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Processo nº 1018/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrida B., foi interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Em 23 de Fevereiro de 2007, após resposta a convite formulado ao abrigo do
disposto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC, foi proferida decisão sumária (artigo
78º-A, nºs 1 e 2, da LTC), pela qual se decidiu não tomar conhecimento do
objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«1. Para além do mais, estabelece o nº 1 do artigo 75º-A da LTC que o recurso
para o Tribunal Constitucional – designadamente, o previsto na alínea b) do nº 1
do artigo 70º da mesma Lei, que o recorrente agora indica, com precisão, ser
aquele que pretendeu interpor – se interpõe por meio de requerimento no qual se
indique a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
Quanto a este requisito, verifica-se que o recorrente formulou três normas
alternativas, todas reportadas ao conteúdo do artigo 690º do Código de Processo
Civil, no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal (supra,
ponto 1. do Relatório), mantendo parcialmente a mesma formulação alternativa,
quando respondeu ao convite previsto nº 6 do artigo 75.º-A da LTC (supra, ponto
2. do Relatório).
Ao apresentar duas normas em alternativa – a norma constante do art. 690º n.º 4
do Código do Processo Civil, na parte em que comina com a sanção de “ …não se
conhecer do objecto do recurso na parte afectada...” ou a norma tirada daqueles
citados nº 1 e 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil que determina que a
falta de concisão das conclusões de Recurso apresentado implica a rejeição
imediata do Recurso, sem que previamente seja feito convite ao Recorrente para
suprir tal alegada deficiência, ou seja, corrigir ou sanar esse especifico
vicio, sintetizando as conclusões apresentadas) – o recorrente não satisfez o
requisito de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada,
transferindo para o Tribunal um ónus que apenas sobre si impende – o de definir
o objecto do recurso no respectivo requerimento de interposição –, com a
consequência de não se poder conhecer do objecto do recurso interposto (nº 2 do
artigo 78º-A da LTC).
2. O recorrente afirma, ainda, pretender que o Tribunal aprecie a
inconstitucionalidade da:
“norma interpretativa (…) tirada do disposto nos n.ºs 1 e 4 do 690º do C.P.Civil
(…) no sentido de que, convidado o Recorrente para apresentar conclusões, uma
vez apresentadas estas e consideradas uma reprodução das respectivas alegações,
seja rejeitado o conhecimento do Recurso, sem dar previamente oportunidade ao
Recorrente, ou convidar o mesmo, para corrigir tal deficiência, sintetizando-as
e, ou, esclarece-las.”
Na peça processual que indicou, nos termos impostos pela parte final do nº 2 do
artigo 75º-A da LTC, como aquela em que suscitou a questão da
inconstitucionalidade (fls. 433 e segs.), pode ler-se o seguinte:
«(…) a norma tirada do disposto no artigo 690º nº 4 do C.P. Civil, quando lhe é
dado o sentido que não se conhece do Recurso interposto, pelo facto de as
respectivas conclusões apresentadas serem demasiado “extensas” ou parecerem uma
“reprodução” das alegações que as comportam, sem que antes seja dada a faculdade
ao Recorrente de corrigir ou fazer sanar esse específico vício, ou seja de
“completar, corrigir ou sintetizar”, as conclusões entretanto apresentadas –
porque antes faltavam em absoluto – é inconstitucional, por violação, entre
outros, do princípio Constitucional do Direito ao Recurso, bem como até do
próprio e já supra citado Principio da “Proibição da indefesa”, do Acesso ao
Direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos arts. 2º, 20º 202º e
205º da Constituição da Republica Portuguesa».
Independentemente da questão de saber se o recorrente chegou a enunciar uma
norma, quer numa quer noutra formulação – ou seja, se chegou a enunciar uma
“interpretação normativa” dotada de “vocação de generalidade e abstracção”
(Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, nº 3, p. 7) – verifica-se que,
de todo o modo, não há coincidência entre uma e outra formulação.
Com efeito, quando questionou a constitucionalidade da “norma” em causa, o
recorrente não fez constar do enunciado a existência de um convite prévio para
formular as conclusões, só o tendo feito agora no requerimento de interposição
de recurso. Ou seja, durante o processo, não foi suscitada a questão de
inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de recurso, o
que obsta ao conhecimento do objecto do mesmo, por não se poder dar como
verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada de tal questão
(artigos 70º, nº 1, alínea b), 72º, nº 2, e 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. O recorrente vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no
nº 3 do artigo 78º-A da LTC:
«24º
Fundamenta a presente Reclamação, desde logo, no teor do seu requerimento de
interposição de Recurso para este Alto Tribunal, bem como no teor do seu
requerimento de aperfeiçoamento desse mesmo anterior requerimento de
interposição de Recurso, os quais se encontram a fls. – e – dos autos e que por
isso, por brevidade e economia processual, aqui se devem ter por integralmente
reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.
25º
Aqui se assinalando, como pertinente e, no muito modesto entender do Recorrente,
a norma cuja inconstitucionalidade, em primeira linha, se pretende ver declarada
é a norma constante do art. 690º n.º 4 do Código do Processo Civil, na parte em
que comina com a sanção de “... não se conhecer do objecto do recurso na parte
afectada...” – o que no caso foi entendido ser a totalidade do recurso...!!! -,
Ou ao menos,
26º
Da norma tirada pelo Supremo Tribunal de Justiça, quando interpretada no sentido
de a falta de concisão das conclusões de Recurso apresentado, implicar a
rejeição imediata do Recurso, sem que previamente seja feito convite ao
Recorrente para suprir tal alegada deficiência – corrigir ou sanar esse
especifico vicio, ou seja, “completar, corrigir ou sintetizar” as conclusões
apresentadas -.
27º
Norma essa, em que se estribou o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
para rejeitar o Recurso apresentado, com base na “extensão” ou “falta de
concisão” das respectivas conclusões de Recurso.
28º
A norma ou melhor dito, o “complexo normativo” assim criado pelo Supremo
Tribunal de Justiça, viola os Princípios Constitucionais do “Direito ao
Recurso”, bem como até do próprio Principio da “Proibição da indefesa”, do
“Acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva”, consagrados nos arts. 2º,
20º, 202º e 205º da Constituição da Republica Portuguesa.
29º
Ali invocou a violação dos respectivos preceitos Constitucionais, no que tange à
concreta questão de inconstitucionalidade substancial e designadamente, o
Principio do “Direito ao Recurso”, o Principio da “Proibição da Indefesa”, o
Principio do Acesso à Justiça e à tutela Jurisdicional Efectiva - consagrados
nos arts. 2º, 20º da Constituição.
Acresce que,
30º
Suscitou igualmente o Recorrente a inconstitucionalidade da norma
interpretativa, que vem sendo generalizada nas instâncias, retirada do disposto
nos nºs 1 e 4 do 69º do C.P.Civil e exarada no douto Acórdão, no sentido de que,
convidado o Recorrente para apresentar conclusões, uma vez apresentadas estas e
consideradas uma reprodução das respectivas alegações, logo seja rejeitado o
conhecimento do Recurso, sem dar previamente oportunidade ao Recorrente, ou
convidar o mesmo, para corrigir tal deficiência, sintetizando-as e, ou,
esclarece-las.
31º
Tudo isso também à margem do que dispõe o nº 4 do artigo 690º C.P.C., que dá
corpo aos princípios constitucionais do “Direito ao Recurso”, bem como até do
próprio Principio da “Proibição da indefesa”, do “Acesso ao Direito e à tutela
jurisdicional efectiva”, consagrados nos arts. 2º, 20º, 202º e 205º da
Constituição da Republica Portuguesa.
POR OUTRO LADO,
32º
Não fez o Recorrente constar do enunciado o “convite prévio” à apresentação de
conclusões, pois não se coloca em causa o referido e obedecido convite à
apresentação/formulação das mesmas.
33º
O que o Recorrente pede para ser apreciado é a rejeição, sem mais do Recurso,
mesmo após esse convite prévio, e em consequência directa de ser ter
considerado, sem que sobre tal matéria tivesse sido ouvido o recorrente –
conforme expressamente invocou e alegou na reclamação dirigida para a Secção do
Supremo Tribunal de Justiça, e que supra se transcreveu – que as conclusões eram
demasiado “extensas”, repete-se, sem que lhe seja dada a oportunidade de
sintetiza-las e, ou, resumi-las….assim colocando em causa o direito,
constitucionalmente consagrado, ao Recurso.
Ora,
34º
Como parece ser entendimento esclarecido e maioritário, “aos tribunais – aqui se
incluindo o Tribunal Constitucional – compete não somente a verificação dos
pressupostos de aplicação da norma, ou do respectivo sentido normativo, mas
também a correcção da interpretação da norma e a observância do principio da
proporcionalidade nessa aplicação, expressa não apenas no respeito do fim da
norma mas também na correcção da adequação do meio ao resultado, ou seja, do
“iter” lógico seguido... na valoração da situação concreta e da correcção
interna dos raciocínios lógico discursivos que presidiram à sua aplicação ao
caso” – in Ac. Nº 233/94 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.272, pág.
595)-
35º
Cumprindo ainda assinalar que, quando é essencial à resolução da questão de
constitucionalidade, o tribunal não pode deixar de conhecer de certos aspectos
do direito infraconstitucional.
Designadamente,
36º
“…não pode deixar de verificar a justeza das qualificações feitas pelo tribunal
recorrido, quando tal for indispensável para resolução da questão de
constitucionalidade, ou, talvez melhor dizendo, quando a questão de
constitucionalidade coincidir, em maior ou menor dimensão com a questão da
qualificação feita à luz do direito ordinário” – Ac. TC nº 279/2000 de
16/05/2000 – in BMJ, ano 2000, nº 497, pág. 83.
37º
Assim, e tendo em conta que a Constituição da República especificamente comete
ao Tribunal Constitucional a função de administrar a justiça em matérias de
natureza jurídico-constitucional,
38º
Em nosso entendimento, sempre salvo o devido e merecido respeito, este Alto
Tribunal deverá pronunciar-se sobre a supra aludida questão normativa, que se
vem generalizando nos nossos tribunais superiores, e que padece do vício de
inconstitucionalidade que se lhe assinalou.
39º
Daí que, e ainda salvo o devido e merecido respeito, defende o infeliz
recorrente que, mau grado alguma menor clareza na invocação da questão da
inconstitucionalidade apresentada nos autos, cumpriu atempadamente os
pressupostos bastantes e suficientes à interposição do Recurso - ao qual tem
inalienável direito - para este Alto Tribunal - arts. 70º n.º 1 al. b) e g), 72º
n.º 2 e 75º da Lei n. 28/82 de 15 de Novembro na sua actual redacção.
40º
Tal como defende o recorrente que este Tribunal, conhecendo do objecto do
recurso e permitindo que o recorrente melhor explane a sua posição e respectiva
tese, a propósito da questão da Inconstitucionalidade colocada, no âmbito das
pertinentes alegações de recurso, melhor contribuirá para a plenitude do
respeito pelos direitos e garantias dos cidadãos e para o acesso dos mesmos à
“tutela jurisdicional efectiva” que a consagração do direito de recurso alargado
ao conhecimento da matéria de facto em 2º grau de jurisdição lhes confere.
41º
Por tudo isto, e atendendo ainda ao já supra mencionado principio do direito á
“Fiscalização da Constitucionalidade”, consagrado nos artºs 2 e 277º da
Constituição, deve a douta decisão sumária, aqui reclamada, ser reformada e, ou,
alterada por forma a que seja determinado o conhecimento do objecto do Recurso e
o normal prosseguimento dos autos, neste Tribunal Constitucional, nos termos da
aplicação conjugada de todas as supra citadas normas legais e ainda do disposto
no art. 76º, 77º e 78 da dita Lei nº 28/82 de 15 de Novembro».
4. Notificada desta reclamação, a recorrida não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária que é objecto da presente reclamação assenta em dois
fundamentos: por um lado, o recorrente não satisfez o requisito da indicação da
norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, na medida em que
requereu a apreciação de duas normas alternativas; por outro lado, no que se
refere à norma indicada em terceiro lugar, não suscitou, durante o processo, a
questão de inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de
recurso.
1. No que se refere ao primeiro fundamento, o reclamante limita-se a reiterar a
formulação, em alternativa, da norma cuja inconstitucionalidade pretendia
apreciada – “a norma constante do art. 690º n.º 4 do Código do Processo Civil
(…)”; “Ou ao menos”, a “norma tirada pelo Supremo Tribunal de Justiça (…)”. Ou
seja, não questiona o entendimento no sentido de que, com uma tal formulação, o
recorrente não cumpre um dos ónus que o nº 1 do artigo 75º-A da LTC lhe reserva:
indicar, no requerimento de interposição de recurso, a norma cuja
inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie. Cumprimento que não
representa simples observância do dever de colaboração das partes com o
Tribunal, mas que constitui, antes, o preenchimento de um requisito formal
essencial ao conhecimento do objecto do recurso (cf., Acórdão nº 200/97,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), já que, se por um lado, é o
requerimento de interposição que define este objecto, por outro, só essa
definição permite ao Tribunal a verificação dos pressupostos do recurso
interposto, nomeadamente o da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade e o da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio
decidendi, da norma questionada.
2. Relativamente ao segundo fundamento da decisão sumária, o reclamante admite
que não fez constar do enunciado da “norma” questionada durante o processo a
existência de um convite prévio para formular conclusões, elemento que depois
incluiu na “norma” formulada no requerimento de interposição de recurso. Ou
seja, acaba por reconhecer que a questão de constitucionalidade suscitada
durante o processo não coincide com a que depois formulou nesta peça processual,
uma vez que não se pode aceitar a argumentação no sentido de que não se coloca
em causa o convite à apresentação/formulação das conclusões.
Com efeito, para além de o recorrente ter incluído o elemento em causa na
“norma” cuja apreciação requereu a este Tribunal, não pode deixar de se
assinalar que a existência de um convite prévio para apresentação de conclusões
integrou, como elemento essencial, o critério normativo que se extrai da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça:
«(…) o recorrente alegou mas não concluiu.
Perante esta deficiência no trânsito processual foi alertado para a necessidade
de corrigi-la.
E a sua falha e o subsequente aviso, deveria tê-lo alertado para a necessidade
de repor, com rigor e precisão, o caminho processual adequado.
Para a necessidade não só de apresentar conclusões, mas de as apresentar com o
estrito desenho legal (…).
Que pretende agora o recorrente?
Que o relator, que colaborou com o recorrente – e com a lei, já se vê –
convidando-o a apresentar as alegações em falta, reabra um novo processo
colaborativo repetindo o convite para apresentar conclusões (…).
O poder de direcção do processo, do art.265º, nº2 do CPCivil, trazido agora à
colação pelo recorrente, não pode ser a subversão completa do princípio
dispositivo em processo civil, levando o juiz até à exaustão à procura da
colaboração que uma das partes não dá, em prejuízo de um princípio de igualdade
que é imperioso respeitar (…).
A tutela jurisdicional ou o acesso ao direito ou a não defesa de cuja falta o
recorrente se queixa, a si mesmo e ao seu comportamento processual se fica a
dever – ela foi assegurada nos autos até ao ponto em que o ora recorrente, ao
não colaborar consigo próprio, a deitou a perder».
Como o reclamante não contrariou o sustentado na decisão sumária, demonstrando,
por um lado, que observou o ónus da indicação da norma cuja apreciação pretendia
do ponto de vista jurídico-constitucional (artigo 75º-A, nº 1, da LTC) e, por
outro, que suscitou, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade
formulada no requerimento de interposição de recurso (artigo 70º, nº 1, alínea
b), da LTC), resta concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 8 de Maio de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão