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Processo n.º 171/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O Município de A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
art. 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, de não
conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo, de 7 de Outubro de 2004, completado pelo acórdão do
mesmo Supremo, de 7 de Dezembro de 2004, que indeferiu o pedido da sua
aclaração.
2 – Como fundamento da sua reclamação, o reclamante desenvolve o
seguinte e longo discurso argumentativo:
«I - Considerações Preliminares
Não poderemos deixar de iniciar a presente reclamação com o sentimento de que o
recurso de fiscalização concreta acaba por ser um meio jurisdicional tão
restrito e – a adjectivação consiste num critério e naturalmente não é nossa -
insólito que acaba por levar a que os destinatários se vejam confrontados com um
sentimento de descrença na justiça constitucional.
Iremos ao longo da presente reclamação verificar que a não admissão do presente
recurso acaba por votar a recorrente a uma situação de desprotecção, que cremos
intolerável, perante uma questão de direito com a qual não poderia contar.
A insólita questão emergente do presente processo prende-se com a circunstância
do Supremo Tribunal Administrativo ter decidido dar provimento à argumentação
expendida quanto à ratio decidendi fixada pelo Tribunal Administrativo de 1ª
Instância que indeferiu a excepção de extemporaneidade do recurso contencioso.
Ou seja, face à decisão de indeferimento da sobredita excepção devido a uma
errónea aplicação do artigo 254º do CPC, veio o Supremo Tribunal Administrativo
julgar que assistia razão à recorrente.
Todavia, considerou expressamente o Supremo Tribunal Administrativo que a
questão deveria ser discutida sob um ângulo que não chegou a ser encarado pelo
Tribunal ad quo, tendo vindo a julgar improcedente a referida excepção mediante
o recurso a diversas normas legais e a outros elementos interpretativos que
serviram para decidir que a notificação ao mandatário não vale como notificação
do destinatário para os efeitos dos artigos 28º e 29º da LPTA.
Ora, é efectivamente a mobilização de diversas normas legais e princípios gerais
de direito administrativo que serviram para interpretar a aplicação dos artigos
28º e 29º da LPTA - interpretação essa que não foi suscitada por qualquer parte
processual, nem considerada pelo Juiz de 1ª instancia - que a recorrente reputa
de inconstitucional e que configura uma verdadeira decisão surpresa, pois não
poderia ter previsivelmente contado com a convocação deste novo prius
argumentativo quando elaborou as suas alegações de recurso jurisdicional.
Isto porque, salvo o devido respeito, o Supremo Tribunal Administrativo não se
limitou a julgar que a interpretação dos artigos 28º e 29º da LPTA - que
estabelecem o prazo de interposição de recurso contencioso - deveria ser
realizada com base no regime próprio de notificação dos actos administrativos
constante do Código do Procedimento Administrativo como refere o Digníssimo
Relator.
Como veremos foram mobilizadas normas legais e princípios gerais que não se
reportam ao regime da notificação dos actos administrativos constante do Código
do Procedimento Administrativo.
Por outro lado, ao contrário do foi considerado pelo Digníssimo Relator do
processo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo não
corresponde exactamente à tese defendida pela recorrente contenciosa perante o
Tribunal de 1ª Instância.
São assim estes os motivos, que passaremos a evidenciar, que nos levam a
considerar que estarmos perante um caso em que não se impõe o ónus de suscitar a
questão de inconstitucionalidade durante o processo, na medida em que a
recorrente constitucional não poderia, mediante um prévio juízo de prognose,
contar com a interpretação dos artigos 28º e 29º da LPTA que reputa de
inconstitucional.
II - Da sentença de 1ª Instância
Preliminarmente teremos de referir que a recorrente constitucional interpôs
recurso jurisdicional do despacho que julgou improcedente a questão prévia da
extemporaneidade do recurso contencioso com fundamento numa errónea
interpretação da presunção legal de notificação do mandatário contida no artigo
254º, nº 2 do CPC, tendo defendido que a correcta interpretação deste normativo
legal determinava a prova de que o mesmo foi notificado em 31/01/2001, logo o
recurso contencioso deveria ter sido julgado intempestivo à luz dos artigos 28º
e 29º da LPTA. Mal escrito.
Esta era a ratio decidendi fixada pelo Tribunal de 1ª instância sobre esta
questão e não qualquer outra que se prendia com a aplicação do regime de
notificação dos actos administrativos contido no Código do procedimento
Administrativo.
Assim, segundo as regras processuais inerentes aos recursos jurisdicionais, a
recorrente só poderia ter dirigido o seu juízo de censura contra a matéria
decidida no despacho e não sobre qualquer outra questão de direito hipotética
que pudesse ter sido suscitada pela parte contrária durante o processo.
Ou seja, em nosso entendimento, quando o julgador decidiu indeferir a questão
prévia suscitada, por considerar que não se encontrava provado nos autos que o
mandatário da recorrente contenciosa tivesse sido notificado em 31/01/2001,
delimitou o objecto do recurso à questão de se saber se existia ou não prova nos
autos que determinasse a interpretação de que o prazo de recurso contencioso
começaria a contar a partir da notificação ao mandatário.
Por outro lado, o Tribunal a quo decidiu - decisão na qual a recorrente confiou
não esperando assim que pudesse ser alterada pelo Supremo Tribunal
Administrativo – que lhe assistia razão sobre a questão prévia, caso tivesse
sido provado nos autos que o mandatário foi notificado em 31-01-200 1, quando
refere '(...) sendo certo que a notificação é de facto eficaz quando feita na
pessoa do mandatário do recorrente'.
Assim, o objecto do recurso jurisdicional interposto pela recorrente não poderia
ser outro que não aquele que efectivamente foi equacionado, sendo que a decisão
do Supremo Tribunal Administrativo é que, como veremos, se mostra totalmente
insólita e imprevisível.
Deste modo - devido à circunstância da recorrente não ter podido em sede de
recurso jurisdicional para o STA suscitar a questão da aplicabilidade do regime
da notificação dos actos administrativos contido no CPA, pois não foi este o
sentido decisório do despacho e não era previsível que o viesse a ser depois de
provada que a notificação ao mandatário tinha sido realizada em 31/01/2001 -
torna-se evidente que a recorrente não teve oportunidade processual de suscitar
a questão de inconstitucionalidade durante o processo.
Razão pela qual, só por este argumento, deveria o presente recurso jurisdicional
ter sido admitido.
III - Da interpretação dos artigos 28º e 29º da LPTA
Chegados a este ponto, não obstante o que defendemos supra, teremos de verificar
se assiste razão ao Digníssimo Relator relativamente aos argumentos que invoca
para considerar que não era de todo imprevisível que os artigos 28º e 29º da
LPTA viessem a ser interpretados pelo Supremo tribunal Administrativo com o
sentido que se reputa de inconstitucional.
Antes de mais convém vincar que a recorrente não suscitou a
inconstitucionalidade material dos artigos 28º e 29º da LPTA, mas sim a dimensão
interpretativa da sentença que atribuiu o sentido de que o prazo contido nestes
normativos não se inicia a partir da notificação do mandatário do recorrente.
A segunda questão determinante para aferirmos da justiça da presente decisão de
não admissão do recurso prende-se com a circunstância de o Digníssimo Relator do
processo, salvo o devido respeito, ter presumido que a recorrente pretendia
suscitar a inconstitucionalidade da interpretação que o STA formulou dos artigos
28º e 29º da LPTA mediante o sentido normativo que o Tribunal inferiu dos
artigos 66º a 70º do CPA e 69º do DL nº 445/91.
É certo que o sentido normativo com que estes foram convocados para interpretar
os artigos 28º e 29º da LPTA assumem questão com a qual a recorrente não poderia
contar, bem como, como veremos infra, não foi apenas com base nestes normativos
que o STA decidiu considerar que a notificação ao mandatário valia para efeitos
de inicio do prazo de interposição do recurso contencioso.
Mas relevante na decisão do Supremo Tribunal Administrativo - constituindo a
ratio decidendi da questão prévia suscitada pela recorrente - foi a argumentação
desenvolvida para afastar a relevância da notificação do acto administrativo ao
mandatário para os efeitos previstos nos artigos 28º e 29º da LPTA.
Ou seja, o que se vem de referir é que se o STA não tivesse considerado
irrelevante a notificação do mandatário do recorrente, sempre poderia ter
decidido que os actos administrativos devem ser notificados aos particulares
segundo as regras do CPA, na medida em que isso em nada influenciaria a decisão
sobre a questão da intempestividade.
Assim, o que interessava saber e decidir era se a notificação ao mandatário se
assumia como determinante para efeitos de início de contagem do prazo de recurso
contencioso, pois é por todas reconhecido que as normas do CPA determinam que o
mesmo seja notificado do acto administrativo.
Com efeito, estamos a tratar de duas realidades distintas, pois uma coisa é
saber se o interessado tem de ser notificado pessoalmente do acto administrativo
para que se mostre cumprida a lei substantiva; situação completamente distinta é
a discussão sobre a aplicação da lei processual e, nomeadamente, saber se a
notificação do mandatário determina o início do prazo do recurso contencioso.
Deste modo, o segmento decisório que a recorrente reputa de inconstitucional e
que não teve oportunidade de discutir o processo - na medida em que não foi
suscitada pela parte contrária e nem tomada em consideração pelo Tribunal de 1ª
instância - prende-se com a interpretação e efeitos atribuídos pelo Supremo
Tribunal Administrativo ao artigo 229-A do CPC e que serviu para afastar a
relevância da notificação do acto administrativo ao mandatário para efeitos dos
artigos 28º e 29º da LPTA.
Assim considerou o Supremo Tribunal Administrativo a folhas 7:
'Este Supremo Tribunal, e principalmente numa época em que o regime processual
civil não impunha que os mandatários judiciais das partes se notificassem dos
articulados e requerimentos autónomos (regime que passou a vigorar com o artigo
229º-A, aditado ao CPC pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto) considerou, repetidas
vezes, valer como notificação do acto administrativo a comunicação efectuada
através do Tribunal'.
No seguimento desta argumentação sobre a matéria veio o STA dar conta de que
apesar de existir jurisprudência contraditória, foi recentemente proferido um
Acórdão do Pleno em 17/06/2004 que manteve a orientação de que a notificação do
acto administrativo ao mandatário do recorrente tinha o efeito de iniciar o
prazo de recurso contencioso.
Mas a verdadeira ratio decidendi da questão que se discute - sendo nesta
argumentação que se colhe a verdadeira decisão imprevisível e até se quisermos
insólita de não considerar relevante a notificação do mandatário - encontra-se
desenvolvida a folhas 8 da sentença que passamos a transcrever:
'A oscilação deste Tribunal, na questão supra, não deve, em nosso entender,
colocar-se quando já não se trata, sequer, de uma comunicação efectuada tribunal
mas, simplesmente, de notificação entre os mandatários das partes efectuada nos
termos do artigo 229º-A do CPC.
Com efeito, o regime de notificações previsto na lei processual civil está
pensado para valer no interior do processo a que respeitam e para os efeitos
desse processo. Dos requerimentos (e documentos que os acompanham) notificados
entre si pelos respectivos mandatários das partes deverão estas, ainda através
dos seus mandatários, retirar as consequências processuais que se imponham. Mas,
qualquer consequência exterior a esse processo deve ser excluída, salvo previsão
em contrário'.
Ora mediante a argumentação seguida pelo STA podemos verificar de forma clara
que a circunstância de a notificação ao mandatário não ser tida como relevante
para efeito do início da contagem do prazo de recurso contencioso, foi
efectivamente a mobilização do artigo 229º-A do CPC.
Com efeito, caso o Supremo Tribunal Administrativo não tivesse mobilizado o
artigo 229º-A do CPC - interpretando os efeitos processuais e extra-processuais
às notificações entre mandatários - a questão seria decidida no sentido de que a
notificação ao mandatário tem o efeito de iniciar o prazo de recurso
contencioso, na medida em que o próprio Tribunal assume que este é o sentido
mais recente da jurisprudência e, mais grave ainda, do Tribunal Pleno.
Por outro lado, ao contrário do que o Digníssimo Relator refere, esta questão de
saber se as notificações entre mandatários podem ter efeitos extra-processuais
não se apresenta como controvertida na jurisprudência ou na doutrina, na medida
em que o próprio aresto não cita qualquer Jurisconsulto ou Acórdão anterior onde
esta questão se encontre debatida ou decidida.
Também ao contrário do que o Exmo. Relator decidiu, a mobilização do artigo
229º-A do CPC para afastar a interpretação de que a notificação ao mandatário
inicia o prazo de recurso contencioso previsto nos artigos 28º e 29º da LPTA,
não foi suscitada por qualquer parte processual ou considerada pelo Tribunal de
1ª Instância.
Logo, nunca se poderá considerar que a recorrente mediante um prévio juízo de
prognose poderia contar com a convocação do artigo 229º-A do CPC para afastar a
relevância da notificação ao mandatário para início da contagem do prazo de
recurso contencioso previsto nos artigos 28º e 29º da LPTA.
Razão pela qual, temos que o elemento normativo decisivo para a interpretação
dos artigos 28º e 29º da LPTA e que a recorrente entende ser inconstitucional
foi a aplicação do artigo 229º-A do CPC, norma que não foi suscitada no
processo, nenhuma das partes ou o próprio Tribunal de 1ª Instância a assumiu
como decisiva para a questão prévia que se discutiu nos autos, bem como o
sentido e alcance daquela disposição legal nunca foi discutida ou decidida na
doutrina e jurisprudência; logo, esta decisão foi de todo imprevisível e
insólita e impossibilitou a recorrente de cumprir o ónus da invocação da
inconstitucionalidade durante o processo.».
3 – A parte contrária não respondeu à reclamação.
4 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«1 – O município de A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7
de Outubro de 2004, completado pelo acórdão do mesmo Supremo, de 7 de Dezembro
de 2004, que indeferiu o pedido da sua aclaração, pretendendo a apreciação da
questão de inconstitucionalidade dos artigos 28º e 29º da Lei de Processo dos
Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) – LPTA –
enquanto entendidos no “sentido de que a notificação do mandatário, realizada no
âmbito de um processo jurisdicional de execução de sentenças, não vale como
notificação do destinatário para efeitos de impugnabilidade de uma decisão
administrativa”, por violação do disposto nos “artigos 268º, nºs 3 e 4, e 20º,
nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, 47º da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia e 8º e 9º da Carta dos Direitos do Homem”.
No seu requerimento de interposição de recurso alega que a decisão recorrida
se manifesta como uma decisão surpresa na medida em que aquela interpretação
“não tinha sido ratio decidendi da decisão jurisdicional recorrida e logo,
segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, deve ser concedido recurso
por inconstitucionalidade da aplicação de uma norma (...)”.
2 – O recurso foi admitido pelo tribunal a quo. Porque essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, de acordo com o disposto no art. 76º, n.º 3,
da LTC, e porque se desenha uma situação processual que se enquadra na hipótese
recortada no n.º 1 do art. 78º-A, da mesma Lei, passa a decidir-se
imediatamente.
3 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b)
do n.º 1 do art. 280º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e na alínea
b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, em cuja categoria
se insere o interposto pelo recorrente, e como decorre dos mesmos preceitos
quando falam de aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo, mas que encontra igualmente tradução no n.º 2 do
art. 75º-A da LTC, que a questão de inconstitucionalidade da norma efectivamente
aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida tenha sido suscitada durante
o processo.
O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse
requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita
em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o
Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de
1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o
sentido de um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição
constitucional em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso
Queiró, 2ª edição, Coimbra, 1992, pp. 51).
É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão n.º
354/94, mas isso apenas acontece em situações excepcionais ou anómalas, nas
quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o
fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível.
Usando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que “quem
pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de
uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a
questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido
o acórdão da conferência de que recorre...”.
E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa
oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa
decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s)
articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear
juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por
antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se
poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados
pelo juiz.
Ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas,
as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas
poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa
das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em
face da lei fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito
plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade
constitucional. O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o
processo e pela forma adequada enquadra-se dentro destes parâmetros acabados de
definir.
4 – A questão que se põe no caso concreto é a de saber se estamos perante uma
dessas situações ditas de anómalas em que o recorrente se deve ter por
dispensado do cumprimento do ónus de suscitação, por mor do respeito devido à
garantia constitucional do acesso aos tribunais consagrado no art. 20º da CRP.
A resposta não pode deixar de ser negativa. Senão vejamos.
Na contestação que deduziu ao recurso contencioso interposto por B., - tendo por
objecto o pedido de anulação da deliberação da Câmara Municipal de A. de 25 de
Janeiro de 2001, deliberação esta que, além de mais, decidiu “indeferir o pedido
de licenciamento de obras particulares apresentado por B.” – o ora recorrente
suscitou a questão da intempestividade do recurso contencioso por o acto
recorrido, proferido em processo de execução de sentença que anulara, por falta
de fundamentação, acto anterior da mesma Câmara Municipal, ter sido levado ao
conhecimento do Tribunal e do mandatário do recorrente contencioso em 29 de
Janeiro de 2001 e chegado ao conhecimento deste em 30 de Janeiro de 2001, e por
o recurso contencioso haver sido interposto mais de dois meses depois da
notificação do acto contenciosamente recorrido.
À suscitação desta questão prévia prejudicante do conhecimento do recurso
contencioso, a recorrente contenciosa respondeu alegando em síntese que a
notificação feita ao mandatário judicial do acto administrativo em causa não
relevava para efeitos de cômputo do prazo de interposição do recurso contencioso
em virtude de o acto recorrido não ser um acto judicial ou sequer um acto
praticado no processo, mas antes um acto administrativo que como tal devia ser
notificado ao interessado a que respeita para produzir eficácia, tendo ao mesmo
tempo indicado diversos autores que sufragariam a sua posição.
Após parecer, no mesmo sentido, do Ministério Público junto do Tribunal
Administrativo de Coimbra, este tribunal julgou improcedente a questão prévia e
determinou o prosseguimento do recurso, abonando-se na fundamentação de que a
recorrida não havia conseguido ilidir a presunção de notificação do acto
recorrido, no terceiro dia posterior ao do registo, constante do n.º 2 do art.
254º do Código de Processo Civil, pelo que tendo a notificação sido posta no
correio em 29/01/2001 e o recurso dado entrada em 02/04/2001 se mostrava
cumprido o disposto no art. 28º, n.º 1, alínea a), da LPTA.
O ora recorrente interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal
Administrativo (STA), tendo o mesmo sido admitido com subida diferida,
defendendo, nas suas alegações de recurso, que a mesma havia errado ao não
julgar, perante as normas dos artigos 229º-A, 253º e 254º, n.º 2, todas do
Código de Processo Civil e do art. 28º da LPTA, extemporaneamente interposto o
recurso contencioso. Sobre este recurso, a recorrente contenciosa não
contra-alegou.
Tendo prosseguido o recurso contencioso, veio este a ser julgado procedente e o
acto recorrido anulado por sentença do mesmo tribunal de círculo, de 21/10/2003,
com fundamento na verificação do vício formal da falta de audiência da
interessada recorrente contenciosa (art. 100º do Código do Procedimento
Administrativo - CPA).
Inconformado, o ora recorrente interpôs recurso de tal decisão para o Supremo
Tribunal Administrativo, defendendo a revogação do julgado.
Subidos os autos ao STA para conhecimento dos recursos interpostos, proferiu o
mesmo o acórdão recorrido.
Nele, começou-se por apreciar a questão prévia da intempestividade do recurso
contencioso.
Após dar conta da existência de divergências jurisprudenciais relativamente à
questão de saber se vale como notificação do acto administrativo a comunicação
do acto feita através do tribunal, assinalando arestos num e noutro sentido, a
decisão recorrida concluiu, em síntese, no sentido de que o acto administrativo
em causa estava sujeito ao regime de notificação dos actos administrativos
constante dos art.ºs 66º a 70º, do CPA, e, enquanto acto relativo ao
licenciamento de obras particulares, ao disposto no art. 69º do Decreto-Lei n.º
445/91, de 20 de Novembro, e no de que não havia sido excedido o prazo de
interposição do recurso contencioso estabelecido nos art.ºs 28º e 29º da LPTA,
negando, consequentemente, provimento ao recurso da decisão que conhecera de tal
questão.
Conhecendo do mérito do recurso relativo à sentença que julgara procedente o
recurso, o acórdão recorrido negou-lhe também provimento.
5 – Como se infere linearmente do recorte histórico, acima deixado, relativo às
posições que as partes tomaram perante o tribunal de 1ª instância sobre a
alegada questão da extemporaneidade do recurso contencioso, estas divergiam
sobre qual o regime que devia ser aplicado para determinar a data em que a
recorrente contenciosa devia ser tida como notificada da prolação do acto
contenciosamente recorrido, defendendo a ora recorrente que se devia aplicar o
regime das notificações em processo civil e que, de acordo com uma aplicação
correcta dele, o direito de recurso havia caducado e a ora recorrida que devia
antes aplicar-se o regime próprio de notificação dos actos administrativos aos
interessados em procedimento administrativo e que o recurso era, à face do
mesmo, tempestivo.
A primeira instância, como já se disse, julgou improcedente a alegação da
referida questão prévia, mas fê-lo por razões fundadas não na inaplicabilidade
do regime próprio de notificação dos actos administrativos, pois apurou a
solução à luz do regime de notificação dos actos em processo civil, mas na falta
de prova sobre o facto alegado de que a recorrente contenciosa fora notificada
em 30/01/2001. Temos assim que a 1ª instância seguiu o entendimento defendido
pelo ora recorrente, da aplicação ao caso das normas do CPC que regulam a
notificação dos actos no processo.
Na solução dessa questão da tempestividade do recurso contencioso, cujo prazo,
dies a quo e dies ad quem são regidos pelas normas dos art.ºs 28º e 29º da LPTA,
o acórdão recorrido acolheu antes o entendimento que a recorrente contenciosa
havia sustentado com êxito na 1ª instância, de que era aplicável o regime de
notificação dos actos administrativos estabelecido no CPA e no art. 69º do
referido Decreto-Lei n.º 445/91.
Está bom de ver que, conquanto a decisão de 1ª instância sindicada
jurisdicionalmente pelo acórdão recorrido não se tenha fundado na aplicação ao
caso do regime próprio de notificação dos actos administrativos constante do CPA
e deste DL. n.º 445/91 ou seja, não constituindo estes preceitos sua ratio
deciendi ou fundamento normativo, nem por isso a sua aplicação se poderá ter
como imprevisível ou insólita, em termos de o recorrente estar dispensado de
hipotizar ou antecipar a sua aplicação e de, consequentemente, suscitar logo a
questão da sua inconstitucionalidade.
E não estava, desde logo, porque essa solução correspondia exactamente à tese
que a recorrente contenciosa defendera na 1ª instância e bem poderia o STA
considerá-la aplicável, como veio a suceder, dentro do princípio da oficiosidade
do conhecimento do direito, expresso no velho brocardo latino jus novit curia.
Depois, ainda, porque a decisão de 1ª instância não deixara de, implicitamente,
equacionar qualquer das soluções, como de resto lhe competia de acordo com a
regra de que na selecção dos factos ele deve seleccionar os factos relevantes à
decisão da causa “segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito,
expressa no n.º 1 do art. 511º, do CPC.
Na verdade, ao julgar esses factos, a decisão de 1ª instância fixou quer o dia
em que a recorrente contenciosa foi notificada da deliberação contenciosamente
recorrida (02/02/2001) quer a data em que foi posta no correio a notificação da
mesma deliberação para o seu mandatário judicial (29/01/2001).
Finalmente, porque a questão de poder valer ou não como notificação do acto
administrativo a comunicação do acto efectuada através do tribunal era uma
questão jurídica controversa, tendo a mesma sido já objecto de decisões
diferentes do STA, como dá conta o acórdão recorrido que identifica decisões em
um e em outro sentido.
De tudo resulta não ser absolutamente nada desrazoável ou inadequado exigir-se
do ora recorrente, até enquanto pessoa que está representada no processo por
pessoa que exerce por profissão o mandato judiciário e cujo exercício pressupõe
o conhecimento das pertinentes normas jurídicas aplicáveis à decisão do caso, um
prévio juízo de prognose relativo à aplicação do regime cuja constitucionalidade
se impugna.
Temos, pois, de concluir que o recorrente não satisfez o ónus da prévia
suscitação da questão de inconstitucionalidade nem dele estava dispensado.
Sendo assim, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do recurso.
Sem custas, por ao tempo da interposição do recurso, o recorrente estar delas
subjectivamente isento [art. 2º, n.º 1, alínea e), do C. C. Judiciais, e art.
16º do DL. n.º 324/2003, de 27/12]».
B – Fundamentação
5 – A argumentação desferida pela reclamante contra a decisão
sumária não tem qualquer consistência e é totalmente contrariada pelos elementos
dos autos nela considerados.
Antes de mais importa precisar que a decisão sumária relevou como
constituindo objecto do recurso de constitucionalidade interposto pelo
reclamante, precisamente, a dimensão normativa que o mesmo definiu, no
requerimento de interposição de recurso, como, aliás, lhe cabia por mor dos
princípios da autonomia da vontade e da auto-responsabilidade processual, como
correspondendo à ratio decidendi do acórdão pretendido recorrer, razão pela qual
os seus termos se mostram destacados entre aspas.
Basta confrontar o que se diz no n.º 1 da decisão sumária com o
alegado no seguinte trecho desse requerimento para se concluir que o relator
interpretou correctamente qual é a dimensão normativa dos artigos 28º e 29º da
LPTA, tidos pelo reclamante como constituindo o fundamento normativo ou ratio
decidendi da decisão recorrida, cuja inconstitucionalidade pretende ver
apreciada.
Na verdade, afirmou, aí, o ora reclamante:
«A questão da interpretação dos artigos 28º e 29º da LPTA, que se pretende ver
apreciada, foi decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo, em segundo grau de
jurisdição, sem que tivesse sido discutida pelas partes processuais ou servido
de fundamento à decisão jurisdicional proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Nesta conformidade, a questão da interpretação inconstitucional dos supra
mencionados normativos - no sentido de que a notificação do mandatário,
realizada no âmbito de um processo jurisdicional de execução de sentenças, não
vale como notificação do destinatário para efeitos de impugnabilidade de uma
decisão administrativa - manifesta-se com uma decisão-surpresa, na medida em que
não tinha sido ratio decidendi da decisão jurisdicional recorrida, logo, e
segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, deve ser concedido recurso
por inconstitucionalidade da aplicação de uma norma que o recorrente não previa
e, por esse motivo, não suscitou o seu juízo de censura constitucional nas
alegações de recurso perante o Tribunal ad quem.
Considera-se, pois, que a interpretação dos artigos 28º e 29º da LPTA realizada
pelo Tribunal Superior sob a veste de uma decisão-surpresa, técnica decisória
que também se pretende ver controlada pelo Tribunal Constitucional, viola as
seguintes normas e princípios Constitucionais:
a) Artigo 268º, nºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa;
b) Artigo 20º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa;
c) Artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;
d) Artigos 8º e 9º da Carta dos Direitos do Homem.».
Mostrando-se assumido que foi (pelo menos, também) nesse fundamento
normativo, diferente, na sua substancialidade jurídica, do considerado pela
decisão da 1ª instância como elemento determinante para julgar improcedente a
questão prévia da extemporaneidade da interposição do recurso contencioso que o
recorrente suscitara na sua contestação ao recurso contencioso, o que é
verdadeiramente decisivo, para considerar o reclamante como dispensado do ónus
de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade, é saber se a
utilização dessa dimensão normativa há-de ter-se como “insólita” ou
imprevisível”, em termos de ser desrazoável e inadequado exigir do interessado
um prévio juízo de prognose relativo à sua aplicação, em termos de se antecipar
à prolação da decisão, suscitando a questão de inconstitucionalidade.
E é claro que essa desrazoabilidade ou inadequação há-de ser aferida
em função de uma pessoa que exerce o mandato forense por profissão e para o
exercício do qual, mesmo na perspectiva legal, está pressuposta uma certa
aptidão ou competência técnica quanto ao conhecimento do direito aplicável à
resolução das questões postas, nomeadamente, por ele, como é o caso.
A circunstância de se poder considerar (o que não é totalmente
líquido, perante a sua primeira parte em que computa o prazo de interposição do
recurso contencioso em função da data da notificação ao administrado, e não ao
seu mandatário, do acto administrativo recorrido) que a decisão de 1ª instância
se posta, eventualmente, quanto à determinação do direito que aplicou, dentro da
linha argumentativa alegada pelo reclamante – apenas concluindo em sentido
diferente com base na falta de prova quanto ao momento do conhecimento, no
processo contencioso de execução de julgado, do acto administrativo recorrido
por banda do seu mandatário judicial – não autoriza, ao contrário do defendido
pelo reclamante, que a sua alegação, no recurso interposto de tal decisão, se
tenha de quedar dentro das balizas do quadro jurídico em que a mesma se moveu,
ou seja, no entendimento de poder valer como notificação do acto administrativo
a comunicação do acto feita através do tribunal, nesta se compreendendo a
notificação efectuada nos termos dos art. 229º e 253º do Código de Processo
Civil.
Objecto do recurso jurisdicional interposto pela ora reclamante, ao
contrário do que afirma, é a decisão de 1ª instância e não o entendimento ou
quadro jurídicos cuja aplicação a mesma tenha equacionado. Uma coisa é a
decisão, outra diferente são os seus fundamentos jurídicos, sendo certo que, no
comum dos casos, o recurso jurisdicional combate não a sintonia entre a decisão
e os seus fundamentos, mas a correcção jurídica dos fundamentos considerados
relevantes.
Por outro lado, importa ainda notar que, no domínio da determinação
do direito aplicável, ainda que as partes defendam a aplicação de certo regime
jurídico, não está o tribunal vinculado a essa alegação, pois que conhece
oficiosamente do direito.
Ora – e reafirmando o que se diz na decisão reclamada – é por demais
evidente que a aplicação da dimensão normativa dos art. 28º e 29º da LPTA, cuja
constitucionalidade o reclamante pretende sindicar, fora já defendida pela
recorrida na resposta que esta deu à suscitação da questão prévia efectuada pela
ora reclamante, na sua contestação ao recurso contencioso.
Na verdade, a ora recorrida não deixou de afastar aí o entendimento
de que, para efeitos de cômputo do prazo da interposição do recurso contencioso,
não valia a notificação do acto administrativo feita, nos termos do CPC, ao
advogado, no processo de execução de julgado, mas a notificação feita
directamente ao interessado no procedimento administrativo.
Alegou, então, a ora recorrida o seguinte:
«A entidade recorrida alega na sua douta contestação a excepção da
intempestividade do presente recurso, mas quanto nós sem qualquer razão.
Com efeito, a procuração emitida pelo recorrente aos seus mandatários, confere
apenas poderes forenses normais e gerais.
O que vale por dizer, que confere apenas poderes aos mandatários judiciais para
a prática de actos judiciais e processuais.
Assim, tal mandato judicial permite apenas aos mandatários praticar actos dentro
do processo respectivo e receber notificações de actos judiciais nesse mesmo
processo praticados.
No caso em análise, o acto recorrido não é um acto judicial nem tão pouco foi
praticado dentro do processo.
Trata-se pois de um acto administrativo, praticado no procedimento
administrativo que tem de ser notificado ao interessado a que respeita para
produzir eficácia (art. 268º, nº 3 da C.R.P., art. 66º e art. 130º do Cód. Proc.
Adm.) - veja-se neste sentido C.P.A., anotado, de Santos Botelho e Outros, págs.
194 e segs. e 382/3; C.P.A. I vol., de Esteves de Oliveira e Outros pág. 409 e
segs., e ainda o Contencioso Administrativo, anotado, de Santos Botelho, pág.
246 e segs.
Assim, o prazo para a interposição do recurso sub judice só podia contar‑se a
partir da notificação ao interessado, aqui recorrente, a quem o procedimento
administrativo respeita.
Aliás, e sempre com o devido respeito, assim também o entendeu a entidade
recorrida ao notificar a aqui recorrente da deliberação em apreço pelo seu
ofício nº 0447, de 02/02/2001 já junto com a petição de recurso sob o documento
nº 1 (vide artigo 3º).».
Muito embora a decisão recorrida para o STA não tenha acolhido este
entendimento da parte, tal não quer dizer que a discussão sobre qual o quadro
jurídico aplicável à determinação da data da notificação do acto administrativo
para efeitos do cômputo do prazo de interposição do recurso contencioso – nele
se compreendendo a questão de saber se essa data poderá ser aferida em função de
uma notificação que desse conhecimento da prática do acto administrativo,
notificação essa efectuada em processo de execução de julgado ao mandatário
judicial do interessado, aí também parte – se tenha de ter por cingida à posição
tomada pela decisão recorrida e não considerá-la como questão ainda em aberto,
susceptível de vir a ter a solução aventada pela parte que então ficou vencida.
O ora reclamante não podia, assim – e desde logo – deixar de
equacionar a possibilidade de o STA vir a considerar que o quadro jurídico
aplicável, em geral, à notificação dos actos administrativos poderia arredar a
aplicação dos preceitos dos art.ºs 229º-A e 253º do CPC, para efeitos de
determinação da data em que o interessado em determinado procedimento
administrativo, e, simultaneamente, parte em um processo de execução de julgado,
em que figure como demandada a mesma entidade administrativa, se há-de ter por
notificado do acto administrativo, para efeitos do cômputo do prazo de
interposição do recurso contencioso.
A relevância ou não da comunicação do acto administrativo, efectuada
através da via da notificação efectuada, em processo jurisdicional, ao
mandatário judicial do interessado, e consequentemente, da aplicação ou não do
regime dos arts. 229º-A e 253º do CPC, não poderá ser vista, numa óptica de
aplicação das soluções plausíveis de direito, desligada, inteiramente, da
determinação do regime jurídico a que está sujeita a notificação dos actos
administrativos, mesmo para efeitos do cômputo do prazo de recurso contencioso.
É de exigir, pois, do ora reclamante que antecipasse a aplicação da
dimensão normativa, feita pelo acórdão pretendido recorrer, e suscitasse a sua
inconstitucionalidade.
Mas, independentemente de a susceptibilidade da aplicação dessa
dimensão normativa haver sido cogitada pela ora recorrida e de, portanto, a
reclamante poder antecipar a adesão do tribunal ad quem a esse entendimento
normativo, verifica-se, ainda, que, ao contrário do que alega, a mesma
correspondia, pelo menos, a um entendimento, entre outro, que era sufragado
jurisprudencialmente, pelo que bem poderia o mesmo vir a ser adoptado pelo STA,
até com base em um argumento de maioria de razão relativamente a um tempo
anterior em que a notificação era feita pelo tribunal e nunca era antecedida de
notificação entre os mandatários das partes, nos termos do art. 229º-A, do CPC.
Nesta perspectiva, não pode deixar de exigir-se que a reclamante a
devesse antecipar e suscitar a questão de constitucionalidade.
A este propósito basta transcrever o que o acórdão pretendido
recorrer afirma para se constatar a existência das diferentes correntes
jurisprudenciais.
Disse ele:
«No caso dos autos, não foi alegado que no processo administrativo o
destinatário do acto se tenha feito representar por mandatário, e o processo
administrativo apenso não o revela.
Este Supremo Tribunal, e principalmente numa época em que o regime processual
civil não impunha que os mandatários judiciais das partes se notificassem dos
articulados e requerimentos autónomos (regime que passou a vigorar com o artigo
229º-A, aditado ao CPC pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto), considerou, repetidas
vezes, valer como notificação do acto administrativo a comunicação do acto
efectuada através do tribunal. Ocorreram tais julgamentos, particularmente, em
situações de pedidos de substituição do objecto do recurso, e para apreciar a
tempestividade desses pedidos, sendo exemplos os acs., em subsecção, de 25.2.92,
rec. 29199 (Apêndice de 29.12.95, pág. 1298), confirmado pelo Ac. do Pleno de
25.10.94 (Apêndice de 8.8.96, pág. 525), Ac. de 28.9.95, rec. 36580 (Apêndice de
27.1.98, pág. 7121), Ac. de 23.4.97, rec. 30837 (Apêndice de 23.3.2001, pág.
2982), e, mais recentemente, o Ac. do Pleno de 17.6.2004, rec. 46924.
Mas também julgou em sentido oposto, isto é, no sentido de que a notificação do
acto tem de ser feita pela Administração, não valendo o conhecimento do mesmo
através da notificação efectuada pelo Tribunal dos documentos que acompanham a
contestação ou resposta da autoridade recorrida entre os quais consta o acto
administrativo, sendo exemplos os acs., em subsecção, de 6.2.1992, rec. nº 29687
(Apêndice de 29.12.1995, pág. 827), de 19.10.93, rec. nº 31623 (Apêndice de
15.10.96, pág. 5443), de 23.9.1998, rec. 32434 (Apêndice de 14.5.2002, pág.
5296).
A oscilação deste Tribunal, na questão supra, não deve, em nosso entender,
colocar-se quando já não se trata, sequer, de uma comunicação efectuada por
tribunal mas, simplesmente, de notificação entre os mandatários das partes
efectuada nos termos do artigo 229º-A do C PC.
Com efeito, o regime de notificações previsto na lei processual civil está
pensado para valer no interior do processo a que respeitam e para os efeitos
desse processo. Dos requerimentos (e dos documentos que os acompanham)
notificados entre si pelos respectivos mandatários das partes deverão estas,
ainda através desses mandatários, retirar as consequências processuais que se
imponham. Mas, qualquer consequência exterior a esse processo deve ser excluída,
salvo previsão em contrário.
Esta delimitação de efeitos é a que melhor se compagina com a exigência de
notificação dos actos administrativos constante do artigo 268º, nº 3, da
Constituição da República, 'notificação aos interessados na forma prevista na
lei'.».
De tudo resulta que a reclamação deve ser indeferida.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Sem custas, por ao tempo da interposição do recurso, o recorrente estar delas
subjectivamente isento [art. 2º, n.º 1, alínea e), do C. C. Judiciais, e art.
16º do DL. n.º 324/2003, de 27/12]».
Lisboa, 2 de Novembro de 2005
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos