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Processo n.º 692/04
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Em 18 de Janeiro de 2005 foi proferida a seguinte decisão sumária:
A. recorre para este Tribunal ao abrigo do disposto na alínea b) do n. 1 do
artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC) do acórdão proferido na Relação
de Lisboa em 4 de Março de 2004.
Diz a recorrente no requerimento de interposição do recurso:
“Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da al. b), do nº1,
do artº 107º do RAU (Decreto-Lei nº 321-B/1990), com a redacção dada pelo
Decreto-Lei nº 329/B/2000, de 22 de Dezembro, bem como da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral da mesma norma, na parte que
alargou o prazo de 20 para 30 anos (ou período mais curto previsto em Lei
anterior e decorrido na vigência desta), por repristinação do artº 2º da Lei nº
55/79, de 15 de Setembro (Ac. TC 97/2000), por violação do disposto no nº 4, do
artº 282º da C.R.P.;
Tal norma viola, conjugadamente, o disposto no artº 2º, no nº 1 do artº 62º e no
nº1 do artº 65º, todos da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), bem
como os princípios constitucionais nela consagrados nos seus artºs 13º, 71º e
72º”.
Invoca que a questão de constitucionalidade foi suscitada na réplica e nas
alegações de recurso para o Tribunal da Relação.
O recurso foi admitido por despacho que não vincula este Tribunal (n. 3 do
artigo 76º da LTC).
Admitindo que a recorrente colocou a questão de constitucionalidade de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida por
forma a considerar-se preenchido o pressuposto processual previsto nos artigos
70º n. 1 alínea b) e 72º n. 2 da LTC, a verdade é que a questão colocada é de
fácil resolução.
Vejamos.
A decisão recorrida partiu da declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral do artigo 107º n. 1 alínea b) do RAU (redacção originária)
constante do acórdão n. 97/2000 e dos respectivos efeitos repristinatórios para
averiguar se a hipótese prevista na parte final do artigo 107º n. 1 alínea b) do
RAU (na redacção do Decreto-Lei n. 329-B/2000) estava preenchida e, concluindo
pela afirmativa, aplicou-a no caso concreto.
Ora a nova redacção do artigo 107º n. 1 alínea b) do RAU não enferma de
inconstitucionalidade por pretensa violação da segurança jurídica e da
confiança, imposta pelo princípio do Estado de Direito.
É o que já foi decidido por este Tribunal no acórdão n. 550/2003 (publicado no
DR, II série, de 18 de Fevereiro de 2004) e onde se escreveu:
O artigo 107º, n.º 1, alínea b), deste diploma veio, porém, a ser declarado
inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea h), da Constituição,
na redacção da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, pelo referido acórdão
n.º 97/2000 – na sequência, aliás, de vários julgamentos em casos concretos no
mesmo sentido.
Ora, nesse acórdão n.º 97/2000 não se efectuou qualquer limitação dos efeitos da
inconstitucionalidade, como permite o artigo 282º, n.º 4, da Constituição,
quando “a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de
excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem”. Tal declaração
teve, pois, os efeitos gerais das decisões que declaram a inconstitucionalidade
de uma norma, isto é, nos termos do n.º 1 desse artigo 282º, “produz efeitos
desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e
determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado” –
designadamente, repristinou a norma em vigor anteriormente ao artigo 107º, n.º
1, alínea b), do RAU, que previa um prazo 10 anos mais curto de permanência no
local arrendado, para o inquilino poder obstar à denúncia do arrendamento.
Foi, aliás, na sequência desta declaração de inconstitucionalidade – e em
consonância com estes seus efeitos retroactivos e repristinatórios – que a nova
redacção do artigo 107º, n.º 1, alínea b), do RAU, dada pelo Decreto-Lei n.º
329-B/2000, que reintroduziu o prazo de 30 anos, veio exceptuar do prazo de 30
anos, que reintroduziu, o decurso de “um período de tempo mais curto previsto em
lei anterior e decorrido na vigência desta”.
Ora, tal como a segurança jurídica – e a confiança das partes, se esta, só por
si, for de considerar relevante para o efeito – não determinou (por não a
exigir) a limitação dos efeitos da inconstitucionalidade no citado acórdão n.º
97/2000, também quanto a esta nova redacção do artigo 107º, n.º 1, alínea b), do
RAU, em causa no presente recurso, se pode concluir agora que a protecção da
segurança jurídica e da confiança, imposta pelo princípio do Estado de Direito,
não exige um julgamento de inconstitucionalidade.
A solução decorrente da norma em questão é, assim, simples decorrência dos
normais efeitos, retroactivos e repristinatórios, da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral, sem limitação de efeitos, nos
termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 282º da Constituição. (...)
É que, como é óbvio, estes princípios não protegem contra a frustração de toda e
qualquer expectativa ou confiança que se forme com base na vigência de uma
norma, mas contra a afectação intolerável da expectativa ou confiança legítima.
E, em princípio, e sem considerações adicionais, não pode qualificar-se como tal
a confiança ou expectativa que é depositada na vigência de uma norma
inconstitucional, ou que vem a ser declarada inconstitucional, com força
obrigatória geral.
Ora, este é justamente o caso do artigo 107º, n.º 1, alínea b), do RAU, na sua
redacção originária (sendo evidentemente irrelevante, ao contrário do que
pretendem as recorrentes, que o vício em causa fosse de inconstitucionalidade
orgânica, e não de outro tipo).”
É este julgamento que aqui se reitera.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n. 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se
julgar improcedente o presente recurso.
É contra esta decisão que pretende reclamar a recorrente, dizendo:
A., notificada da decisão sumária proferida pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Relator,
não se conformando com a mesma, vem, ao abrigo do disposto no art. 78°-A, n° 3 e
art. 78°-B, n° 2, reclamar para a conferência, com os seguintes argumentos:
1-A douta decisão sumária apreciou a invocada inconstitucionalidade da norma da
al. b) do n° 1 do art. 107° do RAU, bem como da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral da mesma norma, na parte que
alargou de 20 para 30 anos, por repristinação do art. 2° da Lei n° 55/79, de 15
de Setembro, por violação do disposto no n° 4 do art. 282° da C.R.P., assim como
do disposto no art. 2°, no nº1 do art. 62° e no n° 1 do art. 65°, e princípios
constitucionais consagrados nos art.s 13°,71° e 72° desta mesma Lei Fundamental.
2- Todavia, salvo melhor opinião e com a devida deferência, a referida decisão
sumária não aborda todas as questões que a Recorrente vem invocando desde o
início da contenda.
3- Antes pelo contrário, decidiu aplicar à situação sub judice os argumentos já
vertidos no acórdão desse Tribunal, n° 550/2003 (publicado no DR, II, de 18 de
Fevereiro de 2004), que reiterou.
4-Contudo, os argumentos invocados parecem à Recorrente bastante redutores
quanto à realidade deste caso concreto e quanto ao que se visa com o presente
recurso, cujas alegações muito aprazaria apresentar, conquanto ficaria o
Venerando Tribunal com uma percepção assaz diferente e mais realista da situação
in casu.
5-Pois que, para além do o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do
art. 70° da Lei n° 28/82, de 15 de Setembro, na redacção dada pela Lei n° 85/89,
de 7 de Setembro e pela Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
6- Através do qual se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da
al. b), do n.1, do art. 107° do RAU (Decreto-lei n° 321-B/1990), com a redacção
dada pelo Decreto-lei n° 329/B/2000, de 22 de Dezembro bem como da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral da mesma norma, na parte que
alargou o prazo de 20 para 30 anos ou período mais curto previsto em Lei
anterior e decorrido da vigência desta, por repristinação do art. 2° da Lei n°
55/79, de 15 de Setembro (AC. TC 97/2000), atenta a violação do disposto no n°
4, do art. 282º da C.R.P. ;
7- Já que essa norma viola, conjugadamente, o disposto no art. 2°, no n.º 1 do
art. 62º e no n.º 1 do art. 65º, todos da Constituição da República Portuguesa
(CRP), bem como os princípios constitucionais nela consagrados nos seus art.
13°, 71° e 72°;
8- Existem outras questões, aliás, já suscitadas nos autos, de fls. 39 a 65 v.
(Réplica) e no Recurso para o Tribunal da Relação, onde se defendeu que:
9- Por contrato de 1 de Março de 1978, a Recorrente cedeu ao Recorrido o gozo da
fracção correspondente ao R/C esquerdo do prédio sito na Rua
--------------------, Lote ---, --------------, -----------.
10-Já que, em virtude da prestação de serviço de porteira às ordens do
condomínio do prédio sito na Av. ----------------, n.º ----, em Lisboa, a
Recorrente habitava na casa destinada à porteira.
11-Acontece que, por ter atingido a idade da reforma, cessou funções de porteira
em 1 de Janeiro de 2003.
12-Implicando tal facto, que deixe de poder habitar a casa destinada à porteira.
13-Pelo que, a Recorrente necessita da fracção arrendada para habitar, por não
ter outro local onde viver .
14-Como tal, a Recorrente pretende, através de acção de desejo objecto dos
recursos, proceder à denúncia do contrato de arrendamento, nos termos da alínea
a) do n.º l do art. o 69 do Regime do Arrendamento Urbano, vulgo R.A.U.
15- Todavia, o tribunal a quo entendeu não ser aplicável esta norma atendendo à
limitação do direito de denúncia pelo senhorio, prevista na alínea b) do n.º 1
do art. 107º do mesmo diploma, dada pela redacção da Lei 55/79 de 15 de
Setembro, posição mantida pelo Tribunal da Relação.
16-Neste entendimento, este diploma teria sido repristinado face à declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do artigo
107º, n.º 1 b), do R.A.U. com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 321-B/2000,
de 15 de Outubro, atribuída pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão 97/2000,
publicado no Diário da Republica, I-A, de 17.03.2000.
17-Contudo, este entendimento não nos parece correcto. Senão vejamos:
18-Não enferma de inconstitucionalidade orgânica a alínea b) do preceito em
anotação, ao ampliar o prazo de vinte para trinta anos.
19-Em anotação ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª edição, entende José Alberto
Aragão Seia, pp. 483 e ss., que a Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto, que concedeu
autorização ao Governo para legislar sobre o regime do arrendamento urbano,
estabeleceu as directrizes às quais deveriam obedecer essas alterações.
20-Entre elas, inclui-se a que impõe a 'preservação de regras socialmente úteis
que tutelem a posição do arrendatário'.
21-Ora, obedecendo a essa determinação, o legislador manteve o princípio de não
ser denunciável o arrendamento quando o arrendatário estivesse no local
arrendado há variados anos.
22-Contudo, tal não significa que o legislador não pudesse alterar o tempo de
permanência do arrendatário no locado, como limitação ao exercício do direito de
denúncia pelo senhorio, desde que se preservasse a regra da não denunciabilidade
do contrato de arrendamento.
23-Sendo o relatado o que realmente aconteceu, inexiste, neste ponto, qualquer
vício de inconstitucionalidade.
24-Por outro lado, o referido acórdão apenas se debruçou sobre a
inconstitucionalidade orgânica da norma, o qual considerou que o Governo não
estava credenciado para proceder à alteração do prazo de 20 para 30 anos, de
modo a '...eliminar regras...que se revelaram socialmente imprestáveis,
designadamente, porque subvertiam princípios basilares do ordenamento jurídico
ou tratavam desigualmente os contraentes, sem que para tanto houvesse fundamento
material' (Vide Ac. TC n.o 97/2000).
25- Todavia, substantivamente, a questão foi alterada, isto é, o juízo relativo
à “utilidade social” das regras relativas ao arrendamento, previstas pelo
legislador, sofreram mutações, não só por exigências sociais, como, também,
legais e constitucionais, que adiante desenvolveremos.
26-Deste modo, o prazo limite do exercício do direito de denúncia que deve ser
observado é o actual de 30 anos, mesmo que o contrato seja anterior à vigência
da respectiva lei, contando-se, porém, todo o tempo passado desde a celebração
do contrato de arrendamento (Ac. RL, de 93.03.11, CJ de 1993. I, pág.139).
27 - Ora, até à data ainda não decorreu o prazo de 30 anos, impeditivo do
exercício do direito de denúncia por parte da Recorrente.
28-Logo, é legal e legítimo o exercício do direito de denúncia, nos termos da
alínea b) do n.º l do art. 107 do R.A.U.
29-Em complemento do que já se disse, de expectativas criadas e de direitos
adquiridos, verificamos, também, que:
30 - No caso em apreço temos que, duas normas de direito ordinário a primeira de
1979 (Lei 55/79) contendo a previsão de denúncia pelo senhorio do contrato de
arredamento para habitação desde que o arrendatário se mantenha no locado há
menos de 20 anos, a segunda de 1990 (RAU) com a previsão de 30 anos limites de
tempo estes que consistem num obstáculo ao exercício do direito de denúncia.
31-Acontece que, como em 1990 a senhoria viu o seu direito de denúncia alargado
em mais 10 anos esta adquiriu um direito o qual deve ser relevado no quadro da
sucessão das leis no tempo, em termos de retroactividade e/ou de repristinação
das normas.
32-Pois, não obstante, em 2000 ter sido declarada inconstitucional com força
obrigatória geral a norma que previa 30 anos como limite ao direito de denúncia,
o facto é que, nessa altura já a senhoria tinha adquirido tal direito.
33-Ora, os direitos adquiridos merecem tutela na medida em que a sua violação
ofende de forma intolerável e injustificada, os princípios da segurança e
confiança jurídicas, corolários do princípio do estado de direito democrático, a
que se reporta o art. 2° da C.R.P.
34-Neste sentido, veja-se o parecer da Procuradoria-Geral da República de
10.03.94 (in BMJ, n° 343, pág. 137).
35-Ademais, o facto de estarmos perante uma inconstitucionalidade com força
obrigatória geral, tal não é impeditivo que se respeitem os direitos, já
adquiridos pela senhoria, em especial, porque o tribunal constitucional nem
sequer fixou os efeitos da aplicação do acórdão, talvez porque esbarrou com os
limites absolutos à limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral, por virtude dos princípios fundamentais.
36-Entre eles, está segundo o Prof. Dr. Jorge Miranda, o principio da igualdade,
previsto no art. 13° do C.R.P. (in Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, pp. 5050).
37 –Acrescenta o Autor que, a 'fixação dos efeitos da inconstitucionalidade
destina-se a adequá-los às situações da vida, ... é uma válvula de segurança da
própria finalidade e efectividade do sistema de fiscalização”.
38-Para melhor o explicar remete-nos para a norma do art. 282°, n° 4 do C.R.P.,
cujas razões justificativas da ponderação dos efeitos são a segurança, a
equidade e o interesse público.
39-Donde, no caso sub judice, o acórdão em apreço apenas produziria efeitos para
o futuro, ao invés de repristinar a norma anterior (20 anos) atentatória do
direito de denúncia já adquirido pela senhoria, aquando da alteração do RAU, em
2000.
40-Destarte,esta questão nem se colocaria, conquanto, caso o Tribunal
Constitucional (que declarou a inconstitucionalidade orgânica do diploma) se
pronunciasse quanto à sua matéria, só se verificaria a inconstitucionalidade
superveniente, uma vez que a orgânica só afectaria a constitucionalidade
material, à data em que o acórdão foi proferido, o que, naturalmente, afastaria
a repristinação da anterior norma.
41-Em terceira instância sempre se dirá que aquando da celebração do contrato
(1978) e da vigência da Lei n° 55/79, a verificação do prazo de 20 anos não era
limitativo do direito de denúncia do senhorio, quando ele o pretendesse exercer
com base na necessidade do Prédio para habitação dos filhos, associado à
necessidade do seu agregado familiar.
42-Donde sendo o contrato dos Recorrente e Recorrido de 1978, tem-se que não há
sequer limite ao direito de denúncia da senhoria, dada a necessidade que lhe
está subjacente.
43-Em suma, o acórdão com força obrigatória geral não pode estar a querer
repristinar uma norma da Lei n° 55/79 (quanto aos 20 anos) e depois não aplicar
a norma para a qual aquela remete a sua aplicação (art. 1096 do C.C., já
revogado pelo RAU), referente à necessidade do locado para habitação.
44-Assim, teríamos a imposição do limite do direito de denúncia de 20 anos, sem
a respectiva motivação, ou seja, repete-se, a necessidade do locado para
habitação.
45-Pois, é materialmente impossível a repristinação da Lei n° 55/79, sem a
correspondente repristinação do art. 1096º do C.C., situação que não foi
atendida em momento anterior pelo Tribunal Constitucional, verificando-se apenas
em relação à primeira e não à segunda das circunstâncias, assim se misturando
leis antigas com actuais, em desrespeito das expectativas criadas e dos direitos
adquiridos pelos senhorios.
46-Um outro fundamento resulta do próprio regime da locação, que, no seu artigo
1025° do C.C., vem prescrever que 'a locação não pode celebrar-se por mais de 30
anos, quando estipulada por período superior, ou como contrato perpétuo,
considera-se reduzido àquele limite',
47-Não podendo o RAU contrariar esse preceito, limitando a denúncia do senhorio
quando o arrendatário se mantiver (no local arrendado há mais de 30) (20
conforme interpretação) ou mais anos nessa qualidade.
48- Tanto assim é que, actualmente, ultrapassada a questão de
inconstitucionalidade orgânica, ainda vigoram os 30 anos, como limite ao direito
da denúncia.
49-O que só demostra que a lei quis visivelmente, fixar um limite para o
arrendamento, de molde a não pôr em causa um direito real maior, em função de um
direito real menor.
50- Tal período de duração máxima de locação pretende sim evitar que os direitos
do contrato se feudalizem ou institualizem, conforme refere o Prof. Dr. Pinto
Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano, Almedina, pp. 771 a 789.
51-Já que, diz o Autor, a 'prorrogação forçada constituiria uma expropriação
indirecta e celerada do senhorio', daí a existência dos limites de duração.
Neste sentido v. ac. Relação do Porto de 11.12.1984.
52-Todavia, mais importante que tudo o resto e real motivação do presente
recurso, é o facto de a Recorrente ter mais de 65 anos de idade, não sendo justo
obstar à denúncia do contrato com vista à habitação da mesma, quando na alínea
a) do n.º 1 do art.107º do R.A.U. tal limite de idade é fulcral para tutelar a
posição do arrendatário.
53-Também o RAU possibilita a denúncia do contrato por senhorio emigrante que
regresse ao seu pais e careça do locado para viver, não o possibilitando a quem
não tenha saído do país para trabalhar e que careça, igualmente, de habitação,
em total desrespeito pelo principio da igualdade!?...
54-Pois, não tutelar a posição da Recorrente seria contrário ao principio da
igualdade, constitucionalmente tutelado no art. 13 da C.R.P.
55-Para se respeitar o principio da igualdade, deve-se dar tratamento
diferenciado a situações desiguais e igual tratamento a situações materialmente
idênticas.
56-Contudo, ambas as partes, Recorrente e Recorrido, encontram-se na mesma
situação, pois ambos necessitam do locado para habitação, face ao direito à
habitação consagrado no n.º 1 do art. 65º da nossa Constituição.
57 - Mais, existem outros preceitos constitucionais ajustados à situação da
Recorrente, como o sejam, a necessidade de uma especial protecção à terceira
idade (art. 72º da C.R.P.), bem como a salvaguarda das posições jurídicas de
quem está em situação especial de desamparo (art. 71º da C.R.P)
58- Pelo que não se entendem, então, as razões dos tribunais recorridos quando
optam por tutelar a posição do Recorrido, que embora necessite da fracção para
habitação, tal como a Recorrente, é titular de um direito real menor - o direito
de arredamento - ao passo que a Recorrente é titular de um direito real maior, o
qual, de certo, é merecedor de maior tutela (vide art. 62° da C.R.P. e art.
1305° e ss. do Código Civil).
59-Neste sentido, se o arrendatário é protegido face à idade avançada que tem,
também a senhoria, ora Recorrente, deve ser acautelada, uma vez que o fundamento
de denúncia do referido contrato se baseia na necessidade da fracção arrendada
para habitação própria, que é, aliás, uma necessidade real, séria, actual e
imprescindível.
60-Tal necessidade tem carácter urgente, pois, a Recorrente não tem outro local
onde viver, dadas as dificuldades económicas em que se encontra.
61-Conquanto esta tem sido uma questão larga e intensamente discutida pela nossa
doutrina e Tribunais, nomeadamente, os de recurso, juntam-se, para os devidos
efeitos, dois dos acórdãos que apontam nos vários sentidos pugnados pela
Recorrida.- V. Doc’s 1 e 2.
Em conclusão:
1.Da decisão sumária ser redutora e não ter aplicado ao caso sub judice a
argumentação que ele carecia, não o apreciando, na sua totalidade, apreciando-o
tão só por referência a um acórdão, que apenas versa uma ínfima parte e, por sua
vez, redutora da decisão de que se recorre.
2. A Recorrente necessita do local arrendado para habitação própria;
3. Tem, por isso, direito a denunciar o contrato;
4.Sendo que tal direito não lhe é limitado, uma vez que o arrendatário não o
habita há mais de 30 anos;
5.É aplicável, no caso concreto, o prazo de 30 anos, por um lado, por este não
ter sido considerado materialmente inconstitucional;
6.Preservada a regra da não denunciabilidade do contrato, quando o arrendatário
viva no locado há vários anos, nada obsta a que fosse alterado o limite
temporal.
7. Pelo que, inexiste, neste ponto, qualquer vício de inconstitucionalidade.
8.Por outro lado, no que respeita ao seu conteúdo, diploma apreciado só seria
inconstitucional supervenientemente, à data em que o acórdão foi proferido,
afastando-se, assim, o efeito repristinatório.
9.Mesmo que assim não fosse, a haver repristinação, tal implicaria também o
renascimento do art. 1096° do C.C., preceito este que tutela a posição do
senhorio que necessite do locado para habitação.
10.Não foi, deste modo, repristinado o diploma anterior que consagrava o prazo
de 20 anos.
11.Mais, a Recorrente é titular de um direito real maior, o direito de
propriedade, já o Recorrido enquanto arrendatário, é titular de um direito real
menor .
12.Também a tutela do direito adquirido à denúncia do contrato da Recorrente ao
abrigo da lei que prevê o prazo dos 30 anos decorre do principio da confiança
jurídica, enquanto corolário do estado de direito democrático do art. 2º da CRP.
13.Não tendo o Tribunal Constitucional fixado os efeitos da
inconstitucionalidade, ele apenas pode valer para o futuro, pois só assim se
tutela a segurança jurídica, a equidade e o interesse público.
14.Por outro lado, não podendo a locação ser celebrada por um período superior a
30 anos, também não faz sentido vedar ao proprietário pôr fim ao contrato quando
este vigore há 20 ou 30 anos, conforme o entendimento.
15.Ainda que seja outro o entendimento, o direito da Recorrente é
constitucionalmente tutelado, nomeadamente face aos seguintes preceitos:
Art. 62 ºe 65º, n.º 1 - Direito à habitação e à propriedade;
Art. 71º - Princípio da salvaguarda das posições jurídicas de quem está em
situação especial de desamparo;
Art. 72º - Princípio da protecção da terceira idade, dado a Recorrente ter mais
de 65 anos de idade, também tutelado no R.A.U. face ao arrendatário;
Art. 13º - Princípio da igualdade, por ambas as partes se encontrarem em
situações materialmente idênticas.
Nestes termos e nos melhores de direito, sendo a necessidade da casa, por parte
de Recorrente, real, séria, actual e imprescindível, pede-se o provimento da
presente reclamação para a conferência, com vista à apreciação em plenário da
inconstitucionalidade da norma da al. b), do n.º1, do art. 107º do RAU
(Decreto-Lei n° 321-B/1990), com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º
329/B/2000, de 22 de Dezembro, bem como da declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral da mesma norma, na parte que alargou o prazo de 20
para 30 anos ou período mais curto previsto em lei anterior e decorrido na
vigência desta, por repristinação do art.. 2°da Lei n° 55/79, de 15 de Setembro
(AC. TC 97/2000), atenta a violação do disposto no n° 4, do art. 282° da C.R.P.,
já que essa norma viola, conjugadamente, o disposto no art. 2°, no n.º1 do
art. 62º e no n.º 1 do art. 65º todos da Constituição da República Portuguesa
(C.R.P.), bem como os princípios constitucionais nela consagrados nos seus art.
13°, 71° e 72°, com vista à revogação da decisão recorrida.
Mantém, portanto, a recorrente a opinião de que a norma constante da alínea b)
do n.º1 do artigo 107º do RAU (Decreto-Lei n° 321-B/1990) é inconstitucional por
violar, 'conjugadamente, o disposto no artigo 2° no n.º1 do artigo 62º e no n.º
1 do artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios
constitucionais nela consagrados nos seus artigos 13°, 71° e 72°'.
Mas não só.
No seu entendimento, também 'a declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral da mesma norma, na parte que alargou o prazo de 20 para 30
anos ou período mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência
desta, por repristinação do artigo 2° da Lei n° 55/79, de 15 de Setembro (AC. TC
97/2000)' é inconstitucional por 'violação do disposto no n° 4 do artigo 282° da
C.R.P.'.
É, no entanto, oportuno relembrar que o presente recurso tem como objecto,
apenas, norma jurídica aplicada na decisão recorrida apesar de ter sido invocada
a sua inconstitucionalidade, não sendo possível, no âmbito do recurso, sindicar
a decisão recorrida enquanto tal. Ora, uma vez que na decisão ora reclamada se
explicou já que o Tribunal mantém o julgamento de não inconstitucionalidade que
fez designadamente no seu acórdão n. 550/2003 (publicado no DR, II série, de 18
de Fevereiro de 2004), nada mais caberá aqui dizer.
Nestes termos se decide indeferir a reclamação, mantendo o julgamento de
improcedência do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 27 de Abril de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos