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Processo n.º 760/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., ora reclamante, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que, além do mais, negou provimento aos agravos por ela deduzidos na ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, que B. e outros lhe intentaram, com sucesso.
O relator, através da decisão sumária n.º 558/2012, não conheceu do recurso, por inidoneidade do seu objeto, que, sustentou-se, não assumia caráter normativo, e inobservância, pela recorrente, do ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa atinente aos preceitos legais sindicados.
A recorrente veio, então, reclamar para a conferência da decisão sumária – entretanto retificada, no segmento decisório atinente a custas, na sequência de um seu pedido de aclaração –, alegando, em síntese, estarem verificados os pressupostos processuais do conhecimento do recurso, que o relator julgou omissos.
Os recorridos, notificados da reclamação, nada disseram.
2. Cumpre apreciar e decidir.
A recorrente, ora reclamante, integrou no objeto do recurso, tal como vem enunciado no respetivo requerimento de interposição, as seguintes questões de inconstitucionalidade:
- artigos 145.º, nºs. 3, 4, 5 e 6, 153.º, n.º 1, e 690.º, nºs. 4 e 5, do CPC, interpretados «no sentido de admitir a alteração de um prazo geral perentório de dez dias para o prazo de quinze dias», pois que a decisão recorrida, «ao impor um prazo de quinze dias contra o disposto no n.º 5 do Art.º 690.º do CPC – que fixa um prazo de dez dias – viola as disposições legais e princípios gerais estruturantes da C.R.P., nomeadamente o Princípio da Separação dos Poderes mediante uma interpretação absoluta e manifestamente contrária à letra da lei e por esta não consentida»; e
- artigos 158.º e 690.º, n.º 4, do CPC, interpretados «no sentido de que o despacho de rejeição do recurso de fls. 1649 e segs. (…) pode invocar motivos de rejeição que não constam, clara e objetivamente, do despacho de fls. 1398 e segs. dos autos, despacho esse através do qual a recorrente foi instada para reformular as conclusões da Apelação [para o TRC] e que viola o Dever de Fundamentação (dever de dizer o direito – jus dicere) consagrado nos Artºs. 20.º e 205.º, n.º 1, da CRP».
Sustenta a reclamante, no essencial, pretendendo, deste modo, contrariar as razões que levaram o relator a não conhecer do recurso, que as referências particulares à forma como o processado se desenvolveu e às concretas decisões judiciais nele proferidas – referências que constam, quer das peças processuais precedentes onde suscitou as questões de inconstitucionalidade que agora pretende ver reapreciadas, quer do requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade – decorreram da necessidade, no primeiro caso, de adequação do discurso argumentativo à própria natureza (comum) dos tribunais a quem competia a sua apreciação, e, no segundo caso, de exigências de ilustração ou exemplificação, com o que ocorreu nos autos, para melhor compreensão do objeto do recurso. Considerando ademais que, em ambos os momentos, abstraindo de tais particulares referências, é possível descortinar a regra (geral e abstrata) que o tribunal recorrido e as instâncias precedentes, violando a lei, que não contempla tal critério de decisão, usaram para decidirem como decidiram, concedendo à contraparte prazo processual que a lei não prevê e, também em flagrante violação da lei, rejeitando um seu recurso, na parte não afetada por quaisquer dos vícios que deram origem à precedente prolação de um despacho de aperfeiçoamento.
Assim, conclui a ora reclamante, é de conhecer do objeto do recurso, porquanto, tal como sucedeu durante o processo, nele são equacionadas verdadeiras questões de inconstitucionalidade normativa, não sendo legítimo excluir como parâmetros de constitucionalidade válidos para uma pronúncia de mérito o invocado princípio constitucional da legalidade, que é expressão do princípio da separação e interdependência de poderes, sendo certo que, à sua luz, o Tribunal Constitucional já apreciou diversas questões de inconstitucionalidade, ainda que versando normas de direito penal ou processual penal (Acórdãos nºs. 183/2008, 603/2009 e 128/2010), não havendo qualquer razão válida para que não o faça noutros ramos do direito.
Não lhe assiste, contudo, razão.
Com efeito, mesmo desenvolvendo, em homenagem ao princípio pro actione e aos valores constitucionais de tutela jurisdicional efetiva e de acesso ao direito por ele tutelados, o esforço de análise e abstração a que a reclamante apela, na interpretação do requerimento de interposição do recurso, e das precedentes peças processuais relevantes, verifica-se, como ajuizado pelo relator, que a reclamante não sujeitou à apreciação do Tribunal Constitucional e, antes, à apreciação do Tribunal recorrido, questão de inconstitucionalidade que verdadeiramente tivesse por objeto uma norma jurídica.
É que, e como a própria reclamante reconhece, não se questiona, agora ou antes, a conformidade constitucional das soluções normativas que o legislador consagrou nos dispositivos legais em causa. O que, diferentemente, se reputa inconstitucional é o facto de os tribunais não as terem acatado, adotando critério de decisão que a lei não prevê nem admite.
Ora, sendo esse o objeto nuclear de censura, é irrelevante, para o efeito de obrigar à pronúncia do tribunal recorrido e à sua reapreciação pelo Tribunal Constitucional, que se apresente, na sua enunciação, como regra usada pelo tribunal recorrido na resolução do caso sub judicio, pois que o que está verdadeiramente em causa é a (alegada) violação da lei pelo Tribunal recorrido, que exorbita os poderes de fiscalização do Tribunal Constitucional, e não a violação da Constituição pela lei, que neles se contêm.
É o que manifestamente sucede no caso concreto quando se invoca e invocou perante as instâncias a inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade e da separação de poderes, da concessão de prazo que a lei não prevê, ou da rejeição de recurso por razões que não constam, clara e objetivamente, de precedente despacho de aperfeiçoamento, por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais.
E, considerando as concretas questões de inconstitucionalidade ora em apreciação, não se diga que os invocados parâmetros constitucionais são aptos à formulação de um juízo de mérito, como sucedeu nos Acórdãos nºs. 183/2008, 603/2009 e 128/10, pois que, não sendo irrelevante a diferente expressividade vinculativa que o princípio da legalidade consabidamente assume no direito penal e processual penal e no direito civil/processual civil, a verdade é que os critérios de decisão neles em sindicância tinham ainda por referente, ou categorias legais previstas no respetivo sistema normativo (Acórdão n.º 183/2008), ou a própria letra da lei (Acórdão n.º 603/2009), ou factos típicos com elevado grau de abstração (Acórdão n.º 128/10), razão pela qual poderiam ser aplicados noutros processos com idêntico objeto, o que, considerando a inexistência de um qualquer referencial autonomizável das especificidades processuais dos presentes autos, não é manifestamente perspetivável no caso concreto.
Não sendo, pois, possível, por tais razões, conhecer do objeto do recurso, é de confirmar a decisão sumária que, com base nelas, assim decidiu.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 27 de fevereiro de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.