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Processo n.º 474/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por decisão de 7 de Fevereiro de 2005, a Comissão Disciplinar da Liga
Portuguesa de Futebol Profissional decidiu aplicar a um jogador do A. dois jogos
de suspensão e uma multa de €700,00 (setecentos euros) por infracção cometida na
18.ª jornada da B..
O dito clube apresentou recurso para o Conselho Superior de Justiça da Federação
Portuguesa de Futebol, que entendeu notificar aquela Comissão Disciplinar para
“contestar, querendo, as alegações de recurso oportunamente apresentadas”
fixando‑lhe, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 9.º do Regimento do
Conselho de Justiça, um “prazo de vinte e quatro horas”.
Pouco após o decurso deste, a Comissão Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol
Profissional dirigiu ao Presidente do Conselho de Justiça da Federação
Portuguesa de Futebol um requerimento arguindo a nulidade do despacho de fixação
desse prazo e suscitando a inconstitucionalidade de tal normativo por violação
dos “princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e à justiça”,
considerando que “face à exiguidade do prazo fixado para a contestação a
recorrida vê-se impossibilitada de exercer o seu direito de defesa”.
Na decisão do recurso, em 17 de Fevereiro de 2005, o Conselho de Justiça da
Federação Portuguesa de Futebol ponderou, como questão prévia, a invocada
nulidade, decidindo no sentido da sua inexistência, “já que este Conselho se
limitou a dar aplicação a normativo, que não enferma de inconstitucionalidade,
existente no seu Regimento.”
De tal decisão pretendeu a Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol
Profissional recorrer para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, mas o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol,
por acórdão de 7 de Abril de 2005, não o admitiu, com os seguintes fundamentos:
“De acordo com o estabelecido no n.º 2 do mesmo preceito legal, o recurso só
será admissível se a decisão recorrida não admitir recurso ordinário por a lei o
não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso couberem.
Assim sendo, não há recurso para o Tribunal Constitucional.
Antes do mais, porque o recurso só é admissível relativamente a decisões dos
tribunais – n.º 1 do referido art.º 70.°.
Acresce que nos termos do disposto no art.º 47.°, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º
30/2004, de 21/07, não são susceptíveis de recurso fora das instâncias
competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações emergentes da
aplicação dos regulamentos.”
2.Inconformada, apresentou a Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol
Profissional reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional, que encerrou deste
modo:
«56. O Tribunal Constitucional foi erigido pela Constituição o vértice do
sistema de controlo da constitucionalidade das normas e da legalidade das leis,
constituindo esta realidade o fundamento basilar da integração do modelo
português nos sistemas concentrados. Na verdade, no que concerne ao julgamento
da ilegitimidade dos actos normativos com base nas duas relações de desvalor
acabadas de mencionar, o Tribunal Constitucional é, em fiscalização concreta, a
última instância de decisão (e instância obrigatória no julgamento de recurso de
decisões de inconstitucionalidade e ilegalidade) – cfr., Carlos Blanco de
Morais, Justiça Constitucional, tomo I, pág. 348.
57. Em conclusão, o Acórdão do Conselho de Justiça da F.P.F. é susceptível de
ser sindicado pelo Tribunal Constitucional, a tanto não obstando a circunstância
de, constituindo (ela, decisão) a última palavra dentro da ordem jurisdicional a
que aquele Conselho pertence, não ser passível de recurso ordinário.
58. Acresce que, ainda quando se entendesse caber recurso ordinário daquela
decisão – o que não se aceita – sempre seria admissível recurso, restrito à
questão da constitucionalidade, directamente para o Tribunal Constitucional.
59. Com efeito, “não era muito lógico que tendo o recurso como objecto exclusivo
a questão da inconstitucionalidade esta devesse ser obrigatoriamente apreciada
por outros tribunais (embora superiores) não competentes para decidir, a título
principal, problemas de inconstitucionalidade. O regime actual é um regime mais
consentâneo com a natureza incidental da questão de inconstitucionalidade e com
a própria razão de ser do controlo concentrado com a base num controlo difuso
concreto (cfr., art.ºs 70.° e segs. da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do TC [LTC]). (…). As partes poderão, se o regime processual o
permitir, esgotar os recursos (para os quais deverão ter outros fundamentos que
não apenas a questão da inconstitucionalidade) e recorrer, finalmente, para o
Tribunal Constitucional; mas também poderão optar por considerar a questão da
Constitucionalidade como o problema principal e decisivo e recorrer logo para o
Tribunal Constitucional”- Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 3.ª ed., pág.
709.
60. Para além de que, à luz do regime constante do n.º 4 do art.º 70.º da LTC,
na redacção introduzida pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, o conceito de
esgotamento ou exaustão dos recursos ordinários passou a abranger as hipóteses
de renúncia, decurso do prazo sem efectiva interposição e impossibilidade de
prosseguimento por razões de ordem processual, assim se consagrando a orientação
de uma das correntes de opinião em que se dividia o Tribunal Constitucional, e
que está expressa, v.g., nos Acs. n.º 8/88 (Bol. 376‑166) e n.º 377/96 (Bol.
455-111).»
Ouvido o Ministério Público junto deste Tribunal, veio este pugnar pela
improcedência da reclamação:
«A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente por duas razões:
a) em primeiro lugar, não nos parece que a questão controvertida
pela entidade recorrente se possa configurar como “questão estritamente
desportiva”, tal como é definido no n.º 2 do art.º 47.º da Lei n.º 30/04, de
21/7 – reportada a matérias de natureza disciplinar, abrangendo as infracções
“cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito
emergente da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de
organização das respectivas provas”: no caso dos autos, está em causa a
aplicação de uma norma de cariz procedimental, atinente à definição do prazo
para o exercício do contraditório pelo recorrido, o que extravasa o elenco das
matérias enumeradas no referido n.º 2 do art.º 47.º, nada obstando a que tivesse
sido exercida a possibilidade de impugnação “nos termos gerais de direito”,
conferido pelo art.º 46.º da mesma lei (cfr., uma perspectiva análoga, os acs.
437/98 e 488/98);
b) daqui decorre que – não estando esgotados, à data da
interposição do recurso de fiscalização concreta, fundado na alínea b) do n.º 1
do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, os recursos ordinários possíveis”,− falta um
pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto pela
entidade reclamante;
c) acresce que – a nosso ver – o Conselho de Justiça da Federação
Portuguesa de Futebol não pode configurar-se, em termos
jurídico‑constitucionais, como “tribunal”, face ao elenco tipificado no art.º
209.º da CRP, de modo a que as suas decisões definitivas, em matéria desportiva,
possam ser objecto idóneo do controlo da constitucionalidade, exercido por este
Tribunal Constitucional.
Perante a enumeração constitucional das “categorias de tribunais”, a única
possibilidade de operar tal qualificação seria a de configurar o dito Conselho
de Justiça como “tribunal arbitral”: ora, o art.º 49.º da Lei de Bases do
Desporto delimita o âmbito da “arbitragem desportiva” em termos de a diferenciar
e autonomizar claramente da mera utilização dos “meios jurisdicionais
federativos” – e sendo certo que a circunstância de determinado órgão federativo
dirimir um conflito desportivo “puro”, desenvolvido, como tal, à margem do
direito, desprovido – pela sua natureza – de vocação para encontrar uma solução
jurisdicional, o não transfigura em verdadeiro órgão judicial.»
Cumpre agora apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Nos termos do artigo 70.º, n.ºs 2 e 5, da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1
desse artigo só cabe de “decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o
não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam”,
entendendo-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários “quando tenha
havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os
recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”.
Pode discutir-se a possibilidade de reconduzir o Conselho de Justiça da
Federação Portuguesa de Futebol a um tribunal, para efeitos de recurso para o
Tribunal Constitucional (o que, em caso de resposta negativa, tornaria
indispensável o recurso ordinário a que a reclamante pretendeu ter renunciado).
Tal fundamento foi invocado na decisão recorrida e também explicado na posição
assumida pelo Exm.º Procurador‑Geral Adjunto em funções neste Tribunal: sem
pronúncia de um tribunal, que a entidade reclamada não é, não poderia haver
recurso para o Tribunal Constitucional, que só sindica as decisões dos tribunais
que apliquem norma arguida de inconstitucionalidade, ou a desapliquem com esse
fundamento.
Seja como for, existem outras razões só por si bastantes para que o recurso para
o Tribunal Constitucional não pudesse ser admitido.
Na verdade, como é referido na decisão reclamada, e explicado neste Tribunal
pelo Ministério Público, à data da interposição do recurso de
constitucionalidade não estavam ainda esgotados os recursos ordinários a que a
decisão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol podia estar
sujeita. É que no presente caso discute-se a aplicabilidade de uma norma que
define um prazo para o exercício do contraditório num procedimento, previsto no
Regimento do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. Ora, tal
questão não é de considerar “questão estritamente desportiva”, tal como é
definida no n.º 2 do art.º 47.º da Lei n.º 30/04, de 21/7 – reportada a matérias
de natureza disciplinar, abrangendo as infracções “cometidas no decurso da
competição, enquanto questões de facto e de direito emergente da aplicação das
leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas
provas”. Não sendo incluída no elenco destas matérias, nada obstava a que
tivesse sido exercida a possibilidade de impugnação “nos termos gerais de
direito”, conferida pelo art.º 46.º do mesmo diploma (cfr. os acórdão n.ºs
437/98 e 488/98, deste Tribunal).
E, ao contrário do invocado pela ora reclamante (e mesmo supondo que estaríamos
então perante uma decisão de um tribunal), nada no processo indicava, à data,
qualquer renúncia a esses recursos ou um decurso do respectivo prazo sem a sua
interposição, nem o facto de a questão objecto de recurso ser unicamente de
constitucionalidade permitia – na ausência dessa renúncia ou desse decurso do
prazo – dispensar a intervenção do tribunal competente para julgar o recurso
ordinário (aliás, o trecho do manual de Direito Constitucional, edição de 1983,
que a reclamante invoca em seu abono diz respeito ao confronto do regime
originário da Constituição de 1976, onde o esgotamento prévio dos recursos era
condição necessária em todos os casos, e da Lei Constitucional n.º 1/82, em
resultado da qual as decisões de desaplicação de normas com fundamento em
inconstitucionalidade passaram a ser directamente recorríveis para o Tribunal
Constitucional).
Conclui-se, pois, que não merece censura a decisão de não admissão do recurso de
constitucionalidade.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 2 de Novembro de 2005
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres (votei
o indeferimento da reclamação exclusivamente por considerar não ter o Conselho
de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol a natureza de Tribunal)
Rui Manuel Moura Ramos