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Processo n.º 577/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Em 23 de Setembro de 2005 foi proferido neste processo a seguinte decisão
sumária:
A. foi condenado no Tribunal Judicial da Lousã pela prática de um crime de
incêndio na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
Inconformado, recorreu para a Relação de Coimbra que acabou por decidir negar
provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Recorreu, depois, para o
Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido em 1 de Junho de 2005,
também decidiu negar provimento ao recurso do arguido recorrente.
É desta decisão que recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b) do n.1 do artigo 70° da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), por meio de
requerimento do seguinte teor:
1- Na motivação apresentada pelo ora recorrente nas alegações de recurso para o
Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e para o Venerando Supremo Tribunal de
Justiça, o ora recorrente alegou, para além do mais, que a entender-se que o
disposto nos art.ºs. 355º, 360º, n.º1, 369º e 371º do Código de Processo Penal
(CPP) não permitia a apreciação de documento junto aos autos a fls. … (omissão
de pronúncia), sendo esta uma questão pendente à data da prolação da decisão,
então tais normativos legais violariam de forma grave, o direito de acesso aos
tribunais e o direito de o processo criminal assegurar todas as garantias de
defesa do arguido, consagrados nos artºs 20º e 32º da Constituição da República
Portuguesa (CRP)
2- Por outro lado, na motivação apresentada pelo ora recorrente nas alegações de
recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, o ora recorrente invocou,
ainda, o direito de o arguido não prestar declarações - direito ao silêncio -
quanto aos factos que lhe são imputados (art.º 343° do CPP). Ora,
independentemente da 'estratégia de defesa assumida' pelo recorrente, não pode
ser esta causa para 'arredar' um juízo de prognose favorável relativamente ao
arguido no futuro sob pena de limitação de um direito, liberdade e garantia do
arguido, da dignidade da pessoa humana, do direito de acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectiva e do direito do processo criminal assegurar todas as
garantias de defesa do arguido. A assim se entender, tal normativo legal (art.
343° do CPP) violaria, de forma grave, o consagrado nos art.ºs 18º, 20º e 32º da
CRP
O recurso de fiscalização concreta em causa incide obrigatoriamente sobre normas
jurídicas aplicadas na decisão recorrida como seu fundamento jurídico, cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo de modo
processualmente adequado, e versa sobre a conformidade constitucional dessas
norma jurídicas (citada alínea b) do n. 1 do artigo 70º, e n. 2 do artigo 72° da
LTC). A inconstitucionalidade imputada a uma norma reporta-se, necessariamente,
à adopção pela decisão recorrida de um critério normativo com carácter de
generalidade que possa ser aplicado a outros casos e não a uma aplicação de um
determinado critério apontado à especificidade do caso concreto e a ele
indissociavelmente ligado.
Sucede, porém que no recurso em análise o recorrente não visa obter a apreciação
da conformidade constitucional de normas, pois questiona, manifestamente, a
conformidade constitucional da decisão jurisdicional.
Perante os termos em que é colocada a questão relacionada com a aplicação
alegadamente ofensiva da constitucionalidade dos preceitos invocados - nas
alegações para o Supremo Tribunal de Justiça e no requerimento de interposição
do recurso de constitucionalidade - é patente que tal questão se reconduz a
saber se a decisão recorrida respeitou, na sua essência decisória, os comandos
dos artigos 18°,20° e 32° da Constituição. Trata-se, portanto, da conformidade
constitucional da decisão que o recorrente pretende aqui questionar.
Ora, conforme o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, o controlo
de constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, lhe
é atribuído, só pode ter por objecto as normas jurídicas (ou a sua
interpretação) que tais decisões tenham aplicado. O modo como as decisões
judiciais operam a subsunção dos factos à norma não pode ser objecto de tal
controlo.
Neste contexto, não pode considerar-se ter sido suscitada qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, mas antes ter sido dirigida à própria decisão
recorrida uma censura de inconstitucionalidade, pelo que se não verificam os
pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso.”
Inconformado, o recorrente reclama para a conferência, nos seguintes termos:
A., devidamente identificado nos presentes autos, não se conformando com a
Decisão Sumária proferida a fls. dos autos, vem dela reclamar para a
Conferência, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 78-A da
LTC, com os seguintes Fundamentos:
1 - Da decisão sumária proferida a fls. ... dos autos, consta, para além do
mais, o seguinte: '(...) o recorrente não visa obter a apreciação da
conformidade constitucional de normas, pois questiona, manifestamente, a
conformidade constitucional da decisão jurisdicional. ' (…)
Trata-se, portanto, da conformidade constitucional da decisão que o recorrente
pretende aqui questionar'.
2 - Do que não podemos deixar de discordar, em absoluto.
3- E isto, sem prejuízo do facto de a apreciação das questões que o recorrente
pretende que sejam decididas por este Venerando Tribunal influenciarem, como não
podia deixar de ser, a decisão proferida pelo Venerando Supremo Tribunal de
Justiça nos presentes autos. Caso contrário, o recurso seria manifestamente
inútil.
4- Conforme resulta do recurso interposto para este Venerando Tribunal, o ora
reclamante entende (e essa é a questão que pretende - e sempre pretendeu - ver
discutida nos presentes autos) que a interpretar-se os artigos 355°, 360°, n.º
1, 361°, n.º 1, 369° e 371° do Código de Processo Penal no sentido de não
permitir a apreciação de um documento junto aos autos - sendo esta uma questão
pendente à data da decisão - então tais normas legais violariam o direito de
acesso aos tribunais e o direito de o processo criminal assegurar todas as
garantias de defesa do arguido, consagradas nos art. 20° e 32° da CRP.
5 - Por outro lado, o recorrente entende, também, (e essa é a 2ª questão que
pretende que seja apreciada por este Tribunal) que o exercício do direito ao
silêncio, consagrado no art. 343° do CPC (direito de o arguido não prestar
declarações), não pode ser causa para 'arredar' um juízo de prognose favorável
relativamente ao arguido, no futuro.
6- Na verdade, a ser assim, então tal norma legal, na perspectiva do recorrente,
limita - de forma grave e desproporcionada - um direito, liberdade e garantia do
arguido, a dignidade da pessoa humana, o direito de acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectivo e o direito do processo criminal assegurar todas as
garantias de defesa do arguido. Ou seja, tal norma legal violaria, de forma
grave, o consagrado nos art. 18°,20° e 32° da CRP.
7- O que constituem inconstitucionalidades, que não podem deixar de ser
apreciadas e reconhecidas por este Venerando Tribunal.
O representante do Ministério Público neste Tribunal entende que a reclamação é
manifestamente improcedente.
Importa decidir.
Conforme resulta do antecedente relatório, a decisão de não conhecer do objecto
do recurso fundamentou-se na circunstância de não estar em causa uma questão de
constitucionalidade normativa, visto que a censura de inconstitucionalidade foi
dirigida pelo recorrente à própria decisão recorrida, enquanto tal. Explicou-se,
com efeito, na decisão ora reclamada que “perante os termos em que é colocada a
questão relacionada com a aplicação alegadamente ofensiva da constitucionalidade
dos preceitos invocados – quer nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça,
como no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – é
patente que a questão se reconduz a saber se a decisão recorrida respeitou, na
sua essência decisória, os comandos dos artigos 18°, 20° e 32° da Constituição.
Trata-se, portanto, da conformidade constitucional da decisão que o recorrente
pretende aqui questionar.”
Ora, na reclamação o recorrente limita-se a reeditar o requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade, nada adiantando que possa
considerar-se como uma impugnação das razões que levaram o Tribunal a decidir
não conhecer do recurso interposto.
Decide-se, por isso, manter a decisão de não conhecer do recurso interposto, com
o aludido fundamento. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
_20_ UC.
Lisboa, 10 de Novembro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos