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Processo n.º 343/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., SAD, notificada do Acórdão n.º 181/2007, que
negou provimento ao recurso por si interposto contra o acórdão de 10 de Dezembro
de 2004 do Plenário da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol
Profissional – o qual, por seu turno, negando provimento aos recursos
interpostos contra o acórdão da Secção da mesma Comissão, quer pela ora
recorrente, quer por B., SAD, confirmou, embora por diversos fundamentos, a sua
condenação no pagamento a esta última da quantia de € 600 000, acrescida de
juros à taxa legal de 4% –, veio, “nos termos do artigo 69.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, e dos artigos 666.º, 669.º e 670.º do CPC”, expor e requerer
o seguinte:
“I. Intróito:
Não pode a requerente deixar de realçar os alicerces do recurso. Assim, e para
que conste, eis algumas motivações do Acórdão:
«Em face desta atitude [recusa de renovação de contrato], que fez o B., SAD?
Remeteu‑o para a equipa B, o que levou a que não mais treinasse com a equipa
principal nem integrasse o lote de convocados. Mesmo na equipa B, não se pode
dizer que tenha sido sempre opção, na medida em que foi convocado por 6 vezes.
Tal como a matéria de facto provada está redigida, é manifesto o nexo causal
entre a recusa de renovação – factos 9 a 24 – uma forma de pressão e, porque não
dizê‑lo, de limitação da liberdade contratual do jogador. À recusa em renovar
respondeu a B. SAD com a colocação do jogador na equipa B, com todas as
consequências negativas para a vida desportiva de um jovem jogador.»
«Ao colocá‑lo na equipa B, a B., SAD sabia que, mais do que o desvalorizar
desportivamente, estava a penalizá‑lo por ter decidido não renovar o contrato.
Neste enquadramento factual, o plenário da CA da LPFP entende que configura uma
situação de abuso de direito o facto de a B., SAD ter lançado mão das regras que
lhe dariam direito a uma compensação nos termos enunciados – artigo 212.º do
ERGLPFP – quando estava em ruptura com o jogador e com o seu empresário. Esta
norma visa acautelar aquelas situações em que uma sociedade desportiva tudo fez
para valorizar e promover um seu jovem atleta, este, utilizando a liberdade de
contratar, opta por não renovar, justificando‑se, nesse caso de forma plena,
que a sua entidade, depois de cumprir as exigências enunciadas naquela norma,
leve o seu valor à lista de compensação, de tal sorte que a equipa que o
contratar pague a justa indemnização. Daí que entendamos que o direito à
indemnização [leia‑se o montante da indemnização] reclamada pela B., SAD não
encontra acolhimento no artigo 212.º do ERGLPF.»
«Recusada a renovação do contrato e colocado nas condições evidenciadas na
matéria de facto na equipa B do Futebol Clube do B., como se sentiu o jogador –
injustiçado por ter sido penalizado por via da recusa da renovação e por ter
sido votado ao ostracismo, treinando à parte, deixando de intervir, mesmo nos
jogos treinos, em que a equipa A jogava com a equipa B, com as seguintes
consequências: nome e imagem abalados, deixando de ser referenciado pela sua
prestação desportiva (factos 40 a 44). Em face desta realidade, não pode o
plenário da CA da LPFP deixar de concluir que a B. SAD reagiu de forma a
condicionar ou mesmo postergar a liberdade contratual do jogador,
desvalorizando‑o desportiva e pessoalmente, colocando‑o no meio de um conflito
ao qual era, seguramente, alheio.»
1.º – É perante estas definitivas asserções que a recorrente se viu levada a
suscitar a conformidade das mesmas com os princípios constitucionais e com a
ordem jurídica comunitária.
2.º – Não tendo ficado esclarecida, vê‑se coagida a suscitar diversas questões
de forma a melhor ponderar a conduta processual a assumir.
II. Da aplicação do artigo 212.º do RGLPF.
3.º – Não toma o Tribunal, no presente Acórdão, conhecimento da
constitucionalidade do artigo 212.º do RGLPF.
4.º – Fá‑lo porque o artigo 212.º da RGLPF «não foi aplicado pela decisão
recorrida».
5.º – Ora, como se depreende das motivações do Acórdão, de que são exemplo as
transcrições acima efectuadas, este preceito é, efectivamente, aplicado, salvo
no que respeita ao quantum da indemnização.
Senão veja‑se,
6.º – Consideram‑se como requisitos para atribuição da indemnização à B. SAD
tanto a comunicação, por escrito, da vontade de renovar o contrato com o atleta,
como a sua inclusão na «lista de compensação».
7.º – São estes os requisitos de aplicação do artigo 212.º da RGLPF.
8.º – O preceito em causa é, pois, aplicado, excepto no que concerne ao montante
indemnizatório, momento em que se recorre à equidade.
9.º – Em face do exposto, terá de concluir‑se pela aplicação, por parte do
Plenário da CA da LPFP, do artigo 212.º do RGLPF.
10.º – Não se vê, portanto, alternativa, senão a de fazer incidir a pronúncia
do Tribunal Constitucional sobre a sua conformidade com a Constituição, bem
como com as disposições de direito comunitário invocadas,
11.º – Sob pena de nulidade do acórdão, nos termos do artigo 668.º, n.º 1,
alínea c), primeira parte, dado não se pronunciar sobre questões que deveria
apreciar.
12.º – Por tal razão, urge esclarecer o seguinte: a absoluta ausência de
aplicação desta norma provocaria a ablação do direito da recorrida, que nem
sequer nascerá na sua esfera jurídica.
13.º – Perante esta inquestionável premissa, não é possível abandonar‑se o
artigo 212.º da RGLPF.
14.º – Assim sendo, urge clarificar se o artigo 212.º do RGLPF deu ou não origem
ao crédito reclamado, deu ou não origem a uma causa de pedir e a um pedido.
15.º – Uma vez deslindada esta questão, estar‑se‑á em condições de apurar o
completo abandono do exame da constitucionalidade do artigo 212.º do RGLPF.
III. Da indemnização por transferência.
16.º – A páginas 52/53 do Acórdão pode ler‑se: «Daí que, na discussão da
Proposta de Lei n.º 96/VII, a qual veio a transformar‑se na Lei n.º 28/98, se
assinalasse logo a necessidade de defesa dos ‘clubes que fazem uma verdadeira
formação’».
17.º – Ainda na aludida página 53 refere‑se que «em ambas as hipóteses, o clube
formador deverá ser reembolsado por os ‘frutos’ do seu ‘investimento’ virem a
ser ‘colhidos’ por outro clube».
18.º – Na página 55, e já em jeito de conclusão, afirma‑se a existência de «um
interesse do empregador anterior, relativo ao ‘investimento’ dispendido na
formação e valorização do trabalhador em causa».
19.º – No entendimento da recorrente, confundem‑se aqui duas realidades
jurídicas e económicas distintas.
20.º – A primeira é a indemnização por promoção e valorização, ou indemnização
por transferência, prevista no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 28/98, de 26
de Junho.
21.º – A segunda é a indemnização por formação, prevista no artigo 38.º do mesmo
diploma, que, embora não se conteste a sua existência ou constitucionalidade,
nada tem a ver com os presentes autos.
22.º – É, pois, imperioso que se esclareça a qual destas normas se refere o
Acórdão agora prolatado.
23.º – Na verdade, caso se refira à segunda destas realidades, o Acórdão será
nulo nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c), segunda parte, pois conhece
de questões de que não deveria conhecer.
24.º – Caso se refira à primeira, não pode deixar a recorrente de entender que
a análise se encontra prejudicada, pela mistura das duas indemnizações.
25.º – Bem como pela desconsideração do artigo 212.º do RGLPF.
26.º – Pelo que se impõe a sua aclaração.
IV. Da jurisprudência comunitária (Acórdão Bosman).
27.º – Nas suas conclusões, a recorrente invocou a violação dos artigos 17.º,
39.º, 81.º e 82.º do TCE, artigo 1.º da CSE e da CCDSFT.
28.º – Na aplicação do direito, o Tribunal Constitucional está vinculado ao
direito comunitário (artigo 8.º da CRP).
29.º – Como tal, o Tribunal Constitucional não se pode furtar a decidir de
acordo com o normativo comunitário.
30.º – Nomeadamente no que respeita à jurisprudência do Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias (TJCE).
31.º – Deveria, pois, o Tribunal ter levado em conta o Acórdão Bosman, pois este
levanta questões análogas àquelas levantadas no presente recurso.
32.º – Como, por exemplo, os entraves à transferência de jogadores em final de
contrato entre clubes de Estados Membros diferentes (artigo 39.º do TCE, antigo
artigo 48.º).
33.º – Torna‑se pois absolutamente imprescindível apurar se as considerações
tecidas pelo TJCE sobre esta mesmíssima matéria serão aplicáveis à transferência
de jogadores entre clubes do mesmo Estado Membro.
34.º – Bem como a jogadores considerados «extra‑comunitários» que joguem em
clubes «comunitários».
35.º – Também por este motivo se torna necessária a aclaração do presente
Acórdão, ou seja, apurar em que medida o direito comunitário e a jurisprudência
comunitária são irrelevantes para se decidir como se decidiu.
V. Do reenvio prejudicial.
36.º – Além do mais, da já aludida vinculação do Tribunal Constitucional ao
direito comunitário decorre a necessidade de reenvio prejudicial das questões de
interpretação do Tratado suscitadas pela recorrente.
37.º – Nas suas conclusões (ponto X.III.E) alegou a A., SAD, a violação do
direito comunitário, nomeadamente os artigos 17.º, 39.º, 81.º e 82.º do TCE,
artigo 1.º da CSE e da CCDSFT.
38.º – Sendo a decisão do Tribunal Constitucional insusceptível de recurso, terá
ou não o Acórdão em causa violado o § 3.º do artigo 234.º do TCE.
39.º – Como refere o Prof. Mota Campos (Manual de Direito Comunitário, Fundação
Calouste Gulbenkian, 4.ª edição, pág. 442), o juiz nacional só se «poderá
dispensar de colocar a questão prejudicial ao TJCE se entender que se acha em
presença de um caso análogo a outro ou outros anteriormente apreciados pelo
TJCE, limitando‑se, por isso, a fazer a aplicação da norma comunitária tal como
ela foi interpretada pelo Tribunal Comunitário».
40.º – Não encontrando a interpretação, feita pelo Tribunal Constitucional, das
normas comunitárias invocadas pela recorrente respaldo na jurisprudência
comunitária, deve o reenvio prejudicial ser promovido, tal como requerido.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve:
a) ser o presente Acórdão aclarado nos termos dos artigos 666.º, 669.º e 670.º
do CPC;
b) ser determinado o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias, nos termos do § 3.º do artigo 234.º do TCE.”
2. Notificada da apresentação desse requerimento, a
recorrida B. SAD apresentou a seguinte resposta:
“Na verdade, lido e relido o requerimento de aclaração ao douto acórdão,
constatamos que a recorrente não pretende nenhuma aclaração da decisão
proferida, mas sim uma nova reapreciação do recurso, com vista à prolação de
nova decisão sobre o mérito do mesmo.
Com efeito, a recorrente não aponta qualquer obscuridade, ambiguidade ou erro
material de que, na sua perspectiva, concretamente padecerá o douto acórdão,
vícios, esses, e apenas esses, que efectivamente legitimarão o uso do expediente
processual sob resposta, como decorre do preceituado pelo n.º 2 do artigo 666.º,
[e pelos artigos] 667.º e 669.º, todos do Código de Processo Civil.
Limitando‑se a recorrente a efectuar uma repetição e re‑interpretação do sentido
e alcance das razões por si já aduzidas na sua motivação de recurso.
Em suma, o que pretende a recorrente não será uma aclaração ao decidido mas sim
um novo e verdadeiro julgamento por parte de quem já esgotou o seu poder
jurisdicional, consubstanciando, deste modo, o pedido de aclaração um acto
ilegal, atento o disposto pelo artigo 670.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Com efeito, é de tal modo manifesta a inutilidade da aclaração
pretendida que nem sequer justifica o dispêndio de mais tinta, devendo o
mesmo, e sem mais, ser totalmente indeferido, face à clareza, correcção e
acerto da decisão aclaranda.
Nenhum reparo haverá, pois, a fazer à decisão aclaranda.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
3. Relativamente à decisão, contida no Acórdão
reclamado, de não conhecimento da questão de constitucionalidade da norma do
artigo 212.º do Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional
(RGLPFP), por não ter sido aplicada na decisão recorrida, a recorrente não
aponta, nos n.ºs 3.º a 15.º do seu requerimento, a qualquer passagem daquele
Acórdão qualquer ininteligibilidade, seja por ambiguidade, seja por obscuridade.
O que a reclamante manifesta é discordância com o
decidido, por, em seu entender, a norma do artigo 212.º do RGLPFP ter sido
aplicada no acórdão do Plenário da Comissão Arbitral, excepto no que concerne ao
montante indemnizatório.
O Acórdão reclamado justificou o não conhecimento da
questão de inconstitucionalidade dessa norma nos seguintes termos:
“6. (…) Acontece, porém, que de uma apreciação mais atenta da decisão recorrida
resulta que também o artigo 212.º do Regulamento Geral da Liga Portuguesa de
Futebol Profissional, «que mais não faz que transcrever os preceitos do artigo
35.º e seguintes do Anexo III do CCTJPF», terá de ficar fora do âmbito de
apreciação do presente recurso de constitucionalidade. O que impõe agora a
exclusão do disposto no artigo 212.º do Regulamento Geral da Liga é o facto de a
solução jurídica adoptada no acórdão recorrido ter expressamente afastado a
possibilidade de se enquadrar a situação dos autos no âmbito de aplicação de
tais regras – isto é, não as ter aplicado como rationes decidendi.
Com efeito, lê‑se no citado artigo 212.º, com a epígrafe «Compensação nos demais
casos»:
«1. A celebração pelo jogador de um contrato de trabalho desportivo com outra
entidade empregadora após a cessação do anterior confere ao clube de procedência
o direito de receber do clube contratante a compensação pelo montante que
aquela tenha estabelecido nas listas organizadas, para o efeito, pela LIGA
P.F.P..
2. A compensação prevista no número anterior só será exigível se,
cumulativamente:
a) O clube de procedência tiver comunicado por escrito ao jogador, até ao dia
31 (trinta e um) de Maio do ano da cessação do contrato, a vontade de o renovar,
mediante as condições mínimas previstas no número três deste artigo, a sua
inclusão nas listas de compensação e o valor estabelecido;
b) O mesmo clube tiver remetido à L.P.F.P. e ao S.J.P.F., até ao dia 11 (onze)
de Junho seguinte, inclusive, fotocópia do documento referido no número
anterior;
c) O jogador não tenha, em trinta e um (31) de Dezembro do ano de cessação do
contrato, completado ainda vinte e quatro (24) anos de idade.
3. As condições mínimas do novo contrato proposto deverão corresponder ao valor
remuneratório global do ano da cessação acrescido de 10% (dez por cento) do
montante estabelecido na lista de compensação e de uma actualização decorrente
da aplicação da taxa de inflação correspondente ao índice médio de aumento dos
preços ao consumidor do ano anterior fixada pelo Instituto Nacional de
Estatística.»
Ora, disse‑se no acórdão recorrido (ponto B, 1, parte final, fls. 1390 dos
autos):
«Deste modo, entende o plenário da Comissão Arbitral da LPFP que o direito à
indemnização que é devida ao B. SAD não encontra guarida no artigo 212.º do
RGLPFP na medida em que considera que a proposta de renovação nos termos deste
artigo é abusiva, porque tinha por finalidade exclusiva evitar que o jogador se
transferisse para outro clube, cerceando‑lhe um direito com consagração
constitucional.
*
2. A indemnização com base na equidade
Como se pode verificar, o plenário da CA LPFP considera que a A., SAD tem a
obrigação de indemnizar a B. SAD, não ao abrigo do disposto no artigo 212.º do
RGLPFP mas sim por força do princípio geral enunciado no artigo 18.º, n.º 2, da
Lei n.º 28/98, de 26.6.
Pode ser estabelecida por convenção colectiva a obrigação de pagamento de justa
indemnização a título de promoção e valorização de praticante desportivo (...).
Apesar desta norma não regular directamente a questão da indemnização, a
verdade é que artigo 28.º da CCTJPF e o artigo 205.º do RGLPFP prescrevem que os
clubes têm direito a uma indemnização a título de compensação pela formação ou
promoção dos jogadores.
Não sendo a situação em apreço solucionada pelos artigos 35.º da CCTJPF e 212.º
do RGLPFP, pelas razões já adiantadas, então, e tratando‑se de uma questão de
formação/promoção, deve ser enquadrada no princípio geral mencionado nos
artigos 28.º do CCTJPF e artigo 205.º do RGLPFP.»
(dois primeiros itálicos aditados)
E mais à frente:
«(…) Não existindo dúvidas quanto à obrigação de indemnizar, já que o Futebol
Clube B. contribuiu para a valorização e promoção do jogador, debrucemo‑nos
sobre a forma de concretizar o montante da indemnização. A norma de referência
– artigo 18.º, n.º 2 – não nos dá qualquer fórmula de cálculo da ‘indemnização
justa’, nem tão‑pouco o artigo 28.º do CCTJPF ou o artigo 205.º do RGLPF nos dão
critérios de fixação de indemnização. Daí que não possamos deixar de recorrer à
equidade mesclada pelo valor de mercado do jogador e pela sua prestação
desportiva. (…)»
Resulta daqui que um eventual juízo do Tribunal Constitucional no sentido da
inconstitucionalidade da norma do 212.º do Regulamento Geral da Liga não teria,
pois, qualquer efeito útil no caso dos autos, já que a condenação do demandado,
e ora recorrente, se baseou num juízo de equidade, e não naquela norma.
Recorde‑se, aliás, que o recorrente impugnara, no requerimento de recurso de
constitucionalidade, essa norma do artigo 212.º do Regulamento Geral da Liga,
interpretada no sentido de permitir «a amputação da liberdade do trabalhador e
estiolarem o direito ao trabalho, por via da fixação unilateral e arbitrária de
uma compensação a receber de um eventual clube contratante do jogador que
terminou o contrato com o antigo clube, são ilegais e inconstitucionais».
Não pode, aliás, considerar‑se procedente a invocação, feita pela recorrente na
resposta à notificação ordenada pelo Acórdão n.º 69/2007, de que essa norma foi
aplicada porque a sua aplicação «não se reconduz ao momento da fixação da
indemnização», e antes aos «momentos» de «indicação da inclusão do jogador na
‘lista de compensação’» e de fixação unilateral do valor pelo qual o jogador
pode ser «transaccionado», nos termos do citado artigo 212.º, são «condição sine
qua non para surgir o crédito do clube de procedência, podendo dizer‑se que se
ela não for cumprida ou satisfeita o crédito deste clube não surgirá». Com
efeito, a decisão recorrida não se baseou nesses «momentos» para considerar que
era devida uma indemnização, antes disse o seguinte:
«(…) Não sendo a situação em apreço solucionada pelos artigos 35.º da CCTJPF e
212.º do RGLPFP, pelas razões já adiantadas, então, e tratando‑se de uma questão
de formação/promoção, deve ser enquadrada no princípio geral mencionado nos
artigos 28.º do CCTJPF e artigo 205.º do RGLPFP.
O jogador C. deixou o seu país natal pela mão do empresário FIFA – Sr. D. com
destino ao Futebol Clube do B.. Os acompanhantes do fenómeno desportivo estão
recordados das páginas que os jornais desportivos da época consagraram à nova
coqueluche do Futebol Clube do B. realçando as suas qualidades técnicas. As
hostes do Futebol Clube do B., como é bem de ver, ficaram esperançosas que o C.
lhes desse muitas alegrias. Por inadaptação ou por outra qualquer razão, a
verdade é que o jogador não foi feliz durante o primeiro ano que esteve ao
serviço da agremiação que o contratou e de forma a acautelar o seu futuro
profissional e, necessariamente, como forma de melhor se adaptar ao futebol
português, o jogador consentiu em ser emprestado a dois clubes de menor
dimensão desportiva que o seu clube de origem, na certeza que seria quase
sempre opção do técnico dessas equipas, em cada Domingo.
Esta realidade factual, que encontra acolhimento na matéria de facto provada,
permite‑nos concluir com segurança que a B., SAD teve preocupações com a
formação e valorização do jogador, a permitir, mesmo com prejuízos financeiros,
que ele durante dois anos de contrato fosse rodar para equipas que, embora não
tivessem as mesmas exigências desportivas, eram bastante competitivas no
contexto da 1.ª Liga. Este esforço de valorização tem de ser compensado por
parte da equipa que o contratou imediatamente após ter terminado o contrato que
o ligava à B., SAD. Esta obrigação de indemnização resulta, desde logo, no facto
de a A., SAD ter contratado, a custo zero, um jogador que em 31 de Dezembro de
2002 ainda tinha 23 anos de idade, o que permite concluir que se tratava de um
jogador com grande margem de progressão e que jogava numa posição da qual o
futebol português era e é bastante carente – pontas de lança. Não existindo
dúvidas quanto à obrigação de indemnizar, já que o Futebol Clube do B.
contribuiu para a valorização e promoção do jogador, debrucemo‑nos sobre a
forma de concretizar o montante da indemnização.
(…).»
(itálico aditado)
E sobre esta concretização da indemnização, o que disse foi não tendo «aplicação
o artigo 212.º, nenhum sentido faz apelar ao valor de indemnização levada em
tabela pelo Futebol Clube do B. para a partir dele calcular o valor de mercado
do jogador».
Conclui‑se, pois, que este artigo 212.º não foi aplicado pela decisão recorrida,
pelo que não pode ser apreciado no presente recurso. E isto, independentemente
da questão de saber se poderia ter sido impugnada, e ser agora apreciada, como
questão de constitucionalidade de norma(s), a conformidade constitucional do
parâmetro invocado pela decisão recorrida para negar a aplicação da referida
norma do artigo 212.º do Regulamento Geral da Liga ao caso dos autos – isto é, o
artigo 334.º do Código Civil, suporte do juízo de abuso de direito que, no caso,
foi formulado.
Com efeito, tal impugnação não se verificou e não cabe ao Tribunal
Constitucional apreciar o modo como os restantes tribunais, incluindo os
arbitrais, aplicam o direito infraconstitucional. Como se escreveu no Acórdão
n.º 44/85 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., pp.
403‑409) e se tem repetido na jurisprudência constitucional (v. g. Acórdão n.º
186/2000, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46.º vol., pp.
745‑758), em princípio, «o Tribunal Constitucional não pode censurar o modo como
os restantes tribunais aplicam o direito infraconstitucional; apenas lhe compete
controlar o modo como eles aplicam (ou não) o direito constitucional».
Não tendo sido aplicado, como ratio decidendi no acórdão recorrido, o artigo
212.º do Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, não
pode, pois, tomar‑se conhecimento das questões relativas à sua conformidade com
a Constituição.”
Como é patente, a esta parte do Acórdão n.º 181/2007 não aponta a reclamante
qualquer obscuridade ou ambiguidade, antes reitera a sua discordância, aliás já
manifestada na resposta à questão prévia suscitada no Acórdão n.º 69/2007,
quanto a saber se o artigo 212.º do RGLPFP não teria sido aplicado apenas quanto
ao “momento” da fixação da indemnização ou também quanto a outros “momentos”.
Mas, como é sabido, tal discordância, se significa que, na perspectiva da parte,
a decisão judicial padece de erro de julgamento, não a torna, por isso, ambígua
ou obscura, e só para a superação destes vícios é idóneo o incidente do pedido
de aclaração.
E do exposto resulta igualmente que o Acórdão n.º 181/2007 não padece de
nulidade por omissão de pronúncia ao não conhecer de uma questão que ele
entendeu, fundamentadamente, não poder integrar o objecto do recurso.
4. Quanto à questão suscitada nos n.ºs 16.º a 26.º do
requerimento em apreço, é manifesta a sua improcedência, não sendo legítima
qualquer dúvida de que o Acórdão reclamado se pronunciou sobre a norma do
artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 28/98, de 16 de Junho, e não sobre a norma
do artigo 38.º da mesma Lei.
É o que logo resulta, sem qualquer equívoco, da parte
do Acórdão em que se procedeu à delimitação do objecto cognoscível do recurso e
à definição do parâmetro de controlo aplicável. Referiu‑se no Acórdão, logo a
seguir ao ponto anteriormente transcrito:
“7. Daqui resulta, portanto, que as normas a apreciar se hão‑de limitar às
disposições do artigo 18.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho. É a seguinte a
redacção deste preceito (tendo como epígrafe «Liberdade de trabalho»):
«1 – São nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando
condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o
termo do vínculo contratual.
2 – Pode ser estabelecida por convenção colectiva a obrigação de pagamento de
uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante
desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora
desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do
anterior, um contrato de trabalho desportivo.
3 – A convenção colectiva referida no número anterior é aplicável apenas em
relação às transferências de praticante que ocorram entre clubes portugueses com
sede em território nacional.
4 – O valor da compensação referida no n.º 2 não poderá, em caso algum, afectar
de forma desproporcionada, na prática, a liberdade de contratar do praticante.
5 – A validade e a eficácia do novo contrato não estão dependentes do pagamento
de compensação devida nos termos do n.º 2.
6 – A compensação a que se refere o n.º 2 pode ser satisfeita pelo praticante
desportivo.»
No presente caso, apenas estão, porém, em causa (desde logo, apenas foram
impugnados) os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, o que deixa imediatamente de fora o
disposto no n.º 1 desse artigo 18.º – como as próprias alegações da recorrente
também vieram reconhecer –, e outros n.ºs que se apresentam como não
problemáticos no caso dos autos (n.ºs 5 e 6).
Aliás, também esses n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º não são invocáveis como normas
habilitantes, justamente por se haverem desconsiderado as normas habilitadas.
Foi, com efeito, directamente com base no quadro legal que tais disposições da
Lei n.º 28/98 recortavam que foi atribuída (v. fls. 1390 dos autos, ponto B, 2,
da decisão recorrida) a indemnização pedida por uma das partes – e isto, ainda
que elas pressupusessem a intermediação de outras normas que não podem ser
apreciadas por este Tribunal.
Note‑se, ainda, que o recurso, interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, apenas pode visar a apreciação
de normas que tenham sido aplicadas (com fundamento em se ter desconsiderado a
inconstitucionalidade e/ou a ilegalidade invocadas durante o processo), e não de
normas cuja aplicação tivesse sido recusada. Ora, ainda que se pudesse admitir
que para a recusa de aplicação da norma do artigo 212.º do Regulamento Geral da
Liga tenha existido um juízo de inconstitucionalidade (do que pode duvidar‑se),
o que afectou negativamente a posição jurídica da recorrente (e não da
recorrida) foi o juízo, implícito, de constitucionalidade (já se verá que não
de legalidade) que foi formulado na decisão recorrida sobre as normas do artigo
18.º da Lei n.º 28/98. É, pois, esta questão – a da constitucionalidade do
artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 28/98 – a única que pode estar em causa no
presente recurso.
8. Ainda que isso não fosse perceptível logo no momento da pronúncia do despacho
de delimitação do objecto do recurso, as alegações produzidas vieram a
circunscrever as questões de ilegalidade – referidas quer ao artigo 18.º da Lei
n.º 28/98, quer ao artigo 212.º do Regulamento Geral da Liga – à violação de
direito comunitário, incluindo a Carta Social Europeia e a Carta Comunitária dos
Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores («o Tribunal Constitucional
deverá interpretar as normas comunitárias invocadas e, a partir dessa
interpretação, aferir da ‘ilegalidade comunitária’ das medidas restritivas da
liberdade de trabalho dos praticantes desportivos»).
Porém, as únicas questões de ilegalidade que compete ao Tribunal Constitucional
conhecer são as referidas nas alíneas c), d), e) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei do Tribunal Constitucional, sendo que o recurso só vem interposto (também)
ao abrigo desta última. Considerando a remissão que tal alínea f) opera para as
restantes, torna‑se patente a inaplicabilidade desta espécie de recurso no
presente caso: estando apenas em causa o artigo 18.º da Lei n.º 28/98, não foi
invocada, durante o processo, qualquer violação de uma norma com valor reforçado
enquanto tal e nenhuma das restantes hipóteses – diploma regional (quanto à sede
da norma impugnada), no caso da alínea d), e estatuto da região autónoma (quanto
ao parâmetro), no caso da alínea e) – tem aplicação ao caso.
Quer isto dizer que a questão da ilegalidade, sendo, afinal, exclusivamente
referida ao controlo da conformidade da lei interna com o direito comunitário,
não pode ser objecto de apreciação neste momento (embora tenha sido apreciada,
como competia, na decisão recorrida).
9. Conclui‑se, portanto, que o recurso a apreciar é exclusivamente de
constitucionalidade (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional), e que o objecto do recurso se circunscreve à apreciação da
constitucionalidade das normas do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 28/98, de
26 de Junho, interpretadas no sentido de permitirem a previsão de uma
compensação, a título de promoção e valorização profissional, a pagar ao
anterior clube empregador pelo clube que, após a cessação do contrato com
aquele, contrate jogador profissional de futebol.”
Toda a argumentação subsequentemente desenvolvida
teve sempre por objecto a questão assim delimitada e a ela se cingiu, culminando
com a formulação, na parte decisória (III – c)), de um juízo de não
inconstitucionalidade das “normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Lei n.º
28/98, de 26 de Junho”.
A alusão, no contexto dessa argumentação, à norma do
artigo 38.º da mesma Lei não significou qualquer confusão entre as respectivas
previsões (que claramente se diferenciaram) nem, muito menos, um alargamento do
objecto do recurso a esta norma.
Basta ler a passagem do Acórdão n.º 181/2007 em
causa:
“Ora, seria eventualmente contrária ao direito fundamental à liberdade de
trabalho uma norma que permitisse o estabelecimento de uma indemnização a favor
do anterior clube empregador de forma indiscriminada, ilimitada, sem fazer
referência à respectiva causa ou função. No caso, porém, o n.º 2 do artigo 18.º
refere que a indemnização é devida a título de promoção ou valorização do
praticante desportivo, sendo também digna de registo a remissão constante do
artigo 38.º da Lei n.º 28/98 (compensação por formação) para o disposto no
artigo 18.º ora em apreciação, da qual resulta a finalidade da compensação. Em
ambas as hipóteses, o clube formador deverá ser reembolsado por os «frutos» do
seu «investimento» virem a ser «colhidos» por outro clube: na primeira, ao
abrigo do artigo 18.º, por se tratar de entidade empregadora formadora; na
segunda, ao abrigo do artigo 38.º, conjugado com o artigo 18.º, por se tratar de
entidade formadora que celebrou, não um contrato de trabalho mas um contrato de
formação desportiva.”
Não são, assim, legítimas quaisquer dúvidas, que
carecessem de esclarecimento, quanto à identificação do objecto do recurso como
incidindo sobre a apreciação da conformidade constitucional tão‑só das normas do
artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 28/98, sem qualquer extensão, supostamente
geradora de vício de excesso de pronúncia, à norma do artigo 38.º da mesma Lei.
5. Por último, carece de qualquer sentido a pretensão
de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, nos
termos do § 3.º do artigo 234.º do Tratado.
Como resulta dos n.ºs 7, 8 e 9 do Acórdão n.º
181/2007, transcritos no número precedente, foi expressamente excluída a
possibilidade de apreciação da conformidade da lei interna com o direito
comunitário, limitando‑se o objecto de conhecimento possível do Tribunal
Constitucional à conformidade com a Constituição da República Portuguesa de
normas de uma lei ordinária portuguesa tidas por aplicáveis a um litígio entre
duas sociedades portuguesas.
Neste contexto, não se suscita nenhuma questão de
interpretação ou de validade de normas de direito comunitário – questão essa
que, aliás, a reclamante não identifica minimamente – cuja dilucidação se
mostrasse necessária para a decisão do recurso de constitucionalidade.
6. Em face do exposto, acorda‑se em indeferir os
pedidos de aclaração e de reenvio prejudicial formulados pela recorrente.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça
em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Maio de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Carlos Pereira
Rui Manuel Moura Ramos