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Processo n.º 357/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por acórdão datado de 27 de Janeiro de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça
negou a revista pedida por A. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1
de Julho de 2004, que, no âmbito da acção declarativa intentada por B. contra
ela, com vista à anulação do casamento realizado entre a demandada e o pai do
autor, C., confirmou a sentença anulatória proferida em 1.ª instância. Pode
ler-se nesse aresto:
«3. No presente recurso pede-se a ampliação da matéria de facto, e contesta-se a
apreciação desta bem como o facto de C. sofrer de demência notória.
3.1 Ampliação da matéria de facto
No que respeita à ampliação da matéria de facto pretendida pela Recorrente,
basta observar que como resulta de jurisprudência constante deste Tribunal, o
Supremo Tribunal de Justiça não conhece de matéria de facto, mas apenas da
legalidade do processo de que as instâncias se socorreram para fixar tal matéria
(veja-se o acórdão de 26 de Fevereiro de 2004 e a jurisprudência aí citada). Daí
que não seja competente para se pronunciar sobre a conveniência da inclusão de
determinados factos na base instrutória. Como veremos adiante a matéria de facto
dada como provada basta para a decisão do presente litígio.
3.2 Apreciação da matéria de facto
Estabelece o artigo 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “A decisão
proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser
alterada, salvo o caso excepcional do n.º 2 do artigo 722.º”. E resulta desta
última disposição que só em caso de ofensa de uma disposição expressa de lei que
exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de
determinado meio de prova, é admissível o recurso de revista.
Ora, a Recorrente limita-se a invocar a violação do artigo 516.º do mesmo Código
bem como dos artigos 342.º e seguintes do Código Civil, alegando errada
apreciação da prova testemunhal bem como de informações hospitalares e perícias
médicas. Encontramo-nos, pois, claramente fora do âmbito do recurso de revista.
3.3 Demência notória do falecido C.
Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, entendeu o acórdão
recorrido que “A debilidade psíquica, a aterosclerose no quadro do síndrome
demencial de que C. era portador, e as disfunções a ela inerentes, tornaram-no
incapaz de reger a sua pessoa e bens. Além disso, era notória a demência de que
ele padecia, sendo certo ser cognoscível por pessoas de mediana diligência, a
qual se verificava à data do casamento da Ré”.
Estabelece o artigo 1601.º, alínea b), do Código Civil que é impedimento
dirimente, obstando ao casamento da pessoa a que respeita com qualquer outra “A
demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a interdição ou
habilitação por anomalia psíquica”.
Para efeitos desta disposição deve entender-se como “demência” o conjunto de
perturbações mentais graves que alteram a estrutura mental da pessoa em causa,
com profunda diminuição da sua actividade psíquica (funções intelectuais e
afectividade), tornando-a incapaz de reger a sua pessoa e bens. E é “notória”,
designadamente, quando seja objectivamente reconhecível ou reconhecida no meio.
Ora, as perturbações mentais manifestadas por C., aquando do seu internamento,
os lapsos de memória, o facto de não reconhecer pessoas íntimas e de ter perdido
o sentido de orientação, a necessidade de recurso a terceiros, abrangendo actos
de higiene, a saída para a escada do imóvel em que habitava em trajes menores e
em estado de perturbação mental, batendo à porta dos vizinhos, constituem sinais
de demência no sentido exposto, o que, juntamente com a apreciação da restante
prova, levou o acórdão recorrido a constatar a existência de síndrome demencial
na origem da incapacidade do falecido de reger a sua pessoa e bens. Decidiu-se,
pois, com base num conceito de direito e não apenas na noção médica de “síndrome
de demência”.
E a demência era notória, porque objectivamente reconhecível, como bem entendeu
o acórdão recorrido.
Termos em que se nega a revista.»
2.Veio, então, a recorrente interpor recurso de constitucionalidade, “nos termos
do artigo 70.º, n.º 1, b) e n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, dado que ao
caso já não cabem quaisquer recursos (ordinários)”, dizendo no seu requerimento
de recurso:
«1.º
O presente recurso de constitucionalidade é apresentado no prazo de oito dias, a
contar do Acórdão Anulatório do seu casamento;
(art.º 75.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, já designada no cabeçalho por
Lei do Tribunal Constitucional e, doravante, LTC).
2.º
Relativamente às questões constitucionais seguintes :
a) a recorrente suscitou a apreciação do thema decidendum à luz do art.º 13.º da
Constituição;
b) à luz do art.º 36.º da Constituição;
c) à luz do art.º 72.º da Constituição;
3.º
Igualmente invocou que os direitos e garantias naqueles artigos mencionados,
eram assegurados também pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º
16.º) e pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 12.º) recebidos
formalmente na Ordem Jurídica Portuguesa, através do art.º 8.º da CRP;
4.º
A Lei Fundamental estatui que “cabe recurso para o Tribunal Constitucional das
decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo” (art.º 280.º, n.º 1, b), da CRP); (sublinhado
nosso)
Estatuição plasmada na LTC, no seu art.º 70.º, n.º 1, b); (com o acrescento “em
secção”)
5.º
“Compete ao Tribunal Constitucional apreciar a inconstitucionalidade e a
ilegalidade nos termos dos art.ºs 277.º e ss.” da CRP (art.º 223.º, n.º 1, da
CRP) sendo que “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais
aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela
consignados” (art.º 204.º da CRP);
6.º
A fiscalização concreta da inconstitucionalidade pedida consiste num controlo
concreto de normas – por via de acção – quando, num processo a decorrer em
tribunal, se coloca a questão da inconstitucionalidade de uma norma, com
pertinência na causa – Dr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª Edição
(1991), Almedina, pág. 1055 e 1056;
7.º
Nos termos da Lei Fundamental (art.º 280.º, n.º 4) e ordinária (art.º 72.º, n.º
1, b), e n.º 2, da LTC) para este RECURSO de constitucionalidade tem
legitimidade a parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade;
8.º
O thema decidendum para a R. consistia em manter válido o seu casamento,
realizado com o pai do Autor (na acção de anulação do casamento) uma vez que,
tendo trabalhado para este durante anos, viveu com ele em união de facto e
finalmente casou.
9.º
Estabelecendo a lei idade mínima para casar (16 anos) não estabelece porém idade
máxima: casar, para este homem idoso, consiste num modo de superação do
isolamento e marginalização social (art.º 72.º da C.R.P.) o exercício do seu
direito de casar e constituir família (art.º 36.º da C.R.P.), para além das
razões de carácter íntimo ou privado que ninguém, alguma vez, poderá saber;
10.º
Impedi-lo de casar (ou anular-lhe o casamento) significa ser prejudicado,
privado de um direito (o direito a casar) em razão da sua condição de idoso, o
que viola o princípio da igualdade, face aos seus concidadãos (art.º 13.º da
C.R.P.);
11.º
Não se ignora que os idosos senis não podem casar: a demência notória é um
impedimento matrimonial, posto que em qualquer idade!
Simplesmente, rejeita-se que o pai do Autor estivesse senil (o Acórdão vence,
mas não convence); à luz do direito constitucional, norma primária de valoração
superior, a recorrente tem o direito de ver apreciado este assunto noutra
óptica, com outros juízes, buscando outra justiça;
12.º
O pai do Autor casou na Conservatória do Registo Civil com a Ré; voltou à
Conservatória para renovar o seu Bilhete de Identidade, com o novo status
civitatis; estariam as funcionárias do Registo Civil a dormir ?
13.º
Para efeitos do disposto pelo art.º 75.º-A, n.º 2, da LTC a recorrente indica ao
tribunal “ad quem” que suscitou estas questões constitucionais:
a) na peça processual Contestação, entregue pelo R. em 12.Novembro.2001; (nos
artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º)
b) e, depois, no art.º 14.º das Conclusões da peça processual Alegações da
Apelante à Relação de Lisboa, e já antes nos 29.º, do corpo principal das mesmas
alegações, entregues em 3.Março.2004;
c) e finalmente nas Alegações da Recorrente na Revista ao Supremo Tribunal, de
novo no corpo das alegações – art.ºs 15.º, 36.º, 17.º e 18.º - e nas
imprescindíveis e inelutáveis Conclusões – art.º 4.º, 5.º, 6.º e 7.º das mesmas;
14.º
Para efeitos do disposto pelo art.º 75.º-A, n.º 2, da LTC a recorrente indica o
Acórdão da Relação, datado de 1.7.2004, como referidor destas questões
constitucionais, no.14 (folha nove) bem como o Acórdão do Supremo Tribunal,
datado de 27 de Janeiro.2005 (folhas dois e três)
15.º
Para efeitos do disposto pelo art.º 75.º-A, n.º 1, da LTC, in fine, o recorrente
indica ao tribunal “ad quem” a(s) norma(s) cuja inconstitucionalidade se
pretende que o tribunal aprecie;
Como segue:
Sobre esta questão, dispõe o art.º 13.º da Constituição:
“1.º Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei;
2.º Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever, em razão de ascendência, sexo, raça,
língua, território de origem, religião, condições políticas ou ideológicas,
instrução, situação económica ou condição social.”
16.º
A norma jurídica constante do art.º 36.º da Constituição da República
Portuguesa;
“1.º Todos têm o direito de constituir família e contrair casamento em condições
de plena igualdade;
2.º A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução,
por morte ou divórcio, independentemente da forma da celebração;
3.º Os cônjuges têm iguais direitos e deveres, quanto à capacidade civil e
política, e à manutenção e educação dos filhos;”
17.º
E dispõe o art.º 72.º:
“1.º. As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de
habitação e de convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento
ou a marginalização social;”
18.º
Os direitos e garantias acima mencionados, são também assegurados, pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 16.º) recebido formalmente na
Ordem Jurídica Portuguesa, através do art.º 8.º da Constituição, e que diz: “A
partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir
família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o
casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. (n.º 1)
O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros
esposos. (n.º 2)
A família é o elemento natural e fundamental da sociedade, e tem direito à
protecção desta e do Estado. (n.º 3)
(D.U.D.H. de 10 de Dezembro de 1948, art.º 16.º);
19.º
Tudo isto, tendo em atenção também o art.º 16.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa “...Os preceitos constitucionais e legais relativos ao
direitos fundamentais, devem ser interpretados e integrados de harmonia com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem” Constituição;
20.º
Bem como, por idênticos motivos, do art.º 12.º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem: “A partir da idade núbil, homem e a mulher têm o direito de
casar-se e de constituir família, segundo as leis nacionais que regem o
exercício desse direito”;
ESTE O CONTEÚDO DO PRESENTE REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO, DIRIGIDO AO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL;
O RECURSO agora interposto por meio de requerimento, preenche todos os
pressupostos processuais subjectivos exigidos pela lei: art.º 280.º CRP e art.º
69.º e ss. da LTC:
Ø quanto ao tribunal, a questão foi levantada num feito submetido a julgamento,
perante um tribunal – art.º 20.º CRP;
Ø quanto aos sujeitos, a questão foi levantada pela parte recorrente: art.º
280.º, n.º 1, b), e n.º 4 da CRP + art.º 72.º, n.º 2, LTC;
Ø quanto aos pressupostos processuais objectivos, estes encontram-se igualmente
preenchidos:
I – que a questão seja de inconstitucionalidade, concreta e objectiva;
II – ... relevante para a decisão da causa;
III – ... com referência a normas aplicadas na causa;
IV – ... procedente, na perspectiva do arguido;
Dr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª Edição (1991), Almedina, pág.
1055 e 1056;
SERÃO DESENVOLVIDAMENTE ESCLARECIDAS ESTAS (E OUTRAS) QUESTÕES, NAS ALEGAÇÕES DE
RECURSO, A PRODUZIR NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – nos termos do art.º 79.º da
LTC, “as alegações de recurso são sempre produzidas no Tribunal Constitucional”.
Compete ao tribunal “a quo” apreciar o presente requerimento de interposição de
recurso de constitucionalidade, nos termos do art.º 76.º, n.º 1, da LTC.
Concluindo,
Em primeiro lugar,
A recorrente reputa inconstitucional a apreciação do thema decidendum à luz do
art.º 13.° da Constituição, na interpretação que foi dada pelo Tribunal,
Em segundo lugar,
A recorrente reputa igualmente inconstitucional a apreciação do thema decidendum
à luz do art.º 36.º da Constituição;
- e por violação do paralelo no art.º 16.º da Declaração Universal dos Direitos
do Homem;
- por violação do paralelo no art.º 12.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem;
Em terceiro lugar,
O recorrente reputa igualmente ilegal a apreciação do thema decidendum à luz do
art.º 72.º da Constituição;
Pedido:
Porque o Acórdão (recorrido) do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro de
2005, fez errada interpretação das normas jurídicas aplicadas, violando as
normas constitucionais, acima citadas e invocadas, bem como os princípios
consagrados na Lei Fundamental do País, sobre esta matéria, roga-se a V .Ex.ª se
digne admitir o presente recurso, prosseguindo o mesmo, seus ulteriores termos,
até final.
Nota final: Se este requerimento eventualmente não indicar algum ou alguns dos
elementos que o tribunal “a quo”, no seu superior entendimento, considere
indispensáveis para se considerar interposto o recurso de constitucionalidade
(fiscalização concreta da constitucionalidade) que através deste e aqui se
interpõe, o recorrente pretende que o Ex.mo Juiz relator convide o recorrente a
supri-los (art.º 75.º- A, n.º 5, da LTC).»
3.Por despacho datado de 10 de Março de 2005, o recurso não foi admitido. Pode
ler-se nesse despacho:
“O presente recurso para o Tribunal Constitucional só é admissível se a
inconstitucionalidade foi suscitada no processo (artigo 70.º, n.º 1, b), e 72.º,
n.º 2, da LOTC). Ora, se é certo que, na sua revista, a Recorrente menciona os
artigos 13.º, 36.º e 72.º da Constituição e certas disposições da CDH, nada
deles extrai para concluir pela inconstitucionalidade do artigo 1601.º, b), do
Código Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido.
Julgo, pois, o recurso inadmissível.”
Contra este despacho veio a recorrente deduzir a presente reclamação,
reiterando, após transcrição do requerimento de interposição de recurso, o seu
entendimento no sentido de que:
«(...)
O RECURSO interposto por meio de requerimento, preencheria todos os pressupostos
processuais subjectivos exigidos pela lei: art.º 280.º CRP e art.º 69.º e ss. da
LTC:
Ø quanto ao tribunal, a questão foi levantada num feito submetido a julgamento,
perante um tribunal – art.º 20.º CRP;
Ø quanto aos sujeitos, a questão foi levantada pela parte recorrente: art.º
280.º, n.º 1, b), e n.º 4 da CRP + art.º 72.°, n.º 2, LTC;
Ø quanto aos pressupostos processuais objectivos, estes encontram-se igualmente
preenchidos:
I – que a questão seja de inconstitucionalidade, concreta e objectiva;
II – ... relevante para a decisão da causa;
III – ... com referência a normas aplicadas na causa;
IV – ... procedente, na perspectiva do arguido;
Dr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª Edição (1991), Almedina, pág.
1055 e 1056;
COM VISTA A SEREM DESENVOLVIDAS ESTAS (E OUTRAS) QUESTÕES , NAS FUTURAS
ALEGAÇÕES DE RECURSO, A PRODUZIR NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – nos termos do
art.º 79.º da LTC, “as alegações de recurso são sempre produzidas no Tribunal
Constitucional”.
Competiria ao tribunal “a quo” apreciar o presente requerimento de interposição
de recurso de constitucionalidade, nos termos do art.º 76.º, n.º 1, da LTC, o
que ele fez, rejeitando-o.
Concluindo,
Em primeiro lugar,
A recorrente reputou inconstitucional a apreciação do thema decidendum à luz do
art.º 13.º da Constituição, na interpretação que foi dada pelo Tribunal,
Em segundo lugar,
A recorrente reputou igualmente inconstitucional a apreciação do thema
decidendum à luz do art.º 36.º da Constituição;
- e por violação do paralelo no art.º 16.º da Declaração Universal dos Direitos
do Homem;
- por violação do paralelo no art.º 12.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem;
Em terceiro lugar,
O recorrente reputou igualmente ilegal a apreciação do thema decidendum à luz do
art.º 72.º da Constituição;
Tendo formulado o seguinte pedido:
“Porque o Acórdão (recorrido) do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro
de 2005, fez errada interpretação das normas jurídicas aplicadas, violando as
normas constitucionais, acima citadas e invocadas, bem como os princípios
consagrados na Lei Fundamental do País, sobre esta matéria, roga-se a V .Ex.ª se
digne admitir o presente recurso, prosseguindo o mesmo, seus ulteriores termos,
até final.”
E indicando como nota final que: Se este requerimento eventualmente não
indicasse algum ou alguns dos elementos que o tribunal “a quo”, no seu superior
entendimento, considerasse indispensáveis para se considerar interposto o
recurso de constitucionalidade (fiscalização concreta da constitucionalidade)
que se interpunha, o recorrente pretendia que o Ex.mo Juiz relator o convidasse
a supri-los (art.º 75.°- A, n.º 5, da LTC).
O recurso não foi admitido. Pelas razões supra expostas, a recorrente entende
que deveria ter sido admitido, pelo que, pretende fazer intervir o Tribunal
Constitucional, através do dispositivo processual próprio – art.º 76.º, n.º 4 e
77.º da LTC. – para que o admita, julgando esta Reclamação procedente.
Com esta Reclamação devem ser juntas: (art.º 688.º, n.º 2, do CPC, ex vi do
art.º 69.º da LTC) para o que deve ser emitida certidão:
A) a peça processual Contestação, entregue pelo R. em 12.Novembro.2001;
B) a peça processual Alegações da Apelante à Relação de Lisboa;
C) as Alegações da Recorrente na Revista ao Supremo Tribunal.
Formulando o seguinte pedido, em tudo idêntico ao já formulado ao STJ:
Roga-se ao Tribunal Constitucional se digne admitir o presente recurso de
queixa, prosseguindo o recurso principal seus ulteriores termos, até final, uma
vez que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro de 2005, fez
errada interpretação das normas jurídicas aplicadas, violando as normas
constitucionais, acima citadas e invocadas, bem como os princípios consagrados
na Lei Fundamental do País, sobre esta matéria, sendo o Tribunal Constitucional
o órgão jurisdicional competente para o apreciar, e estarem preenchidos todos os
pressupostos materiais e processuais de admissão do presente recurso.
Patente e bem patente ficou a inconstitucionalidade do art.º 1601.º, b), do
Código Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, na
óptica da recorrente, pelo que não se compreende a rejeição do recurso de
constitucionalidade interposto, nos oito dias da lei, pela recorrente, invocando
precisamente uma diferente interpretação da lei e uma errada interpretação da
lei pelo Supremo Tribunal.»
No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público pronunciou-se
no sentido de que “[a] presente reclamação carece obviamente de fundamento, já
que a reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa susceptível de constituir objecto idóneo do recurso de fiscalização
concreta interposto.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Pode adiantar-se já que a presente reclamação não merece ser deferida, por não
se verificar um pressuposto indispensável para se poder tomar conhecimento do
recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor.
Na verdade, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao
abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional. Para se poder conhecer de tal recurso torna-se necessário, a
mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a norma impugnada tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido e que a
inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada durante o
processo.
Este último requisito, como este Tribunal tem vindo repetidamente a decidir, e
se diz, por exemplo, no acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República
[DR], II série, de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não num sentido
meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à
extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa
invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda
pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz
sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É, na
verdade, este o sentido que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal
Constitucional em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma
questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado – ver, por exemplo,
o acórdão n.º 560/94, publicado no DR, II série, de 10 de Janeiro de 1995, onde
se escreveu que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação
atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é,
pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim,
mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão
de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de
recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”
(assim, também, por exemplo, o acórdão n.º 155/95, publicado no DR, II série, de
20 de Junho de 1995).
Por outro lado, recorde-se que, no nosso sistema de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, ao Tribunal Constitucional compete apenas apreciar a
conformidade com a Constituição da República de normas – ou de suas determinadas
interpretações, devidamente identificadas –, mas não já das decisões judiciais
em si mesmas.
5.No presente caso, para além de no requerimento de recurso se não ter
identificado a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada –
problema que, todavia, ainda poderia ser ultrapassado mediante um convite para o
aperfeiçoamento de tal requerimento, tal como solicitado pela recorrente –, o
que é certo é que, durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder
jurisdicional do tribunal a quo, a recorrente não suscitou a
inconstitucionalidade de qualquer norma, ou dimensão normativa, devidamente
identificada. Tal circunstância inviabiliza logo a possibilidade de tomar
conhecimento do recurso, sem que a falta possa ser agora ultrapassada mediante
qualquer complemento ao requerimento do recurso de constitucionalidade – pois
que se trata da falta de cumprimento de um requisito que haveria de ter sido
satisfeito antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido, e
perante este.
Consultando as extensas alegações do recurso de revista da recorrente – quer as
produzidas perante o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 485 e segs. dos autos),
quer, decisivamente, as produzidas perante o Supremo Tribunal de Justiça (fls.
597 e segs.) –, o que se conclui com clareza é, efectivamente, que se não
encontra nelas qualquer referência à inconstitucionalidade de uma norma
(designadamente, do artigo 1601.º, alínea b), do Código Civil), apenas se
imputando repetidamente a violação da Constituição à sentença recorrida – isto
é, à decisão, e não a uma norma ou interpretação normativa – e se questionando a
matéria de facto apurada (ou as conclusões dela extraídas). Justamente por isso,
não se tomou conhecimento, nem no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (fls.
577 e segs. dos autos), nem no acórdão recorrido, do Supremo Tribunal de Justiça
(fls. 653 e segs.), de qualquer questão de constitucionalidade de normas.
Por falta de verificação de um requisito indispensável para tanto – o qual já
não podia ser suprido mediante qualquer convite para aperfeiçoamento do
requerimento de recurso –, não podia, pois, o Tribunal Constitucional tomar
conhecimento do recurso de constitucionalidade, razão pela qual é de confirmar o
despacho reclamado, que não admitiu tal recurso, indeferindo-se a presente
reclamação.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
a reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 7 de Junho de 2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos