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Processo n.º 164/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. propôs em 15 de Setembro de 2003 no Tribunal Judicial de Santo
Tirso acção de divórcio litigioso contra o seu cônjuge, B.. Devolvida ao
Tribunal a carta através da qual a secretaria pretendia notificar o réu para
comparecer na tentativa de conciliação convocada pelo juiz, foi lançado no
processo o seguinte despacho: 'O réu considera-se regular e pessoalmente
notificado para contestar'. Prosseguiu, assim, o processo à revelia do réu; foi
efectuada a audiência de julgamento, finda a qual foi proferido despacho com a
especificação dos factos provados. Seguiu-se, em 3 de Maio de 2004, a sentença
pela qual o réu foi, no entanto, absolvido da instância por se haver entendido
que não fora chamado a juízo, tudo nos termos dos artigos 288 n.º 1 alínea e) e
corpo do artigo 494º do Código de Processo Civil e artigos 20º n.º 3 e 18º n.º 1
da Constituição.
Na parte que releva, consta na aludida sentença o seguinte:
'[...]
O art. 20º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa estabelece que todos
têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo
razoável e mediante processo equitativo'.
O que se discute nestes autos, antes do mais, é se existiu procedimento
processual equitativo para chamar o réu a juízo.
Desde já adianto que não existiu procedimento equitativo para dar a conhecer ao
réu que a sua mulher pedia o divórcio.
O despacho citado que considerou o réu chamado aos autos vale-se dos art. 233 n°
2 al a) ['a citação pessoal é feita mediante entrega ao citando de carta
registada com aviso de recepção'] e n° 4 ['nos casos expressamente previstos na
lei, é equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando,
encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em
contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento'], 236º n° 1 ['a
citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção
(...), dirigida ao citando e endereçada para a sua residência (...)] e n° 2 [
'no caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após
assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre
na sua residência (...) e que declare encontrar-se em condições de a entregar
prontamente ao citando], 238º A n° 1 ['a citação postal. registada efectuada ao
abrigo do artigo 236º considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o
aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo
quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo
demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao
destinatário] e 241º ['sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa
diversa do citando, em consequência do preceituado no artigos 236º n° 2
(...)será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o
modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da
defesa (...) e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada'] do CPC.
A morada indicada pela autora para o réu é insuficiente, por falta de
discriminação de que é a morada do rés do chão do referido n° 117 do Largo
-------------------, uma vez que é a própria autora que declara viver separada
do réu e no primeiro andar do mesmo n° 117: especificar que o réu mora no rés do
chão não é detalhe despiciendo no caso dos autos, face à alegação da autora de
que as casas de primeiro andar e rés do chão do n° 117 são diferentes.
Por outro lado, no aviso de recepção, o carteiro nada assinalou na quadrícula
que se segue à menção 'este aviso deve ser assinado por pessoa a quem for
entregue a citação e que se comprometeu a entregá-la prontamente ao
destinatário'. Daí só se pode extrair que o carteiro não avisou a sogra do réu
que tinha obrigação de entregar a carta ao réu (cfr. art. 236 n° 4 do CPC o qual
prevê um dever de advertência expresso ao carteiro) e que esta se comprometeu a
isso mesmo, em prazo muito breve (n° 2 do art. 236); ou seja, não foram
cumpridos os procedimentos referidos no art. 236 n° 2 e n° 4 do CPC, ou seja a
advertência expressa para entregar e a declaração conforme de que se entregará,
ficando por saber, ainda, se a sogra do réu estava na residência dela ao receber
a carta do carteiro, como é mais o encargo referido no n° 4 do citado art. 233.
Mas essas falhas substantivas na citação consideram-se sanadas pela eficácia de
caso julgado formal do despacho referido e não é por aí que se pode fundar a
falta de citação.
A inconstitucionalidade reside na interpretação dos artigos do CPC citados que
dispensa qualquer intervenção pessoal e demonstrada do réu para o efeito de
poder ilidir a presunção de que a sogra lhe deu conhecimento do acto da citação
e lhe entregou a carta.
Vejamos:
O art. 233 n.º4 citado estabelece presunção de que o citando recebe a carta do
terceiro que assinou o aviso de recepção, ou seja, de que é citado e de que é
citado em tempo próprio.
O art. 238-A n° 1 reitera essa presunção de que a carta foi entregue
atempadamente ao citando pelo terceiro que a recebeu das mãos do carteiro e
assinou o aviso de recepção (o conceito de 'atempadamente' tem alguma tradução
legal, já que ao prazo ordinário de contestação se acrescentam 5 dias de
dilação, nos termos do n° 1, al. a), do art. 252-A do CPC).
A presunção em causa é ilidíve1: as normas que a estabelecem referem
expressamente que se pode ilidir a presunção nos trechos 'salvo prova em
contrário' e 'salvo demonstração em contrário'.
O cerne da questão (para o efeito de se concluir que o réu não teve uma
possibilidade real e equitativa de demonstrar que não recebeu da sogra a carta
que o notificava para comparecer na tentativa de conciliação e ficar a saber que
era pedido o divórcio) reside na interpretação das normas dos artigos do CPC
citados que dispensam não só a recepção pessoal da carta - das mãos do carteiro
pelo citando, como dispensam qualquer conhecimento demonstrado do citando dessa
recepção por outrem, isso para o efeito de o citando poder vir a provar que a
terceira pessoa que recebeu a carta das mãos do carteiro e assinou o aviso de
recepção não cumpriu o encargo de lhe entregar a carta.
Nem recebe pessoalmente a carta, nem tem a possibilidade de demonstrar que ela
lhe não foi entregue por quem a recebeu.
O despacho que tem eficácia de caso julgado formal aceita um duplo conhecimento
do réu, equiparando-o a citação para os termos da acção: tanto aceita que ele
não tem conhecimento em primeira mão da carta de citação, como aceita que ele
não tem de ter conhecimento que a carta foi entregue pelo carteiro a outrem,
sendo este último conhecimento para o efeito de poder demonstrar que esse outrém
não lhe entregou a carta.
Do que vai referido, conclui-se que a interpretação dos citados artigos do CPC
em conformidade com a Constituição implica a demonstração nos autos que o
citando que não recebe pessoalmente a carta que o chama à acção tem de ter
conhecimento de que outrem a recebeu e que este último conhecimento é directo
pelo próprio citando e não, novamente, intermediado por terceiro.
Decorre do que vai dito que se recusa a interpretação que subjaz ao despacho que
considera o réu regularmente chamado aos autos, com fundamento em
inconstitucionalidade, facto que implica a absolvição da instância do réu por se
entender que não foi chamado a juízo, nos termos dos art. 288 n° 1 al. e), 493
n° 2 e corpo do art. 494 do CPC e art. 20 n° 4 e 18 n° 1 da Constituição.
Em face do exposto, recuso a interpretação que subjaz ao despacho que considerou
o réu regular e pessoalmente notificado para contestar, uma vez que assenta numa
interpretação dos artigos 233º n° 2 al. a) e n° 4, 236 n° 1 e n° 2, 238 A n° 1 e
241 do Código de Processo Civil contrária ao artigo 20 n° 4 da Constituição da
República Portuguesa, na medida em que dispensa a demonstração nos autos que o
citando teve conhecimento pessoal que a carta de citação que lhe foi enviada foi
entregue a outrem pelo distribuidor do serviço postal.
Nos termos do art. 18 n° 1 da Constituição e art.. 288 n° 1 al. e), 493 n° 2 e
corpo do art. 494 do C PC, absolvo o réu da instância.
[...]
Face a uma tal decisão, logo pretendeu o Ministério Público recorrer da sentença
para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do
artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), com fundamento na recusa
de aplicação 'dos artigos 233º n.º 2 alínea a) e n.º 4, 236º n.s 1 e 2, 238º-A
n.º 1 e 241º todos do Código de Processo Civil, sob a alegação que as mesmas
violam o disposto no artigo 20 n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”.
Mas o recurso não lhe foi admitido, por despacho do seguinte teor:
“O Digno Magistrado do Ministério Público vem interpor recurso para o Tribunal
Constitucional por alegadamente na decisão recorrida o Mmo Juiz de Círculo, ter
recusado a aplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade (cfr. al.
a) 20 n.º 1, do art. 70º, da Lei n.º 28/82 de 15/11).
Ora, salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal ilação efectuada
pelo digno M.P.
Na verdade, da decisão recorrida não resulta que tenha havido a recusa de
aplicação de qualquer norma, tanto mais que as normas invocadas não foram
aplicadas pelo Sr. Juiz de Círculo, mas sim, pela Juiz titular do processo.
Acresce que nesta fase processual está mais que ultrapassada a fase de citação
do réu e por isso, nem teoricamente, nem na prática houve recusa, por parte do
Sr. Juiz de Círculo em aplicar qualquer norma relativa à citação, tanto mais que
nem é da sua competência, limitando-se aquela a retirar a ilação de que in casu
não existiu um processo equitativo.
Por fim sempre se dirá que o Acórdão proferido, nos termos em que o foi, também
não se enquadra na previsão legal de nenhuma das diversas alíneas plasmadas no
art. 70º n.º 1, da Lei n.º 28/82 de 18.11.
Termos em que ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do art. 76º da citada lei, não
admito o interposto recurso, por a decisão que se pretende recorrer, não o
admitir.”
Houve, por isso, reclamação deste despacho de não admissão. Pelo acórdão n.º
714/2004, o Tribunal Constitucional deferiu a reclamação, pelo que o recurso
acabou por ser admitido.
2. No Tribunal Constitucional o representante do Ministério Público
apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:
“1º - O regime estabelecido no Código de Processo Civil, após a revisão de
1995/96, para a citação por via postal registada – nomeadamente, ao permitir que
a carta que corporiza o acto possa ser entregue a terceiro, devidamente
identificado, que se encontre na residência do réu e se prontifique a
entregar-lhe prontamente a carta, sob pena de incorrer nas sanções legalmente
previstas – incluindo ainda a advertência estatuída no artigo 241° e comportando
a possibilidade de ilidir a presunção de efectivo e tempestivo conhecimento do
acto, não ofende o princípio do processo equitativo, consagrado no n° 4 do
artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
2° - Na verdade, como válvula de segurança do sistema, o artigo 195°, n° 1,
alínea e), do Código de Processo Civil considera inquinada pelo vício de falta
de citação – a fazer valer pelo réu revel mesmo no âmbito de um possível recurso
de revisão – a citação pessoal quando o citando demonstre que não chegou a ter
efectivo conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.”
3. Cumpre assim conhecer do recurso, cujo objecto – que se mostra fixado em
virtude do deferimento da reclamação – é o que consta do respectivo requerimento
de interposição, integrando as normas constantes “dos artigos 233 n.º 2 alínea
a) e n.º 4, 236º ns. 1 e 2, 238º-A n.º 1, e 241º todos do Código de Processo
Civil”, cuja inconstitucionalidade foi justificada com a violação do n.º 4 do
artigo 20º da Constituição.
Note-se que, como observa o Ministério Público nas suas alegações, o recurso de
fiscalização concreta da constitucionalidade normativa não é adequado à
verificação da regularidade dos procedimentos seguidos nos autos, pois apenas
cabe apreciar a conformidade constitucional das normas efectivamente aplicadas
na decisão recorrida, impugnadas perante o Tribunal Constitucional.
A simples leitura da sentença recorrida revela que o motivo que verdadeiramente
levou à absolvição do réu da instância foi o de o juiz ter então entendido que
havia sido erradamente proferido o despacho que decidira considerar o réu
“regular e pessoalmente notificado para contestar”. Quis-se, portanto, censurar
um despacho reconhecidamente transitado em julgado através da invocação da
pretensa inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos legais que
prevêem a modalidade de citação utilizada no processo.
Deparando-se, todavia, com o efeito de caso julgado formal e com a consequente
impossibilidade de, oficiosamente, se poder então decidir ter ocorrido falta de
citação, a sentença apelou directamente à Constituição – ao n.º 4 do seu artigo
20º – para ultrapassar tais obstáculos e proferir uma decisão de efeito
equivalente, a absolvição da instância, fundada na análise do procedimento
seguido nos autos.
Ou seja: a sentença acabou por afirmar que o despacho assentara numa
interpretação inconstitucional das normas contidas naqueles preceitos, embora,
na realidade, seja contra o mesmo despacho que a sentença oficiosamente se
insurge, ultrapassando o caso julgado entretanto formado quanto à realização e à
regularidade da citação.
O deferimento da reclamação, conforme acima se aludiu, impõe que se julgue o
recurso com o objecto já indicado (artigo 77º n.º 4 LTC).
4. É o seguinte o texto dos referidos preceitos (na redacção vigente à
data da citação):
Artigo 233º
(Modalidades da citação)
(...)
2. A citação pessoal é feita mediante:
a) Entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção,
nos casos de citação por via postal registada;
(...)
4. Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a
efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo
do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve
oportuno conhecimento.
(...)
Artigo 236º
(Citação por via postal registada)
1. A citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de
recepção, de modelos oficialmente aprovados, dirigida ao citando e endereçada
para sua residência ou local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou
sociedade, para a respectiva sede ou local onde funciona normalmente a
administração, e incluirá todos os elementos a que se refere o artigo 235º.
2. No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após
assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre
na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições
de a entregar prontamente ao citando.
(...)
Artigo 238º-A
(Data e valor da citação por via postal)
1. A citação postal registada efectuada ao abrigo do artigo 236º considera-se
feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por
efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja
sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que
a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
(...).
Artigo 241º
(Advertência ao citando, quando a citação não haja sido na própria pessoa deste)
Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em
consequência do preceituado nos artigos 236º, n.º 2, e 240º, n.º 2, ou haja
consistido na afixação da nota de citação nos termos do artigo 240º, n.º 3, será
ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que
o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as
cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade
da pessoa em quem a citação foi realizada.
A sentença recorrida entendeu que, ao dispensar a prova de que o réu teve
conhecimento pessoal de que a carta tinha sido entregue a outrem, a regra
contida em tais normas é inconstitucional, por violação do direito a um processo
equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição, uma vez que o réu
fica impedido de provar que a pessoa que recebeu a carta e assinou o aviso de
recepção não lhe entregou a carta.
5. A citação pelo correio, por carta registada com aviso de recepção, como
modalidade de citação pessoal foi introduzida no Código de Processo Civil pelo
Decreto-Lei n.º 242/85 de 9 de Julho para as pessoas colectivas e sociedades e,
para as pessoas singulares, pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Embora com algumas alterações entretanto introduzidas pelo Decreto-Lei n.º
183/2000 de 10 de Agosto, nomeadamente em virtude de este ter permitido a
citação por via postal simples, o regime então vigente, constante dos preceitos
acima transcritos, manteve-se no essencial, mesmo após a entrada em vigor do
Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8 de Março.
Assim, entre as modalidades de citação pessoal, figura a citação feita por carta
registada com aviso de recepção (n.º 2, alínea a), do artigo 233º), sendo certo
que se não exige que seja o destinatário da carta a assinar o aviso, desde que a
carta tenha sido enviada para a sua residência ou local de trabalho e o aviso
assinado por quem se lá encontre e “declare encontrar-se em condições de a
entregar prontamente ao citando” (artigo 236º ns. 1 e 2).
Se a carta, enviada para um destes dois destinos, for entregue a pessoa diversa
do citando que assine o aviso e faça a referida declaração, o réu considera-se
citado pessoalmente (artigo 238º-A, n.º 1), o que é relevante, como se sabe,
para o efeito de determinar quais são os efeitos da falta de contestação (não
verificados, no caso, por se tratar de uma acção de divórcio, artigo 1408º do
Código de Processo Civil), como resulta, para a acção ordinária, do disposto no
n.º 1 do artigo 484º do Código de Processo Civil. Não releva, para o caso da
citação feita pelo correio, o n.º 4 do artigo 233º.
A citação considera-se efectuada na data em que o aviso de recepção foi assinado
(artigo 238º-A n.º 1).
Ora, tendo em conta que, por esta via, o réu se considera citado – e, repete-se,
pessoalmente citado não obstante não ter assinado o aviso – a lei rodeia esta
via de citação de particulares cuidados.
Assim, o artigo 241º determina que seja enviada carta ao réu comunicando-lhe que
a citação foi efectuada por carta registada com aviso de recepção, quem a
recebeu (pessoa que há-de ter sido identificada e advertida do dever de
prontamente a entregar ao citado, como prevêem os n.ºs 3 e 4 do artigo 236º),
quando se realizou, qual o prazo para a defesa e as consequências da falta de
oposição.
Note-se, ainda, que no caso de ter sido pessoa diversa do réu a assinar o aviso,
é acrescida ao prazo da defesa uma dilação de 5 dias, nos termos do disposto na
alínea a) do n.º 1 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil.
Cumpridas as formalidades legalmente prescritas – cuja observância, em caso de
falta de intervenção no processo, é oficiosamente verificada pelo juiz, como
exige o artigo 483º do Código de Processo Civil –, a lei presume que o réu foi
oportunamente citado; tal presunção, todavia, pode ser afastada, cabendo então
ao réu provar que não recebeu ou que recebeu tardiamente a carta, nos termos do
disposto no n.º 1 do artigo 238º-A.
Simultaneamente com estas alterações, que, ditadas por evidente necessidade de
facilitar a realização da citação, dão, no entanto, por confronto com a lei
anterior, menores garantias de que a citação chega efectivamente ao conhecimento
oportuno do réu, o Decreto-Lei n.º 329-A/95 modificou o regime aplicável à
invalidade da citação (artigos 194º e segs. do Código de Processo Civil) e, por
essa via, alterou os requisitos do recurso de revisão (artigo 771º alínea f) do
Código de Processo Civil), tornando-o mais favorável ao réu.
Assim, incluiu entre os casos de falta de citação – que, como se sabe, é de
conhecimento oficioso e pode ser arguida “em qualquer estado do processo”,
enquanto não estiver sanada (artigos 202º e 204º n.º 1 do Código de Processo
Civil) – a hipótese em que “o destinatário da citação pessoal não chegou a ter
conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável” (artigo 195º, e) do
Código de Processo Civil).
Daqui resulta que, se o réu elidir a presunção de que lhe foi entregue a carta
enviada para o citar, aplica-se o regime da falta de citação; se apenas elidir a
presunção relativa ao momento da citação, provando que apenas a recebeu em data
posterior ao do termo da referida dilação, o prazo da contestação sofre o
correspondente alongamento.
Seja como for, cabe ao réu – que não teve conhecimento de ter sido citado por
carta registada com aviso de recepção assinado por outrem – o direito de, vindo
a saber da acção, se apresentar em juízo a provar o não recebimento e invocar a
falta de citação ou, se a sentença já tiver sido proferida e tiver transitado em
julgado, a interpor recurso de revisão.
7. A sentença considera inconstitucional que se possa considerar citado o
réu, pela via descrita, sem que haja, nos autos, prova de que tomou pessoalmente
conhecimento da citação efectuada em outra pessoa. Ou seja, entende que não
basta a presunção atrás descrita, antes é necessária prova do conhecimento
pessoal.
É todavia fácil de ver que, com esta exigência, se inutilizaria a citação pelo
correio, passando a correr contra o autor o risco de se não provar aquele
conhecimento.
Ora, tendo em conta as exigências impostas para que a citação feita nos termos
descritos se considere regularmente efectuada, não pode o Tribunal
Constitucional deixar de concluir pela não inconstitucionalidade das normas em
apreço, nomeadamente por violação do direito a um processo equitativo, bem ao
contrário do que se entendeu na sentença recorrida.
8. O Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre as
exigências do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo,
expressamente afirmado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição após a revisão
constitucional de 1997.
Escreveu-se, por exemplo, no acórdão n.º 330/2001 (DR, II série, de 12 de
Outubro de 2001):
“4.1. Como este Tribunal tem repetidamente sublinhado [cf., por último, o
acórdão n.º 259/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 7 de
Novembro de 2000)], o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito
a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e
com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um
correcto funcionamento das regras do contraditório [cf. o acórdão n.º 86/88
(publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, páginas 741 e
seguintes)].
Tal como se sublinhou no acórdão n.º 358/98 (publicado no Diário da República,
II série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no acórdão
n.º 249/97 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Maio de 1997),
o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser
um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de
poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em
regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes
hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa,
essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de
acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, que
prescreve que “a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos”.
A ideia de que, no Estado de Direito, a resolução judicial dos litígios tem que
fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o
Tribunal a tinha posto em relevo no acórdão n.º 404/87 (publicado nos Acórdãos
do Tribunal Constitucional, volume 10º, páginas 391 e seguintes). E, no acórdão
n.º 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 18º,
páginas 153 e seguintes) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e
o princípio do contraditório “possuem dignidade constitucional, por derivarem,
em última instância, do princípio do Estado de Direito”.
As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam
decididas “mediante um processo equitativo” (cf. o n.º 4 do artigo 20º da
Constituição), o que – tal como se sublinhou no acórdão n.º 1193/96 (publicado
nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, pagina 529 e seguintes) –
exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o
direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores,
a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como
também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por
forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois,
criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa.
O processo civil tem uma estrutura dialéctica ou polémica: ele reveste a forma
de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo o
juiz uma instância passiva. Nele – insiste-se –, o juiz não pode tomar qualquer
providência contra determinada pessoa, sem que ela seja ouvida. E mais: essa
audição tem, em regra, que preceder o decretamento da providência. Só
excepcionalmente, quando haja razões de eficácia e de celeridade que imponham o
seu diferimento e que este não limite ou restrinja, de forma intolerável, o
direito de defesa, ela pode ser diferida para momento ulterior, pois só então se
justifica que a audição da parte não seja prévia.”
Ora, não pode considerar-se que as normas que constituem o objecto do presente
recurso ponham em causa, de forma inaceitável, o direito de defesa do réu, tendo
em atenção as formalidades exigidas para que o tribunal possa considerar
regularmente citado o réu que não interveio, e os meios que a lei põe à
disposição do mesmo réu para, sendo caso disso, reagir contra essa apreciação e
anular tudo o que foi processado desde a citação indevidamente realizada, ou
anular a própria sentença se entretanto já tiver transitado em julgado.
9. Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo a
sentença recorrida ser reformulada de acordo com o julgamento de não
inconstitucionalidade agora emitido.
Lisboa, 14 de Outubro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Artur Maurício