um) mas a soma
das parcelas é de 554 (quinhentos e cinquenta e quatro), tendo sido este o
número aceite porque a Assembleia de Apuramento Geral não pode modificar a
qualificação atribuída pela Assembleia parcial aos votos válidos. A
representante da CDU protestou contra o acto de contagem da Assembleia de
apuramento local, atenta a discrepância verificada nos resultados obtidos por
aquela lista na eleição para a Assembleia de Freguesia e para a Câmara
Municipal. Pediu a recontagem dos votos atribuídos a esta lista, o que foi
deferido, tendo sido contados 52 (cinquenta e dois) votos válidos, muito embora
da acta constem apenas 5 (cinco), sendo estes 5 (cinco) os que foram
considerados pela Assembleia de apuramento geral. A representante da CDU
manifestou intenção de interpor recurso desta irregularidade verificada no
apuramento local, de forma a repor a legitimidade da votação na CDU para a
Assembleia Municipal, em 52 (cinquenta e dois votos) e não 5 (cinco) votos.”
b) A assembleia de apuramento geral fixou os seguintes resultados,
quanto à assembleia de voto de São Martinho de Árvore:
VotantesVotos
brancosVotos
nulosVotos
válidosVotos por lista
Assembleia
de Freguesia630811611CDU --- ----- 48
Por Coimbra - 413
PS ---- -------- 150
Assembleia
Municipal583245554CDU --------- 5
Por Coimbra - 352
Bloco de
Esquerda – 22
PS ------------- 175
Câmara
Municipal630198603CDU---------- 46
PH ------------ 1
Por Coimbra – 359
Bloco de
Esquerda – 17
PS ------------ 175
PCTP/MRPP – 5
c) E apurou os seguintes resultados totais para a Assembleia
Municipal:
VotantesVotos em
brancoVotos
nulosVotos
válidosVotos por lista
70 4652 8411 06666 558CDU ---------- 10 431
Por Coimbra – 29 005
Bloco de
Esquerda – 5 134
PS ------------- 21 988
d) Distribuindo, em consequência, os mandatos pelas listas
concorrentes à Assembleia Municipal de Coimbra nos seguintes termos:
CDU – 5 (cinco) mandatos;
“Por Coimbra” – 15 (quinze) mandatos;
Bloco de Esquerda – 2 (dois) mandatos;
PS – 11 (onze) mandatos.
e) O edital de publicação dos resultados do apuramento geral foi
afixado a 13 de Outubro de 2005.
f) O presente recurso foi recebido por telecópia em 13 de Outubro de
2001 e foi registado na secretaria do Tribunal Constitucional em 14 de Outubro
de 2005.
g) Não foi apresentado qualquer protesto ou reclamação no acto de
apuramento local da assembleia de voto de São Martinho de Árvore.
3. Está em causa, no presente recurso, a apreciação da legalidade da
deliberação tomada pela assembleia de apuramento geral da área do município de
Coimbra que indeferiu a reclamação deduzida pela representante da CDU no sentido
de ser corrigido um erro que consistiu em a acta do apuramento local da
assembleia de voto de São Martinho de Árvore mencionar 5 votos na lista da
coligação eleitoral recorrente, quando seriam 52 os votos validamente expressos
nessa lista. A assembleia de apuramento geral aceitou proceder à recontagem e
verificou que o número de votos válidos na referida lista correspondia, de
facto, ao que a reclamante dizia. Mas não atendeu a reclamação por considerar
que lhe era vedado “modificar a qualificação atribuída pela Assembleia parcial
aos votos válidos”. Optou por reconciliar esse número com os referentes ao
número total de votantes e de votos validamente expressos, que alterou em
conformidade.
Face ao disposto no n.º 1 do artigo 156.º da LEOAL, poderia
duvidar-se da possibilidade de conhecer da irregularidade em causa, uma vez que
não houve reclamação ou protesto no acto em que se verificou a irregularidade
arguida, que foi a elaboração da acta de apuramento local. O caso tem, quanto a
este aspecto, manifesta semelhança com o que foi apreciado no acórdão n.º
25/2002 (Diário da República, II Série, de 25 de Fevereiro de 2002).
Com efeito, embora se tenha recusado a alterar o apuramento de votos
na CDU, a assembleia apreciou a reclamação e verificou, não só a discrepância
entre a soma dos votos atribuídos às listas e a indicação do total de votos
validamente expressos, mas também a desconformidade entre a realidade revelada
pelos boletins de voto e o que era mencionado na acta. E, embora sem essa
expressa qualificação, também no caso agora sujeito aquilo de que a reclamante
se queixara consistia num mero erro ou lapso material – um erro de escrita
constante da acta de apuramento local.
Acompanhando o que se disse naquele acórdão:
“Em casos como este, é de admitir que à assembleia de apuramento geral seja
lícita a realização de determinadas diligências com vista à correcção do erro ou
lapso material, o que é susceptível de conduzir a que aquele órgão, ao proceder
à “verificação dos números totais de votos obtidos por cada lista” (operação
incluída no “apuramento geral”, nos termos do artigo 146º, n.º 1, alínea c), da
L.E.O.A.L.), se não deva limitar a tomar em conta somente as actas das operações
de apuramento local. A possibilidade de a assembleia de apuramento geral
proceder à realização de determinadas diligências com vista à correcção do erro
ou lapso material foi já admitida por este Tribunal nos acórdãos n.ºs 17/90 e
18/90 (publicados, respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º
vol., p. 675 ss, e 679 ss), no já citado acórdão n.º 20/98 e no acórdão n.º 2/02
(ainda inédito). De resto, o próprio artigo 148º, n.º 1, da L.E.O.A.L. determina
que “o apuramento geral é feito com base nas actas das operações das assembleias
de voto, nos cadernos de recenseamento e demais documentos que os acompanhem”, o
que não exclui necessariamente a consideração de elementos constantes de outros
documentos ou até a contagem integral dos votos.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem exigido, como requisito da
admissibilidade da realização dessas diligências destinadas à correcção do erro
ou lapso material, a perceptibilidade da existência do erro ou lapso, em face do
teor do documento em que o erro ou lapso se contenha, ou a verosimilhança ou
alta probabilidade da existência do erro ou lapso.”
Ora, no caso, a simples análise da acta de apuramento geral faz
ressaltar uma discrepância fortemente indiciadora de erro de escrita. Com
efeito, relativamente a cada um dos três órgãos a que respeita a eleição, a
indicação do número de boletins de votos contados é sempre de 630, como é de 630
o número de votantes apurados pelas descargas no caderno eleitoral; e não há
qualquer referência a que algum eleitor tenha optado por não votar na eleição
para a Assembleia Municipal (cf. n.º 6 do artigo 115.º da LEOAL). Porém, quanto
à Assembleia Municipal – e só relativamente a esse órgão tal sucedia – a
indicação do total dos votos obtidos pelas quatro listas concorrentes indicado
na acta do apuramento local não correspondia à soma das parcelas
correspondentes. O total indicado excedia em 47 votos a soma dos votos
atribuídos. Mas a soma desse total indicado com o número de votos em branco e de
votos nulos já correspondia ao número de boletins de votos contados e de
votantes descarregados no caderno eleitoral. Perante este desacerto, tendo
havido reclamação na assembleia de apuramento geral, justificava-se a contagem a
que se procedeu e que revelou que essa diferença de 47 votos correspondia,
afinal, a votos válidos na lista da CDU. Apesar disso, a assembleia de
apuramento geral entendeu que não lhe competia proceder à correcção por não
poder modificar a qualificação atribuída aos votos válidos, que resultara do
apuramento local.
É exacto este entendimento de que não cabe à assembleia de
apuramento geral decidir sobre boletins de voto considerados válidos no
apuramento local relativamente aos quais não tenha havido reclamação ou protesto
(artigo 146.º e n.º 1 do artigo 149.ºda LEOAL a contrario). Os votos havidos por
válidos no apuramento local e relativamente aos quais não foi apresentada
qualquer reclamação pelos delegados das listas tornam-se definitivos, não
podendo ser objecto de reapreciação e modificação da sua validade (Cf. acórdão
n.º 322/85, Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 1986). Porém, no
caso, a operação exigida à assembleia não consiste em modificar a qualificação
de quaisquer votos. Os boletins de voto em causa correspondem a votos que foram
considerados válidos e que não foram atribuídos a qualquer outra lista no
apuramento local. Ocorreu, apenas, uma divergência entre a realidade e a
expressão dessa qualificação, por erro de escrita no momento de elaboração da
acta respectiva, cuja rectificação cabe nos poderes de verificação dos votos
obtidos por cada lista, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 146.º da
LEOAL.
Procede, consequentemente, o recurso, devendo ser contados mais 47
votos a favor da coligação recorrente, ou seja, atribuir 52 votos na lista da
coligação recorrente para a Assembleia Municipal de Coimbra.
4. Decisão
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e determina-se a
rectificação para 52 (cinquenta e dois), em vez dos 5 (cinco) considerados pela
assembleia de apuramento geral, o número de votos obtido pela lista da CDU -
Coligação Democrática Unitária para a Assembleia Municipal de Coimbra, na
assembleia de voto de São Martinho de Árvore.
Lisboa, 18 de Outubro de 2005
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Bravo Serra (Vencido, pelo essencial das razões
da declaração de voto que apus ao Acórdão n.º 25/2002, pois que entendo
que, no caso, para além de não ter havido protesto na assembleia de apuramento
local, não vislumbro que aquilo que foi dito pelo representante da
Coligação recorrente na assembleia de apuramento geral possa ser configurado
como um protesto dirigido a tal assembleia)
Carlos Pamplona de Oliveira (vencido. Não
conheceria do recurso por entender que a determinada irregularidade não
não influiu no resultado geral da eleição – art. 160.º n.º 1 da LEOAL.)
Artur Maurício