Imprimir acórdão
Processo nº 65/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.1.- No Tribunal Judicial da Comarca das Caldas da Rainha, A. e outros, intentaram acção contra B. e outros, nomeadamente a Junta de Freguesia C., pedindo que estes sejam condenados a reconhecê-los como legítimos proprietários do prédio que identificam, restituindo-o livre e desocupado e abstendo-se de dele extrair e levar qualquer quantidade de pedra, e, bem assim, a pagar-lhes, solidariamente, uma quantia indemnizatória.
A acção seguiu a sua tramitação normal, após o que foram os réus absolvidos do pedido. No entanto, na subsequente apelação o Tribunal da Relação veio a condená-los.
Reagiram os réus, e a Junta de Freguesia, recorrendo separadamente de revista, pediu a anulação de todo o processado a partir do momento da primeira notificação em falta ou a revogação do acordão recorrido.
O Supremo Tribunal de Justiça, no entanto, por acordão de 12 de Março de 1996 (fls. 14 e segs. destes autos) manteve a anterior decisão, negando as revistas.
No dia 27 do mesmo mês, a Junta de Freguesia interpôs recurso para o Tribunal Pleno, nos termos dos artigos 763º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), na redacção anterior ao Decreto-Lei nº
329-A/95, de 12 de Dezembro, recurso esse que, por despacho do Conselheiro Relator de 16 de Setembro de 1996 (fls. 33), não foi admitido uma vez que, alicerçado o mesmo nas disposições combinadas dos artigos 763º a 765º desse Código, já anteriormente à data da interposição estavam esses preceitos revogados por força do artigo 17º, nº 1, deste último decreto-lei.
1.2.- A Junta de Freguesia recorre, então, para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo de 12 de Março de 1996 e do despacho de 16 de Setembro seguinte, e, após cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vem aos autos esclarecer que o faz ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 70º deste diploma legal.
Em sua tese, o recurso com base na alínea a) tem a ver com a recusa do Supremo em aplicar os artigos 763º a 765º do CPC com o fundamento da sua revogação imediata pelo nº 1 do citado artigo 17º, o que ofende o princípio constitucional consagrado no nº 3 do artigo 18º da Constituição da República (CR); por sua vez, o recurso com base na alínea b), respeita à violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º, do princípio de acesso aos tribunais previsto no artigo 20º e do princípio geral de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos previsto no artigo 205º, todos da Lei Fundamental.
O recurso não foi recebido por despacho do Conselheiro Relator, de 30 de Outubro de 1996 (fls. 38), confirmado por acórdão, em conferência, de 30 de Janeiro último (fls. 9), após reclamação da Junta recorrente, nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
Para esse magistrado, aquando da interposição do recurso de constitucionalidade já o acórdão de 12 de Março transitara em julgado.
Escreveu-se no aludido despacho:
'1.- A Junta de Freguesia C., nestes autos de recurso de revista em que são recorrentes ela e outros e recorridos A. e marido e outros, veio, em 01.10.96, interpôr recurso para o Tribunal Constitucional do acordão deste Supremo Tribunal, de 12 de Março de 1996, proferido a fls 646 e segs. e, ainda, do despacho do Relator de 14 Set. 96, a fls 699, que não admitiu o recurso do acórdão de fls 646 e segs. para o Tribunal Pleno.
Convidado o recorrente para indicar os elementos referidos no nº 1 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, veio o mesmo dizer que o recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do art 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro com a redacção introduzida pela Lei nº 85/89 de 7 de Setembro.
Cumpre decidir
2.- O acórdão deste Supremo Tribunal de 12 Março de 1996, a fls 646 e segs., já tinha transitado em julgado aquando da interposição do presente recurso, com base nos elementos que se passam a destacar:
a) a Junta de Freguesia, ora recorrente, notificada do acórdão de fls 646 e segs., veio arguir a nulidade do mesmo, em 25 Março 96 - fls. 673.
b) a reclamação foi indeferida por acórdão de 18 de Junho de
1996 - fls. 673.
c) a Junta de Freguesia, ora recorrente, veio interpôr recurso para o Tribunal Pleno do acórdão de fls. 646 e segs. em 27 de Março de
1996 - fls. 678.
d) o Relator, por despacho de fls. 16 Set 96, não admitiu o recurso para o Tribunal Pleno - fls. 649.
e) a Junta de Freguesia, ora recorrente, foi notificada em
19 Set. 96, do despacho referido em d) cota fls 699 v.
3.- Com base em tais elementos aponta-se que o acórdão de fls
646 e segs. transitou em julgado em 26 Set. 96, data até à qual a Junta de Freguesia, ora recorrente, devia ter reclamado para a conferência do despacho do Relator que não recebeu o recurso para o Tribunal Pleno - artº 700º nº 3, Cód. Proc. Civil.
4.- Do acórdão de fls. 646 e segs. podia recorrer-se para o Tribunal Constitucional (caso não tivesse transitado em julgado) caso se verificasse o fundamento intocado no requerimento de fls. 703: a parte do recurso com fundamento na al. b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, diz respeito à violação do princípio previsto no artº 13º, do princípio do acesso aos Tribunais previsto no artº 20º e do princípio geral de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos previsto no artº 205º da Constituição.
Certo é, porém, que tal fundamento não colhe no caso do acórdão de fls 646 e segs , na medida em que não aplicou norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, maxime nas alegações do recorrente para este Supremo Tribunal de Justiça.
5.- Por último, cabe dizer que do despacho do Relator que não admitiu o recurso do acórdão de fls 646 e segs para o Tribunal Pleno não se recorre para o Tribunal Constitucional, as sim requer-se que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão - art 700º nº 3, Cód. Proc. Civil.
Acontece que não se admitiu recurso para o Tribunal Pleno com o fundamento não que as normas dos artºs 763º e 765º do Cód Proc Civil fosse inconstitucionais mas sim que as mesmas não se encontrava em vigor à data da interposição do recurso para o Tribunal Pleno - precisamente em 27 de Março de 1996 fls 678.
Tais normas foram revogadas pelo artº 17º nº 1 do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, entrado em vigor em Janeiro de 1996.
Termos em que não se admite recurso quer do acórdão de fls 646 e segs. quer do despacho de fls. 699 (que não admitiu recurso para o Tribunal Pleno) para o Tribunal Constitucional
Sem custas para das mesmas estar isenta a recorrente Junta de Freguesia C..'
1.3.- Reagiu a Junta de Freguesia C., reclamando, ao abrigo do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, para o Presidente do Tribunal Constitucional do acórdão de 30 de Janeiro de 1997.
Recebidos os autos, correram-se os vistos legais.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto, observou, na intervenção prevista no nº 2 do artigo 77º daquele diploma legal:
'Reporta-se a presente reclamação ao indeferimento de dois recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, interposto pelo ora reclamante ao abrigo da alínea a) e da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82.
O recurso interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 daquele preceito configura-se como manifestamente inadmissível, já que:
- a decisão recorrida não recusou aplicar as normas que previam e regulavam no CPC o recurso para o Tribunal Pleno com fundamento na respectiva 'inconstitucionalidade', mas tão-somente na circunstância de as ter havido como revogadas pelo artº 17º do DL. 329-A/95;
- o recurso foi interposto de um despacho proferido pelo relator, não curando o recorrente de previamente o impugnar pela via prevista no nº 3 do artº 700º do CPC, obtendo, deste modo, um acórdão proferido pela conferência: pretendeu, desta forma, o ora reclamante interpor um recurso de constitucionalidade de uma decisão 'provisória' do relator, o que desde logo o condena.
Quanto ao recurso interposto nos termos da alínea b) do nº 1 daquele artº 70º, verifica-se que:
- tal recurso seria efectivamente extemporâneo se se aderisse à interpretação do preceituado no nº 2 do artº 75º da Lei nº 28/82 constante, nomeadamente, do AC. nº 181/93 - segundo a qual, não sendo o recurso para o Pleno qualificável como 'recurso ordinário', o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional não beneficiaria da suspensão naquele preceito prevista, na hipótese de aquele recurso não vir a ser admitido; não é este, porém, o entendimento que temos seguido, por se nos afigurar que - não devendo, embora, impôr-se às partes o ónus de esgotamento dos recurso destinados à uniformização da jurisprudência - eles não deverão resultar prejudicados em função da circunstância de haverem interposto um desses recursos e de o mesmo vir a ser julgado findo ou legalmente inadmissível.
Nesta perspectiva, seria ainda tempestivo o recurso de constitucionalidade interposto nos 8 dias subsequentes à notificação da decisão que julgou legalmente inadmissível o recurso para o Pleno do STJ inicialmente desencadeado pelo recorrente;
- sucede, porém, que o ora reclamante não suscitou, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade da interpretação adoptada quanto à norma do artº 205º, nº 1, do CPC - cfr. as conclusões 1ª e 2ª da alegação que apresentou na revista perante o STJ, transcritas a fls. 16 dos presentes autos.
Assim sendo, por carência de um essencial pressuposto de admissibilidade, não deveria ter sido admitido nenhum dos recursos interpostos pelo ora reclamante para este Tribunal, o que conduz à improcedência da presente reclamação.'
Cumpre decidir.
2.1.- O problema da admissibilidade do recurso interposto nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
De acordo com este preceito cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.
No caso vertente, não se recorta situação semelhante ou equiparável: não houve recusa de aplicação de norma com esse fundamento, mas apenas a não aplicação dos preceitos do Código de Processo Civil sobre recurso para o Tribunal Pleno em razão dos mesmos terem sido revogados - já ao tempo da interposição do recurso - pelo artigo 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº 329-A/95.
Ora, como se escreveu no acórdão nº 350/92
(publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Março de 1993), e outros se poderiam mencionar. a via de recurso com base nesta alínea só se abre 'se o tribunal a quo tiver rejeitado, com fundamento na sua inconstitucionalidade, a aplicação ao caso concreto do conteúdo ou do regime jurídico constante de uma determinada norma jurídica'.
Não é este, por conseguinte, manifestamente, o caso.
2.2.- O problema da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do citado artigo 70º.
A apreciação desta questão subentende uma outra, ligada à tempestividade da iniciativa da reclamante, pois que relativa ao início da contagem do prazo do recurso de constitucionalidade e, como tal, à qualificação como 'recurso ordinário', para efeitos do nº 2 do artigo 75º da lei nº 28/82, do recurso para o Tribunal Pleno, por oposição de acórdãos.
Como quer que seja, sempre o recurso, também neste caso, estaria sujeito a não ser recebido por falta de um dos seus pressupostos de admissibilidade, o da suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade equacionada: só na sequência do requerimento de interposição de recurso, limitado à invocação de 'inconstitucionalidade e ilegalidade das normas aplicadas', e do despacho do Conselheiro relator do Supremo, emitido à luz do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, é que a reclamante vem, pela primeira vez, invocar o entendimento do Supremo no sentido de inexistência de nulidade pelo facto de não ter sido notificada para alegar na apelação para a Relação, uma vez que ao caso se aplicaria o disposto no nº 1 do artigo 205º do Código de Processo Civil, entendimento este que tem por violador do princípio do contraditório e do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da CR.
Sendo assim, não ocorreu a suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo, no sentido atribuído a esta locução pela jurisprudência reiteradamente firmada do Tribunal Constitucional (como dão exemplos os acórdãos nºs. 3/83, 206/86, 94/88 ou 80/92, publicados no Diário da República, II Série, de 26/1/84, 23/10/86, 22/8/88 e 18/8/92, respectivamente).
3.- Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Sem custas, por isenção.
Lisboa, 18 de Junho de 1997 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz José Manuel Cardoso da Costa