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Processo n.º 881/05
2.ª Secção
Relator – Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por acórdão datado de 22 de Junho de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra
julgou procedente o recurso interposto por A., L.dª da decisão do Tribunal
Judicial da Comarca da Guarda de 29 de Outubro de 2003, que, no âmbito da acção
de expropriação por utilidade pública intentada contra ela por E.P. – Estradas
de Portugal, E.P.E. (à altura designado por ICOR – Instituto para a Conservação
Rodoviária), com vista à expropriação das parcelas designadas por … e …, com
4190 m2 e 338 m2, respectivamente (a destacar do prédio rústico situado na
freguesia de São Vicente, concelho da Guarda, inscrito na matriz predial rústica
sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º
…/……., com vista à futura construção da obra VICEG – 2.ª Fase – Galegos/S.
Domingos), julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriada
do acórdão arbitral, que havia fixado a justa indemnização no montante de € 25
204,26, fixando o montante dessa indemnização em € 40 432,50.
Consequentemente, a sentença recorrida foi revogada, e o valor da indemnização
foi fixado em € 1 210 250, “actualizável de acordo com a evolução do índice dos
preços do consumidor com exclusão da habitação, publicado no INE relativamente
ao local da situação dos bens desde a data da declaração de utilidade pública
até à data do trânsito em julgado da decisão”.
Pode ler-se nesse aresto:
«(…)
2.2. O Direito.
Nos termos do preceituado nos art.ºs 660.°, n.º 2, 684.°, n.º 3, e 690.°, n.º 1,
do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento
oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes
de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza
jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- A Justa Indemnização na expropriação por utilidade pública como postulado do
Estado de Direito.
- Características dos prédios expropriados.
- Os critérios da sentença apelada face à evolução da lei aplicável e
jurisprudência.
- Reflexos a nível do valor expropriativo da inclusão do terreno na RAN e REN.
2.2.1. A Justa Indemnização na expropriação por utilidade pública como postulado
do Estado de Direito.
A expropriação por utilidade pública pode definir-se como “a relação jurídica
pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens
imóveis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos
constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o
património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta
pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória”.
À semelhança do que antes sucedia no anterior Código das Expropriações – DL n.º
438/91, de 9 de Novembro – lê-se no artigo 1.° do actual Código, aprovado pelo
DL n.º 168/99, de 18 de Setembro – que “os bens imóveis e direitos a ele
inerentes, podem ser expropriados por causa de utilidade pública, compreendida
nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante mediante o pagamento
contemporâneo de uma justa indemnização”.
Constituem princípios da legitimidade do direito de expropriação, os princípios
da legalidade, utilidade pública, proporcionalidade e da justa indemnização.
O caso vertente prende-se, no fundo, com o último princípio ora enumerado, o da
“justa indemnização” com foros de garantia constitucional no artigo 62.° da Lei
Fundamental ao referir que “a requisição e a expropriação por utilidade pública
só podem ser efectuadas com lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Como bem refere Alves Correia, a justa indemnização, sendo pressuposto do
exercício do direito do expropriante, é “elemento integrante do próprio conceito
de expropriação”. No conceito de justa indemnização deverão incluir-se o
princípio da contemporaneidade da indemnização e uma justa compensação quanto
ao ressarcimento dos prejuízos causados, tendo em linha de conta os factores que
em tal se repercutem, como sejam os rendimentos, as culturas, os acessos,
localização e encargos do prédio. Trata-se no fundo de harmonizar dois
imperativos constitucionais: por um lado a salvaguarda do direito à propriedade
e por outro a sujeição do mesmo ao interesse público – art.º 62.º da CRP.
Mas se o artigo 62.° da Constituição e a lei ordinária apontam para uma justa
indemnização em caso de expropriação por utilidade pública, o escopo em vista só
pode ser alcançado através de uma escrupulosa e transparente fixação dos
montantes parcelares que a integram, sendo certo que apresentando o processo de
expropriação um cariz eminentemente técnico, o Juiz necessita que lhe sejam
fornecidos elementos concretos pelos peritos em ordem a uma cabal fundamentação
do escopo final do processo, a fixação da indemnização global que não representa
senão o segundo termo do “sinalagma expropriativo” desapossamento/indemnização
objecto do processo em análise. Ao arbitrar a indemnização, cumpre também o Juiz
um dos princípios constitucionais, o princípio da igualdade, já que é nesse
momento que o expropriado, que havia com desapossamento começado por ser
colocado numa posição de desigualdade perante os outros concidadãos, recupera,
através da indemnização pecuniária, a paridade que o desfalque patrimonial lhe
havia retirado.
2.2.2. Características do prédio expropriado.
O artigo 25.°, n.º 1, do Código das Expropriações – diploma a que doravante
pertencerão os restantes normativos citados sem menção de origem – classifica
para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação o solo em duas
categorias: a) solo apto para construção; e b) solo para outros fins; o n.º 2
menciona os requisitos que aquele deverá preencher para que possa ser
considerado como solo apto para construção. Por seu turno o n.º 3 é peremptório
em referir que “considera-se solo para outros fins o que não se encontra em
qualquer das situações previstas no número anterior”.
Perante os factos provados importa aquilatar à partida se as parcelas
expropriadas integram, face à lei os requisitos positivos susceptíveis de lhes
conferir viabilidade edificativa.
Prova-se sob este aspecto essencialmente o seguinte:
1) As parcelas expropriadas situam-se dentro da freguesia de S. Vicente que é
uma das freguesias integrantes da cidade da Guarda;
2) A parcela n.º … confronta com a Avenida Cidade de Salamanca, que é
pavimentada com betuminoso, e a parcela n.º … confronta com esta avenida e com o
acesso (também pavimentado com betuminoso) o Itinerário Principal n.º 5;
3) Possuíam bons acessos às referidas vias de comunicação;
4) Não possuíam no seu interior qualquer infra-estrutura urbanística;
5) Na Avenida Cidade de Salamanca, nas imediações das parcelas, existiam, no
entanto, as seguintes infra-estruturas:
- rede de abastecimento de água;
- rede de saneamento básico, em ligação com a estação depuradora;
- rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão;
- rede telefónica;
6) Possuíam uma razoável qualidade ambiental;
7) São vizinhas da Escola C + S de S. Miguel;
8) Situa-se na periferia de uma área urbanizada, junto de uma área de comércio e
de indústria, onde se encontram expostos muitos equipamentos;
9) A cércea ou altura dos prédios existentes num raio de 300 metros é de 1 a 4
pisos, os quais possuem, regra geral, caves destinadas a arrumos e garagens,
rés-do-chão para fins comerciais e os demais pisos para habitação;
10) O COS (coeficiente de ocupação do solo) é de 1,28 m2/m2;
11) O valor comercial ou de mercado do terreno na zona, para terrenos com as
mesmas características, é de 67,50;
12) O valor de mercado da venda de apartamentos por m2 de área útil na zona é de
€ 600,00;
13) O rendimento fundiário potencial bruto de um terreno com as características
idênticas ao expropriado é 60,75 m2/ano.
Perante estes factos não se nos suscitam dúvidas quanto à integração das
parcelas expropriadas na previsão do artigo 25.°, n.º 1, alínea a). Para esta
conclusão deverá ainda considerar-se que para que um solo possa ser classificado
como apto para construção, não é necessário que coexistam todas as
infra-estruturas a que se reporta o mencionado Diploma Legal. Refere-se no
citado Parecer junto, na sequência aliás da obra publicada pelo respectivo Autor
que “a classificação do solo como apto para construção não depende da existência
de todas as infra-estruturas referidas na alínea a) do n.º 2 do artigo 24.° do
CE, sendo relevante apenas a existência ou previsão da existência de um acesso
rodoviário mesmo sem pavimento em calçada betuminoso ou equivalente. É o que
resulta da conjugação daquela alínea com o disposto nos art.ºs 2.º e 3.º do
artigo 25.° do CE. A existência das demais infra-estruturas releva apenas para
efeitos do cálculo do valor do solo apto para a construção. Refira-se também que
não é o facto de as infra-estruturas não se encontrarem in casu nas próprias
parcelas que impede que as mesmas sejam classificadas como terrenos para
construção; também aqui entendemos que “as infra-estruturas legalmente exigidas
para qualificar um terreno expropriado como para construção não necessitam de se
situar nesse terreno e precisam apenas de servir o aglomerado em que ele se
situa por forma a poderem ser utilizadas ou aproveitadas por ele”. O que se
compreende; na verdade, o que releva são as potencialidades do prédio para
preencher determinados requisitos de acordo com as exigências urbanísticas,
sendo em princípio indiferente a fonte daquele preenchimento.
2.2.3. Os critérios da sentença apelada face à evolução da lei aplicável e
jurisprudência.
Reflexos a nível do valor expropriativo da inclusão do terreno na RAN e REN.
Apurados os factores positivos com vista à classificação das parcelas em causa
como solo para construção, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.°,
haverá agora que fazer a análise dos factores alegadamente impeditivos da
classificação das parcelas expropriadas como terreno apto para construção, sendo
certo que é esta problemática que está no cerne da divergência dos peritos no
que toca à fixação da indemnização. Neste particular os Senhores Peritos do
Tribunal avaliaram as parcelas expropriadas de harmonia com as potencialidades
agrícolas já que se inserem, segundo o PDM da Guarda, na “RAN e em áreas de mata
e uso florestal fora do perímetro urbano da Guarda, classificando-se assim como
área rural”. Por seu turno o Senhor Perito da Expropriante avaliou as parcelas
através de critérios ainda mais restritivos. No fundo estes Peritos consideraram
estarem em causa “solos aptos para outros fins”, procedendo à sua avaliação
exclusivamente de acordo com as suas potencialidades económicas agrícolas por o
PDM da Guarda integrar a parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional – RAN.
Esta problemática deu origem a controvérsia na vigência do Código das
Expropriações de 1991; é que na verdade a integração dos terrenos expropriados
na RAN ou REN era fonte de graves prejuízos para os respectivos proprietários,
mau grado tivessem todas as infra-estruturas necessárias. Assim, na vigência do
citado Diploma foi proferido o Ac. do Trib. Const. n.º 267/97, de 19-3-1997 (P.
460/95) in Bol. do Min. da Just., 465, 236, o qual veio a declarar
inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade,
a norma do n.º 5 do artigo 24.° do Código das Expropriações, aprovado pelo
Decreto n.º 438/91, de 9 de Novembro, enquanto interpretada por forma a excluir
da classificação de “solo apto para construção” os solos integrados justamente
na Reserva Agrícola Nacional expropriados com a finalidade de neles se edificar
para fins diferentes de utilidade pública agrícola. No entanto, e mau grado a
sua ampla aceitação, esta Jurisprudência não congregou todavia uma adesão
unânime, sendo certo que já o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 172/2002, de
17-04-2, decidiu “não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24.° do
Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da
classificação como “solo apto para a construção” solos integrados na Reserva
Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação”.
Todavia não podendo desconhecer a polémica gerada, o Legislador de 1999 no novo
Código das Expropriações, introduzido pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, não
reproduziu no artigo 25.° o teor do n.º 5 do artigo 24.° do Código anterior, o
qual declarava expressamente que “para efeitos de aplicação do presente Código é
equiparado a solo para outros fins o que, por lei ou regulamento não possa ser
utilizado na construção”. No entanto, o Código de 1999 não apontou caminho de
resolução ao caso dos terrenos que, mau grado disponham das infra-estruturas a
que se reporta a alínea a) do n.º 2 do artigo 25.°, estão contudo integrados na
RAN ou REN. Em nosso entender a inclusão de um terreno naquelas reservas não
acarreta necessariamente a extinção da sua capacidade edificativa já que o
artigo 9.° do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, apenas supõe a necessidade
de autorização ou licenciamento de construções para o terreno pelas entidades
públicas competentes.
Acresce que há, no caso vertente, que ponderar uma questão relevante; a
introdução no n.º 12 do artigo 26.° de uma norma que visa esta problemática:
“sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou
para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos por plano municipal
de ordenamento do território plenamente eficaz cuja aquisição seja anterior à
sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 do limite
da parcela expropriada”. Por outro lado, o facto de o dispositivo em análise
apenas se referir directamente a terrenos classificados no plano municipal de
ordenamento do território como zona verde, de lazer ou para a instalação de
infra-estruturas e equipamentos públicos, não impede, antes nos parece impor que
se faça a sua aplicação extensiva ou analógica a outras situações
substancialmente idênticas(art.ºs 10.° e 11.° do Código Civil) sob pena de
violação do princípio da igualdade.
Extraindo dos factos supra-referidos as consequências inerentes, surpreendem-se
nos factos provados as seguintes características das parcelas.
a) Na via que serve as parcelas existiam redes de água, de electricidade em
baixa tensão e de esgotos domésticos.
b) Os terrenos em causa integram-se dentro do perímetro urbano da cidade da
Guarda.
c) A menos de 300m do limite das parcelas a expropriar verifica-se a existência
de prédios de rés-do-chão comercial e pisos habitacionais, para além do
loteamento industrial da Guarda Gare onde se integram além de outras indústrias,
um supermercado Pingo Doce e um Hipermercado Intermarché.
d) As infra-estruturas urbanísticas existentes compreendem o acesso rodoviário
pavimentado, rede de abastecimento de água, rede de saneamento com colector em
serviço junto à parcela e sua ligação a estação depuradora, rede de distribuição
de energia eléctrica e rede telefónica.
Na sequência do que foi dito, deverá pois ser aplicado ao caso vertente o
disposto nos artigos 23° e 26.°, n.º 12, do Código das Expropriações. É nesta
linha do entendimento adoptado que aderindo ao Parecer Pericial da Expropriada
consideramos como equilibrado para o ressarcimento da expropriada o valor de €
1.210.250.
3. DECISÃO.
Pelo exposto decide-se o seguinte.
- Julga-se a apelação procedente e assim revogando a sentença apelada fixa‑se o
valor da indemnização a pagar à expropriada, pela expropriação das parcelas n.ºs
18, 18.2 e A.S.2), em € 1.210.250, actualizável de acordo com a evolução do
índice de preços do consumidor com exclusão da habitação, publicado no INE
relativamente ao local da situação dos bens, desde a data da declaração de
utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão.»
Notificada dessa decisão, a entidade expropriante requereu a sua reforma, ao
abrigo dos artigos 669.º do Código de Processo Civil e 66.º, n.º 5, do Código
das Expropriações.
A expropriada respondeu defendendo a improcedência de tal pedido de reforma.
Por acórdão tirado em conferência em 26 de Outubro de 2004, o Tribunal da
Relação de Coimbra decidiu indeferir o referido pedido de reforma por entender
que “as questões levantadas foram já equacionadas no Acórdão de que se reclama o
qual se encontra devidamente fundamentado, nada havendo pois a alterar”.
2.A expropriante interpôs, então, recurso da decisão do Tribunal da Relação de
Coimbra de 22 de Junho de 2004, recurso esse que, segundo dizia, deveria ser
aceite como agravo em 2.ª instância, a subir imediatamente nos próprios autos e
com efeito suspensivo, ao abrigo do disposto no artigo 755.º, alínea a), do
Código de Processo Civil, com fundamento na “violação do disposto na alínea b)
do n.º 1 do art.º 668.º, aplicável ex vi do art.º 716.º do mesmo compêndio
legal”.
A expropriada respondeu a essa interposição, defendendo a não admissão do
recurso, e, ainda, a condenação do recorrente como litigante de má fé.
Por despacho de 7 de Janeiro de 2005, o recurso não foi admitido no Tribunal da
Relação de Coimbra, pelos seguintes fundamentos:
«IEP – Instituto de Estradas de Portugal veio interpor recurso do Acórdão de
fls. 497 e ss., o qual na sua óptica é de agravo em 2.ª instância a subir
imediatamente e com efeito suspensivo.
Notificado o Recorrente para nos indicar em que normas fundamenta o recurso que
pretende interpor, veio o mesmo referir que o agravo se baseia no disposto na
alínea a) do artigo 755.° do Código de Processo Civil, visto se lhe afigurar ter
havido violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.°, aplicável ex
vi do artigo 716.° do mesmo Diploma legal.
A recorrida pronunciou-se pela não admissão do recurso de cuja interposição
manifestou aliás estranheza.
Cabe decidir.
Nos termos do preceituado no artigo 66.°, n.º 5, do Código das Expropriações
“não cabe recurso para Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da
Relação que fixa o valor da indemnização devida”. Por outro lado, flui do artigo
668.°, n.º 3, do Código de Processo Civil que “as nulidades mencionadas nas
alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a
sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso
pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades”. Este procedimento aplica-se
à 2.ª instância por força do disposto no artigo 716.°, n.º 1, do mesmo Diploma
Legal.
Ora o Requerente não arguiu perante este Tribunal a nulidade que agora menciona.
Sendo assim, e salvo o devido respeito por opinião divergente, não se nos
afigura ser possível o recurso que se pretende fazer seguir.
Pelo exposto, e ao abrigo do preceituado nos artigos 66.°, n.º 5, do Código das
Expropriações, bem como 668.°, n.º 3, 716.°, n.º 1, e 687.°, n.º 3, do Código de
Processo Civil, não admito o recurso interposto.
Não há elementos seguros de litigância de má-fé. Custas pelo reclamante.»
3.Requereu seguidamente a entidade expropriante a reforma, quanto a custas, dos
acórdãos proferidos em 22 de Junho de 2004 e 26 de Outubro de 2004 no Tribunal
da Relação de Coimbra, e, ainda, do despacho de não admissão do recurso
proferido em 7 de Janeiro de 2005.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, tirado em conferência em 5 de
Maio de 2005, esse pedido de reforma foi deferido e, consequentemente, foram
dadas sem efeito as anteriores condenações em custas.
4.A entidade expropriante reclamou, então, do despacho de 7 de Janeiro de 2005,
que não lhe admitiu o recurso de agravo em 2.ª instância, para o presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, que, por despacho de 25 de Maio de 2005, indeferiu
a dita reclamação, nos seguintes termos:
«I. A expropriante EP – Estradas de Portugal, EPE, interpôs recurso de agravo
para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, em
autos de expropriação, julgou procedente a apelação, revogando a decisão da 1.ª
instância, que fixara o montante indemnizatório a atribuir à expropriada,
fixando-o em € 1.210,250, “actualizável de acordo com a evolução do índice de
preços do consumidor com exclusão da habitação, publicado no INE relativamente
ao local da situação dos bens, desde a data da declaração de utilidade pública
até à data do trânsito em julgado da decisão”.
Por despacho do Ex.m.º Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido nos
termos dos art.ºs 66.°, n.º 5, do novo Código de Expropriações, e 668.º, n.º 3,
716.º, n.º 1, e 687.º, n.º 3, todos do CPC.
Desse despacho reclama a recorrente sustentando, além do mais, que, na linha do
Assento n.º 7/79, de 24.07.79, o disposto no art. 66.°, n.º 5, do CE “não
preclude o recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça destinado à
eliminação de falhas processuais privativas de Acórdão da Relação proferido em
processo de expropriação”.
II. Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe-se no art.º 66.°, n.º 5, do novo Código de Expropriações que, “sem
prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor
da indemnização devida”.
Ora, os casos previstos na 1.ª parte do referido artigo são os constantes dos
n.ºs 2, 4 e 6 do art.º 678.° do CPC.
Daí a impossibilidade de recurso para o STJ, quando esteja em causa o montante
da indemnização a pagar pela entidade expropriante, porque nestes casos já se
encontra assegurado o terceiro grau de jurisdição, uma vez que a decisão
arbitral tem natureza jurisdicional. E o caso dos autos enquadra-se nesta
situação, porquanto a questão decidida pela Relação respeita apenas ao valor da
indemnização.
Uma vez que não se alega que o acórdão de que se pretende recorrer está em
oposição com outro, nem se fundamenta o recurso em violação de regras de
competência absoluta ou na ofensa do caso julgado, nem se invoca que a decisão
em crise foi proferida contra jurisprudência uniformizada pelo S.T.J., não é o
recurso admissível.
Por último, no respeitante à invocação do Assento n.º 7/79, de 24.07.79,
refere-se que, apesar de tanto no regime do CE 1976, na vigência do qual o
Assento foi proferido, como no actual se prever a impossibilidade de recurso
para o STJ, quando esteja em causa o montante da indemnização a pagar pela
entidade expropriante, o que ali se decidiu foi no sentido da admissibilidade do
recurso para o S.T.J. do acórdão da Relação que em processo de expropriação
julgue sobre a forma do pagamento da indemnização fixada.
Ora, no caso dos autos não está em causa a forma de pagamento da indemnização,
mas sim o seu montante.
Tudo isto sem esquecer que, atento o disposto no n.º 2 do art.º 17.º do
Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, os anteriores assentos têm
presentemente o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos art.ºs 732.º-A e
732.º-B do CPC.
III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.»
Notificada desta decisão, a entidade expropriante requereu a sua reforma quanto
a custas, pedido que veio a ser deferido no Supremo Tribunal de Justiça, por
despacho de 7 de Junho de 2005.
5.Veio, então, a recorrente interpor recurso de constitucionalidade, com
fundamento na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal
Constitucional), dizendo no seu requerimento de recurso:
«EP – Estradas de Portugal, EPE, actual denominação legal do expropriante ICOR,
notificada em 30/5/2005 do despacho do Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça que indeferiu a reclamação contra o indeferimento do recurso, não se
conformando com o douto acórdão que fixou a indemnização, pretende interpor
recurso para o Tribunal Constitucional.
O recurso fundamenta-se na alínea na alínea g) do n.º 1 do art.º 70.º da LOFPTC
e a sua tempestividade resulta do disposto no n.º 2 do art.º 75.° daquela Lei e
nos art.ºs 666.°, n.º 2, 669.º e 153.°, estes do CPC.
O Acórdão fundamento foi proferido pela 1.ª secção do Tribunal Constitucional
(Cons. Helena Brito) no processo n.º 541/04, em que foi recorrente o ICOR –
Instituto para a Construção Rodoviária e recorridos B. e outra, tendo sido nele
julgada inconstitucional a norma do n.º 12 do art.º 26.° do Código das
Expropriações, em que precisamente o Acórdão de que ora se pretende recorrer se
fundamentou para fixar a indemnização por adesão ao laudo do perito da
expropriada».
Respondeu a recorrida defendendo a não admissão do recurso de
constitucionalidade, por entender que, à data da interposição do recurso, já há
muito havia passado o prazo para essa interposição.
6.O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho datado de 23
de Junho de 2005, no qual se pode ler:
«EP – Estradas de Portugal, EPE, actual denominação legal do expropriante ICOR,
notificada do despacho do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação
contra o indeferimento do recurso, pretende interpor recurso para o Tribunal
Constitucional do Acórdão que fixou a indemnização.
Ouvida a fls. 671 a Expropriada “A.”, pronuncia-se pela inadmissibilidade de tal
pretensão.
Cabe decidir.
Nos termos do preceituado no artigo 685.°, n.º 1, do Código de Processo Civil,
“o prazo para a interposição dos recursos é de 10 dias, contados da notificação
da decisão; se a parte for revel e não dever ser notificada nos termos do artigo
255.°, o prazo corre desde a publicação da decisão”. Como é óbvio tendo sido a
sentença notificada à Expropriante a fls. 518, a 25/6/2004, há muito que se
encontra excedido o prazo para tanto. É bem certo que em desespero de causa, a
entidade expropriante invoca o disposto no artigo 75.°, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional... “Interposto recurso ordinário, mesmo que para
uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em
irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal
Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não
admite recurso”. Só que a lei é bem clara, estatuindo que a decisão que arbitra
a indemnização em processo de expropriação não é passível de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça. Nesta conformidade a irrecorribilidade resulta da
lei, sendo certo que não é um recurso impossível que pode afectar a formação de
caso julgado; de outra forma a lei seria letra morta.
Nesta conformidade não se admite o recurso».
7.A recorrente veio deduzir contra este despacho a presente reclamação, com os
seguintes fundamentos:
«EP – Estradas de Portugal, EPE, actual denominação do expropriante, notificado
da decisão do Exm.º Desembargador Relator de fls. 675 e ss., vem reclamar do
indeferimento do recurso de constitucionalidade nos termos seguintes:
Inconformada com a circunstância de o, aliás, douto Acórdão de fls., ter
oferecido à expropriada, como indemnização da expropriação de 4 528 m2 de um
prédio rústico, a quantia de € 1 210 250,00, cerca de vinte e quatro vezes
superior à fixada na sentença do Tribunal de Comarca da Guarda, apenas com base
em ter entendido que esse montante, encontrado no laudo do perito da
expropriada, era equilibrado para o ressarcimento da expropriada, a expropriante
pretendeu interpor recurso de agravo em segunda instância para, em defesa do
interesse do Estado, controverter o que lhe pareceu ser ausência de
fundamentação.
Com efeito, afigurava-se à expropriante que o n.º 5 do art.º 65.° do Código das
Expropriações apenas proibia a revista mas não o agravo para o Supremo Tribunal
de Justiça.
Não entenderam assim o Exm.º Desembargador Relator, que indeferiu o agravo, como
também o Exm.º Presidente do STJ que, em sede de reclamação, manteve o
indeferimento.
A decisão do Exm.º Presidente do STJ foi notificada à expropriante em 29/5/2005,
pelo que se tornou definitiva em 9/6/2005. Em 15/6/2005, a ora reclamante
interpôs recurso de constitucionalidade, indeferido com fundamento em
extemporaneidade pelo despacho ora reclamado, uma vez que o Exm.º Relator
entendeu que o n.º 2 do art.º 75.° da LOFPTC não se aplica quando o recurso para
o STJ é proibido por disposição expressa da lei.
A interpretação restritiva do preceito acolhida no despacho reclamado parece não
ter em conta que a doutrina do Acórdão desse Tribunal Constitucional de
15/8/1986, terá sido ultrapassada pela alteração introduzida no n.º 2 do art.º
75.° pel[a] Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Apesar de a faculdade de interpor recurso para uniformização de jurisprudência,
não obstar em princípio ao imediato prazo de recurso de constitucionalidade, o
seu indeferimento é, mesmo assim, expressamente acolhido pela lei para fixar o
momento em que se inicia o prazo para a interposição deste último.
Daí afigurar-se que, no seu sentido actual, a lei pretende que o recurso de
constitucionalidade seja interposto após se tornar certo que, pela via de
recurso ordinário, a decisão a impugnar nesse Tribunal Constitucional não pode
ser alterada em instância superior dos Tribunais Judiciais.
É evidente que se o STJ tivesse deferido o agravo em segunda instância, a
decisão de que se pretende interpor recurso para esse Tribunal Constitucional
poderia vir a cair em consequência do eventual provimento daquele agravo, o que
tomaria inútil o recurso de inconstitucionalidade.
Daí afigurar-se que o n.º 2 do art.º 75.°, na redacção actual, visa conseguir
que o recurso de constitucionalidade seja interposto apenas quando se tornar
certo, em consequência do indeferimento do recurso ordinário, que a decisão não
pode ser revogada em tal sede, isso implicando que o respectivo prazo se inicie
apenas quando tal certeza seja alcançada.
No caso ocorre, precisamente, a nosso ver, a razão de ser do preceito. E, se for
assim, como se afigura, o recurso de constitucionalidade indeferido deverá ser
aceite por V. Exas.
Razão por que se pede seja esta reclamação deferida.»
Respondeu a expropriada defendendo o indeferimento da reclamação apresentada
pelo recorrente por entender que
«1. “À tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são
subsidiariamente aplicáveis as normas do Código do Processo Civil, em especial
as respeitantes ao recurso de apelação” (LTC, art.º 69.°).
2. Trata-se, no caso, de uma reclamação formulada pela Exp.te do douto despacho
do Ex.m.º Senhor Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, que
não admitiu o recurso que a reclamante pretendeu interpor do acórdão daquele
mesmo Tribunal de 2.ª Instância para o Venerando Tribunal Constitucional.
3. “Do despacho que não admita a apelação (...) pode o recorrente reclamar para
o Presidente do Tribunal que seria competente para conhecer o recurso” (CPCiv.,
art.º 688.°, n.º 1, ex vi do cit. art.º 69.° LTC).
4. A reclamante não respeitou as transcritas normas,
5. pois não dirigiu a sua pretendida reclamação ao Ex.m.º Presidente do Tribunal
Constitucional, como devia e só podia,
6. mas, antes, fê-lo dirigida aos “Exmos. Senhores Conselheiros do Tribunal
Constitucional”, que para tanto não têm competência.
7. Só por isso deve, assim, ser rejeitada a reclamação, sem mais.
SEM PRESCINDIR:
8. Nunca, em caso algum, teria a reclamante fundamento para a interposição
atempada do almejado recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, pelo que
ele não foi admitido correctamente.
9. “O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10
dias” (LTC, art.º 75.°, n.º1),
10. sendo certo que esses dez dias são “contados da notificação da decisão
recorrida” (CPCiv., art.º 685.°, n.º1),
11. ou seja, antes que esta transite em julgado (CPCiv., art.º 677.°),
12. sendo ainda seguro que o pretendido recurso para o Tribunal Constitucional
apenas seria lícito de decisão que já não admitisse recurso ordinário, “por a
lei não o prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam”
(LTC, art.º 70.°, n.º 2),
13. entendendo-se – o que está regulado por mera cautela, pois que seria óbvio –
“que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2,
quando (...) os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de
ordem processual” (LTC, art.º 70.°, n.º 4).
ORA:
14. Já passou há muito o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional,
15. pelo que o douto acórdão da Relação transitou há muito em julgado.
“EX ABUNDANTI”:
16. Não podia a reclamante ter a veleidade de evitar este trânsito em julgado
mediante a imaginação e invenção de um recurso anterior – que houve por seu
alvedrio imaginar – para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, recurso que a
lei proibia.
17. E tanto proibia, que foi isso mesmo que o Venerando Supremo Tribunal de
Justiça se limitou a confirmar: que não era permitido o almejado recurso que a
entidade expropriante tinha imaginado e inventado.
18. Logo, o facto de só agora ter transitado em julgado o douto acórdão do STJ
que arredou de uma vez por todas o imaginado e inventado recurso, não quer dizer
– precisamente por esse recurso ser proibido por lei – que não tivesse
entretanto transitado em julgado, e há muito, o douto acórdão do Venerando
Tribunal da Relação de Coimbra.
19. Assim, foi verificado e demonstrado à exaustão que o douto acórdão da
Relação não era susceptível de recurso ordinário”, o que, obviamente, não
carecia de declaração judicial, por estar na lei ... como explicou o douto
acórdão do Supremo,
20. sendo ainda certo que não se tratou, no caso, de manutenção ou pendência de
qualquer reclamação da que se reportam os art.ºs 668.° e 669.° CPCiv..
FINALMENTE:
21. Pretende agora a reclamante que ao caso se aplicaria a norma do n.º 2 do
art.º 75.° LTC (alterada pela Lei (não DL.) n.º 13-A/98, de 26.02),
22. mas mais uma vez desvia a questão e age em pura petição de princípio, salvo
o devido respeito.
23. Como é óbvio, a dita norma é inaplicável em regime de pura fraude à lei,
24. como bem alerta o douto despacho sob reclamação, que tem o comedimento de
qualificar o “argumento” de “desespero de causa” e de chamar a atenção de que a
“interpretação” pela reclamante almejada provocaria que “a lei seria letra
morta”.
25. Ou seja, para aplicação da norma seria preciso que tivesse sido interposto
“recurso ordinário” existente ... e não inventado!,
26. sob pena de estar admitido um expediente processual ilícito, proibido
designadamente pelos art.ºs 137.°, 266.°, n.º 1, 266.°-A e 456.° CPCiv.,
27. o que significa, como acentua a douta decisão, “que não é um recurso
impossível que pode afectar a formação de caso julgado”.
TERMOS EM QUE não deve ser admitido o recurso pretendido.»
8.Admitidos ao autos no Tribunal Constitucional, foram com vista ao Ministério
Público, que se pronunciou pela seguinte forma:
«O recurso interposto a fls. 581, pela entidade expropriante é, a nosso ver,
tempestivo, por força do estatuído no n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 28/82, já
que se mostra interposto no prazo de 10 dias, subsequente à prolação da decisão,
pelo Presidente do STJ, na reclamação que lhe foi endereçada, complementada pelo
deferimento do pedido de reforma quanto à condenação em custas, proferidas em
25/5/05 e 7/6/05, respectivamente.
Na verdade, tal norma existe e aplica-se precisamente nos casos em que vem a
seguir-se o entendimento segundo o qual o “recurso ordinário” interposto não é
admissível, por ser irrecorrível a decisão judicial que se pretendia impugnar –
sendo evidente que tal irrecorribilidade apenas se consuma com a definitiva
rejeição do procedimento de reclamação para o Presidente do Tribunal superior,
de que o recorrente haja lançado mão.
Afigura-se, porém, que não se verificam os pressupostos do recurso tipificado na
alínea g) do n.º 1 do art.º 70.º da referida lei, por não haver coincidência
entre a interpretação normativa feita nos autos pela Relação de Coimbra e a que
do n.º 12 do art.º 26.º do C. Expropriações foi realizada no acórdão fundamento,
invocado pela entidade recorrente: o Ac. 145/2005.
Efectivamente, o que este Tribunal Constitucional julgou desconforme ao
princípio da igualdade foi a interpretação normativa daquele preceito legal que
considera irrelevante a circunstância de a parcela expropriada (integrada na RAN
ou na REN) possuir objectiva aptidão edificativa, aferida pelos elementos
objectivos definidos pelo art.º 25.º, n.º 2, do citado Código.
Ora, perante a estrutura argumentativa do acórdão recorrido, não foi esta
evidentemente a interpretação realizada no caso dos autos, já que a decisão
proferida começou precisamente por averiguar detalhadamente o preenchimento dos
referidos elementos objectivos, conduzindo pela existência de uma efectiva, real
e próxima aptidão edificativa pela parcela expropriada (cf. fls. 646/648).
Deste modo, não tendo o acórdão recorrido feito aplicação da precisa dimensão
normativa do n.º 12 do art.º 26.º do Cód. Expropriações, já julgada
inconstitucional no citado aresto, não se verificam os pressupostos do recurso
interposto, o que dita a improcedência da presente reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
9.A primeira questão que importa decidir nos presentes autos de reclamação é a
da tempestividade da apresentação do recurso de constitucionalidade. Na verdade,
a reclamante pretendeu interpor recurso de constitucionalidade do acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2004, ao abrigo da alínea g) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), através de um requerimento
apresentado em 17 de Junho de 2005. Tal pretensão foi indeferida no Tribunal da
Relação de Coimbra em 23 de Junho de 2005, fundando-se o despacho de não
admissão do recurso de constitucionalidade na intempestividade da sua
interposição.
A norma que regula o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade é o
artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional. Dispõe essa norma:
“Artigo 75.º
(Prazo)
1. O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10
dias e interrompe os prazos para a interposição de outros que porventura caibam
da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção.
2. Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de
jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da
decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do
momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso.”
São relevantes para a apreciação da questão da tempestividade do recurso os
factos que seguidamente se elencam e que resultam dos autos:
§ o acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra
em 22 de Junho de 2004 (fls. 517);
§ a reclamante foi notificada desse acórdão em 25 de Junho de 2004 (fls.
518);
§ em 5 de Julho de 2004 a reclamante requereu a reforma do referido
acórdão (fls. 519);
§ em 26 de Outubro esse pedido de reforma foi indeferido pelo Tribunal
da Relação de Coimbra (fls. 542);
§ em 10 de Novembro de 2004 a reclamante interpôs recurso da decisão do
Tribunal da Relação de Coimbra, que deveria ser aceite como agravo em 2.ª
instância (fls. 544);
§ em 7 de Janeiro de 2005 foi proferido despacho de não admissão desse
recurso (fls. 563), de que a reclamante foi notificada em 13 de Janeiro (fls.
564);
§ em 27 de Janeiro de 2005 a reclamante requereu a reforma, quanto a
custas, dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2004 e
de 26 de Outubro de 2004, e, ainda, do despacho de não admissão do recurso de 7
de Janeiro de 2005 (fls. 566);
§ tal pedido foi deferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 5 de
Abril de 2005 (fls. 575);
§ ainda em 27 de Janeiro de 2005, a reclamante apresentara reclamação
para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho de não admissão do
recurso de agravo em 2.ª instância proferido em 7 de Janeiro de 2005 (fls. 603);
§ essa reclamação foi indeferida no Supremo Tribunal de Justiça, por
despacho de 25 de Maio de 2005 (fls. 663);
§ a reclamante foi notificada dessa decisão por carta registada expedida
em 27 de Maio de 2005 (fls. 664);
§ a reclamante requereu a reforma dessa decisão quanto a custas, em 6 de
Junho de 2005 (fls. 665);
§ esse pedido de reforma foi deferido no Supremo Tribunal de Justiça,
por despacho de 7 de Junho de 2005 (fls. 668);
§ a reclamante foi notificada desse despacho por cartas enviadas em 8 de
Junho de 2005 (fls. 669)
§ a reclamante interpôs em 17 de Junho de 2005 recurso para o Tribunal
Constitucional (fls. 585);
§ por despacho de 23 de Junho de 2005, não foi esse recurso admitido no
Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 676).
Ora, o presente caso insere-se na previsão do n.º 2 do artigo 75.º da Lei do
Tribunal Constitucional, pois esta norma aplica-se precisamente aos casos em
que, interposto recurso ordinário da decisão, este vem a não ser admitido por
aquela decisão ser já irrecorrível, sendo que, como correctamente nota o
representante do Ministério Público, essa irrecorribilidade apenas se torna
definitiva com o indeferimento da reclamação que tenha sido endereçada ao
Presidente do tribunal superior.
Assim, tendo o recurso, nos presentes autos, sido interposto no prazo previsto,
de 10 dias a contar da prolação da decisão de indeferimento da reclamação para
tribunal superior, complementada pelo deferimento do pedido de reforma quanto a
custas, é de considerar tempestivo.
10.Todavia, a presente reclamação não pode ser deferida, por não se verificar um
pressuposto indispensável para se poder tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade que se pretendeu interpor.
Na verdade, na apreciação de uma reclamação de indeferimento do requerimento de
apresentação de recurso de constitucionalidade não há apenas que reapreciar as
razões que justificaram tal indeferimento, antes cumprindo verificar o
preenchimento dos pressupostos que viabilizariam o recurso interposto, em ordem
a averiguar de uma indevida preterição da sua apreciação (cfr. v.g. acórdãos
n.ºs 490/98, 24/99 e 571/99, os dois últimos publicados, respectivamente, no
Diário da República, II Série, de 11 de Março de 1999 e de 15 de Novembro de
2000, mas todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, no presente caso, a reclamante pretendeu interpor um recurso de
constitucionalidade ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional. É pressuposto deste recurso que a norma impugnada tenha
sido aplicada, como ratio decidendi, pelo tribunal recorrido e que essa mesma
norma tenha já sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. E
recai sobre o recorrente o ónus de indicar o anterior acórdão que haja julgado
inconstitucional a norma aplicada pelo tribunal recorrido.
A reclamante afirmou pretender ver submetida à apreciação deste Tribunal a norma
do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º
168/99, que diz ter sido já julgada inconstitucional por este Tribunal no
acórdão 145/2005, norma, essa, em que, segundo afirma, “precisamente o acórdão
de que ora se pretende recorrer se fundamentou para fixar a indemnização por
adesão ao laudo do perito da expropriada.”
Ora, para se verificarem os pressupostos do recurso interposto ao abrigo da
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional não basta
que exista coincidência entre o preceito legal aplicado na decisão recorrida e
aquele julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Antes, tratando-se
de preceito que comporta mais do que uma dimensão normativa, e apenas sendo
impugnado numa específica interpretação, é indispensável que exista coincidência
entre a interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida e aquela
anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
No acórdão-fundamento indicado pela reclamante (acórdão 145/2005, tirado na 1.ª
Secção do Tribunal Constitucional) foi julgada inconstitucional, por violação do
princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República
Portuguesa, a norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de
1999, quando “interpretada do sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a
aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelo elementos
objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código”.
Ora, como nota o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, a
leitura do acórdão recorrido evidencia que não foi aquele o sentido com que a
norma em referência foi aplicada nos presentes autos. Na verdade, a decisão do
Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2004 começa precisamente por
inquirir detalhadamente sobre a existência, ou não, no caso concreto, dos
elementos objectivos definidos pelo n.º 2 do artigo 25.º do Código das
Expropriações (fls. 509 a 512 dos autos), concluindo a partir daí pela
existência de uma real e efectiva aptidão edificativa das parcelas expropriadas,
integrando-as na previsão do artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Código das
Expropriações.
O acórdão recorrido não fez, pois, aplicação, como ratio decidendi, da precisa
dimensão normativa do n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999,
já julgada inconstitucional pela 1.ª Secção deste Tribunal no acórdão 145/2005.
Pelo que, não se encontrando verificados os pressupostos do recurso interposto
ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, não poderia o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do
recurso de constitucionalidade, e, por conseguinte, tem de ser indeferida a
presente reclamação contra a sua não admissão.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos