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Proc. nº 105/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A., no processo em que é arguido e à ordem do qual se encontrava detido preventivamente, interpôs recurso, em 30 de Setembro de 1996, do despacho de 30 de Julho de 1996 do Juiz da 5ª Vara Criminal de Lisboa que 'reformulou' o anterior despacho que designara a data da audiência de julgamento.
Por despacho de 7 de Outubro de 1996, o Juiz não admitiu o recurso, por intempestividade do mesmo.
Após reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que incidiu sobre este último despacho, o recurso veio a ser admitido.
2. O juiz da 5ª Vara Criminal de Lisboa sustentou o despacho recorrido, após o que foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Aí, o Ministério Público levantou três questões prévias, obstativas ao conhecimento do recurso - a da sua inutilidade, a da sua intempestividade e a da irrecorribilidade do despacho recorrido.
Por acórdão de 28 de Janeiro de 1997, a Relação de Lisboa, analisando a referida questão prévia da intempestividade do recurso, julgou a mesma procedente, não admitindo o recurso por ter sido interposto fora de prazo.
Considerou-se nessa decisão:
O despacho recorrido foi proferido em 30 de Julho de 1996 (cf. certidão a fls. 23 vº e 24), e foi notificado pessoalmente ao arguido e recorrente no dia 6 de Agosto de 1996, no Estabelecimento Prisional de Caxias, e ao seu mandatário por carta registada expedida em 1 de Agosto do mesmo ano (cf. certidão a fls. 45). Assim, nos termos do nº 3 do art. 1º do Decreto-Lei nº
121/76, de 11 de Fevereiro, aplicável a todos os processos, qualquer que seja a sua natureza ou espécie, por força do respectivo artº 2º, o mandatário do arguido presume-se notificado no dia 5 de Agosto de 1996, primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao do registo, pois os dias 3 e 4 do referido mês e ano foram, respectivamente, sábado e domingo.
Quer o despacho recorrido foi proferido, quer as notificações ao arguido e seu mandatário ocorreram durante as férias judiciais - art. 10º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro [Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais
(L.O.T.J)]. Porém, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 104º, nº 2 e
103º, nº 2, alínea a), ambos do CPP, correm em férias os prazos relativos a processos de arguidos detidos ou presos.
Nos termos do art. 411º, nº 1, do CPP, 'o prazo para interposição do recurso é de dez dias e conta-se a partir da notificação da decisão...'.
Tendo o arguido sido notificado em 6 de Agosto de 1996, um dia após o seu mandatário, é a partir daquela data que se conta o prazo de dez dias para a interposição do recurso.
Portanto, este deveria ter sido interposto até ao dia 21 de Agosto de 1996, [...]
O recorrente, porém, só apresentou o requerimento de interposição do recurso na secretaria do tribunal no dia 30 de Setembro de 1996
[...]
Mas mesmo que assim se não entendesse, isto é, que o prazo para a interposição do recurso se suspendesse durante as férias judiciais, tendo o recorrente sido notificado durante estas, e terminando as mesmas a 14 de Setembro (cf. art. 10º da L.O.T.J., atrás citado), a contagem do prazo iniciar-se-ia no dia 16 do referido mês, inclusive, pois o dia 15, no ano de
1996, foi domingo, e, deste modo, o recurso deveria ter sido interposto até ao dia 27 de Setembro, visto que os dias 21 e 22 foram, respectivamente, sábado e domingo, dias durante os quais se suspendem os prazos judiciais (cf. arts. 104º, nº 1, do CPP e 144º, nº 3, do CPC, com a redacção conferida pelo Dec.-Lei nº
381-A/85).
Efectivamente, são os prazos para a prática de actos processuais que se suspendem durante as férias, sábados, domingos e dias feriados, como resulta das disposições legais acima citadas, e não a data da notificação já efectuada, como parece pretender o recorrente, pois este acto processual da notificação, sendo relativo a um arguido preso, como estava o recorrente, pratica-se mesmo durante o período de férias judiciais, como decorre do nº 2, alínea a) e 1 do art. 103º do CPP.
3. Desta decisão veio o recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação da questão de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 104º, nº 2 do Código de Processo Penal, quando interpretada 'no sentido de que decorre em férias o prazo para recorrer de uma decisão lavrada em processo de arguido preso', por violação do artigo 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Admitido o recurso, e distribuídos os autos neste Tribunal, pelo relator do processo foi elaborada exposição prévia com o seguinte teor:
Da decisão recorrida decorre que, ainda que se viesse a julgar inconstitucional a norma do artigo 104º, nº 2, do CPP, com a interpretação questionada pelo recorrente, sempre o Tribunal da Relação não conheceria, por intempestivo, o recurso para ele interposto. Com efeito, naquela decisão se assinala que , então, o prazo teria terminado em 27 de Setembro - e já não em 21 de Agosto -, sendo certo que o requerimento de interposição do recurso deu entrada apenas em 30 de Setembro.
Assim sendo, o presente recurso de constitucionalidade afigura-se totalmente inútil, porquanto, qualquer que viesse a ser o seu destino, sempre se manteria o teor da decisão recorrida.
4. Notificado nos termos do artigo 78º-A da LTC,o recorrente veio a apresentar resposta, na qual concluiu que
10º
mesmo que se entenda que a notificação foi correctamente efectuada em férias e que o prazo do artº 411º nº 1 do CPP começou a correr no dia 16/9/96 e terminou no dia 27/9/96, o acto é válido desde que seja paga a multa a que alude o artº 145º nº 5 do CPP.
11º
Dando entrada um requerimento no 1º, 2º ou 3º dia útil após o prazo, sem ter sido efectuado o pagamento imediato da multa a que alude o artº
145º nº 5 do CPP,
12º
O acto não é inválido, TENDO A SECRETARIA, 'independentemente de despacho', o dever legal de notificar o requerente para pagar a multa a que se refere o artº 145º nº 6 do CPC, e só no caso de não ser paga a multa é julgado intempestivo o requerimento.
13º
No caso concreto a secretaria não notificou o requerente, ou seja, não cumpriu a lei, o disposto no artº 145º nº 6 do CPC, pelo que o Tribunal 'ad quem', in casu, o Tribunal da Relação de Lisboa, devia ordenar a baixa dos autos, não conhecendo do recurso, para cumprimento do artº 145º nº 6 do CPP, no tribunal 'a quo'.
Por sua vez, o Ministério Público, na sua resposta, veio manifestar inteira concordância com a exposição do Relator,
«cujos fundamentos não são abalados pela resposta do recorrente, que se limita a abordar questões de interpretação do direito infraconstitucional, estranhos ao objecto do presente recurso de constitucionalidade».
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Como salienta o relator na sua exposição, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu, na decisão recorrida, que o prazo para a interposição do recurso pretendido, mesmo que a sua contagem se iniciasse apenas após o decurso das férias judiciais, teria terminado a 27 de Setembro, pelo que o recurso seria sempre extemporâneo, já que o respectivo requerimento de interposição apenas deu entrada em 30 de Setembro.
Na sua resposta àquela exposição, veio o recorrente suscitar a questão da aplicação do disposto no artigo 145º, nº 6, do CPC aos autos, já que, caso se viesse a concluir que o aludido prazo teria terminado a 27 de Setembro, sempre lhe assistiria a faculdade de o praticar no
1º, 2º ou 3º dia útil após essa data, o que coincidiria com o dia 30 de Setembro.
Não tendo a secretaria efectuado a notificação para a liquidação da multa, entende o recorrente que tal deverá ser feito, caso o presente recurso venha a ser considerado procedente, em sede de reforma da sentença recorrida, e posterior baixa do processo para cumprimento daquela disposição legal.
Todavia, e desde logo, sendo tal matéria atinente à eventual aplicação de normas de direito ordinário, infraconstitucional, a ocorrer no âmbito da pendência do processo nos tribunais judiciais, não é ela susceptível de conhecimento por este Tribunal.
De todo o modo, sempre se dirá que a ausência da notificação a que se refere o nº 6 do artigo 145º se traduz na omissão de um acto prescrito por lei, daí decorrendo uma nulidade processual. Ora, assim sendo, o Tribunal da Relação de Lisboa, só poderia tomar conhecimento dessa nulidade sob reclamação do interessado, o que se não verificou (neste sentido, cf. Acórdãos nº 29/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., págs. 455, e nº 603/94, Diário da República, II Série, nº 2, de 3 de Janeiro de 1995).
Ora, nem o próprio recorrente requereu que lhe fossem passadas as respectivas guias para pagamento da multa a que alude aquele artigo 145º, nºs 5 e 6 do CPC, como tinha o ónus de fazer (cfr. Acórdão nº 1086/96, inédito), nem suscitou, em momento algum, perante o tribunal a quo, qualquer nulidade.
Nesta conformidade, não se verifica qualquer razão ou fundamento para alterar o entendimento expresso na exposição do relator.
III - DECISÃO
7. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 9 de Abril de 1997 Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa