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Proc.Nº 302/97
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, pelos fundamentos constantes da exposição do relator de fls. 247 a 256, e que obteve a concordância do recorrido, não tendo o recorrente respondido, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
6 UC's.
Lisboa, 1997.07.10 Vítor Nunes de Almeida Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes (vencido nos termos das declarações de voto apostas nos acórdãos nºs 190/94 e 504/94) Maria Fernanda Palma (vencida) Maria da Assunção Esteves (vencida) José Manuel Cardoso da Costa
ACÓRDÃO Nº 516/97 Proc.Nº 302/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Exposição Preliminar do Relator a que se refere
o Artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. - A. foi condenado no Tribunal Criminal do Círculo do Porto, pela prática de um crime previsto e punido pelos artigo 25º, alínea a) , do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos e seis meses de prisão.
Não se conformando com o assim decidido, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ) que, por acórdão de 16 de Abril de 1997, negou provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs recurso para este Tribunal Constitucional para ser apreciada a questão da constitucionalidade dos artigos 410º e 433º, ambos do Código de Processo Penal de 1987, ou seja a questão da constitucionalidade da chamada 'revista alargada' ou do segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Esta matéria tem sido objecto de variada jurisprudência deste Tribunal, a qual, maioritariamente, tem decidido julgar não inconstitucionais tais normas, pelo que, utilizando a faculdade concedida pelo nº1, segunda parte, do artigo 78º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, se passa a fazer uma síntese dos argumentos em que se funda tal jurisprudência, propondo-se que o Tribunal concluía, de novo, pela não inconstitucionalidade de tais normas.
2. - Assim, nesta exposição vai procurar-se reproduzir o mais resumidamente possível a fundamentação que esteve na base da referida jurisprudência (entre outros, Acórdão nº 322/93, in 'Diário da República', IIª Série, de 29 de Outubro de 1993; Acórdão nº 504/94, de 14 de Julho de 1994, este ainda inédito).
As normas questionadas têm o seguinte teor:
Artigo 410º
(Fundamentos do recurso)
1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação;
c) Erro notório na apreciação da prova;
3. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
Artigo 433ª
(Poderes de cognição)
Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nº 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.'
De acordo com o preceituado no artigo 432º, alínea c), do CPP, há recurso dos acórdãos finais do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça que, enquanto tribunal de recurso, apenas conhece, em regra, de matéria de direito.
No que respeita à matéria de facto, o STJ limita-se a verificar se existe ou não insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; se existe ou não contradição insanável na fundamentação e se foi ou não cometido erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº2, alíneas a) a c), do CPP).
Se o tribunal de recurso constata a ocorrência de algum dos vícios referidos e não pode decidir a causa, tem de determinar o reenvio do processo para se proceder a novo julgamento, que pode abranger a totalidade do objecto do processo ou questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
De qualquer modo, enquanto tribunal de revista, o Supremo só pode concluir pela existência de qualquer dos referidos vícios, se tal resultar do próprio texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum (artigo 410º,nº2, «in fine»).
O tribunal de recurso, enquanto tal, não pode substituir-se à primeira instância na apreciação directa da prova nem realizar ele próprio diligências de prova (cf. Acórdão nº 253/92, in 'Diário da República', IIª Série, de 27 de Outubro de 1992).
O recurso penal, interposto do acórdão final do tribunal colectivo para o STJ estrutura-se, assim, como um recurso de revista ampliada, em que o tribunal de recurso aprecia a decisão de 1ª instância no aspecto da matéria de direito, pois que, quanto ao facto ele intervém somente para
'despistar situações indiciadoras de erro judiciário' (cf. Cunha Rodrigues,
'Recursos', in 'O Novo Código de Processo Penal', pg. 394).
Contrariamente ao que sustenta a recorrente, o sistema acima descrito não colide com as garantias de defesa asseguradas pelo artigo
32º, nº 2, da Constituição (sendo certo que o artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem ou o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos nada acrescentam ao que da norma constitucional invocada decorre sobre tal matéria, pelo que só esta será considerada).
Aquele preceito constitucional não consagra expressamente o princípio do duplo grau de jurisdição, como aliás acontece também com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Aquele princípio surge consagrado apenas no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho), no seu artigo 14º, nº 5, onde se refere que 'qualquer pessoa declarada culpada de crimes terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei'.
É sabido que constitui jurisprudência firme do Tribunal Constitucional que uma das garantias de defesa a que se reporta o artigo 32º, nº
1, da Constituição é justamente o direito ao recurso contra sentenças penais condenatórias, o que equivale a reconhecer o aludido princípio. Todavia, sublinha essa jurisprudência que, 'tratando-se de matéria de facto, há razões de praticabilidade e outras (decorrentes da exigência de imediação da prova) que justificam não poder o recurso assumir aí o mesmo âmbito e a mesma dimensão que em matéria de direito; basta pensar que uma identidade de regime, nesse capítulo, levaria, no limite, a ter de consentir-se sempre a possibilidade de uma repetição integral do julgamento perante o tribunal colectivo'. Conforme resulta do acórdão nº 401/91, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,
20º vol., pág. 153 e segs., que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934, não estará em conflito com a Constituição '... outra solução que não seja a da repetição da prova em audiência perante as relações' pois outros sistemas haverá '...que não porão em causa as garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar, por força do citado preceito constitucional'.
Ora o sistema de revista ampliada, previsto no Código de
1987, deve considerar-se como um desses outros sistemas compatíveis com a Constituição, pois protege o arguido dos perigos de um erro de julgamento - designadamente de um erro grosseiro na decisão da matéria de facto - e, portanto, defende-o do risco de uma sentença injusta.
Observe-se que, estando em causa o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais dos tribunais colectivos, a intervenção destes, tendo em conta as regras do próprio funcionamento destes e as que presidem à audiência de julgamento, constitui uma primeira garantia no julgamento da matéria de facto. O poder do Supremo Tribunal de Justiça de decretar a anulação da decisão recorrida ou determinar o reenvio do processo para novo julgamento, sempre que apurar a existência de insuficiência da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova completa o quadro de uma protecção constitucionalmente adequada em face de sentenças injustas.
Obtemperar-se-á que o vício, susceptível de implicar o reenvio do processo para novo julgamento, resultará do 'texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum'; assim sendo, só muito dificilmente poderá ser despistado pelo Supremo Tribunal de Justiça, dado que a fundamentação da sentença muitas vezes se resumirá a remeter genericamente para os diferentes meios de prova.
Todavia, não deverá ignorar-se que segundo o que se dispõe no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença, para além da 'enumeração dos factos provados e não provados' há-de conter uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal'. A fundamentação da decisão do tribunal colectivo permitirá assim ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório.
Também o Supremo Tribunal de Justiça não está impedido de ter em conta outros factos constantes de documentos mas não referidos na decisão recorrida. É essa uma censura dirigida ao sistema, basicamente por se sustentar que dificulta a relevância da verdade material, que resultaria de o vício, invocado como fundamento do recurso, ter de se fundar no 'texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum'.
Pode, assim, afirmar-se que a 'limitação' dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, quanto ao facto, nos recursos de decisões proferidas pelo Tribunal Colectivo, às hipóteses a que se reporta a norma do artigo 410º do Código de Processo Penal por força da aplicação conjugada da norma do artigo 433º do mesmo Código, se traduz numa solução compatível com a exigência constitucional formulada no artigo 32º, nº 1, da Constituição.
A solução legal preserva o direito ao recurso em matéria de facto, e as garantias aí consagradas assentam, além do mais, em o Supremo Tribunal de Justiça não se encontrar limitado ao texto da decisão recorrida: esta haverá de ser ponderada nas suas implicações em conjugação com as regras da experiência comum.
É de manter, portanto, a jurisprudência uniforme (ainda que, como se referiu, com votos de vencido) deste Tribunal sobre a matéria - v. para além dos acórdãos atrás citados, os Acórdãos nºs 345/92 e 234/93, in DR, II S, de 16 de Março e de 2 de Junho de 1993, e 170/94, 171/94 e 172/94, todos de
17 de Fevereiro de 1994 (in 'Diário da República', IIª Série, de 19 de Julho de
1994), e, mais recentemente, o Acórdão nº 1164/96, (in 'Diário da República', IIª Série, de 14 de Março de 1997).
3. - Pelo exposto, propõe-se, ao abrigo do preceituado no nº1, segunda parte, do artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (na sua actual redacção), que o Tribunal Constitucional decida negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se o acórdão recorrido na parte impugnada.
XXXXXXXX
Ouçam-se as partes, para, querendo, dizerem o que se lhes oferecer.
Lisboa, 1997.06.18