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Processo n.º 714/03
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – Nos presentes autos foi proferida pelo Conselheiro Relator a seguinte decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade que integralmente se transcreve:
«1. O IEP (Instituto das Estradas de Portugal) recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (LTC), do Acórdão, proferido a 28 de Maio de 2003, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que, no seu entendimento, recusou a aplicação da norma contida no artigo 24.º, n.º 5 – e, consequentemente, artigo
26.º, n.º 1 – do Código das Expropriações, com fundamento em inconstitucionalidade.
2. Na parte substancialmente relevante para a questão decidenda, o Tribunal da Relação considerou, no mencionado aresto, que:
“Recurso da entidade expropriante IEP - Instituto das Estradas de Portugal. A questão posta no recurso é a de saber se, estando o terreno da parcela expropriada incluído em RAN à data da publicação da declaração de utilidade pública, face ao PDM de Vila Verde, mesmo assim pode atribuir-se ao terreno expropriado a natureza de solo apto para construção. Tendo a verba sido expropriada para a construção de uma via de comunicação e estando a parcela expropriada integrada em zona de Reserva Agrícola Nacional, desde logo se terá de retirar a. esta parcela a qualificação de 'solo apto para construção', face à 'função social' da propriedade que incide sobre aqueles terrenos?
- Este juízo não se poderá fazer. Na verdade, a protecção que se quis dar a esta vicissitude circunstancial é incondicional e não poderá dar lugar a dúvidas que tolham a aplicação daquele princípio aceite na definição e caracterização do solo expropriado, tendo como certo que o direito de edificar se inscreve no ius fruendi integrado no direito de propriedade - a integração na RAN ou na REN não implica de per si a extinção das potencialidades edificativas dos solos, prevendo a lei as várias excepções ao regime proibitivo (Dr. Osvaldo Gomes; ob. cit. pág. 48). A novidade assim trazida ao CE/91 tem a sua origem na inconstitucionalidade declarada do art.º 30º, n.º 1, do anterior CE/76 por violação do princípio da igualdade e proporcionalidade consagrados na CRP - seria a Administração que determinaria o valor da expropriação, para tanto bastando, previamente, reservar para equipamentos colectivos os terrenos que pretendia expropriar. Deste modo está assegurada ao expropriado a garantia de que não será prejudicado pela mal intencionada classificação de um terreno como zona verde, caracterizando-o de inaptidão construtiva e posteriormente, após a expropriação, lhe pagar uma indemnização tendo em conta esta realidade fingidamente criada; e, apesar de não dolosa a classificação de terreno na RAN, mas dela libertado para construção dum quartel de bombeiros, o Tribunal Constitucional (Ac. publicado no D.R., II, de 21.5.1997), julgou inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de o solo apto para a construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola”.
3. Os recorrentes, inconformados com o teor da decisão, requereram a sua aclaração, afirmando que:
“No douto acórdão proferido, decidiu-se que o facto de a parcela estar integrada em RAN não impede a sua classificação como 'solo apto para a construção'. Dispõe o n.° 5 do art.º 24° do CE/91 que o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção deve ser equiparado a solo para outros fins. Como é sabido, nos solos integrados em RAN, atento o respectivo regime jurídico, não é possível a construção. Sobre a questão, afirmou-se no douto acórdão proferido, que:
«(...) e, apesar de não dolosa classificação de terreno na RAN, mas dela libertado para construção dum quartel de bombeiros, o Tribunal Constitucional
(Ac. publicado no D.R. II, de 21.5.97), julgou inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e proporcionalidade, a norma do n° 5 do art. 24° do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola». Com a devida vénia, pretende-se o esclarecimento da seguinte dúvida, da maior relevância para efeitos de eventual interposição de recurso para o Tribunal Constitucional:
- Atento o facto de nos solos integrados em RAN, de acordo com o respectivo regime jurídico, não ser possível a construção, e à invocação do Acórdão do Tribunal Constitucional publicado no D.R. II, de 21.5.97, considerou-se inaplicável a norma do n.° 5 do art.º 24° do Código das Expropriações, com fundamento na sua inconstitucionalidade, «enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola»?”
4. Por Acórdão de 25 de Junho de 2003, o Tribunal da Relação de Guimarães, respondeu com base na seguinte argumentação:
“(...) Procurámos demonstrar na descrição do nosso Acórdão atrás proferido por que motivo não aderimos à doutrina expendida no Acórdão do Tribunal Constitucional em exame.
Deste modo, a dúvida ora levantada não tem razão de existir.”
5. Notificados desta decisão, os recorrentes recorreram para este Tribunal, fazendo-o nos seguintes termos:
«IEP - Instituto das Estradas de Portugal, (ex-ICOR - Instituto para a Construção Rodoviária), apelante nos autos em epígrafe referenciados, não podendo conformar-se com o douto acórdão proferido, na parte em que considerou que a parcela expropriada, a que se reportam os autos é “solo apto para a construção” dela vem interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (...):
1. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82, de 15 de Novembro) - cfr. al. a) do art.º 280° da Constituição da República Portuguesa;
2. O acórdão recorrido recusou a aplicação da norma contida no n.º 5 do artigo
24° - e, consequentemente, do n.º 1 do artigo 26° - do Código das Expropriações
(aprovado pelo DL n° 438/91, de 9 de Novembro).
3. Na verdade, decidiu-se nesse aresto:
«A questão posta no recurso é a de saber se, estando o terreno da parcela expropriada incluído em RAN à data da publicação da declaração de utilidade pública, face ao PDM de Vila Verde, mesmo assim pode atribuir-se ao terreno a natureza de solo apto para construção.
Tendo a verba sido expropriada para a construção de uma via de comunicação e estando a parcela expropriada integrada em zona de Reserva Agrícola Nacional, desde logo se terá de retirar a esta parcela a qualificação de “solo apto para construção”, face à 'função social' da propriedade que incide sobre aqueles terrenos?
- Este juízo não se poderá fazer».
4. Acrescentando:
«Deste modo está assegurada ao expropriado a garantia de que não será prejudicado pela mal intencionada classificação de um terreno como zona verde, caracterizando-o de inaptidão construtiva e posteriormente, após a expropriação, lhe pagar uma indemnização tendo em conta esta realidade fingidamente criada; e, apesar de não dolosa a classificação de terreno da RAN, mas dela libertado para construção dum quartel de bombeiros, o Tribunal Constitucional (Ac. publicado no D.R., II, de 21.5.1997), julgou inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da propriedade, a norma do n.° 5 do artigo 24° do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola.
5. No pedido de aclaração desse douto acórdão, o apelante levantou a seguinte questão:
«Dispõe o n.° 5 do art. 24° do CE/91 que o solo que, por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção deve ser equiparado a solo para outros fins. Como é sabido, nos solos integrados em RAN, atento o respectivo regime jurídico, não é possível a construção. Sobre a questão, afirmou-se no douto acórdão proferido, que:
(...) Com a devida vénia, pretende-se o esclarecimento da seguinte dúvida, da maior relevância para efeitos de eventual interposição de recurso para o Tribunal Constitucional:
- Atento o facto de nos solos integrados em RAN, de acordo com o respectivo regime jurídico, não ser possível a construção, e à invocação do Acórdão do Tribunal Constitucional publicado no D.R. II, de 21.5.97, considerou-se inaplicável a norma do n° 5 do art. 24° do Código das Expropriações, com fundamento na sua inconstitucionalidade, «enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola»?
5. Sobre tal pedido de aclaração pronunciaram-se os Ilustres Senhores Juízes. Desembargadores da seguinte forma:
«Os recorridos pronunciaram-se no sentido de que não houve recusa em aplicar norma inconstitucional. Procurámos demonstrar na descrição do nosso Acórdão atrás proferido por que motivo não aderimos à doutrina expendida do Acórdão do Tribunal Constitucional em exame. Deste modo, a dúvida ora levantada não tem razão de existir».
6. Se no Acórdão do Tribunal Constitucional invocado no pedido aclaração se decidiu «Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24° do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de
“solo apto para a construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação», os Ilustres Senhores Juízes Desembargadores, ao afirmarem que «não aderimos à doutrina expendida do Acórdão do Tribunal Constitucional em exame», reconhecem que consideraram inconstitucional essa norma do n.º 5 do artigo 24° do Código das Expropriações.
7. É precisamente essa norma cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, por se entender que deve ser interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação O recorrente suscitou a questão da constitucionalidade da norma constante do n.º
5 do artigo 24° tanto na 1ª instância (no recurso da decisão arbitral e alegações previstas no art. 64° do CE/99) como nas alegações da apelação».
6. O recurso foi admitido por despacho do Juiz Relator exarado a fls.
497.
Vejamos.
7. Cumpre afirmar desde já que o despacho que admite o recurso para este Tribunal, não o vincula, pelo que é sempre forçoso indagar, no que concerne
à aferição dos respectivos requisitos processuais, se estão reunidos os requisitos para que o Tribunal Constitucional possa efectivamente tomar conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade.
São pressupostos do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. a), da LTC, que o Tribunal a quo haja rejeitado, como ratio decidendi da decisão proferida, a aplicação de uma norma ao caso concreto com fundamento em inconstitucionalidade.
Ora, no caso concreto, não houve recusa de aplicação de qualquer norma legal com fundamento em inconstitucionalidade.
A decisão recorrida louvou-se, não numa recusa de aplicação do artigo
24.º, n.º 5, do Código das Expropriações – que define, negativamente, os solos considerados aptos para outros fins que não a construção –, com base num juízo de inconstitucionalidade de tal norma, outrossim, na subsunção da situação de facto no âmbito definido nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do mesmo diploma, considerando que, no caso dos autos, o terreno expropriado integraria a classificação legal respeitante aos solos aptos para construção, procedendo-se ao cálculo “[d]o valor do solo apto para construção (...) de acordo com as regras do art. 25.º”, confirmando, assim, a sentença recorrida que havia considerado “em face da descrição da parcela e sua inserção, e prestados todos os esclarecimentos e sanadas as dúvidas, não pode deixar de se classificar a mesma como solo apto para construção (cf. art. 24.º, n.º1 a) do CE(...)”, porquanto, como se menciona no Acórdão recorrido, “a integração na RAN (...) não implica de per si a extinção das potencialidades edificativas dos solos (...)”.
O “equívoco” subjacente ao presente problema diz apenas respeito à menção obiter dictum, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, como mero argumento ad ostentationem, do Acórdão do Tribunal Constitucional, “publicado no D.R., II, de 21.5.1997”, que, como se refere na decisão recorrida, “julgou inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola”. Tal decisão consta, inequivocamente, do Acórdão n.º 267/97, proferido no processo n.º
460/95.
A referência a tal jurisprudência foi alvo do pedido de aclaração que os ora recorrentes formularam ao Tribunal da Relação com base na seguinte questão: “Atento o facto de nos solos integrados em RAN, de acordo com o respectivo regime jurídico, não ser possível a construção, e à invocação do Acórdão do Tribunal Constitucional publicado no D.R., II, de 21.5.97, considerou-se inaplicável a norma do n° 5 do art. 24° do Código das Expropriações, com fundamento na sua inconstitucionalidade, «enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola»?”
Essa mesma questão foi respondida, nos termos supra referidos, tendo o Tribunal da Relação esclarecido que a sua argumentação procurava demonstrar porque “motivo não aderiu[mos] à doutrina expendida no Acórdão do Tribunal Constitucional em exame”, decerto, como vai referido no Acórdão que decidiu da aclaração, “o Acórdão do Tribunal Constitucional publicado no D.R., II, de
21.05.97” – ou seja, o Acórdão n.º 267/97. Confirmando-se, assim, pela voz do próprio Tribunal da Relação, a inexistência de recusa de aplicação da norma constante do artigo 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações.
Todavia, perante este Tribunal e sem que, contrariamente ao que dizem, o haverem feito no pedido de aclaração, os recorrentes vêm colocar a mesma questão, invocando, jurisprudência mais recente deste Tribunal, constante, inter alia, do Acórdão n.º 20/2000, publicado no Diário da República II Série, de 28 de Agosto de 2000, que decidiu «não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24° do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de “solo apto para a construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação». E, assim, afirmam que «os Ilustres Senhores Juízes Desembargadores, ao afirmarem que “não aderimos à doutrina expendida no Acórdão do Tribunal Constitucional em exame”, reconhecem que consideram inconstitucional essa norma do n.º 5 do artigo
24.º do Código das Expropriações».
Ora, tal arrazoado é de todo inaceitável e incompreensível, porquanto a referência constante quer do Acórdão de 28 de Maio de 2003, quer do Acórdão de
25 de Junho de 2003 (proferido na sequência do pedido de aclaração formulado pelos ora recorrentes), concerne directa e inequivocamente à decisão deste Tribunal publicada no Diário da República II Série, de 25 de Maio de 1997: o Acórdão n.º 267/97, e não aqueloutra, mencionada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, cujo juízo de não inconstitucionalidade teria, a contrario, merecido acolhimento por banda da decisão recorrida.
Termos em que, como resulta da decisão recorrida e é explicitado pelo referido Acórdão da conferência, não pode afirmar-se que a ratio decidendi do Aresto em crise se baseie na recusa de aplicação com fundamento em inconstitucionalidade da norma constante do artigo 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações.
8. Destarte, pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.»
2 – Inconformado, o recorrente IEP – Instituto das Estradas de Portugal, apresentou reclamação para a conferência com base na seguinte argumentação:
“1. Na douta decisão ora em crise sustentou-se que não poderia conhecer-se do objecto do recurso por se considerar que “não pode afirmar-se que a ratio decidendi do aresto em crise se baseie na recusa de aplicação com fundamento em inconstitucionalidade da norma constante do art. 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações”.
2. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o reclamante conformar-se com tal decisão.
3. Aliás, este Alto tribunal, no proc. 144/03, que correu termos pela 3.ª Secção, já teve oportunidade de considerar, face a um aresto com fundamentação absolutamente idêntica, que «o aresto recorrido não observou o disposto no n.º 5 do art. 24.º citado “desaplicando-o” de modo implícito, por considerações reconduzíveis à perspectiva constitucional».
4. Na verdade, o acórdão recorrido recusou, pelo menos implicitamente, a aplicação da norma contida no n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações
(...) que dispõe:
“Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”.
5. O solo da parcela em causa encontra-se integrado na RAN, pelo que não pode ser utilizado na construção.
6. Em consequência, deveria tal solo, para efeitos da aplicação do Código das Expropriações, ser “equiparado a solos para outros fins”.
7. Porém, tal não sucedeu, já que se decidiu nesse aresto:
“A questão posta no recurso é a de saber se, estando o terreno da parcela expropriada incluído em RAN à data da publicação da declaração de utilidade pública, face ao PDM de Vila Verde, mesmo assim pode atribuir-se ao terreno a natureza de solo apto para construção. Tendo a verba sido expropriada para a construção de uma via de comunicação e estando a parcela expropriada integrada em zona de Reserva Agrícola Nacional, desde logo se terá de retirar a esta parcela a qualificação de “solo apto para construção”, face à 'função social' da propriedade que incide sobre aqueles terrenos?
- Este juízo não se poderá fazer».”
8. Acrescentando-se:
“Deste modo está assegurada ao expropriado a garantia de que não será prejudicado pela mal intencionada classificação de um terreno como zona verde, caracterizando-o de inaptidão construtiva e posteriormente, após a expropriação, lhe pagar uma indemnização tendo em conta esta realidade fingidamente criada; e, apesar de não dolosa a classificação de terreno da RAN, mas dela libertado para construção dum quartel de bombeiros, o Tribunal Constitucional (Ac. publicado no D.R. II, de 21.5.1997), julgou inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da propriedade, a norma do n.° 5 do artigo 24° do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola”.
9. No pedido de aclaração desse douto acórdão, o apelante levantou a seguinte questão:
«Dispõe o n.° 5 do art.º 24° do CE/91 que o solo que, por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção deve ser equiparado a solo para outros fins. Como é sabido, nos solos integrados em RAN, atento o respectivo regime jurídico, não é possível a construção.
Sobre a questão, afirmou-se no douto acórdão proferido, que:
(...)
Com a devida vénia, pretende-se o esclarecimento da seguinte dúvida, da maior relevância para efeitos de eventual interposição de recurso para o Tribunal Constitucional:
- Atento o facto de nos solos integrados em RAN, de acordo com o respectivo regime jurídico, não ser possível a construção, e à invocação do Acórdão do Tribunal Constitucional publicado no D.R. II, de 21.5.97, considerou-se inaplicável a norma do n.° 5 do art.º 24° do Código das Expropriações, com fundamento na sua inconstitucionalidade, «enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola»?
10. Sobre tal pedido de aclaração pronunciaram-se os Ilustres Senhores Juizes Desembargadores da seguinte forma:
«Os recorridos pronunciaram-se no sentido de que não houve recusa em aplicar norma inconstitucional. Procurámos demonstrar na descrição do nosso Acórdão atrás proferido por que motivo não aderimos à doutrina expendida do Acórdão do Tribunal Constitucional em exame. Deste modo, a dúvida ora levantada não tem razão de existir».
11. Se no Acórdão do Tribunal Constitucional invocado no pedido aclaração se decidiu «Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24° do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de
“solo apto para a construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação», os Ilustres Senhores Juízes Desembargadores, ao afirmarem que «não aderimos à doutrina expendida do Acórdão do Tribunal Constitucional em exame», reconhecem que consideraram inconstitucional essa norma do n.º 5 do artigo 24° do Código das Expropriações.
12. É precisamente essa norma cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, por se entender que deve ser apreciada por forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implementação de vias de comunicação.
13. O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 5 do artigo 24.º tanto na 1.ª instância (no recurso da decisão arbitral e alegações previstas no artigo 64.º do CE/99) como nas alegações da apelação.
14. Ainda que se entendesse que a decisão recorrida não desaplicou a norma cuja apreciação o reclamante pretende ver apreciada com fundamento expresso na sua inconstitucionalidade, tal facto não deverá obstar – sempre salvos o devido respeito e opinião - ao conhecimento do recurso.
15. Na verdade, é indiscutível que a decisão recorrida, pelo menos, recusou implicitamente a aplicação daquela norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade.»
3 – Os expropriados A. e mulher responderam pugnando pelo indeferimento da reclamação, argumentando do seguinte jeito:
«1° Ressalvado o devido respeito que é o maior não assiste qualquer razão à reclamante, isto, como é óbvio sem prejuízo de reclamar para a conferência;
2º Se atentarmos ao elenco dos factos provados, o que figura, com relevo é o seguinte: g) à data da DUP, o prédio onde se insere a parcela expropriada situava-se num espaço canal, segundo o PDMWD, encontrando-se implantado o canal da variante das Estradas Nacionais 101 e 201;
3° E também: f) a Sudoeste próximo da parcela existe um loteamento com construções já edificadas, com uma ocupação de baixa densidade, constituída por casas unifamiliares de 2 pisos, existindo também áreas urbanas a Nordeste e a Noroeste;
4° Ora, não está provada a inserção do terreno na RAN;
5º E, como não está, não podia esta inserção ser questionada e ser objecto de atenção pelo Tribunal recorrido;
6° O que o Tribunal da Relação fez foi referir a sua opinião se o terreno estivesse na RAN que não estava nem está como resulta apurado;
7° Dito de outra forma, o Tribunal recorrido não desaplicou a norma do no nº 5 do artigo 24 do CE/91.».
Cumpre pois apreciar.
B – Fundamentação
4 – Importa começar por referir que a questão decidenda diz respeito a saber se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal de Vila Verde, recusou, ou não, como ratio decidendi a aplicação do artigo 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações, com fundamento na sua inconstitucionalidade
5 – A questão colocada pelo Recorrente, ora Reclamante, era a de saber se
“estando o terreno da parcela expropriada incluído em RAN, à data da publicação da declaração de utilidade pública, face ao PDM de Vila Verde, mesmo assim pode atribuir-se ao terreno expropriado a natureza de solo apto para construção [?]” O Tribunal da Relação equacionou tal problema interrogando-se, em face da pretensão colocada pelo recorrente, se “tendo a parcela sido expropriada para a construção de uma via de comunicação e estando a parcela expropriada integrada em zona de Reserva Agrícola Nacional, desde logo se terá de retirar a esta parcela a qualificação de ‘solo apto para construção’, face à ‘função social’ da propriedade que incide sobre aqueles terrenos?”. E respondeu afirmando que um tal “juízo não se poderá fazer”, devendo acautelar-se “ao expropriado a garantia de que não será prejudicado pela mal intencionada classificação de um terreno como zona verde, caracterizando-o de inaptidão construtiva e posteriormente, após a expropriação, lhe pagar uma indemnização tendo em conta esta realidade fingidamente criada”. O Tribunal da Relação menciona, de seguida, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97, fazendo-o nos seguintes termos: “e, apesar de não dolosa a classificação de terreno na RAN, mas dela libertado para construção dum quartel de bombeiros, o Tribunal Constitucional (Ac. publicado no D. R., II, de 21.5.1997), julgou inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública”.
Perante tal decisão, o recorrente veio requerer “o esclarecimento da seguinte dúvida, da maior relevância para efeitos de eventual interposição de recurso para o Tribunal Constitucional: - Atento o facto de nos solos integrados em RAN, de acordo com o respectivo regime jurídico, não ser possível a construção, e à invocação do Acórdão do Tribunal Constitucional publicado no D.R. II, de 21.5.97, considerou-se inaplicável a norma do n.º 5 do art. 24.º do Código das Expropriações, com fundamento na sua inconstitucionalidade, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública?”
Respondeu o Tribunal da Relação que havia procurado demonstrar “por que motivo não aderiu[mos] à doutrina expendida no Acórdão do Tribunal Constitucional em exame”, pelo que “a dúvida levantada não tem razão de existir”.
Ou seja, no entendimento da decisão recorrida, a posição expressada pelo recorrente não merecia acolhimento na medida em que, em absoluto, a circunstância de os terrenos expropriados estarem incluídos na Reserva Agrícola Nacional não implica, semel pro semper, que se haja de excluir a sua qualificação como solos aptos para construção”, tendo desde logo em linha de conta a necessidade de se acautelar uma dolosa qualificação do terreno na Reserva Agrícola Nacional.
Ora, não voltando a mobilizar a argumentação já desenvolvida na Decisão reclamada que evidencia os termos (inexactos) em que o Reclamante fundou a interposição de recurso para este Tribunal, há que apurar se na base da decisão recorrida está, como sua ratio decidendi, a recusa de aplicação da norma do artigo 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações com base num juízo determinante da inconstitucionalidade de tal preceito.
Ora, a verdade é que, nos termos do acórdão recorrido – e como resulta, mais claramente, da sentença aí confirmada – o tribunal operou, em rigor, a subsunção da situação de facto no âmbito definido nos termos do artigo
24.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do mencionado diploma, considerando que, no caso dos autos, o terreno expropriado, atentando na sua “aptidão construtiva” integraria a classificação legal respeitante aos solos aptos para construção, procedendo-se ao cálculo “[d]o valor do solo apto para construção (...) de acordo com as regras do art. 25.º”, em consonância com o já decidido em primeira instância.
De facto, aí – e perante a questão de saber “qual afinal a classificação do prédio onde se insere a parcela expropriada e decorrentemente qual afinal o critério determinante do valor do terreno expropriado tendo em conta a sua classificação” – considerou-se, sem margem para dúvidas, que:
“(…) considera-se que a capacidade edificativa de um terreno deve ser perspectivada ainda que os instrumentos municipais, tal como o PDM, não considerem a área onde se situa a parcela expropriada como solo apto para construção. Na verdade este facto não deve impedir o cálculo do valor do terreno, em função da potencialidade construtiva do mesmo, face à existência de acesso rodoviário e ao que dispõem designadamente os artigos 24.º, n.º 1, al. a), 25.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CE 91. Só assim será possível aferir de um aproveitamento economicamente normal. Expostas as coordenadas, afigura-se ser de afastar o laudo do Sr. Perito da Expropriante, precisamente por, desde logo, na base do cálculo da indemnização partir do pressuposto da classificação da parcela como solo apto para outros fins, integrando-a na zona da RAN, com base numa certidão camarária existente no processo. Como resulta do laudo dos Srs. Peritos do Tribunal e posteriores esclarecimentos e até da própria informação camarária de fls. 287 e esclarecimento de fls. 316
(oficiosamente suscitado pelo despacho de fls. 309), a parcela em causa não se situa na RAN. Assim sendo, considera-se que o laudo dos Srs. Peritos do Tribunal e dos Expropriados parte de uma classificação correcta da parcela expropriada para o cálculo da indemnização: solo apto para construção (…)”.
É certo que o Acórdão recorrido, dando resposta à questão provocada pelo recorrente – que conduzia à apreciação de saber se mesmo “(…) estando a parcela integrada em zona de Reserva Agrícola Nacional, desde logo se teria de retirar a essa parcela a qualificação de solo apto para construção (…)” –, acaba por concluir que “a integração na RAN ou na REN não implica de per si a extinção das potencialidades edificativas dos solos, prevendo a lei várias excepções ao regime proibitivo”, mas daqui não se segue que, na apreciação do caso concreto, se haja recusado a aplicação da norma em crise com fundamento na sua inconstitucionalidade. O entendimento do tribunal a quo, espelha apenas, como já se denunciou, uma posição que ao permitir a qualificação de “solo apto para construção” relativamente a terrenos integrados na RAN possibilita que seja assegurado ao expropriado “que não será prejudicado pela mal intencionada classificação de um terreno como zona verde, caracterizando-o de inaptidão construtiva e posteriormente, após a expropriação, lhe pagar uma indemnização tendo em conta esta realidade fingidamente criada”.
É nessa sequência que vai mencionado o Ac. 267/97, no qual, no juízo do Tribunal da Relação recorrido – em função do qual vai exprimida a sua discordância com o decidido em tal Aresto –, “apesar de não dolosa a classificação de terreno na RAN, mas dela libertado para construção dum quartel de bombeiros, o Tribunal Constitucional (Ac. publicado no D. R. II, de 21.5.1997), julgou inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública”. E assim se entendeu que um juízo que exclua em geral a classificação de solo apto para construção por dizer respeito ao um terreno dolosamente integrado na RAN não poderá fazer-se sob pena de
“ser[ia] a Administração que determina[ria] o valor da expropriação, para tanto bastando, previamente reservar para equipamentos colectivos os terrenos que pretendia expropriar”. Ora, in casu, não se vislumbra em que medida traduzirá tal juízo uma recusa, mesmo que implícita, de recusa de aplicação da norma sindicanda. Juízo análogo foi, de resto, adoptado neste Tribunal no Processo n.º 733/03 –
1.ª Secção –, onde, por decisão sumária transitada em julgado (Decisão n.º
303/2003), não se conheceu do recurso aí interposto pelo aqui ora Reclamante ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC. Encontrava-se aí sob apreciação um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto – onde se considerou que “(...) o relatório do laudo maioritário não está suficientemente fundamentado, sendo certo ter tido apenas em causa a circunstância de a parcela em causa estar incluída na RAN. Mas tal facto não obsta, por si só, que os terrenos incluídos na RAN não possam ser classificados como aptos para construção (...) a circunstância de o prédio estar incluído na RAN não implica, só por si, a classificação do terreno como apto para outros fins, à luz do disposto no n.º 5 do art. 24.º (...). É que o próprio regime da RAN prevê a possibilidade de edificar nos terrenos por ela abrangidos, nas condições previstas no art. 9.º n.ºs 1 e 2, alíneas b), e c) do Dec.-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho. (...) Por isso a aptidão construtiva da parcela expropriada era uma realidade ao tempo da DUP, pelo que não faria sentido classificar o terreno como solo apto para outros fins apenas com base na sua inclusão na RAN, como se fez no laudo maioritário dos peritos (...)” –, tendo este Tribunal concluído que “a não aplicação ao caso do artigo 24.º, n.º 5, do CE deve-se, na interpretação que o acórdão recorrido faz do preceito (que não cumpre ao Tribunal Constitucional sindicar), à circunstância de se entender que o regime da RAN não impede a utilização do solo para construção. Mas, assim sendo, não há qualquer recusa, explícita ou implícita, de aplicação da norma em causa por razões de desconformidade à Constituição, pelo que não se verifica o pressuposto do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC”. Ora, no caso sub judicio, perante a qualificação operada pelas instâncias, menores serão as dúvidas quanto ao sentido global que emerge da decisão recorrida e, assim, da motivação que conduziu à confirmação da decisão lavrada na primeira instância.
C – Decisão
6 – Destarte, pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Março de 2005
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos