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Proc. nº 100/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho proferido pelo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Almada, em 1 de Fevereiro de 1995, que não considerou amnistiadas as multas que lhe foram aplicadas ao abrigo do disposto no artigo 116º do Código Penal.
Nas alegações então apresentadas, o recorrente tirou a seguinte conclusão:
'A decisão em crise violou os arts. 1º/n/ff e 8º/1/b da Lei 15/94 de
11 de Maio, pois o art. 116º do CPP contém matéria ilícita menos gravosa que o art. 388º do CP, pelo que as multas em causa estão amnistiadas/ /perdoadas, tendo a decisão recorrida invadido a competência reservada à Assembleia da República (art. 164º/g da Constituição), ao recusar a aplicação dessa amnistia ou perdão genérico, doutra forma a norma do art. 116º do CPP é inconstitucional.'
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 22 de Outubro de 1996, decidiu rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso de 23 de Fevereiro de 1995.
A. arguiu a nulidade do acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Outubro de 1996, por omissão de pronúncia.
O recorrente sustentou que o Tribunal da Relação de Lisboa se devia ter pronunciado sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada.
O Tribunal da Relação, por acórdão de 19 de Novembro de 1996, desatendeu in totum a arguição de nulidade.
Nesse acórdão, relativamente à omissão de pronúncia, afirmou-se o seguinte:
'2.3. É certo que o acórdão da Relação não se pronunciou sobre a pretensa inconstitucionalidade do art. 116º do CPP. Acontece, todavia, que só a não apreciou ... porque não tinha que a apreciar. É que, para que deva ser apreciada em recurso penal, não basta invocar uma qualquer 'inconstitucionalidade'. É ainda necessário indicar - e a alegação de recurso foi, a esse respeito, completamente omissa - qual o tipo de inconstitucionalidade (orgânica, formal ou material) de que a norma pretensamente inconstitucional enferma e qual a norma ou normas inconstitucionais em que esta suposta inconstitucionalidade se funda. Pois que o art. 412.2 do CPP exige, sob pena de rejeição, que, versando matéria de direito (constitucional), as conclusões do recurso indiquem as normas
(constitucionais) violadas, o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido as interpretou e o sentido em que elas devam ter sido interpretadas ...'
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, com fundamento no disposto nos artigos 280º, nº
1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando a inconstitucionalidade das decisões recorridas.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 18 de Dezembro de 1996, não admitiu o recurso de constitucionalidade, em virtude de o considerar manifestamente infundado.
4. A. reclamou, ao abrigo do disposto nos artigos 76º, nº 4, e
77º, da Lei do Tribunal Constitucional, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso de constitucionalidade.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, em virtude de o recurso de constitucionalidade interposto ser manifestamente infundado e de a questão de constitucionalidade não ter sido suscitado durante o processo de modo adequado.
5. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
6. O recurso de constitucionalidade que o reclamante pretende ver admitido foi interposto com fundamento no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Tal recurso cabe de decisões que tenham aplicado norma cuja conformidade à Constituição haja sido suscitada durante o processo.
O requisito processual consistente na suscitação durante o processo de uma questão de constitucionalidade normativa tem sido entendido pelo Tribunal Constitucional num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada de modo a que o tribunal recorrido possa sobre ela pronunciar-se.
Assim, a questão de constitucionalidade deve ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, e de forma clara e perceptível, de modo a que o juiz a quo se aperceba que tem tal questão para decidir.
O requerimento de arguição de nulidade não é, portanto, momento processualmente adequado para suscitar, pela primeira vez, uma questão de constitucionalidade normativa.
Por outro lado, para que uma questão de constituciona-lidade se considere suscitada de forma clara e perceptível é necessário que o recorrente indique a norma ou a interpretação normativa que considera inconstitucional, a norma ou princípio constitucional que considera violado, devendo ainda apresentar uma fundamentação, ainda que sumária, da inconstitucionalidade suscitada (cf., entre outros, os Acórdãos nºs 155/95 - D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995; 605/96 e 606/96 - inéditos).
Ora, no presente processo, o reclamante limitou-se a afirmar, nas alegações apresentadas perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que a decisão recorrida invadiu a competência reservada à Assembleia da República, sustentando que, de outra forma, a norma contida no artigo 116º do Código de Processo Penal é inconstitucional.
Na primeira afirmação, o reclamante acusa de inconstitucional, e mesmo assim de forma deficiente, a decisão recorrida. Porém, o recurso de constitucionalidade da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tem apenas por objecto a apreciação da conformidade à Constituição de normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e não decisões judiciais, em si mesmas consideradas (cf. o citado Acórdão nº 155/95).
Na segunda afirmação, o reclamante sustenta a inconstitucionalidade da norma do artigo 116º do Código de Processo Penal.
Trata-se, contudo, de uma afirmação de tal forma genérica
(tenha-se presente que o referido artigo tem três números), imprecisa (refira-se que o reclamante limita-se a afirmar que 'de outra forma a norma do artigo 116º do CPP é inconstitucional') e incompleta (não se fundamenta, ainda que minimamente, a inconstitucionalidade invocada), que não é possível apreender qual a norma ou dimensão normativa considerada inconstitucional, a norma ou princípio constitucional que se considera violado, bem como os fundamentos da inconstitucionalidade.
Não se pode assim considerar verificado o pressuposto processual consistente na suscitação durante o processo de uma questão de constitucionalidade normativa. Compreende-se pois que o Tribunal da Relação não tenha apreciado a questão de constitucionalidade que o reclamante afirma ter suscitado. Na verdade, perante esse tribunal não foi colocada adequadamente qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Não tendo sido suscitada durante o processo e de modo adequado uma questão de constitucionalidade normativa, há que concluir que o recurso de constitucionalidade interposto não pode ser admitido, pelo que a presente reclamação deve ser indeferida.
III Decisão
7. Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se, consequentemente, o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs.
Lisboa, 18 de Junho de 1997 Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa