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Processo n.º 967/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O Sindicato A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), requerendo a fiscalização concreta da constitucionalidade da
norma do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, quando
interpretada no sentido de consentir a imposição, por via estatutária, de
“quoruns” constitutivos superiores ou mais qualificados do que o previsto nesse
preceito, por violação do disposto no artigo 55.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3, da
Constituição.
2 – Resulta dos autos que:
2.1 – Os ora recorridos, B., C. e D., intentaram, nos termos do
disposto no artigo 164.º e ss. do Código de Processo do Trabalho (CPT), uma
acção de declaração de nulidade de deliberação da Assembleia Geral contra o
Sindicato A., pedindo que o tribunal declarasse a nulidade da deliberação que
aprovou a alteração dos estatutos desse sindicato, alegando, inter alia, que, na
referida Assembleia Geral, não participou o número necessário de associados para
que a mesma pudesse deliberar, que não houve discussão e que a proposta não foi
aprovada por três quartos dos votantes.
O Réu – ora Recorrente – contestou a acção alegando, entre o mais,
que os estatutos não exigem a participação de um número mínimo de associados na
votação.
2.2 – A acção foi julgada improcedente, tendo o Tribunal da Relação,
em recurso, confirmado a sentença recorrida.
2.3 – Inconformados, os Autores interpuseram recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações dizendo que:
“1.ª O art. 18.º dos Estatutos do R. impõe que participe ou esteja presente à
Assembleia Geral uma maioria simples de associados (ou seja, metade dos
associados mais um, pelo menos) para que possa validamente ser deliberada a
alteração dos mesmos Estatutos).
2.ª A participação da maioria simples dos associados é exigida quer para a
discussão, quer para a deliberação sobre as matérias a que se refere o n.º 1 do
art.º 15.
3.ª Tendo o Sindicato 8.555 associados em pleno gozo dos seus direitos
sindicais, teriam de ter participado e estado na Assembleia Geral pelo menos
4.278 (maioria simples dos associados do R.) e teria a deliberação de ter sido
tomada igualmente com os votos favoráveis da maioria simples dos votantes.
4.ª A Assembleia Geral foi apenas uma, efectuada em sessões simultâneas, por
vários pontos do país: realizou-se em 6 de Junho de 2002, tendo sido convocada
em 24 de Abril do mesmo ano pelo Presidente da Mesa.
5.ª Estas sessões de esclarecimento não podem ser havidas como Assembleia
Geral, delas não foram sequer lavradas actas nem foram registadas ou apuradas as
presenças dos sócios às mesmas, e respectivos números. E nem sequer nelas
participou, também, a maioria simples dos associados do R.
6.ª O funcionamento da Assembleia Geral e o processo de alteração dos
Estatutos do R. encontra-se regulado nos próprios Estatutos, com base no
disposto nas als. D) e g) do artigo 14 do DL n.º 215-B/75.
7.º Tendo apenas participado e estado presentes à Assembleia Geral 1.105
sócios, número este muito inferior à maioria simples dos sócios do Sindicato, a
deliberação é nula e anulável.
8.º Ao decidir em sentido inverso, violou o acórdão recorrido o disposto no
art. 177.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no art. 46.º do DL
n.º 215-B/75, bem como o disposto no art. 14.º deste último e o disposto no art.
18.º, dos Estatutos do R., designadamente no seu n.º 8”.
2.3 – Por sua vez, o Sindicato A. contra-alegou sustentando que:
“1º A deliberação impugnada foi tomada na sequência da participação da
universalidade dos associados do Sindicato recorrido na discussão e deliberação
das matérias sujeitas àquela deliberação.
2º Os factos assentes na causa e que os recorrentes não questionam são
eloquentes quanto à participação de todos os associados na discussão e
deliberação das alterações estatutárias em causa.
3º Os recorrentes perfilham um conceito naturalístico e não jurídico de
assembleia geral, desconforme de resto, com o que resulta do nº 8 do art. 18º
dos Estatutos do Sindicato recorrido.
4º Para os recorrentes, a participação na discussão e deliberação a que o citado
dispositivo estatutário alude (e para o que exige a maioria relativa de
associados) só pode ter lugar, num mesmo momento e local, com a presença física
desse número mínimo de associados, todos eles à vista de todos.
5º O que é completamente absurdo porquanto, nessa esteira de raciocínio, os
votos expressos por correspondência (que o nº 12 do art. 18º dos Estatutos
frontalmente permite) jamais poderiam ser contabilizados para preenchimento do
'quorum' participativo em virtude de esses associados votantes não se
encontrarem fisicamente presentes no local e momento da reunião para aí (e só
aí) debaterem e discutirem as matérias objecto de deliberação.
6º E, assim, cair-se-ia no absurdo de se considerar inválidas deliberações
tomadas em reunião onde, para discussão e deliberação das matérias a decidir,
fisicamente comparecesse, apenas, metade (mas não a maioria relativa) dos
associados do Sindicato pela singela razão de se concluir, como fariam os
recorrentes, que os associados que votaram por correspondência não participaram,
afinal, na assembleia geral;
7º E, no reverso da medalha, seriam também inválidas as deliberações tomadas em
reunião onde, para discussão e deliberação das matérias a decidir, fisicamente
comparecesse fisicamente a totalidade dos associados (que assim participariam
indiscutivelmente na discussão e na deliberação) se a maioria relativa deles
optasse pura e simplesmente por não votar.
8º Participação na discussão e na deliberação, por um lado, e voto, por outro
lado, não se confundem, nem têm de ocorrer, uma e outro, na mesma reunião física
de associados.
9º No caso vertente e como está factualmente assente, a participação dos
associados do Sindicato recorrido na discussão e deliberação das matérias
objecto de deliberação abrangeu-os a todos, sem excepção e em termos universais.
10º Ficando incólume o dispositivo do proémio do nº 8 do art. 18º dos Estatutos.
11º E, por outro lado, agora no âmbito de aplicação do segmento final do mesmo
dispositivo estatutário, os votos que conduziram à deliberação impugnada
representam a maioria simples dos votantes.
12º Nessa conformidade e observados como ficaram os requisitos impostos pelo nº
8 do art. 18º dos Estatutos, quer quanto à expressão relativa da participação
dos associados na discussão e deliberação das matérias sujeitas a deliberação
(que, como os autos documentam, foi total e universal), quer quanto à expressão
relativa dos votos favoráveis à tomada da deliberação impugnada, esta é
plenamente válida e eficaz.
13º O douto acórdão recorrido fez exemplar e irrepreensível aplicação da lei,
dos Estatutos em causa e de imperativos elementares de justiça”.
2.4 – O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Maio de 2004, tirado
por maioria, concedeu provimento à revista e anulou a deliberação que havia
aprovado a alteração dos Estatutos do R.
Consta dos fundamentos decisórios do acórdão que:
«(...)
Neste momento, os A.A. apenas fundamentam a invalidade da
deliberação da Assembleia Geral do R. na não participação na mesma do número
mínimo de associados exigido pelo nº 8 do art. 18º dos Estatutos do R..
O nº 8 do citado art. 18º dos Estatutos dispõe: 'Para efeitos de discussão e
deliberação sobre as matérias a que se refere o nº 1 do art. 15º, basta a
participação da maioria simples dos associados, devendo as deliberações ser
tomadas igualmente por maioria simples dos votantes'.
Pretendem os A.A. que o preceito em análise exige a participação duma maioria
simples dos associados na Assembleia Geral para a discussão e deliberação de
alterações ao Estatuto.
Entendem os A.A. que os Estatutos exigem um quorum constitutivo para que a
Assembleia delibere em matéria de alteração dos próprios estatutos.
Esta exigência decorre da letra da norma e do seu espírito. O nº 5 do referido
art. 18º diz: ' As deliberações são tomadas por maioria simples dos associados
presentes ou representados, salvo nos casos em que estatutariamente se exija
maioria qualificada'. Se no nº 10 se exige a maioria simples dos associados é
porque se trata de uma situação diferente, que foge à regra da maioria simples
dos associados presentes.
Também o nº 10 do mesmo preceito, ao referir: 'As reuniões da Assembleia Geral
funcionarão à hora marcada com a presença da maioria dos associados ou passada
meia hora com qualquer número de sócios, ressalvado o disposto nos números
anteriores' (que são precisamente os nºs 8 e 9), permite concluir a fixação de
quorum constitutivo para o funcionamento da Assembleia com legitimidade para
deliberar sobre alterações aos estatutos ou fusão ou dissolução do Sindicato.
Também o verbo usado na redacção daquele nº 8 'basta a participação' indicia a
exigência de uma maioria, de um quorum constitutivo, ainda que menos amplo que
os estabelecidos no nº 3 do art. 15º e no nº 9 do art. 18º, dos Estatutos.
Igualmente a epígrafe do art. 18º, 'Funcionamento da Assembleia Geral', aponta
no sentido do quorum constitutivo exigido pelo seu nº 8.
Definido que os estatutos exigem a participação duma maioria simples dos
associados para que a Assembleia Geral possa deliberar sobre alterações aos
Estatutos, vejamos se foi dado cumprimento a tal exigência.
Uma vez que os Estatutos permitem que a Assembleia Geral funcione em sessões
simultâneas realizadas em locais geográficos diferentes, o que ocorreu neste
caso, é de todo razoável aceitar que a discussão das propostas se tenha feito
validamente através do seu envio atempado aos associados, com a possibilidade
destes sugerirem alterações, complementado com sessões de esclarecimento
realizadas em diversos pontos do país, em datas e locais previamente anunciados.
Era efectivamente impraticável proceder-se à discussão útil das propostas numa
Assembleia Geral realizada em sessões simultâneas em seis cidades diferentes
deste país, Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Funchal e Ponta Delgada.
A aceitação desta realidade por razões pragmáticas nada tem a ver com a garantia
da legitimidade da Assembleia para deliberar as alterações aos Estatutos.
As sessões de esclarecimento foram preparatórias da Assembleia, não constando
que delas tenham sido elaboradas actas, nem que tenha sido registado o número e
a identidade dos participantes.
A Assembleia Geral do R., realizada a 6 de Junho de 2002, não reuniu o número de
associados mínimo para poder funcionar com legitimidade para deliberar sobre
alterações aos Estatutos.
Esta exigência dos Estatutos não vai contra a lei ordinária, nem contra a Lei
Fundamental, que tradicionalmente consagram um quorum constitutivo para as
Assembleias Gerais deliberarem sobre alterações aos Estatutos (art.s. 43º, nº 1,
do DL 215-B/75, de 30.04, 175º, nº 3, do Código Civil, 55º, nº 2, al. c), da
Constituição da República Portuguesa).
As deliberações da Assembleia Geral contrárias aos Estatutos por irregularidades
havidas no seu funcionamento são anuláveis (art. 77º do C.C., aplicável por
força do art. 52º dos Estatutos e art. 46º do DL 215-B/75, de 30.04).
Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogando-se o acórdão
recorrido e anulando-se a deliberação que aprovou a alteração dos Estatutos do
R., com as consequências legais daí decorrentes».
2.5 – Não se conformando com o teor da decisão, o Sindicato requereu a sua
aclaração e sucessiva reforma, dizendo que:
2.5.1 – No pedido de aclaração:
«1. No acórdão aclarando, afirma-se que 'a Assembleia Geral do R.,
realizada a 6 de Junho de 2002, não reuniu o número de associados mínimo para
poder funcionar com legitimidade para deliberar sobre alterações aos Estatutos'.
2. O douto acórdão aclarando não indica, porém, qual seja esse 'número de
associados mínimo', nem o dispositivo que o consagra, para que se possa concluir
pela ilegitimidade da deliberação tomada.
3. Aliás, idêntico reparo vem consignado na douta declaração de voto anexa ao
douto acórdão aclarando, onde, a dado passo, expressamente se refere que aquele
aresto 'não chega a dizer qual é esse número mínimo de associados'.
4. A omissão em apreço ocasiona uma obscuridade ou ambiguidade em que incorre o
douto acórdão aclarando e que importa esclarecer.
5. A clarificação ora requerida assume particular relevância em dois domínios.
a) por um lado, para efeitos de compreensão e aplicação do princípio
constitucional da liberdade de organização e regulamentação interna das
associações sindicais (alínea c) do nº 2 do art. 55º da CRP);
b) por outro lado, para salvaguarda da autoridade e força de caso
julgado.
6. Em relação ao primeiro dos dois domínios mencionados, entende o ora
requerente que a norma do nº 1 do art. 43º do Dec. Lei nº 215-8/75, de 30 de
Abril, consubstancia uma concretização do referido princípio constitucional de
liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais,
impedindo a imposição, por qualquer via (legal, estatutária ou outra) de
'quoruns' constitutivos diversos do nele fixado, quer inferiores (assegurando um
mínimo de representatividade), quer superiores (obviando a que, desse modo e
porventura até pela imposição, no limite, de uma regra de unanimidade, se
inviabilize na prática a livre modificabilidade dos estatutos das associações
sindicais pelos respectivos associados).
7. Nesse contexto, interpretada no sentido de permitir a criação, por fontes de
direito hierarquicamente inferiores ao princípio constitucional a que dá
concretização, de quoruns constitutivos superiores ao indicado no nº 1 do art.
43º do Dec. Lei nº 215-8/75, (interpretação essa assumida pelo douto acórdão
aclarando), esta norma será materialmente inconstitucional.
8. Por outro lado e acaso o douto acórdão aclarando tenha fundado ou pretenda
fundar a conclusão de que, na hipótese vertente, o quorum constitutivo
necessário á válida alteração dos estatutos do R. recorrido se consubstancia na
maioria absoluta do número de associados que em cada momento o R. tenha, nesse
sentido se interpretando alguma das cláusulas estatutárias (v.g., o nº 8 do art.
18º dos Estatutos do R.), então essa decisão será susceptível de violar o caso
julgado emergente da eficácia e estatuição decisórias contidas no Ac. STJ, de 19
de Maio de 1999, publicado na CJ, STJ, 1999, tomo 2, págs. 283 e segs. e que
julgou questão exactamente idêntica relativa ao Sindicato R. em sentido
diametralmente oposto ao que veicula o douto acórdão aclarando.
9. Importa assim, clarificar, na esteira de raciocínio do douto acórdão
aclarando, qual o 'número mínimo de associados' necessário a uma válida
deliberação sobre alterações estatutárias do R. e, em particular, de que
dispositivo resulta aquele 'número mínimo' (eventualmente diverso do estatuído
pelo citado nº 1 do art. nº 3 do Dec. Lei nº 215-B/75, para o qual, segundo a
douta declaração de voto de vencido, remete o nº 1 do art. 49º dos Estatutos do
R.)”.
2.5.2 – No requerimento de reforma:
«1. A questão nuclear decidida no douto acórdão reformando foi já objecto de
decisão em aresto proferido por este Venerando S.T.J. em 19 de Maio de 1999 no
âmbito de acção de anulação de deliberação tomada, também para efeitos de
alteração estatutária, em assembleia geral do Sindicato ora requerente.
Esse aresto acha-se publicado na Colectânea de Jurisprudência, S.T.J., Ano VII,
tomo II, 1999, págs. 283 e segs.
2. Aí se consigna, citando-se, em apoio, V. Lobo Xavier e B. Lobo Xavier in
R.D.ES., Ano XXX, nº 3, págs. 285 e segs., que 'o que acontece é que, no caso
português, uma norma que exigisse em geral para a alteração dos estatutos das
A.S. ou para a sua dissolução uma maioria qualificada seria profundamente
anti-democrática (...). Convém lembrar que as A.S. são grandes organizações de
massas, implantadas em todo o espaço nacional, sendo impossível ou quase, a
reunião de todos os associados em termos de responder a elevadas exigências de
'quoruns'.
3. E, mais adiante, ainda a propósito do nº 8 do art. 18º dos Estatutos do
Sindicato ora requerente (de texto idêntico ao considerando no douto acórdão
reformando), acrescenta-se que tal dispositivo estatutário 'exige, para
aprovação de alterações dos estatutos da associação sindical em causa (do
Recorrente) uma maioria muito mais qualificada que a exigida pelo nº 3 do art.
175º do C. Civil (votos de três quartos dos associados presentes ... mas - e
aqui está a diferença – com a presença obrigatória da maioria absoluta dos
associados', sendo certo, todavia, que o Tribunal Constitucional já declarara
inconstitucional, com força obrigatória geral o art. 46º da Lei Sindical na
parte em que o mesmo tornava aplicável às associações sindicais a disciplina do
citado nº 3 do art. 175º do C.Civil.
4. No mencionado aresto de 19/5/99 estatuiu-se, assim, a invalidade do nº 8 do
art. 18º dos Estatutos do Sindicato ora requerente por violação do disposto na
alínea c) do nº 2 e no nº 3 do art. 55º da CRP.
5. O douto acórdão reformando, porém, aplicou o citado nº 8 do art. 18º dos
Estatutos dos Sindicato ora requerente, em termos decisivos para a concessão da
revista, considerando que a exigência contida nesse preceito estatutário 'não
vai contra a lei ordinária, nem contra a Lei Fundamental, que tradicionalmente
consagram um quorum constitutivo para as Assembleias Gerais deliberarem sobre
alterações dos Estatutos (arts. 43º nº 1 do DL 215-B/75, de 30-04, 175º nº 3 do
Código Civil, 55º nº 2 al. c), da Constituição da República Portuguesa)'.
6. Ora, a norma do nº 1 do art. 43º do Dec. Lei nº 215-8/75, de 30 de Abril, na
medida em que consubstancia uma concretização dos princípios constitucionais
expressos, quer na alínea c) do nº 2, quer no nº 3, do art. 55º da C.R.P.,
impede a imposição, por qualquer via (legal, estatutária ou outra) de 'quoruns'
constitutivos diversos do nele fixado, quer inferiores (assegurando um mínimo de
representatividade), quer superiores (obviando a que, desse modo e porventura
até pela imposição', no limite, de uma regra de unanimidade, se inviabilize na
prática os princípios constitucionais de livre organização interna e de gestão
democrática ínsitos à liberdade sindical.
7. Interpretado (como claramente o foi no douto acórdão reformando) no sentido
de permitir a criação, válida e eficaz, por fontes de direito hierarquicamente
inferiores ao princípio constitucional a que da concretização, de 'quoruns
constitutivos superiores ou mais qualificados do que o indicado no nº 1 do art.
43º do Dec. Lei nº 215-B/75, esta norma, aplicada no caso vertente com essa
amplitude interpretativa, é materialmente inconstitucional por violação (já
reconhecida por este Alto Tribunal em concreto e com base na mesma cláusula
estatutária do Sindicato ora requerente) dos princípios expressos, não só na
alínea c) do nº 2, mas também no nº 3, do art. 55º do CRP.
8. A qualificação jurídica que o douto acórdão aclarando atribuiu aos factos
assentes nos autos não tem em consideração os efeitos emergentes daqueles
princípios constitucionais (alínea c) do nº 2 e nº 3 do art. 55º da CRP),
conducentes, por antecedente e douto aresto deste Venerando Tribunal, à
invalidade do nº 8 do art. 18º dos Estatutos do Sindicato ora requerente.
9. Em conclusão: reconhecida a inconstitucionalidade material, que de novo se
suscita, do preceito expresso no nº 1I do art. 43º do Dec. Lei nº 215-B/75, à
luz dos princípios emergentes da alínea c) do nº 3, mas também do nº 3, ambos do
art. 55º da CRP, com consequente invalidade do nº 8 do art. 18º dos Estatutos do
Sindicato ora requerente, já anteriormente estatuída por acórdão transitado em
julgado neste Venerando S.T.J., o acórdão reformando merece ser reformado,
negando-se provimento à revista interposta e confirmando-se as decisões
proferidas pelas instâncias, o que expressamente se requer”.
2.6 – O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu tais pedidos –
Acórdãos de 13 de Julho de 2004 e de 11 de Outubro de 2004 –, deixando
consignado, no aresto que decidiu da reforma, que o Tribunal “limitou-se apenas
a dizer que qualquer norma geral e abstracta que impusesse aos sindicatos
maiorias qualificadas para deliberar e votar alterações aos respectivos
estatutos seria materialmente inconstitucional por violar o princípio da
liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais,
previsto no art. 55.º, n.º 2, al. c), da CRP”.
2.7 – Novamente inconformado, o Sindicato A. interpôs, ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, recurso para o Tribunal
Constitucional, e, após convite efectuado nos termos ao art. 75.º-A da LTC, veio
o Recorrente concretizar que:
«O venerando STJ, no douto acórdão recorrido, conferiu ao mencionado
dispositivo do n.º 1 do art. 43.º do Dec. Lei n.º 215-B/75 uma diversa dimensão
normativa, considerando que o mesmo consente a interpretação segundo a qual é
lícita, sem infracção dos princípios constitucionais de livre organização
interna e de gestão democrática ínsitos à liberdade sindical, a imposição, por
via estatutária, de ‘quoruns’ constitutivos superiores ou mais qualificados do
que o indicado no n.º 1 do art. 43.º do Dec.-Lei n.º 215-B/75, enfermando essa
dimensão normativa do preceito (n.º 1 do art. 43.º do Dec-Lei n.º 215-B/75) do
vício de inconstitucionalidade material (por violação dos indicados princípios
expressos na alínea c) do n.º 2 e no n.º 3 do art. 55.º da CRP) que se pretende
ver apreciada e que foi imediatamente suscitada no único momento em que o podia
ter sido, isto é, em incidentes de aclaração e reforma deduzidos contra o douto
acórdão recorrido e tendo este por objecto (em virtude de nele, e só nele, pela
primeira vez ao longo de toda a tramitação dos autos), se ter feito aplicação da
norma do n.º 1 do art. 43.º do Dec.-Lei n.º 215-B/75 em termos desconformes com
os princípios expressos na alínea c) do n.º 2 e no n.º 3 do art. 55.º da CRP».
2.8 – Notificadas as partes “para alegações”, veio o Recorrente
sustentar que:
«1º - Para fundamentar decisivamente a sua estatuição quanto à invalidade da
deliberação de alteração estatutária da Assembleia-Geral do recorrente, o douto
acórdão recorrido considerou que o «quórum» deliberativo qualificado ('maioria
simples de associados', no seu dizer contido no art. 18º, nº 8, dos Estatutos do
recorrente) é conforme com os dispositivos legais e constitucionais aplicáveis,
não contendendo com a norma inserta no art. 43º, nº 1, da Lei Sindical.
2º - A liberdade sindical, em especial as faculdades de auto-organização e
auto-determinação não são absolutas e ilimitadas, estando condicionadas pelo
«princípio democrático» (art. 55º, nº 3, da Constituição), que actua enquanto
valor imperativo e condicionador da organização e gestão das associações
sindicais.
3º - Constitui entendimento jurisprudencial, perfilhado pelo Tribunal
Constitucional, que é admissível, ainda que a título excepcional, a imposição
legal de regras de organização e funcionamento das associações sindicais, desde
que tais disposições tenham em vista a explicitação ou concretização do
princípio democrático a que deve obedecer tal organização e a correspondente
gestão.
4º - São admissíveis restrições ao princípio da auto-organização desde que,
segundo princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação, tais
restrições visem preservar o interesse dos membros e garantir o funcionamento
democrático das instituições.
5º - O art. 43º da Lei Sindical encerra, precisamente, uma norma destinada a
concretizar os aludidos preceitos constitucionais que garantem a «organização e
gestão democráticas» das associações sindicais, teleologia que se alcança
através da delimitação do «quórum» deliberativo necessário à implementação de
uma revisão estatutária.
6º - No caso vertente, é absolutamente pacífico e cristalino que a
Assembleia-Geral do R., realizada a 6 de Junho de 2002, reuniu um número de
associados superior a 10% do total dos respectivos associados, tendo a
deliberação sido tomada por maioria simples do total de votos dos associados
presentes, de exacta harmonia com as prescrições contidas no nº 1 do art. 43º da
Lei Sindical.
7º - O número de associados que se encontrava no pleno uso dos seus direitos
sindicais e, consequentemente, em condições de votar, ascendia a 8.555
associados; a assembleia em causa deveria funcionar, consequentemente, com um
mínimo de 855 associados; e é facto assente que votaram 1.105 associados e que a
proposta de alteração dos estatutos obteve 786 votos favoráveis, contra 313
votos desfavoráveis, 1 voto nulo e 5 votos em branco.
8º - A deliberação em causa não só foi proferida no âmbito de um «quórum» de
associados superior ao fixado legalmente, como foi tomada por uma maioria
absoluta, bem confortável, de votos dos associados. A deliberação em causa, como
resulta claro da douta declaração de voto anexa ao douto acórdão recorrido,
respeitou assim, integralmente, o regime legal fixado no citado artigo 43º da
Lei Sindical.
9º - O douto acórdão recorrido decidiu no sentido da invalidade da deliberação
da Assembleia-Geral da recorrente porque a norma do art. 43º, nº 1, da Lei
Sindical não impedia, por imperativo constitucional, a imposição de um «quórum»
deliberativo superior ao fixado naquela mesma norma, pelo que, na esteira do
douto acórdão recorrido, ao invés de ser exigível apenas um «quórum» de «1 0% do
total ou 2000 dos respectivos associados» (art. 43º, nº 1, da Lei Sindical), a
Assembleia-Geral dos associados do recorrente deveria ter reunido a «maioria
simples dos associados», i.e., metade dos associados mais um, pelo menos, para
poder funcionar com legitimidade para deliberar sobre alterações aos Estatutos,
o que não teria sucedido no caso vertente.
10º - A solução propugnada no douto acórdão recorrido assenta no pressuposto de
que o art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, na parte em que estabelece um «quórum»
para efeitos de deliberação sobre alterações estatutárias, consubstancia uma
norma «supletiva» ou «dispositiva», no sentido em que, respectivamente, só actua
se não existir uma disposição estatutária diversa, e pode ser afastada por
quaisquer disposições estatutárias, seja em que sentido for.
11º - O art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, todavia, não consubstancia uma norma
«dispositiva», mas sim uma norma «absolutamente imperativa», que não admite ser
derrogada por qualquer modo. A não ser assim, a norma em causa consubstancia,
pelo menos, uma norma «parcialmente imperativa», que apenas admite ser derrogada
num único sentido, ou seja, no sentido mais favorável à concretização do aludido
valor da «gestão democrática». Por outras palavras: a norma em causa apenas
admite ser afastada no sentido da criação de «quoruns» deliberativos menos
exigentes do que aquele que resulta do preceito normativo em apreço.
12º - Ao interpretar o art. 43º da Lei Sindical no sentido em que este consente
a imposição de «quoruns» deliberativos superiores aos que resultam da própria
lei, podendo exigir-se, no limite, que qualquer alteração estatutária careça de
ser objecto de deliberação até com a presença de todos os associados (o que na
prática pode afigurar-se absolutamente inviável, em organizações com forte e
desagregada implantação territorial), o douto acórdão recorrido retira da norma
em causa um sentido manifestamente contrário ao princípio constitucional da
liberdade sindical, na sua vertente de garantia de «gestão democrática» (art.
55º, nº 3, da Constituição).
13º - O art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, visa, nomeadamente, impedir a
imposição, por qualquer via (convencional, estatutária ou outra) de «quoruns»
deliberativos superiores aos nele fixado, obviando a que, desse modo (e
porventura até pela imposição, no limite, de uma regra de unanimidade) se
inviabilize na prática a livre modificação dos estatutos das associações
sindicais pelos respectivos associados.
14º - Trata-se de uma evidência, imposta pela ideia de ordem jurídica enquanto
«sistema de princípios teleológicos e valorativos», pelos vectores metodológicos
decorrentes da «dogmática integrada» e, em suma, pela «sinépica», que manda
apelar à ponderação das consequências no processo jurídico decisório.
15º- Interpretada no sentido de permitir a criação, por fontes de direito
hierarquicamente inferiores, de «quoruns» deliberativos superiores aos que a
mesma contém (interpretação essa assumida pelo douto acórdão recorrido), o art.
43º, nº 1, do Dec. Lei nº 215-B/75, é materialmente inconstitucional, por
violação do art. 55º, nº 2, alínea c), e nº 3, da Constituição.
16º - O próprio Tribunal Constitucional, em nome do aludido princípio
constitucional da «democraticidade» das associações sindicais quanto à
respectiva organização interna, já teve o ensejo de se pronunciar no sentido da
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 46º do Decreto-lei
nº 295-B/75, ao tomar aplicável às associações sindicais o nº 3 do art. 175º do
C. Civil (acórdão nº 159/88) - por violação do (actual) art. 55º, nºs 2, alínea
c), e 3 da Constituição.
17º - Em suma: o art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, interpretado nos termos em que
o fez o douto acórdão recorrido, enquanto norma «dispositiva», é materialmente
inconstitucional, por violação do art. 55º, nºs 2, alínea c), e 3 da
Constituição.
18º - Ao invés do que se decidiu no douto acórdão recorrido, o citado art. 43º
da Lei Sindical consubstancia uma norma legal «imperativa», que não admite ser
afastada em contrário, maxime por «quoruns» deliberativos mais qualificados e
exigentes do que o que nele se contém, consequência essa que resulta dos
princípios constitucionais expressos nos citados arts. 55º, nº 2, alínea c) e nº
3, da Constituição.
19º - E dúvidas não há de que, acaso atendesse à natureza imperativa da norma do
art. 43º, nº 1 da Lei Sindical, o douto acórdão recorrido teria necessariamente
de proferir de sentido diametralmente oposto ao do que ora se recorre.
20º - O douto acórdão recorrido aplicou, assim, em termos decisivos, norma legal
cuja interpretação e alcance, por ele configurados, a tornam inconstitucional».
2.9 – Por sua vez, o Recorrido pugnou pela inadmissibilidade do
recurso e, “sem conceder”, pela sua improcedência, dizendo que:
«O presente recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível, e isto por
várias ordens de razões: quer porque é ele manifestamente infundado, quer também
porque a decisão recorrida o não admite, quer ainda porque tal decisão não
aplicou qualquer norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo.
1. - Sendo o recurso interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art.
70º da Lei nº 28/82 - como é o caso -, é necessário, antes do mais, que a
questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada pelo recorrente de modo
processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer (nº 2 do art. 72º da referida Lei
nº 28/82).
A este propósito, tem o Tribunal Constitucional entendido – e bem - que:
- '... a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação
da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela.
Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de
constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na
arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade.” - Ac. TC nº 594/00 de 20/12/2000, 2ª Secção, Proc.
697/2000; e, no mesmo sentido, Ac. TC nº 155/95, D.R., II Série, de 20/6/95;
- 'Não é tempestivo suscitar pela primeira vez uma questão de
inconstitucionalidade em requerimento de aclaração ou de arguição de nulidades
das decisões recorridas.” - Ac. TC de 06/11/1991, BMJ, 411, pág. 606;
- 'O requerimento em que se pede a aclaração de uma decisão judicial não é já
momento processual idóneo para suscitar a questão de inconstitucionalidade de
qualquer norma que por ela tenha sido aplicada, dado que, por um lado, o poder
jurisdicional do tribunal se esgota com a prolação da sentença - salvo
circunstâncias excepcionais, que no caso se não verificam -, pelo que lhe está
já vedado conhecer dessa questão e, por outro lado, a eventual aplicação de uma
norma inconstitucional não torna a sentença obscura ou ambígua”- Ac. TC de
20/06/91, BMJ, 408º, pág. 617;
- 'I - Não é admissível recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao
abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/1982, de 15 de Novembro,
se o recorrente, tendo tido oportunidade processual de o fazer antes da prolação
da decisão recorrida, só suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma
nesta aplicada em requerimento de arguição de nulidade da mesma decisão. II. -
Impende sobre o recorrente o ónus de avaliar as diversas e possíveis linhas de
interpretação normativa susceptíveis de virem a ser utilizadas na resolução do
caso submetido a julgamento, actuando depois em conformidade com o esquema de
orientação processual mais adequado à defesa dos seus interesses. III - Não
podendo dizer-se que o recorrente tenha sido confrontado com a utilização, por
parte da decisão recorrida, de uma norma de todo insólita e imprevisível, sobre
a qual seria desrazoável exigir-se-lhe um prévio juízo de prognose relativo à
sua aplicação, deveria, em tempo funcionalmente adequado, suscitar a questão da
constitucionalidade daquela norma, por forma a ter-se por preenchido o
pressuposto de admissibilidade de que está dependente o recurso de
constitucionalidade.” - AC TC de 31/03/92, BMJ, 415º, pág. 680.
Ora, no caso concreto, depois de proferida a decido recorrida, o ora recorrente
veio pedir a aclaração do Acórdão proferido no STJ, nos termos constantes de
fls., pretendendo que se esclarecesse '... qual o número de associados mínimo
imprescindível para que a Assembleia do R., realizada a 6 de Junho de 2002,
pudesse funcionar com legitimidade para deliberar sobre a alteração aos
Estatutos, bem como o dispositivo, legal ou estatutário, que o consagra”.
Neste seu requerimento de aclaração, o ora recorrente aflorou, ao de leve e pela
primeira vez no processo, a questão da inconstitucionalidade da norma constante
do nº 1 do art. 43º do Dec.-Lei nº 215-B/75.
Porque, porém, só pode ser requerido ao Tribunal que proferiu a decisão 'o
esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha” (al. a) do
nº 1 do art. 669º do CPC), e o Acórdão era claro, não contendo nenhum passo cujo
sentido fosse ininteligível ou se prestasse a interpretações diferentes, foi o
requerido indeferido, por nada haver a aclarar, como se vê do Acórdão de
aclaração proferido a fls., em 13/07/2004.
De seguida, veio o aqui recorrente requerer a reforma do Acórdão, ao abrigo do
disposto no art. 669º, nº 2, al. a), do CPC - abordando de novo a questão da
inconstitucionalidade da atrás referida norma.
Dado que não se verificava a previsão do invocado art. 669º, nº 2, do CPC (não
ocorrera manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação
jurídica dos factos), foi indeferida a requerida reforma do Acórdão, nos termos
constantes do Acórdão de fls..
Foi, por último, interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, com o seguinte fundamento, no dizer do recorrente: 'A norma cuja
constitucionalidade se pretende ver apreciada no âmbito do recurso ora
interposto acha-se inserta no nº 1 do art. 43º do Dec.-Lei nº 215-B/75, de 30 de
Abril, interpretada no sentido que resulta do douto acórdão recorrido, vício
esse expressamente suscitado em incidentes, de aclaração e reforma, deduzidos na
sequência do acórdão recorrido e tendo este por objecto, já que só nele se fez
(e pela primeira vez) aplicação daquele dispositivo legal em termos desconformes
com os princípios constitucionais expressos na línea c) do nº 2 e no nº 3 do
art. 55º da CRP”.
Mesmo concedendo - que não se concede, pelo que adiante se dirá - que na decisão
constante do Acórdão recorrido se fez aplicação da norma constante do art. 43º,
nº 1, do Dec.-Lei nº 215-B/75, e que, ademais e além disso, tal aplicação foi
feita em termos inconstitucionais porque violadores do art. 55º da CRP (o que
igualmente se não concede, pelo que também adiante se dirá), o que importa aqui
e agora sublinhar é que o recorrente só levantou a questão da
inconstitucionalidade depois de proferida a decisão recorrida e de esgotado o
poder jurisdicional do Tribunal que a proferiu, tendo-o feito de modo
processualmente inadequado em termos de obrigar o Tribunal que proferiu a
decisão a conhecer de tal questão de inconstitucionalidade.
Esta é que é a questão.
Os incidentes de aclaração ou reforma de sentença apenas são admissíveis,
respectivamente, caso a sentença seja obscura ou ambígua (por ser ininteligível
ou conter alguma passagem que se preste a interpretações diferentes), ou caso
tenha havido manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na
qualificação jurídica dos factos.
E, no caso de serem tais incidentes levantados, apenas fica o Tribunal que
proferiu a sentença obrigado a decidir sobre os mesmos, ou seja, sobre se a
sentença era ou não ambígua e sobre se houve ou não lapsos na determinação da
norma aplicável ou na qualificação dos factos.
Não fica, pois, em tais hipóteses, o Tribunal obrigado a decidir se uma
determinada norma é ou não inconstitucional, se tal questão foi aflorada ou
mesmo invocada pela primeira vez no processo nos referidos incidentes - não
sendo tais incidentes o meio processualmente adequado para levantar, por isso
mesmo, a questão da inconstitucionalidade.
Por outro lado, como se lê no sumário do Ac. do TC de 31/3/92, atrás transcrito
e que aqui se repete, impendia sobre o recorrente o ónus de avaliar, ao longo do
processo e em devido tempo, as diversas e possíveis linhas de interpretação
normativa susceptíveis de virem a ser utilizadas na resolução do caso submetido
a julgamento, actuando depois em conformidade com o esquema de orientação
processual mais adequado à defesa dos seus interesses - pelo que deveria, em
tempo funcionalmente adequado (que é o mesmo que dizer: sempre antes de
proferido o Acórdão recorrido), ter suscitado a questão da
inconstitucionalidade, por forma a ter -se por preenchido o pressuposto de
admissibilidade de que está dependente o recurso de constitucionalidade.
Não o fez, porém, o recorrente, sendo certo ser este um pressuposto de
admissibilidade de interposição dos recursos para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82 (vidé o
disposto no nº 2 do art. 72º da mesma lei).
2. - Acrescem, porém, outros motivos ou fundamentos para que o presente recurso
não devesse ter sido admitido, e deva agora vir a ser julgado não admissível.
É que, por um lado, a decisão recorrida não aplicou sequer, e menos ainda
directamente, a norma cuja inconstitucionalidade veio agora o recorrente arguir
no recurso.
E, por outro lado, tal norma não foi um elemento essencial da decisão recorrida,
isto é, um dos fundamentos decisórios que serviram de suporte à decisão
recorrida e originaram normativamente o sentido em que a mesma foi proferida.
Para se constatar que assim é basta ler - mesmo que superficialmente - o Acórdão
recorrido.
Ao longo da suas 10 (dez) páginas, nele se faz uma única referência à norma cuja
inconstitucionalidade vem arguida - o que acontece no fim da última linha da
nona página do Acórdão, in fine, e no inicio da primeira linha da décima página,
entre parênteses, referência essa inserida no seguinte passo do Acórdão que a
seguir se transcreve:
'A Assembleia Geral do R., realizada a 6 de Junho de 2002, não reuniu o número
de associados mínimo para poder funcionar com legitimidade para deliberar sobre
alterações aos Estatutos.
Esta exigência dos Estatutos não vai contra a lei ordinária, nem contra a Lei
Fundamental, que tradicionalmente consagram um quórum constitutivo para as
Assembleias gerais deliberarem sobre alterações aos Estatutos (arts. 43º, nº 1
do Dec.-Lei 215-B/75, de 30.04, 175º, nº 3 do Código Civil, 55º nº 2, al. c) da
Constituição da República Portuguesa).
As deliberações da Assembleia Geral contrárias aos Estatutos por irregularidades
havidas no seu funcionamento são anuláveis (art. 77º - quis dizer-se: 177º - do
C.C., aplicável por força do art. 52º dos Estatutos e art. 46º do DL 215-B/75,
de 30.04).
Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogando-se o acórdão
recorrido e anulando-se a deliberação que aprovou a alteração dos Estatutos do
R., com as consequências legais daí decorrentes.”
Como se vê e constata facilmente, a referência ao art.43º, nº 1, do Dec.-Lei nº
215-B/75 traduz-se na simples e mera citação nominal ou numérica desta norma,
efectuada conjuntamente com outras entre parênteses, como exemplo de uma norma
da lei ordinária que consagra um quorum constitutivo - sendo citado de seguida,
aliás, também outro exemplo de outra norma da lei ordinária que igualmente
consagra outro quorum constitutivo, o art. 175º, nº 3 do Código Civil.
O que é dito no Acórdão é que 'Esta exigência dos Estatutos - a exigência
constante do art. 18º dos Estatutos do R., designadamente do seu nº 8, que exige
a participação duma maioria simples dos associados para que a Assembleia Geral
possa deliberar sobre alterações ao Estatutos - não vai contra a lei ordinária
nem contra a Lei Fundamental, que tradicionalmente consagram um quorum
constitutivo para as Assembleias Gerais deliberarem sobre alterações aos
Estatutos” - surgindo depois, entre parênteses, em mero apoio de tais
afirmações, a citação de normas exemplificativas de tal tradição da lei
ordinária, consagradoras de quoruns constitutivos, bem como da norma
constitucional que garante a liberdade de organização e regulamentação interna
das associações sindicais.
Só neste sentido exemplificativo - como invocação de casos, situações ou
exemplos de normas da lei ordinária que consagram quoruns constitutivos, em
apoio da afirmada tradição da mesma lei ordinária - se compreende, aliás, a
referência que no Acórdão se faz a tais normas: é que, por um lado, a norma do
art.43º, nº 1, do referido Dec.-Lei 215-B/75, é uma mera norma especial e
transitória (constante do Capitulo IV- Disposições Gerais e Transitórias), que
apenas foi aplicável transitoriamente, após o inicio de vigência do diploma
legal em causa, às associações sindicais constituídas antes da entrada em vigor
de tal diploma (Maio de 1975), as quais foram obrigadas pelo art. 42º desse
mesmo diploma a proceder obrigatoriamente à revisão dos seus estatutos dentro do
prazo de 60 dias, sob pena de extinção, ficando tal revisão dos estatutos, nos
termos do nº 4 do referido art. 42º, sujeita à regras dos arts. 43º e seguintes
desse diploma; e, por outro lado, a norma constante do art. 175º, nº 3, do
Código Civil é inaplicável às associações sindicais, por força da declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 46º do mencionado
Dec. Lei nº 215-B/75, quando remete para o art. 16º da Lei das Associações (que
tomava aplicável assim aos sindicatos os nº 2 e 3 do referido art. 175º),
efectuada pelo Acórdão nº 159/88, de 12/7/88, do Tribunal Constitucional.
É, pois, de todo incompreensível e inaceitável, além de absurdo e completamente
falso e inexistente, o pressuposto de que partiu o recorrente - de que o Acórdão
recorrido aplicou directamente a citada norma do art. 43º, nº 1, interpretando-a
nos termos em que diz o recorrente ter ela sido interpretada, e que tal norma ou
tal interpretação foram um elemento essencial da decisão e originaram
normativamente o sentido em que a decisão foi proferida.
Tem também o Tribunal Constitucional vindo a entender que:
- 'Para que os requisitos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/1982, de 15 de Novembro, se possam ter por
verificados, importa ... ... que fique demonstrado que essa norma, ou uma sua
determinada interpretação, foram aplicadas na decisão impugnada como seu suporte
normativo.” - Ac. TC de 18/6/91, BMJ, 408º, pág. 618.
- 'É inadmissível recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea
b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/1982, de 15 de Novembro, se a decisão
recorrida não chegou a aplicar directamente a norma cuja constitucionalidade se
pretende ver apreciada.”- Ac. TC nº 38/92 de 28/01/92, BMJ, 413º, pág. 575.
- 'Para que uma norma se considere aplicada em certa decisão é indispensável que
tal norma seja um elemento essencial da decisão, um dos seus fundamentos
decisórios” - Ac. TC nº 13/92, de 14/01/92, BMJ, 413º, pág. 574.
Ora, não tendo a decido recorrida aplicado directamente a norma cuja
inconstitucionalidade vem agora arguida, nem tendo tal norma sido um elemento
essencial da decisão recorrida, falecem e inexistem também os pressupostos de
admissibilidade do presente recurso, interposto ao abrigo da al. b) do nº 1 do
art. 70º da Lei nº 28/82.
O presente recurso, pelo que se disse até aqui e designadamente em 1. e 2. é,
pois, inadmissível.
A decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional – nº 3 do
art. 76º da Lei nº 28/82 -, pelo que deve a presente impugnação da
admissibilidade do recurso ser julgada procedente, sendo declarada a não
admissibilidade do mesmo.
II
No que respeita ao fundo da questão, fundamenta o recorrente o seu recurso única
e exclusivamente em pressupostos inexistentes ou falsos e errados, sendo as suas
conclusões, pelo menos as principais e fundamentadoras do seu raciocínio e
argumentos, autênticas falácias - e não mais que isso.
Senão, vejamos:
Todo o raciocínio e todos os argumentos expostos pelo recorrente nas suas
alegações e respectivas conclusões assentam no seguinte:
- O art. 43º, nº 1, da Lei Sindical é uma norma de aplicação genérica que visa
impedir a imposição, por qualquer via, de quoruns deliberativos superiores ao
nele fixados, norma essa absolutamente imperativa e destinada a concretizar os
preceitos constitucionais que garantem a organização e gestão democráticas das
associações sindicais, constituindo ela uma restrição ao principio da
auto-organização das mesmas associações (vidé conclusões 13ª, 11ª, 4ª e 5ª das
alegações do Recorrente);
- Para fundamentar decisivamente a sua estatuição quanto à invalidade da
deliberação estatutária, o douto Acórdão recorrido considerou que o quorum
deliberativo contido no art. 18º, nº 8, dos Estatutos do Recorrente não contende
com a norma inserta no art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, e decidiu o mesmo
Acórdão no sentido da invalidade da deliberação porque a norma do art. 43º, nº
1, não impede, por imperativo constitucional, a imposição de um quorum
deliberativo superior ao fixado na mesma norma - assentando, assim, a solução
propugnada no Acórdão recorrido no pressuposto de que o art. 43º, nº 1, da Lei
Sindical, na parte em que estabelece um quorum para efeitos de deliberação sobre
alterações estatutárias, consubstancia uma norma supletiva ou dispositiva, no
sentido em que só actua se não existir um disposição estatutária diversa e pode
ser afastada por quaisquer disposições estatutárias, seja em que sentido for
(vidé conclusões 1ª, 9ª e 10ª das alegações do Recorrente);
- A deliberação anulada é conforme ao regime legal fixado no art. 43º, nº 1, da
Lei Sindical, e respeitou o mesmo, e interpretada no sentido de permitir a
criação, por fontes de direito hierarquicamente inferiores, de quoruns
deliberativos superiores ao que tal norma contem, interpretação esta assumida
pelo Acórdão recorrido, que interpreta tal norma como dispositiva, o art. 43º,
nº 1 é materialmente inconstitucional por violação do art. 55º, nº 2 al. c) e nº
3 da Constituição (vidé conclusões 8ª, 15ª e 17ª das alegações do Recorrente);
- E duvidas não há de que, caso atendesse à natureza imperativa da norma do art.
43º, nº 1, da Lei Sindical, o douto Acórdão recorrido teria de decidir em
sentido diametralmente oposto aquele em que decidiu - pelo que aplicou em termos
decisivos uma norma legal cuja interpretação e alcance por ele configurados a
tomam inconstitucional (vidé conclusões 19ª e 20ª das alegações do Recorrente).
Esta argumentação do Recorrente, e os pressupostos em que assenta, não resiste à
mais ligeira análise:
O Acórdão recorrido, como se disse já atrás, em I não faz qualquer interpretação
do art. 43º, nº 1, da Lei Sindical - e não interpreta tal norma, por qualquer
forma, com o sentido que resulta das alegações e das conclusões do Recorrente.
Basta ler o Acórdão, e facilmente se constata e verifica que assim é.
Para dizer o que disse nestas suas alegações e conclusões, a propósito do
disposto no nº 1 do referido art. 43º da Lei Sindical, o Recorrente só demonstra
que não foi sequer capaz de alcançar o sentido e o objectivo da referida norma,
norma esta apenas aplicável às assembleias gerais para revisão dos estatutos dos
sindicatos já constituídos à data da entrada em vigor do diploma que a contém
(Maio de 1975), associações essas que foram obrigadas, sob pena de extinção, e
entre outras coisas, a rever os seus estatutos no prazo de sessenta dias, de
acordo com o art. 42º, nº 1 da referida Lei Sindical - dispondo o nº 4 deste
mesmo artigo 42º que a revisão dos estatutos imposta pelo nº 1 do art. 42º
ficava sujeita ao constante nos artigos seguintes (um dos quais é precisamente o
art. 43º).
Aliás, o referido art. 43º surge no Capitulo IV da Lei Sindical, respeitante às
disposições gerais e transitórias da lei - sendo esta inequivocamente uma
disposição transitória, aplicável apenas a tal revisão obrigatória dos estatutos
dos sindicatos já constituídos, com prazo marcado de sessenta dias.
Tivesse, pois, o Recorrente lido a Lei Sindical com o mínimo de atenção - e
tivesse ele conseguido vislumbrar o alcance e sentido da referida norma - e não
diria nem escreveria os dislates que repetidamente profere a propósito da norma
em causa nas alegações de recurso.
Deveria ter tido, ao menos, o Recorrente o mínimo de cautela antes de escrever o
que escreveu, ou em alternativa a bondade suficiente para reconhecer que os
Ilustres Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça não fizeram qualquer
interpretação da referida norma legal e muito menos a interpretação que o
Recorrente lhes imputa.
Como se disse atrás, no Acórdão recorrido o art. 43º, nº 1, apenas foi invocado
como exemplo de uma norma da lei ordinária, a par de um outro exemplo no mesmo
sentido - o do art. 175º nº 3 do C.C. -, lei ordinária essa que, no dizer do
Acórdão recorrido, tradicionalmente consagra quoruns constitutivos para as
assembleias gerais.
Tudo o que possa dizer-se para além disto é abusivo e especulativo - sendo assim
abusivo e especulativo tudo o que o Recorrente diz no seu recurso quanto à
interpretação da norma constante do nº 1 do art. 43º da Lei Sindical, que imputa
ao Acórdão recorrido, mas que dele não consta - nem na sua letra, nem no seu
espírito.
A questão que subjaz ao presente recurso e esteve em causa na acção é a da
autonomia sindical, da qual é sua expressão a liberdade de organização e
regulamentação interna.
A autonomia estatutária e regulamentar interna das associações sindicais está
consagrada no art. 3º da Convenção nº 87 da OIT, nos seguintes termos:
1. - As organizações de trabalhadores e de entidades patronais tem o dever de
elaborar os seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente
os seus representantes, de organizar a sua gestão e a sua actividade e formular
o seu programa de acção.
2 - As autoridades públicas devem abster-se de qualquer intervenção susceptível
de limitar esse direito ou de entravar o seu exercício legal.
Mais refere a mesma Convenção nº 87, no nº 2 do seu art. 8º, que 'a legislação
nacional não deverá prejudicar - nem ser aplicada de modo a prejudicar - as
garantias previstas na presente convenção”.
A Convenção em causa foi ratificada pela Lei nº 45/77, de 07.07, e, nos termos
do nº 2 do art. 16º da Constituição constitui ela, por isso, elemento de
interpretação e integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos
direitos fundamentais.
Na vigência da Lei Sindical, entretanto revogada pelo actual Código do Trabalho,
remetia ela para os estatutos das associações sindicais o funcionamento da
assembleia geral e o processo de alteração os estatutos - arts. 13º e 14º, als.
d) e g), e nº 6 do art. 10º do Dec.-Lei nº 215-B/75.
Ou seja: tal como impõe a Convenção nº 87 da OIT, consagrava a Lei Sindical o
principio da autonomia estatutária e regulamentar interna das associações
sindicais e a liberdade de organização e gestão interna das mesmas, a qual se
acha apenas limitada pelos princípios de gestão democrática, aos quais se
referia o nº 1 do art. 17º da Lei Sindical, e se referem o art. 55º da
Constituição e os arts. 478º e 486º do actual Código do Trabalho.
A este propósito e neste sentido se pronunciam Monteiro Fernandes, Direito do
Trabalho, 12ª Edição, pág. 677 e segs. e Pedro Romano Martinez, Direito do
Trabalho, Almedina, pág. 912 e segs., referindo este último Autor que 'Depois de
estar constituída a associação sindical, se os trabalhadores filiados assim o
quiserem, podem alterar os estatutos e regulamentos que foram inicialmente
aprovados. O art. 14º, al. j) LS, estabelece que essas alterações devem ser
feitas nos termos previstos nos estatutos, ou seja, por princípio, destes
constarão as próprias regras de alteração”.
O princípio da autonomia estatutária e regulamentar é também uma concretização
do princípio constitucional da autonomia das associações sindicais, expresso no
art. 55º da Constituição, designadamente nas als. a) e c) do seu nº 2.
Também o Prof. Jorge Miranda, no seu estudo 'Liberdade de Associação e Alteração
aos Estatutos Sindicais', publicado na Revista de Direito e de Estudos Sociais,
Ano XVIII (I da 2ª Série), Abril-Junho, nº 2, refere deverem ser os estatutos
das próprias associações sindicais a quantificar a maioria qualificada ou a
obter para efeito de modificações estatutárias, defendendo ele a este propósito
o seguinte (pág. 184): 'A maioria qualificada que, em concreto, cada estatuto,
destarte, deverá estabelecer terá, por definição, uma baliza mínima: não poderá
ser menor que a maioria absoluta dos associados. E terá, por imperativo
constitucional, um limite máximo: não poderá exceder dois terços dos sócios na
plenitude dos seus direitos. Isto por maioria de razão: se a lei, como acabámos
de evidenciar, não poderia exigir mais que a Constituição para a revisão
constitucional, tão pouco os estatutos poderão estabelecer uma maioria superior
àquela que à lei é vedado ultrapassar.”
É que encontramo-nos aqui num domínio de forte incidência do principio de
autonomia, cuja regra é a auto-organização, a auto-regulamentação e o
auto-govemo, não podendo a lei ordinária estabelecer limites à liberdade de
organização e regulamentação dos sindicatos para além dos que do impostos pela
própria lei fundamental, ou seja, as regras de organização e gestão democráticas
- art. 55º, nº 3, da Constituição, 13º e 17º, nº 1, da anterior Lei Sindical e
480º , 478º, 485º e 486º do Código do Trabalho.
Por isso, a norma constante do nº 8 do art. 18º dos Estatutos do Recorrente não
viola, como é evidente e óbvio, o art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, que nada tem
a ver com caso. E tal norma estatutária, que no fundo exige para alteração os
estatutos uma maioria não inferior a um quarto dos associados (25% dos
associados) nada contem de anormal ou de anti-democrático, quando a própria
Constituição, para a sua revisão ou alteração, exige uma maioria de dois terços
dos deputados em efectividade de funções (mais de 66% dos deputados), nos termos
do disposto art. 286º nº 1 da Constituição - e daí o Prof. Jorge Miranda
entender, a propósito da maioria qualificada que em concreto cada estatuto de
uma associação sindical pode estabelecer, o que acima transcrito ficou.
Em suma: não só o Acórdão recorrido não fez qualquer interpretação
inconstitucional do art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, como até os estatutos do
Recorrente, no que esteve em causa neste processo, são inteiramente conformes à
Lei e à própria Constituição».
2.10 – O Recorrente, notificado da questão da inadmissibilidade do
recurso, veio reiterar nos autos que:
«1. A questão de inconstitucionalidade que serve de objecto aos
presentes autos foi suscitada (e só podia ter sido suscitada) no âmbito da
revista.
2. Até à prolação do douto acórdão recorrido, nenhuma das instâncias
interpretara a cláusula estatutária do Banco recorrente com a amplitude que o
Venerando STJ lhe conferiu à luz do recurso interpretativo que fez de uma norma
legal, cujo sentido foi configurado em termos frontalmente inconstitucionais,
3. Até então, a questão de inconstitucionalidade jamais fora sequer
perspectivada por qualquer das instâncias de recurso.
4. Logo que a questão se colocou (e só se colocou perante a decisão inicialmente
proferida pelo Venerando Tribunal 'a quo'), o Banco recorrente, após a dedução
de incidente de aclaração, veio suscitar e requerer a, reforma do douto aresto
proferido pelo STJ, fundando expressamente essa reforma na questão de
inconstitucionalidade versada no presente recurso de modo a propiciar expressa
pronúncia do Tribunal 'a quo' sobre a mesma questão.
5. O Banco recorrente, ao invés do que os recorridos inexactamente sustentam com
apoio em decisões jurisprudenciais inaplicáveis ao caso, não se limitou a
suscitar a questão de inconstitucionalidade em simples incidente de aclaração
ou, transversalmente, no âmbito, de uma mera arguição de nulidades, antes tendo
(de imediato e no exacto momento em que lhe foi possível, por ter sido a
primeira vez que, ao longo da tramitação dos autos e de modo insólito e
inesperado, decisivamente se fez apelo a uma norma legal interpretada ao arrepio
de princípios constitucionais.
6. Como é sabido, o incidente de reforma obriga à pronúncia jurisdicional sobre
as questões suscitadas como seu fundamento, não podendo dizer-se que, nesse caso
(como sucede em simples incidente de aclaração ou de arguição de nulidades, por
exemplo), o poder jurisdicional de cognição se acha esgotado, em termos de não
proporcionar uma decisão ou pronúncia de sentido contrário.
7. No caso vertente, não só se permitiu ao juiz 'a quo' pronunciar-se sobre a
questão de inconstitucionalidade, como essa pronúncia, envolvendo pleno poder
jurisdicional decisório (em termos tais que seria viável a prolação de decisão
de mérito contrária à inicialmente proferida, como mera consequência da reforma
do aresto proferido), era obrigatória.
8. A jurisprudência do Tribunal Constitucional em que os recorridos se abonam
para fundar a inadmissibilidade do presente recurso (toda ela centrada em
incidentes de aclaração ou de arguição de nulidades que não proporcionam o
exercício cognitivo pleno do poder jurisdicional e toda ela centrada na
previsibilidade da aplicação ou interpretação de norma legal inconstitucional)
não tem, assim, a menor aplicação ao caso.
9. Com efeito, não só a questão de inconstitucionalidade versada nos autos o foi
no âmbito de mecanismo processual que possibilitou ao Tribunal 'a quo', no
exercício de plenos poderes de cognição jurisdicional sobre a matéria, a
pronúncia sobre a mesma questão, como a oportunidade de o Banco recorrente
suscitar a questão que é objecto dos presentes autos só se verificou, pela
primeira vez e sem que até então alguma vez se indiciasse a mera possibilidade
de a decisão de mérito a proferir se baseasse em interpretação inconstitucional
da norma legal em causa.
10. Neste contexto e mesmo com base na jurisprudência deste Venerando Tribunal,
transcrita pelos recorrentes, não pode deixar de concluir-se pela circunstância
de o Banco recorrente ter suscitado de modo processualmente adequado (e,
diga-se, pelo único meio possível) a questão de inconstitucionalidade que serve
de objecto ao presente recurso, com consequente admissibilidade formal deste».
Cumpre agora decidir.
B – Fundamentação
3 – Tal como o Recorrente definiu o objecto do recurso, este tem por
objecto a norma do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de
Abril, quando interpretada no sentido de consentir a imposição, por via
estatutária, de “quoruns” constitutivos superiores ou mais qualificados do que o
previsto nesse preceito, por violação do disposto no artigo 55.º, n.º 2, alínea
c) e n.º 3, da Constituição.
3.1 – Tendo sido suscitada questão prévia de inadmissibilidade do
recurso, cumpre começar por sindicar se, in casu, podem ter-se por cumpridos
todos os requisitos de que depende a possibilidade de conhecer do objecto do
recurso.
Vejamos, pois.
3.1.1 – Constitui requisito do recurso interposto pelo Recorrente
que a questão de inconstitucionalidade da norma, efectivamente aplicada como
ratio decidendi da decisão recorrida, tenha sido suscitada durante o processo.
O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional.
Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República II
Série, de 6 de Setembro de 1994), disse-se que esse requisito deve ser entendido
“não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser
suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal
modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a
quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o poder jurisdicional
do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade)
respeita”.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio, há a acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o
Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho
de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o
sentido de um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição
constitucional em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso
Queiró, 2ª edição, Coimbra, 1992, p. 51).
É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou no Acórdão n.º
354/94, inédito, mas isso apenas acontece em situações excepcionais ou anómalas,
nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o
fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível.
Usando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que “quem
pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de
uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a
questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido
o acórdão da conferência de que recorre...”.
E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa
oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa
decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s)
articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear
juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por
antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se
poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicado pelo
juiz.
Nessa linha, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a
aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de
conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e
de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da
(in)validade da norma em face da lei fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito
plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade
constitucional. O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o
processo e pela forma adequada enquadra-se dentro destes parâmetros acabados de
definir.
3.1.2 – Ora, a questão que se põe no caso concreto é a de saber se estamos
perante uma dessas situações ditas de anómalas em que o recorrente se deve ter
por dispensado do cumprimento do ónus de suscitação.
A esse propósito importa começar por notar que, de facto, como sustenta o
Recorrente, a invocação, expressis verbis, do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º
215-B/75, de 30 de Abril, apenas ocorreu no Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça que concedeu provimento ao recurso interposto pelos ora Recorridos.
Contudo, apesar disso, cremos que a dimensão normativa equacionada pelo
Recorrente acaba por corresponder a um sentido possível da decisão recorrida na
medida em que o problema jurídico que presidiu à mobilização do critério agora
em crise foi colocado pelos ora Recorridos, de forma clara, em sede de alegações
para o Supremo.
De facto, nessas alegações – designadamente na parte em que aí se afirma que “a
participação da maioria simples dos associados é exigida quer para a discussão,
quer para a deliberação sobre as matérias a que se refere o n.º 1 do art. 15.º
[dos Estatutos]” e que “tendo o sindicato 8.555 associados em pleno gozo dos
seus direitos sindicais, teriam de ter participado e estado na Assembleia Geral
pelo menos 4.278 (maioria simples dos associados do R.) e a deliberação teria de
ter sido tomada com os votos favoráveis da maioria simples dos votantes” –
equaciona-se e controverte-se a existência de um quorum constitutivo para as
deliberações em matéria de alteração dos estatutos, bem como se argumenta no
sentido desse quórum requerer uma determinada expressão quantitativa.
E o sentido ínsito em tal afirmação não deixou de ser perscrutado pela
argumentação do Recorrente, toda ela esgrimida no sentido de concluir que «da
letra e do espírito do art. 18.º, n.º 8, dos Estatutos não se retira que, na
Assembleia Geral em causa “teriam de ter participado e estado presentes”, pelo
menos 4.278 associados (...) e que a deliberação de alteração estatutária teria
de ter sido tomada igualmente com os votos favoráveis da maioria simples dos
associados presentes (porque só estes, segundo os recorrentes, participariam na
deliberação)».
Tendo sido colocado ao Supremo Tribunal de Justiça este problema jurídico, não
seria de todo surpreendente que o Tribunal pudesse acolher a posição dos ora
Recorridos e, assim, a decidir no sentido de exigir, para a deliberação sobre a
alteração dos Estatutos, a participação da maioria simples dos associados do
sindicato.
Não se duvida que, prima facie, estava em causa a mobilização – e interpretação
– das exigências estatutárias quanto a essa matéria – principaliter do artigo
18.º dos Estatutos, onde se dispõe, no n.º 8, que “para efeitos de discussão e
deliberação sobre as matérias a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º, basta a
participação da maioria simples dos associados, devendo as deliberações ser
tomadas igualmente por maioria simples dos votantes” –, todavia, mesmo nessas
circunstâncias, não seria descabido hipotizar, preventivamente, a incorrecção do
critério normativo previamente gizado pelos então recorrentes e, a posteriori,
acolhido pela decisão, aqui, recorrida.
Em particular, condensando-se a interpretação do artigo 18.º na fixação do
quorum reclamado pelos ora Recorridos, podia o Recorrente antecipar a questão de
saber se «a exigência contida nesse preceito estatutário “não vai contra a lei
ordinária, nem contra a Lei Fundamental, que tradicionalmente consagram um
quorum constitutivo para as Assembleias Gerais deliberarem sobre alterações dos
Estatutos (arts. 43.º do DL 215-B/75, de 30-4, 175.º, n.º 3, do Código Civil,
55.º, n.º 2, al. C), da Constituição da república Portuguesa)”».
Na verdade, bem vistas as coisas, estaria sempre em causa a legitimidade de uma
interpretação das normas estatutárias no sentido de impor um determinado quorum
para que a Assembleia Geral pudesse deliberar sobre a alteração dos estatutos
(in casu, como se disse, esse quorum prefigurar-se-ia, na lógica que motivou o
recurso para o Supremo, como sendo em número superior a metade dos associados do
Sindicato), pelo que não seria de todo inexigível que o ora Recorrente
questionasse a compatibilidade dessa leitura normativa com o disposto no
Decreto-Lei n.º 275-B/75 e com a impossibilidade, sub species Constitutionis, de
se autorizar ou admitir a constituição de um “quorum” superior ao que se dispõe
nesse diploma, maxime, no seu artigo 43.º, n.º 1.
Tal asserção decorre, desde logo, do facto de o Recorrente não estar dispensado
de considerar a possibilidade do Tribunal, independentemente da bondade jurídica
do sustentado pela parte contrária, vir a acolher essa argumentação e a decidir
de acordo com ela. Consequentemente, a partir do momento em que se equacionou o
estabelecimento de um determinado quorum, e entendendo o Recorrente – como é
manifesto que entende – que estaria constitucionalmente vedada a possibilidade
de imposição do quorum que o Tribunal veio a fixar, ser-lhe-ia exigível que
antecipasse, nas suas contra-alegações, o juízo de inconstitucionalidade que,
após a prolação do Acórdão, fez constar do seu pedido de aclaração e reforma.
No fundo, a questão a controverter não poderia ter-se totalmente por
imprevisível ou insólita face à pretensão da contra-parte: será
constitucionalmente admissível, face aos princípios da livre organização e de
gestão democrática das associações sindicais, a adopção de um critério normativo
que imponha um quorum deliberativo superior a 50% dos associados?
Ora, entendendo o Recorrente que o artigo 43.º, n.º 1, “impedia, por imperativo
constitucional, a imposição de um «quorum» deliberativo superior ao fixado
naquela mesma norma”, e concretizando-se a adopção da tese da parte contrária na
fixação de um quorum bem superior ao que aí vai definido, temos de concluir que
o ora Recorrente, nas suas alegações, podia – recte, devia –, na perspectiva do
recurso interposto para este Tribunal, ter suscitado a sobredita questão de
constitucionalidade.
É que, como se disse, independentemente da correcção do decidido, foi o
Recorrente previamente confrontado com esse sentido possível da decisão e,
assim, com a possibilidade do Supremo Tribunal de Justiça adoptar um critério
normativo, inquinado – na perspectiva do Recorrente – de inconstitucionalidade.
Pelo que não podia haver-se dispensado do ónus de prévia suscitação da questão
de constitucionalidade.
Termos em que a questão prévia suscitada pelos Recorridos deve merecer
provimento.
C – Decisão
4 – Destarte, em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não conhecer
do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.
Lisboa, 15 de Novembro de 2005
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos