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Processo n.º 801/2005
Plenário
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. ARMINDO JOSÉ DA CUNHA ABREU, invocando a “qualidade de cabeça de lista do
Partido Socialista à eleição da Câmara Municipal de Amarante”, veio recorrer
para o Tribunal Constitucional com o objectivo de obter a “anulação da
deliberação da Assembleia de Apuramento Geral das Eleições das Autarquias Locais
na área do Município de Amarante, na parte respeitante ao número de mandatos a
distribuir na eleição para a Câmara Municipal de Amarante, devendo a mesma
proceder a nova distribuição, tendo em conta que aquele órgão autárquico é
composto por nove membros”.
Juntou cópia de certidão de afixação do edital correspondente à acta do
apuramento geral, da qual consta que a afixação se realizou no dia 14 de Outubro
de 2005 (doc. 1)), de certidão de extracto da mesma acta relativo à deliberação
que impugna (doc. 2)) e ao número de eleitores inscritos no concelho de Amarante
(doc. 4)) e de certidão do edital relativo à admissão das listas de candidatos à
Assembleia Municipal e à Câmara Municipal do concelho de Amarante do qual consta
o seu nome como primeiro candidato à eleição para a Câmara Municipal (doc. 3)).
Sustenta, em síntese, que “resultou da acta de apuramento geral um número de
eleitores inscritos de 50.272”, devendo portanto ser esse o número de eleitores
relevante para a determinação do número de mandatos “a distribuir na eleição
para a Câmara Municipal de Amarante” – ou seja, 9, e não 7, como se entendeu,
por ter sido considerado o número constante do mapa publicado no Diário da
República, II série, de, de 27 de Junho de 2005 (48.933), nestes termos:
«2º
Esse dito número resultou de prévio processo de recenseamento eleitoral, levado
a efeito nos termos dos artigos 32.º e sgs. da Lei n.º 13/99, de 22 de Março
(Lei do Recenseamento Eleitoral, doravante designada apenas por LRE).
3°
A operação de recenseamento de que se ocupa este último preceito é contínua.
4°
Ou seja, as operações de inscrição, alteração e eliminação de inscrições, para o
efeito acabado de referir, são contínuas.
5º
Todavia, chegados ao 60.º dia que antecede cada eleição e até à sua realização,
a aludida operação fica suspensa.
6º
Mas, permite-se ainda, no caso de eleitores que completem 18 anos até ao dia da
eleição a possibilidade de verem os seus nomes inscritos nos competentes
cadernos eleitorais por mais cinco dias (artigo 5.º, n.º 4 da LRE).
7º
Sendo certo que só nos quinze dias anteriores ao acto eleitoral os cadernos de
recenseamento se tornam definitivos, não mais podendo ser alterados (artigo 59.º
da LRE).
8º
Esta inalterabilidade dos cadernos de recenseamento tem como objectivo garantir
a preservação dos cadernos eleitorais tendo em vista a sua segurança e certeza
jurídicas essenciais à confiança no sistema de eleitores, forças políticas e
demais intervenientes nas eleições (vd. Jorge Miguéis, in Lei do Recenseamento
Eleitoral, Lisboa 2002, p. 106).
9º
Neste enfoque, veio o legislador constitucional a dispor expressamente que “o
recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas
as eleições por sufrágio directo e universal...” (cfr, artigo 113.º, n.º 2 da
CRP).
10º
Da conjugação dos nºs 2 e 3 do artigo 239.º da CRP resulta que o órgão executivo
colegial será constituído “por um número adequado de membros» que resultarão
segundo o sistema da representação proporcional dos cidadãos recenseados na área
da respectiva autarquia.
11°
A ser assim, só na data referida no n.º 7 do presente recurso se permite
conhecer o número exacto e definitivo de cidadãos devidamente recenseados,
cumprindo-se o disposto na lei fundamental.
12º
A LEOAL, no seu artigo 12, n.º 2, refere que “para as eleições gerais o número
de mandatos de cada órgão autárquico será definido de acordo com os resultados
do recenseamento eleitoral, obtidos através da base de dados central do
recenseamento eleitoral....'.
13º
O que está de harmonia com a segunda das normas constitucionais já invocadas
(artigo 239º, da CRP).
14°
Contudo, a parte final do n.º 2 do artigo 12.º da LEOAL considera apenas os
eleitores inscritos nos cadernos de recenseamento até 120 dias anteriores ao
termo do mandato, cujo número foi publicado.
15º
Assim sendo, parece-nos que a parte final deste último preceito briga com o
artigo 239.º da CRP, devendo por isso aquele ser considerado inconstitucional.
Ainda e sem prescindir,
16º
Se nos atermos ao disposto no n.º 2 do aludido artigo 12.º, o número de
eleitores inscritos a ter em conta para a distribuição dos mandatos seriam os
existentes no dia 6 de Julho de 2005. Isto porque,
17º
O n.º 1 do artigo 60.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na sua redacção
actual, considera que a instalação da câmara municipal deve ter lugar no prazo
de 20 dias a contar do apuramento definitivo dos resultados eleitorais.
18º
Por seu turno, o artigo 150º da LEOAL estatui que os resultados definitivos do
apuramento geral serão proclamados e publicados até ao 4.º dia posterior ao da
votação.
19º
Daqui resulta que os tais 120 dias a que se refere o redito n.º 2 do artigo 12º,
deveriam levar em conta os dados do recenseamento relativos ao dia 6 de Julho de
2005.
20º
Como se alcança de fls. 123 da acta do apuramento geral deste Município (cfr.
doc. 2 que junta e dá por reproduzido) e é do conhecimento público, o número de
eleitores recenseados a levar em conta para a distribuição de mandatos foi
publicado no Diário da República no dia 27 de Junho de 2005.
21°
Vale isto por dizer que não foi cumprido o prazo de 120 dias previsto no já
referido n.º 2, do artigo 12.º da LEOAL.
22º
Facto pelo qual, a data válida para a determinação definitiva do número de
cidadãos recenseados sempre será a data prevista no recenseamento eleitoral que
os toma inalteráveis, isto é, no 15.º dia anterior ao acto eleitoral, como prevê
neste preciso sentido o artigo 59.º da LRE.
23º
Considerando a invocada inconstitucionalidade do n.º 2, do artigo 12.º, in fine,
da LEOAL e a falta de coincidência da publicação dos dados em diário da
república e os 120 dias previstos no mesmo artigo.
E ainda sem prescindir do alegado, sempre se dirá que
24º
Não é despicienda a atribuição de mais dois mandatos, por recurso à
representação proporcional constitucionalmente consagrada, pois que permitiria
ao partido vencedor das eleições obter mais um vereador.
25º
O que, por certo, permitiria uma melhor coadjuvação do presidente da câmara, na
medida em que a gestão do Município ficaria melhor assegurada, a não ser viável
um entendimento com os membros do executivo eleitos nas restantes listas.
26º
Em abono do referido, basta atentar no conjunto de atribuições e competências
dos Municípios, com tendência para virem a aumentar.
27º
Acresce que a ser considerado o prazo que achamos por certo, em nada buliria com
os princípios constitucionalmente consagrados e corporizados ma lei do
recenseamento eleitoral.»
Procedeu-se à notificação prevista no n.º 3 do artigo 159º da Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de
Agosto.
2. O recurso foi interposto em tempo, tendo o recorrente legitimidade para o
efeito (artigos 156º, n.º 1, 157º e 158º da Lei Eleitoral).
O Tribunal Constitucional já foi confrontado com a questão colocada neste
recurso nos seus acórdãos n.ºs 599/2001 e 7/2002 (ambos publicados no Diário da
República, II série, de 21 de Fevereiro) e, recentemente, com uma questão
semelhante no seu acórdão n.º 436/2005 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
No primeiro destes acórdãos disse-se o seguinte:
“3 - Da matéria provada resulta claramente, tal como o recorrente alega, que a
Assembleia de Apuramento Geral, no tocante à eleição para a Assembleia de
Freguesia de Estremoz (Santa Maria), considerou e atribuiu 9 mandatos.
Fê-lo por ter atendido, na determinação do número de mandatos, ao número dos
eleitores constantes dos cadernos de recenseamento eleitoral, aplicando, depois
o critério previsto no artigo 5º nº 1 da Lei nº 169/99.
E, deste modo, sendo de 4988 o número daqueles eleitores, deliberou, face ao
citado dispositivo da Lei nº 169/99, que o número de mandatos era de 9.
Outro seria o resultado se fosse tido em conta o número dos eleitores constantes
do referido Mapa nº 36-A/2001 – 5008 – a que corresponderiam, de acordo com o
mesmo artigo 5º nº 1 da Lei nº 169/99, 13 mandatos, cabendo ao BE, conforme os
resultados da votação, o 13º mandato.
Fundamentou a Assembleia Geral de Apuramento a sua deliberação no disposto nos
artigos 146º nº 1 alínea a) e 148º nº 1 da LEOAL.
Mas erradamente, como sustenta o recorrente.
Dispõe, com efeito, o artigo 12º nº 2 da LEOAL:
“2 – Para as eleições gerais o número de mandatos de cada órgão autárquico será
definido de acordo com os resultados do recenseamento eleitoral obtidos através
da base de dados central do recenseamento eleitoral e publicados pelo Ministério
da Administração Interna no Diário da República com a antecedência de 120 dias
relativamente ao termo do mandato.”
Em anotação a este preceito escrevem Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge
Miguéis (“Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, anotada e comentada”,
p. 27):
“O nº 2 é uma importante inovação que vem estabelecer uma data de referência
para a definição do nº de mandatos a eleger em cada órgão autárquico e com base
em resultados oficiais e consolidados, extraídos da base de dados central do RE,
institucionalizada pela Lei nº 13/99 e que é gerida e mantida pelo STAPE/MAI.
Sendo a data da eleição incerta, optou-se por tomar como referência o final do
mandato dos órgãos”.
De facto, o preceito põe termo às dúvidas que se poderiam suscitar, no domínio
da legislação anterior, sobre o universo de eleitores que haveria de ser
considerado para determinar a composição de cada órgão autárquico; a
variabilidade do número de eleitores recenseados impunha, com efeito, a fixação
de uma data de referência e a publicação de um quadro oficial que,
independentemente das actualizações verificadas, permitisse a definição daquele
universo e, consequentemente, o número de mandatos a eleger.
E obviamente que tal data e quadro (mapa) deveriam anteceder a data que assinala
o início do prazo para apresentação das candidaturas, desde logo para permitir
que as forças políticas concorrentes pudessem cumprir a obrigação de indicar
candidatos em número igual ao dos mandatos a preencher no respectivo órgão e de
suplentes (artigo 12º nº 1 da LEOAL).
Assim se compreende e justifica o disposto no nº 2 do citado artigo 12º que,
para efeito da composição dos órgãos autárquicos, prevalece sobre o número,
eventualmente diferente, que conste dos cadernos eleitorais de que dispõem as
assembleias de apuramento; e nada em contrário resulta do disposto no artigo
146º nº 1 alínea a) da mesma Lei que se limita a estabelecer, como uma das
operações do apuramento geral, a verificação do número total de eleitores
inscritos, não havendo aqui que atender ao referido mapa.
Nesta conformidade, deve, aliás, dizer-se que não é da competência da Assembleia
de Apuramento Geral decidir sobre a composição (número de mandatos) do órgão
autárquico em causa.”
3. As considerações acabadas de transcrever são inteiramente transponíveis para
o presente recurso e permitem concluir, pelas razões ali apontadas, que o número
de eleitores relevante é o que consta do mapa n.º 11-A/2005, publicado no Diário
da República, II série, de 27 de Junho de 2005 (48.933), sendo portanto de 7 o
número de mandatos a atribuir na eleição para a Câmara Municipal de Amarante
(artigo 57º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro).
De qualquer modo, e como igualmente se afirmou no citado acórdão n.º 599/2001,
“não é da competência da assembleia de apuramento geral decidir sobre a
composição (número de mandatos) do órgão autárquico em causa”. É no momento da
admissão das candidaturas – com mais rigor, no momento em que se torna
definitiva a correspondente decisão –, que se fixa esse número, tendo em conta o
número de eleitores constantes do referido mapa.
4. Assim sendo, não se torna necessário apreciar, nem a questão de
constitucionalidade que foi suscitada, nem a do alegado incumprimento do prazo
fixado no n.º 2 do artigo 12º da Lei Eleitoral, já que o seu conhecimento não
poderia ter nenhuma repercussão no julgamento do presente recurso
Nestes termos, indefere-se o recurso.
Lisboa, 18 de Outubro de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício