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Processo n.º 808/2005
Plenário
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – CDU-Coligação Democrática Unitária recorre, ao abrigo do
disposto no art. 158º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (LEOAL), da
decisão da Assembleia de Apuramento Geral do Concelho do Porto, alegando o
seguinte:
«1º
A candidatura do Partido Socialista apresentou recurso gracioso dos resultados
eleitorais provisórios das mesas de voto da Freguesia da Sé (doc. 1).
2º
“Por dúvidas no que se refere à afectação dos votos expressos aos partidos
concorrentes bem como a verificação dos votos nulos (sublinhado nosso).
3º
O Mtº Juiz Presidente da Assembleia Geral de Apuramento admitiu o recurso,
determinando a abertura dos envelopes que continham os votos expressos e a sua
conferência.
4º
Vindo a final a dar provimento ao recurso e as rectificações deram origem a uma
nova composição da Assembleia de Freguesia (V. Acta da Ass. de Apuramento Geral
das Eleições dos Órgãos das Autarquias Locais do Concelho do Porto).
5º
Ora acontece que, em tal conferência, se considerou a afectação dos votos
expressos aos partidos concorrentes e não se procedeu à verificação dos votos
nulos, conforme requerido no requerimento de interposição do recurso gracioso.
6º
Sendo certo que em todas as 4 secções de votos foram detectados inúmeros votos
considerados validados, apesar de, visualmente, se constatar que não estavam
legalmente preenchidos.
7º
Efectivamente, o sinal (a cruz) encontrava-se totalmente exterior ao quadrado
respectivo em que deveria ser colocado.
8º
E não tendo havido, em qualquer dessas 4 secções de voto da freguesia da Sé,
qualquer reclamação ou protesto, apesar da presença dos legais representantes do
Partido Socialista.
9º
Assim, por omissão, não foram apreciadas estas apontadas irregularidades, apesar
do recurso gracioso interposto requerer a sua apreciação.
10º
A não apreciação das irregularidades referidas, fere o disposto no Art. 156º da
Lei supra indicada e favorece, claramente, uma força política (O Partido
Socialista), em detrimento de outra (O Partido Social Democrata)
11º
Porquanto, inicialmente, a contagem determinou a composição da Assembleia de
Freguesia com 4 mandatos para o PS, 4 para o PSD e 1 para a CDU, e, após a
recontagem a composição passou a ser de 5 mandatos para o PS, 3 para o PSD e 1
para a CDU.
EM CONCLUSÃO
1º - Fez-se incorrecta interpretação do disposto no n.º 1 do Art. 156º da Lei
Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, ao não se apreciar os votos nulos, como
requerido;
2º - Verificaram-se ilegalidades que ao não serem apreciadas influíram no
resultado geral da eleição do órgão Assembleia de Freguesia da Sé, concelho do
Porto;
3º - Por violação do disposto nos arts. 91º, 115º, n.º 4, 133º e 156º da aludida
Lei deve ser julgada nula a votação apurada na Freguesia da Sé.
Termos em que, o presente recurso deve ser admitido e a final anulada a votação
da Freguesia da Sé, Concelho do Porto, para o devem ser notificados todos os
outros intervenientes, seguindo-se os ulteriores termos do processo».
2 – Notificados os representantes dos partidos, apenas o do Partido
Socialista respondeu, dizendo:
«[…]
1. O PS - Partido Socialista apresentou Recurso Gracioso da contagem de votos da
freguesia da Sé,
2. Recurso este que foi admitido e deferido pelo Meritíssimo Juiz que presidia
àquela Assembleia Geral de Apuramento - conforme resulta da análise atenta de
cópia da 1ª página da Acta desta Assembleia (vide doc. 1)
3. Os termos em que o PS formulou e fundamentou o mencionado Recurso tiveram por
base factos concretos e não ilusões - como o comprova a pág.10 da mencionada
acta (doc. 2 em anexo).
Com efeito,
4. Nas secções de voto nº 2, n.º 3 e n.º 4 verificaram-se erros materiais de
contagem de votos que prejudicavam a candidatura do PS, quer à Câmara Municipal
do Porto, quer no aqui releva à Assembleia de Freguesia da Sé.
5. Assim, bem decidiu o Juiz a quo e a Assembleia a que este Digníssimo
Magistrado presidia.
6. Não se vislumbra pois o escopo do Recurso apresentado pela CDU,
7. Pois inexiste qualquer violação de qualquer das disposições legais.
8. A recontagem de votos foi admitida e bem efectuada, sendo determinante tal
decisão factualmente fundamentada e juridicamente inatacável.
9. Pelo que deve ser confirmada a deliberação daquela Assembleia Geral de
Apuramento eleitoral,
10. Sendo sempre, consequentemente, confirmada a composição da Assembleia de
Freguesia da Sé - em virtude da distribuição de mandatos ditada pela correcta e
insuspeita recontagem de votos.
Nestes termos,
Deve ser declarado improcedente e infundado o Recurso ora em apreço, e a final,
deverá ser sempre confirmada a recontagem de votação da Freguesia da Sé,
concelho do Porto, com todos os devidos e legais efeitos, designadamente a
confirmação da composição daquele órgão autárquico, visado pelo Recurso ora
apresentado a juízo pela CDU».
3 – Tal como foi requerido pelo recorrente, foi ordenada a
requisição de cópia da acta da Assembleia de Apuramento Geral do concelho do
Porto, na parte pertinente ao conhecimento do recurso (assembleia de freguesia
da Sé), bem como do edital de apuramento geral respectivo.
B – Fundamentação
4 – Dos autos recorta-se o seguinte quadro factual:
a) No dia 11 de Outubro de 2005, o Partido Socialista dirigiu ao
Juiz Presidente da Assembleia Geral do concelho do Porto um requerimento no qual
dizia “apresentar recurso gracioso dos resultados eleitorais provisórios das
mesas de voto da freguesia da Sé por dúvidas no que se refere à afectação dos
votos expressos aos partidos concorrentes bem como a verificação dos votos
nulos”.
b) Este requerimento mereceu a seguinte deliberação da Assembleia de
Apuramento Geral do concelho do Porto:
«[…]
FREGUESIA DA SÉ
Por requerimento do mandatário do Partido Socialista foi feita a recontagem
desta freguesia, e para as 3 eleições, tendo-se procedido às seguintes
rectificações:
Secção de Voto nº 2
Na Assembleia de Freguesia, e após recontagem, verificou-se que o PS tinha 271
votos e não 270; na Câmara Municipal verificou-se a existência de 4 votos para o
PND.PPM que não constava da acta.
Na Câmara Municipal verificou-se um erro material no total de votos
contabilizados, que é de 591 e não de 595, conforme consta da acta.
Secção de Voto nº 3
Na Câmara Municipal, e após recontagem, verificou-se que eram 73 e não 71 os
votos atribuídos ao PCP-PEV, também, relativamente ao PS verificou-se que o
número de votos atribuídos foi de 290 e não 292.
Secção de Voto nº 4
Na Assembleia de freguesia, e após recontagem, verificou-se que eram 210 e não
209 os votos atribuídos ao PS. Verificou-se que os votos em branco são em número
de 20 e não de 21.
Na Assembleia de Freguesia, para a atribuição do 9º mandato seguiu-se a
orientação do acórdão nº 15/90 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário
da República 2ª Série de 29-06-1990, pelo que o 9º mandato foi atribuído ao
Partido Socialista.
Tendo em conta os elementos verificados foi elaborado para cada um dos Órgãos da
Autarquia Local o seguinte Apuramento Geral».
c) O resultado deste apuramento geral foi publicado por edital, no
dia 13 de Outubro de 2005, dele constando o seguinte:
«ASSEMBLEIA DE FREGUESIA DE SÉ
Eleitores inscritos: 4962
Votantes: 2425
Votos em branco: 62
Votos nulos: 42
Partido Socialista: 1042
CDU - Coligação Democrática Unitária: 351
PELO PORTO, UMA VEZ MAIS: 833
Bloco de Esquerda: 95».
d) Também por edital da mesma data (13/10/2005), foi publicado o
resultado da distribuição dos mandatos, feita pela mesma assembleia geral, dele
constando seguinte:
«A distribuição dos mandatos foi a seguinte:
1º MANDATO: Partido Socialista
2º MANDATO: PELO PORTO, UMA VEZ MAIS
3º MANDATO: Partido Socialista
4º MANDATO: PELO PORTO, UMA VEZ MAIS
5º MANDATO: CDU – Coligação Democrática Unitária
6º MANDATO: Partido Socialista
7º MANDATO: PELO PORTO, UMA VEZ MAIS
8º MANDATO: Partido Socialista
9º MANDATO: Partido Socialista».
e) A petição do recurso contencioso deu entrada, por fax, no
Tribunal Constitucional, no dia 14 de Outubro de 2005, pelas 22 horas e 16
minutos, tendo sido registada no dia 17 de Outubro de 2005.
5 – Dispõe o art. 158º da LEOAL que “o recurso contencioso é
interposto perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do
edital contendo os resultados do apuramento”.
Por seu lado, estipula-se no n.º 2 do art. 229º da mesma lei que
“quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção
de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se
referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições”.
Ora, de acordo com o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 122º da Lei n.º
3/99, de 13 de Janeiro, o encerramento normal dos serviços do Tribunal
Constitucional ocorre pelas 16 horas.
Conquanto recebida no dia 14 de Outubro de 2005, o certo é que a
petição do recurso deu entrada depois do encerramento normal dos serviços do
Tribunal Constitucional, razão essa que deu azo até a que apenas fosse registada
com a data de 17 de Outubro de 2005 (por 15 e 16 de Outubro terem sido,
respectivamente, sábado e domingo).
Assim sendo, tem de concluir-se que o recurso é extemporâneo,
estando já caducado o direito de recurso.
Na verdade, vem-se entendendo que, neste tipo de recursos, ainda que
os mesmos possam ser interpostos por fax ou telecópia, o requerimento
consubstanciador da petição não pode deixar de dar entrada até ao “termo do
horário normal» da secretaria judicial do dia seguinte à afixação do edital”
(cf. neste exacto sentido, quanto a casos idênticos, os recentes Acórdãos nºs
540/05, 542/05, 543/05 e 550/05, todos inéditos).
O recurso não poderá, assim, deixar de ser rejeitado.
6 – Mas, independentemente de tal razão, sempre o recurso deveria
ser rejeitado por um outro fundamento. É que decorre do disposto no n.º 1 do
art.º 156º da referida LEOAL que é pressuposto da recorribilidade da decisão da
assembleia de apuramento geral que a irregularidade ocorrida no decurso do
apuramento geral haja sido objecto de reclamação ou protesto apresentado no acto
em que se verificaram.
No caso, importava que, independentemente de a reapreciação dos
votos nulos corresponder a um dever oficioso da assembleia de apuramento geral,
por força do estabelecido na parte final do n.º 1 do art.º 149º da LEOAL, o seu
incumprimento, mesmo que por força do deferimento do pedido do recurso gracioso,
tivesse sido objecto de reclamação ou de protesto pelos interessados.
Ora, o que é certo é que o recorrente nem sequer alega que essa
reclamação ou protesto haja acontecido e a acta do apuramento geral também não
prova a sua existência.
De tudo flúi, pois, que não pode tomar-se conhecimento do recurso.
C - Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 20 de Outubro de 2005
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Bravo Serra
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Maria Fernanda Palma (voto a presente decisão
apenas com os fundamentos constantes do ponto
6 do Acórdão).
Mário José de Araújo Torres (com a declaração de
voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei o não conhecimento do recurso apenas com
fundamento na inexistência de reclamação ou protesto apresentados perante a
assembleia de apuramento geral, pois entendo que, diversamente do decidido no
precedente acórdão, o recurso foi tempestivamente apresentado, por razões
similares às expostas nos votos de vencido que apus aos Acórdãos n.ºs 414/2004,
540/2005, 542/2005, 543/2005, e 550/2005.
Na verdade, nos termos do artigo 158.º da Lei que regula
a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL), o recurso
contencioso tendo por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação
e no apuramento local ou geral ou as decisões sobre as reclamações, protestos
ou contraprotestos apresentados contra essas irregularidades “é interposto
perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital
contendo os resultados do apuramento”. Trata‑se, assim, do prazo de um dia (e
não de 24 horas), a contar da data da afixação do edital contendo os resultados
do apuramento geral. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição
especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa
contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo
começa a correr e que o prazo termina às 24 horas do último dia do prazo
(alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra
desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias). Isto é: o
prazo de um dia para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional
começa a correr no início do dia seguinte ao do da afixação do edital e termina
às 24 horas desse dia.
Entendeu‑se, porém, no precedente acórdão que ao caso
era aplicável a regra do n.º 2 do artigo 229.º da LEOAL, nos termos do qual:
“Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção
de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera‑se
referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições”.
A formulação literal do preceito – que não utiliza as
fórmulas habituais de o acto ter de ser praticado em juízo (alínea e) do artigo
279.º do Código Civil) ou perante o serviço público (alínea c) do n.º 1 do
artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo – CPA) –, ao aludir
explicitamente à circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de
entidades ou serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou
serviços, logo inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática
do acto determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e
não já os casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção
de documentos. Daqui deriva, pois, a não aplicabilidade da regra do citado
artigo 229.º, n.º 2, ao presente caso.
Sendo “aplicável ao contencioso da votação e do
apuramento o disposto no Código de Processo Civil”, como expressamente dispõe o
n.º 5 do artigo 159.º da LEOAL, é, hoje em dia, inequívoco não só que “as partes
podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio
electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do
encerramento dos tribunais” (artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil
(CPC), aditado pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto), como também que
quando o acto é praticado por “envio através de telecópia, [vale] como data da
prática do acto processual a da expedição” (artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do
CPC, na redacção do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
Em face do exposto, terminando às 24 horas do dia 14 de
Outubro de 2004 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por telecópia
da respectiva petição, independentemente do “horário de funcionamento” do
serviço destinatário, o envio efectuado às 22h16 desse dia 14 de Outubro não
pode deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável a regra do
artigo 229.º, n.º 2, da LEOAL, por o acto praticado não “envolver a intervenção”
(na acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos, mas a mera
recepção, por qualquer meio, de um documento transmissível por telecópia,
recepção essa que não exige a presença física de qualquer funcionário.
O prazo de um dia é, por definição, sempre superior ao
prazo de 24 horas, pois despreza o tempo decorrido no dia em que ocorreu o
evento que desencadeia o início do prazo e termina às 24 horas do dia seguinte.
A tese que fez vencimento – considerando que o prazo termina às 16 horas desse
dia – tem o efeito (a meu ver inadmissível) de poder transformar um prazo de um
dia em prazo inferior a 24 horas, o que ocorrerá sempre que o edital contendo os
resultados do apuramento geral seja afixado depois das 16 horas.
Mário José de Araújo Torres