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Processo n.º 218/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. e B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 30 de
Março de 2005, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade por eles interposto e condená-los em custas, com sete
unidades de conta de taxa de justiça, por cada um. Tal decisão teve o seguinte
teor:
«1. No processo comum n.º 974/03.0PCBRG, que correu seus termos na Vara Mista do
Tribunal Judicial de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos A. e B.,
tendo sido: o primeiro condenado na pena de um ano e seis meses de prisão pela
prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º
e 204.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão por
cada um dos dois crimes de roubo, p. e p. no artigo 210.º, n.º 1, do Código
Penal, na pena de oito meses de prisão pela prática de um crime de furto
simples, previsto no artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, e na pena de oito
meses de prisão pela prática de um crime de evasão, nos termos do artigo 352.º,
n.º 1, do Código Penal; e o segundo condenado na pena de dois anos de prisão por
cada um dos dois crimes de roubo que praticou, previstos e puníveis pelo artigo
210.º, n.º 1, do Código Penal. Efectuado o cúmulo jurídico, o arguido A. foi
condenado na pena única de quatro anos de prisão e o outro arguido na pena única
de dois anos e oito meses de prisão. Foram ainda ambos os arguidos condenados ao
pagamento de indemnização cível, nos termos dos pedidos contra si deduzidos por
C., D., E. e F..
Desta decisão interpuseram os arguidos recurso para o Tribunal da Relação de
Guimarães, concluindo na sua motivação:
“1.ª - A condenação infligida ao muito jovem arguido A. é excessiva no contexto
dos autos e desproporcionada, ademais verificada agora a circunstância de,
entretanto, ter indemnizado completamente as pessoas que lesou.
E também pela circunstância de a tal condenação dever vir a adicionar-se a
anterior condenação cuja execução vinha estando suspensa.
Ficando, assim, também longamente privado de tirar proveito do Curso de Formação
Profissional que, com êxito, frequentou.
- Cf. documento novo superveniente n.º 7.
2.ª - A participação do co-arguido A. relativamente ao sucedido ao pequeno
veículo X. - rapidamente recuperado pelo dono - deverá enquadrar-se no art.º
208.º do Código Penal (‘furto de uso de veículo’) e não na disposição relativa a
furto qualificado (art.º 204.º, n.º 1, do Código Penal).
3.ª - E a toxicodependência de que padece - e de que, com persistente apoio
familiar pretende libertar-se - só beneficia com a não sujeição ao promíscuo
ambiente prisional.
4.ª - A análise e o enquadramento da conduta do arguido B. deverá ser feita à
luz das perturbações de que sofre com a sua toxicodependência (presentemente
muito atenuada com as solicitações profissionais que o ocupam) e da perturbação
pessoal com o processo de divórcio litigioso que contra si pende.
- Cf. documento novo superveniente n.º 6.
E deverá beneficiar do facto de, entretanto, ter indemnizado totalmente os
lesados pela sua conduta.
5.ª - À luz do que o arguido B., com responsabilidades familiares (três filhos
menores, a favor de quem foi já estabelecido o regime de pensão de alimentos
provisórios de 300 €/mês!), profissionalmente bem integrado, com acolhimento
assegurado pelos seus pais - só beneficiaria com a efectiva suspensão da pena
aplicada, como se propugna, agora que as pessoas que lesou foram por si
completamente indemnizadas.
6.ª - À atenuação especial das penas aplicadas deverá seguir-se pois a suspensão
da sua execução, visto que, afinal, há reacções penais não detentivas que, em
concreto, se mostram mais adequadas.
E a pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes
medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção.
- Cf. Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.”
O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Braga respondeu suscitando a
questão prévia da incompetência do Tribunal da Relação para conhecer do recurso,
e ainda, a não ser declarada a incompetência, no sentido da improcedência do
recurso, tendo estas posições sido defendidas também pelo representante do
Ministério Público no Tribunal da Relação de Guimarães.
Por acórdão de 3 de Maio de 2004, o Tribunal da Relação de Guimarães rejeitou,
por manifestamente improcedente, o recurso interposto pelos arguidos. Pode
ler-se nesse aresto:
“Questão prévia
O Ministério Público, em ambas as instâncias, suscita a questão da incompetência
do Tribunal da Relação para conhecer dos recursos interpostos pelos arguidos do
acórdão do tribunal colectivo, atribuindo a competência ao Supremo Tribunal de
Justiça, nos termos do art.º 432.º, al. d), do Código de Processo Penal, por
entenderem que os recursos visam exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Salvo o devido respeito que nos merecem as opiniões daqueles magistrados do
Ministério Público, entendemos que a competência cabe à Relação.
Com efeito, conforme se vê das conclusões formuladas pelos recorrentes, as
quais, como sabido, delimitam o âmbito dos recursos, os recorrentes para além da
questão da qualificação jurídico-penal de alguns dos factos, discordam da medida
das penas aplicadas, mas fazem-no, neste último aspecto, baseados em factos que
pretendem ver apreciados.
Consequentemente, a competência para conhecer dos recursos interpostos cabe ao
Tribunal da Relação nos termos dos art.ºs 427.º e 428.º, n.º 1, ambos do Cód.
Proc. Penal.
Improcede, assim, a questão suscitada.
*
Conforme flui da motivação de recurso, os recorrentes, em boa verdade, não
observam o disposto no artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Porém,
um eventual convite que lhes pudesse ser endereçado para o devido
aperfeiçoamento apenas se traduziria, in casu, numa inobservação ao princípio da
celeridade processual, uma vez que é possível descortinar a fundamentação da
pretensão dos recorrentes.
Posto isto.
Conforme supra referido, uma das questões suscitadas é a da dosimetria penal.
Porém, a discordância dos recorrentes, neste particular, está interligada à
alegação de factos novos e supervenientes à decisão recorrida, os quais
pretendem que sejam apreciados por este tribunal, fazendo acompanhar a motivação
de documentos destinados à prová-los.
Acontece, porém, que as Relações, quando conhecem de facto, reapreciam a decisão
fáctica da primeira instância e apenas em face da prova por esta conhecida ou
que podia conhecer.
Às Relações não compete conhecer de questões novas (sejam elas de direito ou de
facto), isto é, de questões que não foram, porque o não podiam ser, apreciadas
pelo tribunal recorrido (cfr. art.º 410.º, n.º 1, do CPP: ‘...o recurso pode ter
como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão
recorrida’).
Daí que este tribunal não conheça dos documentos juntos com a motivação.
E chegados aqui, uma conclusão logo se impõe: é manifesta a inviabilidade dos
recursos.
Assim, sustenta o recorrente A. que a sua participação ‘...relativamente ao
sucedido ao pequeno veículo X. - rapidamente recuperado pelo dono - deverá
enquadrar-se no art.º 208.º do Código Penal (‘furto de uso de veículo’) e não na
disposição relativa a furto qualificado (art.º 204.º, n.º 1, do Código Penal)’.
Acontece que o recorrente não indica quais as razões da sua discórdia. Ora,
alegar não é só afirmar que se discorda. É preciso ainda dizer as razões da
discordância. E o motivo da discórdia quanto à qualificação jurídico-penal não
assentará certamente no facto de o veículo ter sido, nas palavras do recorrente,
‘rapidamente recuperado pelo dono’...
Destarte, a factualidade provada, e que está estabilizada na ausência de
qualquer um dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, afasta
claramente a pretensão do recorrente. Como bem refere o Ministério Público na
resposta à motivação, ‘Da matéria de facto provada resultam todos os elementos
objectivos e subjectivos do crime de furto qualificado p. p. pelos art.ºs 203.º
e 204.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal: a subtracção, como violação do poder de
facto para guardar o objecto do crime e de dispor dele e a substituição desse
poder pelo agente, a qualidade de ‘coisa móvel alheia, propriedade de alguém e
com um valor’ e a ilegítima intenção de apropriação da coisa’, além de que se
verifica a qualificativa da al. a) do n.º 1 do citado art.º 204.º, face ao valor
do veículo de 13.000 euros (cfr. art.º 202.º, a), do CP).
Quanto à impetrada atenuação especial das penas, entende-se que a imagem global
dos factos provados não justifica a aplicação do instituto em causa. De resto,
os próprios recorrentes fazem alcandorar tal pretensão em factos supervenientes
à decisão recorrida, os quais, já o dissemos, não podem ser tomados em
consideração.
Por outro lado, as penas parcelares aplicadas aos recorrentes estão
correctamente doseadas à luz do disposto nos art.ºs 71.º, n.ºs 1 e 2, e 40.º,
n.º 2, ambos do Código Penal (cuja violação nem sequer se mostra invocada), como
correcta é a pena única aplicada a cada um deles (também aqui não se mostra
invocada a violação do disposto no art.º 77.º do Código Penal).
Quanto à impetrada suspensão da execução da pena é manifesto que a possibilidade
da sua aplicação ao arguido A. está desde logo afastada, nos termos do art.º
50.º, n.º 1, do Código Penal, face à pena única de 4 anos que lhe foi aplicada.
Quanto ao arguido B., há que dizer o que segue.
Como sabido, pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da
execução das penas previsto no citado artigo 50.º é que o tribunal, atendendo à
personalidade do agente, às condições de vida, à sua conduta anterior e
posterior ao facto e às circunstâncias deste, conclua por um prognóstico
favorável relativamente ao comportamento futuro do mesmo, ou seja, acreditando
que o agente sentirá a condenação como uma advertência e terá capacidade para
não voltar a prevaricar.
Pois bem, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer reparo ao não
suspender a execução da pena a este arguido.
Com efeito, o número de crimes perpetrados pelo arguido e o seu pretérito
criminal revelam uma personalidade propensa à prática de crimes que não são
considerados de pequena criminalidade, sendo que o facto de ser pai de três
filhos menores e de exercer a profissão de electricista nem sequer constituiu
óbice à prática dos crimes dos autos. Acresce que a situação de
toxicodependência do arguido, sabido como a mesma anda associada à pratica de
crimes como os dos autos, e sem que os autos demonstrem qualquer vontade do
arguido para dela se recuperar, também não permite concluir pela existência de
um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do
recorrente.
Em suma, nenhum reparo merece a decisão recorrida ao não suspender a execução
das penas aos recorrentes.
O recurso é, assim, manifestamente improcedente, e como tal, tem de ser
rejeitado.”
2. Inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, alegando em conclusão:
“1.ª - A rejeição do recurso pelo Tribunal da Relação de Guimarães, invocando
para tal os preceitos conjugados dos artigos 412.º e 420.º do C. P. Penal, é
inconstitucional, decorrendo essa inconstitucionalidade de ter sido declarada,
com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, por seu Acórdão de 21
de Julho (n.º 337/2000).
2.ª - Em vez dessa rejeição, deverá ser ordenado o prosseguimento do recurso
interposto naquela Relação, com marcação de audiência de julgamento em segunda
instância para adequado e constitucional contraditório, em matéria de facto e de
direito, incluindo os factos novos supervenientes, a exemplo do que sucede no
âmbito do artigo 524.º, 1 e 2, do Código do Processo Civil, aplicável por força
do artigo 49.º do Código de Processo Penal.
3.ª - Sendo a Justiça aplicada pelos Tribunais em nome do povo - cf. artigo
202.º da Constituição da República Portuguesa - repugnaria à consciência popular
que em segunda instância deixassem de ser decisivos para a justiça material do
caso dos autos elementos de prova de integral ressarcimento superveniente de
danos aos lesados sem que daí adviesse repercussão muito favorável no
enquadramento penal da conduta dos arguidos.
4.ª - O Tribunal da Relação, em audiência de julgamento em segunda instância (em
matéria de facto e de direito) deve ordenar oficiosamente ou a requerimento a
produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário
à descoberta da verdade e à boa decisão da causa - cf. artigo 340.º do C. P.
Penal.
5.ª - A criminalidade de que tratam os presentes autos, atentos, designadamente,
todos os elementos de prova apresentados até à audiência de julgamento em
segunda instância, não se enquadra na chamada grande criminalidade pelo que -
nos termos do Ponto 6, b), do Preâmbulo do C. P. Penal em vigor - se devem
privilegiar no seu tratamento soluções de consenso.”
Na sua resposta, o Ministério Público suscitou a questão prévia da
irrecorribilidade do acórdão impugnado, nos termos do artigo 400.º, n.º 1,
alínea f), do Código de Processo Penal, questão que foi reiterada pelo
representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Notificados para responder, os arguidos reafirmaram a posição assumida na
motivação de recurso.
Por acórdão tirado em conferência, de 17 de Novembro de 2004, o Supremo Tribunal
de Justiça decidiu rejeitar os recursos, “por a decisão impugnada os não
admitir”, com os seguintes fundamentos:
“(...)
2. Decidindo.
2.1. São decididas em conferência as questões suscitadas em exame preliminar;
O recurso é julgado em conferência quando deva ser rejeitado;
O recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a
sua não admissão;
O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível;
Em caso de rejeição, o acórdão limita-se a especificar sumariamente os
fundamentos da decisão (art.ºs 417.º, n.º 3-c), 419.º, n.ºs 3 e 4, a), 420.º,
n.ºs 1 e 3, e 414.º, n.º 2, todos do CPP).
2.2. Como foi referido, no exame preliminar, o Relator entendeu que o acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães que rejeitou o recurso dos Arguidos interposto
da decisão da 1.ª instância não admitia recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, acolhendo os argumentos dos Senhores Procuradores-Gerais Adjuntos que
intervieram no processo.
E, agora, confirma-se esse entendimento.
Na verdade, especificando sumariamente as razões desse entendimento,
- os Arguidos foram condenados em primeira instância pela prática de concursos
de crimes, o mais grave dos quais, o de roubo, é punível com prisão até 8 anos
(art.º 210.º, n.º 1, do C Penal);
- Não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça as decisões proferidas
pelas relações em recurso, nos termos do art.º 400.º (alínea a) do art.º 432.º
do CPP);
- Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso,
pelas relações, que confirmem a decisão de 1.ª instância, em processo por crime
a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de
concurso de infracções (alínea f) do n.º 1 do art.º 400.º);
- no caso de concurso de infracções, constitui jurisprudência estabilizada deste
Tribunal a de que a pena de prisão aplicável não superior a 8 anos relevante é a
correspondente a cada um dos crimes em concurso e não a moldura deste,
determinada de acordo com a regra do n.º 2 do art.º 77.º do C Penal - cfr. a
jurisprudência citada por aqueles dois Magistrados do Ministério Público que
aqui damos por inteiramente reproduzida;
- Do mesmo modo e como demonstram os mesmos Magistrados, o Supremo Tribunal de
Justiça entende que a decisão da relação que rejeitou o recurso interposto da
1.ª instância, por o julgar manifestamente infundado, é uma decisão de fundo,
confirmativa da decisão que, perante si, foi impugnada (cfr., por mais recentes,
os Acs. de 15.10.03, P.º 1870/3.ª, e de 04.03.04, P.º 4249/5.ª).
Estamos, pois, perante uma situação de dupla conforme, em processo por concursos
reais de crimes, nenhum deles punível com pena de prisão superior a 8 anos. Como
assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães não admite recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições legais que acima se
invocaram.
Não sendo admissíveis os recursos, devem agora ser rejeitados, sendo certo que o
despacho que os admitiu no Tribunal recorrido não vincula o Supremo Tribunal de
Justiça, nos termos do art.º 414.º, n.º 3, do CPP.
(O desesperado apelo que o[s] Recorrentes fazem aos documentos supervenientes,
susceptíveis, segundo dizem, de conduzir a um desfecho judicial diametralmente
oposto ao atingido na 1.ª instância é questão que eventualmente poderá ter
relevância processual própria de que não cabe aqui tratar e/ou conhecer).”
Notificados deste acórdão, os arguidos requereram a sua aclaração, pretendendo
explicitação sobre:
“a) se a relevância processual própria dos documentos supervenientes estará – no
pensamento de V.Ex.as, Senhores Conselheiros – conexionada com os pressupostos e
procedimentos previstos nos artigos 449.º a 466.º do Código de Processo Penal
vigente;
b) relevância do apoio judiciário nestes autos.”
O Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se
pelo indeferimento da pretensão dos requerentes, uma vez que “nada há de
equívoco ou obscuro no acórdão recorrido que careça de esclarecimento”.
Por acórdão de 26 de Janeiro 2005, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o
referido pedido, nos seguintes termos:
“(...)
2.1. Efectivamente, depois de termos rejeitado o recurso interposto do acórdão
do Tribunal da Relação de Guimarães, por não ser legalmente admissível,
escrevemos, entre parêntesis, que ‘o desesperado apelo que os Recorrentes fazem
aos documentos supervenientes, susceptíveis, segundo dizem, de conduzir a um
desfecho judicial diametralmente oposto ao atingido na 1.ª instância, é questão
que eventualmente poderá ter relevância processual própria de que não cabe aqui
tratar e/ou decidir’.
O sentido da decisão e dos seus fundamentos - rejeição do recurso por legalmente
inadmissível - é perfeitamente claro e insusceptível de criar dúvidas sobre o
seu sentido.
E, de facto, os Requerentes não lhe apontam qualquer obscuridade ou ambiguidade.
O que pretendem é que se esclareça o sentido da consideração feita sobre a
eventual relevância dos referidos documentos supervenientes.
Essa consideração, todavia, já não faz parte da decisão e da sua fundamentação.
Constitui mera indicação de que poderá não estar processualmente perdida a
relevância que atribuem a esse documentos. O Senhor Procurador-Geral Adjunto
chama-lhe ‘considerações (...) de natureza meramente pedagógica’.
Ora, ao Tribunal cumpre decidir. Não lhe cabe, em circunstância alguma, o papel
de consultor dos sujeitos processuais. Por isso que o pretendido esclarecimento
não tem qualquer cabimento.
2.2. Por outro lado, nenhuma posição se tomou, no mesmo acórdão, sobre o apoio
judiciário - razão por que, sobre essa matéria, também nada tenha que ser
esclarecido. Reitera-se, todavia, a doutrina do n.º 4 do art.º 18.º da Lei n.º
34/2004, de 29 de Julho.
3. Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se indefere o
requerido.”
3. Vieram então os recorrentes interpor o presente recurso de
constitucionalidade, pela seguinte forma:
“- O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro.
- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 410.º,
n.º 1, do CPP quando interpretada no sentido de que ‘às Relações, quando
conhecem de facto, não compete conhecer de questões novas, isto é, de questões
que não foram, porque o não podiam ser, apreciadas pelo tribunal recorrido...’.
Daí se seguindo que a Relação não tenha conhecido dos documentos juntos com
motivação. Para logo se concluir pela inviabilidade dos recursos.
- Pretende-se ainda que, em reforço argumentativo, se compagine o devastador
efeito da controvertida interpretação na decidida OMISSÃO DE CONHECIMENTO de
documentos supervenientes juntos com a motivação, envolvendo pesados,
desproporcionados e injustos efeitos, ao deixarem, assim, de ser subsumidos
aqueles factos novos supervenientes nas disposições legais aplicáveis.
Exemplificativamente, aplicação de penas excessivas - logo, injustas - aos
(novos) factos, decorrente efeito de não admissão de suspensão de execução de
tais penas quanto ao arguido A., valorização excessivamente negativa do
relacionamento e exemplo familiar do arguido B., subvalorização do efectivo
apoio que esse mesmo arguido vem assegurando aos seus três filhos menores - a
qual muito terá contribuído para que também ele não tivesse beneficiado da
suspensão da execução da pena - desconsideração do facto (novo...) de ambos os
arguidos estarem muito bem integrados, tanto familiar como profissionalmente...
- Isto, enquanto norma expressa do (mesmo) ordenamento jurídico acolhe em termos
amplos a apresentação de documentos em momento posterior ao habitual - cf.
artigo 524.º do Código do Processo Civil.
Com o que, evidentemente, a verdade material, sobreleva à “verdade” processual!
- Por igual se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do preceituado no
artigo 420.º do CPP quando interpretado no sentido de imprimir ao processo
celeridade incompatível com o direito de defesa dos arguidos e com a estrutura
acusatória que a nossa Constituição consagra. Cf. as disposições conjugadas dos
números 1, 2 e 5 do artigo 32.º da CRP.
- Bem como a inconstitucionalidade da norma da alínea f) do artigo 400.º do
Código do Processo Penal e a jurisprudência citada pelos Senhores Magistrados do
Ministério Público a tal respeito - que aqui se dá por reproduzida - mediante a
qual o direito de recurso - expressão do próprio direito de defesa! - é
excessivamente comprimido. - Cf. artigo 32.º da CRP.
Tais normas violam, designadamente, os artigos 20.º, 27.º, 32.º, 58.º, 69.º, n.º
2, 202.º, n.ºs 1 e 2, 204.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República
Portuguesa.
A questão da(s) inconstitucionalidades foi repetidamente suscitada nos autos
pelos recorrentes nas suas peças processuais, sem que em nenhum caso tenha sido
objecto de apreciação e/ou decisão dos tribunais recorridos.
Nestes termos, requerem a V.Ex.a a admissão do presente recurso, com subida
imediata nos próprios autos e efeito suspensivo da decisão, seguindo-se os
ulteriores termos.”
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
4. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo. Contudo, essa decisão não
vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional, e, entendendo-se que não se pode conhecer do recurso, lavra-se a
presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do
mesmo diploma.
5. Com efeito, e como é sabido, no nosso sistema de fiscalização concentrada e
incidental da constitucionalidade apenas cabe ao Tribunal Constitucional
fiscalizar a constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa
interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada
na decisão recorrida. E para se poder tomar conhecimento de um recurso de
constitucionalidade como o presente, interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, torna-se necessário, não só que
tenham sido esgotados os recursos ordinários e que a questão de
constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, como também que a
norma, ou interpretação normativa, impugnada tenha sido aplicada, como ratio
decidendi, pela decisão recorrida.
Ora, estes requisitos não se verificam em relação a nenhuma das normas
impugnadas pelos recorrentes.
Com efeito, confrontando o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
recorrido, logo se conclui que neste não foram aplicadas, nem a norma do artigo
410.º, n.º 1, do CPP quando interpretada no sentido de que “às Relações, quando
conhecem de facto, não compete conhecer de questões novas”, nem qualquer norma
relativa à alegada “omissão de conhecimento de documentos supervenientes juntos
com a motivação” do recurso para o Tribunal da Relação, nem, ainda, a norma do
“artigo 420.º do CPP quando interpretado no sentido de imprimir ao processo
celeridade incompatível com o direito de defesa dos arguidos e com a estrutura
acusatória que a nossa Constituição consagra”.
Na verdade, o acórdão recorrido decidiu não tomar conhecimento do recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, por este não ser admitido pela lei, na medida em
que se tratava de um acórdão condenatório proferido, em recurso, pelo Tribunal
da Relação, confirmando decisão de primeira instância (em processo por crime a
que era aplicável pena de prisão não superior a oito anos).
De todas as normas impugnadas no requerimento de recurso, só, pois, a do artigo
400.º, n.º 1, alínea f), do Código do Processo Penal é que foi aplicada como
ratio decidendi pelo Supremo Tribunal recorrido (e, aliás, numa sua
interpretação literal, que nada tem de surpreendente e era inteiramente
previsível).
Acontece, porém, que, em relação a esta norma não se verifica o requisito
consistente na suscitação, durante o processo, da inconstitucionalidade. Este
requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal
(veja-se, por exemplo, o acórdão n.º 352/94, in Diário da República, II série,
de 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido
feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”,
“antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido
pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de
recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal
recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º
560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995 e ainda o Acórdão n.º
155/95, in Diário da República, II, de 20 de Junho de 1995).
Ora, consultando as alegações de recurso produzidas ante o tribunal ora
recorrido – o Supremo Tribunal de Justiça – verifica-se que nelas se não
encontra qualquer alusão à questão da constitucionalidade da norma do artigo
400.º, n.º 1, alínea f), do Código do Processo Penal, a qual foi a única norma,
de entre as indicadas no requerimento de recurso, que foi aplicada pelo tribunal
recorrido como ratio decidendi. Aliás, nem mesmo depois de notificados da
posição do Ministério Público, no Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de se
não poder tomar conhecimento do recurso, com fundamento naquela norma, os
recorrentes, na resposta que apresentaram (fls. 499 dos autos), vieram suscitar
a questão da sua inconstitucionalidade.
Também não pode, pois, tomar-se conhecimento do recurso quanto a esta norma.
6. Com estes fundamentos, e ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da
Lei do Tribunal Constitucional, decido não tomar conhecimento do presente
recurso e condenar os recorrentes em custas, com 7 (sete) unidades de conta de
taxa de justiça (artigo 84.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e artigo
6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro).»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«1. Os presentes autos de recurso culminaram todo um esforço de convencimento
judicial, por parte dos recorrentes, no sentido de que contra a sua pretensão
não poderiam ser invocados diversos obstáculos, pretensamente decorrentes de
preceitos, do nosso ordenamento jurídico (designadamente os artigos 410.º, n.º
1, e 420.º do Código de Processo Penal) e - ultimamente - o artigo 400.º do
mesmo Código, a respeito dos quais eles, recorrentes, iam formulando arguições
de inconstitucionalidade nas diversas peças processuais que foram produzindo em
defesa da sua reiterada posição.
2. Os recursos que sucessivamente se viram compelidos a interpor do acórdão da
Vara Mista de Braga para o Tribunal da Relação de Guimarães, do acórdão deste
para o Supremo Tribunal de Justiça e do acórdão deste último para esse Tribunal
Constitucional foram sendo sucessivamente admitidos.
3. O que, para eles recorrentes, sempre ia alimentando a justificada esperança
de que as suas pretensões haveriam, a final, de merecer a tutela jurisdicional
efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, em tempo útil e
mediante processo equitativo.
4. O seu esforço primordial, confessam, sempre se centrou em veicular junto do
Tribunal da Relação de Guimarães e depois perante o Supremo Tribunal de Justiça
que o contexto dos autos julgados na Vara Mista de Braga se mostrava
completamente desactualizado, poucos dias após a prolação do acórdão desta Vara
Mista e que tudo, por isso, justificava que o Tribunal da Relação de Guimarães
revisse (de facto e de direito) todo aquele desactualizado contexto, por forma a
poder proferir, supervenientemente, nova e muito mais justa decisão a tal
respeito.
5. Mas o Tribunal da Relação de Guimarães, nuclearmente baseado na “existência”
do preceituado no n.º 1 do artigo 410.º do CPP, limitou-se a extrair as
consequências formais de tal preceito adjectivo para enveredar pela rejeição do
recurso interposto.
Sem se pronunciar acerca da alegada desconformidade desse preceito com
princípios básicos da nossa Constituição, desde logo invocados pelos
recorrentes.
- Cf. as pertinentes peças processuais.
6. Tal determinou o subsequente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o
qual, meramente baseado em diverso preceito (ignorando completamente o contexto
do recurso interposto do acórdão da Relação de Guimarães para aquele Supremo
Tribunal), desta vez, o artigo 400.º do mesmo CPP, enveredou, ele também, pela
rejeição do recurso interposto (e admitido pela Relação de Guimarães), tomando
assim como “bagatela penal” a que, supostamente deveria ter sido poupado a
instante questão suscitada pelos recorrentes.
7. Ora tal rejeição, apesar dos longos, circunstanciados e compreensíveis
esforços dos recorrentes, determinou novo recurso - agora para esse Alto
Tribunal Constitucional e também ele admitido -
8. cujo normal desenvolvimento (esperaram os recorrentes) certamente haveria de
proporcionar não só a seu favor mas a favor também de quantos vêm estando
“bloqueados” por invocados preceitos do Código de Processo Penal vigente,
posição judicial ao mais alto nível que finalmente declarasse a desconformidade
de tais invocados preceitos (maxime o do n.º 1 do artigo 410.º do mesmo
Código!).
9. (Cf., a propósito o requerimento de admissão do recurso interposto para esse
Tribunal Constitucional).
10. Temos assim que, a bem dizer, cada um dos Tribunais interpelados em via de
recurso (Tribunal da Relação de Guimarães, Supremo Tribunal de Justiça) acabou
por seleccionar o seu argumento formal para acabar por rejeitá-lo!
11. Mas agora, verifica-se que aos referidos dois argumentos formais distintos
acaba de ser acrescentado um (de todo) inesperado terceiro argumento.
12. (apesar de os autos integrarem no seu conjunto diversas invocações de
inconstitucionalidade, as quais nunca vieram a merecer (!) tomada de posição das
anteriores instâncias judiciais: Tribunal da Relação de Guimarães ou Supremo
Tribunal de Justiça).
13. O Direito Processual está recheado de normas formais em tal quantidade que,
frequentemente, se impõe ao julgador que lance mão de “válvulas de segurança” na
sua interpretação, por forma a impedir o indesejável predomínio da justiça
formal sobre a por todos almejada justiça material - escopo último de uma
Justiça que seja generalizadamente aceite.
14. Ainda que com salvaguarda de excessos, apetece sustentar aqui que, para
efeito de apelo à verdadeira Justiça, “meia palavra basta”,
15. conscientes como vamos estando que aqueles magistrados a quem nos dirigimos,
clamando por essa mesma Justiça, representam um escol de “bons entendedores” !
- Cf. designadamente, os artigos 202.º e 208.º da Constituição.
16. Assim, de resto, se compreenderá e justificará, por exemplo, a diversidade e
evolução de entendimentos a que alude o Ex.m.º Juiz Conselheiro (Jubilado) desse
Tribunal Constitucional na sua obra “Breviário de Direito Processual
Constitucional”.
17. Bem como a hodierna e indiscutível tendência para o aperfeiçoamento das
peças processuais produzidas pelas partes, mediante convite expressamente
endereçado pelo Relator do processo nesse sentido - tudo em vista da desejável
clarificação do que se encontra em julgamento.»
3. O Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
“1.º A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2.º Na verdade, os recorrentes não cumpriram o ónus de que dependia a
admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pelo que naturalmente este
Tribunal Constitucional não pode dele tomar conhecimento.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Adianta-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento.
Com efeito, os reclamantes não chegam verdadeiramente a questionar os
fundamentos da decisão reclamada, limitando-se a criticar a invocação de razões
formais e a dizer que os autos integram “no seu conjunto diversas invocações de
inconstitucionalidade, as quais nunca vieram a merecer (!) tomada de posição das
anteriores instâncias judiciais: Tribunal da Relação de Guimarães ou Supremo
Tribunal de Justiça”, invocando também a necessidade de um entendimento amplo da
suscitação da inconstitucionalidade durante o processo e “a hodierna e
indiscutível tendência para o aperfeiçoamento das peças processuais produzidas
pelas partes, mediante convite expressamente endereçado pelo Relator do processo
nesse sentido”.
No entanto, os reclamantes não põem verdadeiramente em causa, na sua reclamação,
que a norma do artigo 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no
sentido de que “às Relações, quando conhecem de facto, não compete conhecer de
questões novas”, a norma do artigo 420.º do mesmo Código, “interpretado no
sentido de imprimir ao processo celeridade incompatível com o direito de defesa
dos arguidos e com a estrutura acusatória que a nossa Constituição consagra”, ou
qualquer norma relativa à alegada “omissão de conhecimento de documentos
supervenientes juntos com a motivação” do recurso para o Tribunal da Relação não
tenham sido aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, como rationes decidendi
do acórdão recorrido. É que este, como se disse na decisão sumária reclamada,
decidiu não tomar conhecimento do recurso simplesmente por “não ser admitido
pela lei, na medida em que se tratava de um acórdão condenatório proferido, em
recurso, pelo Tribunal da Relação, confirmando decisão de primeira instância (em
processo por crime a que era aplicável pena de prisão não superior a oito
anos)”.
A única norma que constituiu ratio decidendi para a decisão recorrida, do
Supremo Tribunal de Justiça, foi, pois, a do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do
Código do Processo Penal, nos termos da qual “[n]ão é admissível recurso: (…) f)
De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem
decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena
de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções”. E,
como também se salientou na decisão ora reclamada, tal norma foi aplicada numa
sua interpretação literal, que nada tem de surpreendente e era inteiramente
previsível.
Quanto a este ponto, os reclamantes atacam a exigência do requisito da
suscitação durante o processo da inconstitucionalidade, para que o Tribunal
Constitucional possa vir a apreciar a constitucionalidade de normas aplicadas na
decisão recorrida em via de recurso, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional. Este Tribunal tem, porém, deixado bem
clara, em jurisprudência reiterada, a razão de ser da exigência do cumprimento
deste requisito. Como se escreveu, por exemplo, no acórdão n.º 560/94 (publicado
no Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995):
«(…)
Bem se compreende que assim seja, pois, se o tribunal recorrido não for
confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir.
E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso,
em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria
conhecer dela ex novo.
A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada – e
processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois, (...)
uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas
essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de
constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de
recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.»
Significativamente, os reclamantes não concretizam, porém, em relação à norma
que constituiu ratio decidendi para o tribunal recorrido, qualquer peça
processual em que tenham cumprido o requisito consistente na suscitação, durante
o processo, da sua inconstitucionalidade. Consultando as peças processuais
apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se, antes, como já
se notou na decisão reclamada, que nelas se não fez qualquer alusão à questão da
constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código do
Processo Penal, nem mesmo depois (fls. 499 dos autos) de os recorrentes terem
sido notificados da posição do Ministério Público, no Supremo Tribunal de
Justiça, no sentido de se não poder tomar conhecimento do recurso, com
fundamento naquela mesma norma. E, perante esta falta, careceria também de
utilidade a realização de um convite aos recorrentes para aperfeiçoarem o seu
requerimento de recurso, na medida em que já não poderiam cumprir, nesse
requerimento, o requisito da suscitação da inconstitucionalidade normativa antes
de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido.
Não tendo esta exigência sido cumprida, a presente reclamação tem de ser
desatendida, por falta de preenchimento de um requisito indispensável para se
poder tomar conhecimento do recurso, confirmando-se a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e
confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso de
constitucionalidade interposto, bem como condenar os reclamantes em custas,
fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, por cada
reclamante.
Lisboa, 20 de Abril de 2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos