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Processo n.º 53/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por acórdão do tribunal colectivo da comarca de Vagos, datado de 21 de
Setembro de 2001, foram condenados os arguidos A., em cúmulo jurídico, na pena
única de 8 anos de prisão e proibição de exercer cargos públicos durante 4 anos,
B., na pena de 3 anos e seis meses de prisão, declarando-se perdoados 2 anos,
C., em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão, declarando-se perdão
de um ano, e proibição de exercer cargos públicos durante 2 anos, e D., em
cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão, declarando-se perdoados dois
anos. Foram ainda os arguidos B. e E. condenados no pagamento de indemnizações à
assistente F..
Nessa mesma data, 21 de Setembro de 2001, todos os arguidos interpuseram recurso
do acórdão condenatório para o Tribunal da Relação de Coimbra, por declaração em
acta, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, protestando
apresentar, no prazo legal, a respectiva motivação, e requerendo ainda a
transcrição integral de toda a prova produzida, requerimentos que na mesma acta
lhes foram deferidos.
Em 24 de Setembro de 2001, o arguido A. requereu ao tribunal que se fixasse o
início do prazo legal de 15 dias, para apresentar a motivação, após se encontrar
nos autos a transcrição de prova, sem prejuízo de consultar a cópia das
cassetes, o que também requereu. O mesmo veio a ser requerido em 25 de Setembro
de 2001 pelo arguido C..
Por despacho de 8 de Outubro de 2001, o Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de
Vagos deferiu o requerido.
Em 4 de Outubro de 2001 deu entrada em tribunal a motivação de recurso do
arguido/recorrente C.. Em 9 de Outubro de 2001, por telecópia, deu entrada a
motivação do arguido/recorrente D.. E, em 11 de Outubro de 2001, entrou a
motivação do arguido/recorrente A., o qual requereu simultaneamente a passagem
de guias para pagamento da sanção a que se refere o artigo 145.º do Código de
Processo Civil.
Tal pretensão mereceu do Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos o
seguinte despacho: “(...) No entanto, mantém-se o despacho de fls. 7118-7118v
[despacho que concedera o prazo de 15 dias para apresentação das motivações de
recurso, a iniciar-se após a notificação da transcrição das cassetes]. Não se
passam guias face ao teor desse mesmo despacho”.
Em 12 de Outubro de 2001, deu entrada o original da motivação do
arguido/recorrente D..
Em 19 de Novembro de 2001 foi prestada informação nos autos de que se encontrava
já junta a transcrição da prova gravada nas cassetes áudio, o que foi notificado
aos arguidos/recorrentes.
Em 5 de Dezembro de 2001, o arguido/recorrente C. reformulou a sua motivação. Em
10 de Dezembro de 2001, o arguido/recorrente A. apresentou nova motivação, em
substituição da anteriormente apresentada. E, em 11 de Dezembro de 2001, o
arguido/recorrente B. apresentou pela primeira vez a sua motivação, por
telecópia, cujo original juntou no dia seguinte. Em 11 de Dezembro de 2001, o
arguido/recorrente D. apresentou, também por telecópia, nova motivação, para
além da anteriormente junta, entregando o seu original no dia seguinte.
2.Admitidos os recursos por despacho de 13 de Dezembro de 2001, juntas as
contra-alegações do Ministério Público e dos assistentes, os autos subiram ao
Tribunal da Relação de Coimbra. Neste tribunal foi emitido, pelo representante
do Ministério Público, parecer preliminar promovendo a baixa dos autos ao
tribunal de comarca para ser liquidada, e paga, a multa pelo arguido/recorrente
A., que, apesar de requerida, não lhe fora liquidada. Em resposta, os arguidos
C., B. e A. defenderam a tempestividade da oferta das sua motivações de recurso
no prazo mais dilatado que lhes fora concedido na primeira instância.
Por acórdão tirado em conferência em 26 de Março de 2003, o Tribunal da Relação
de Coimbra decidiu não admitir, “por manifestamente extemporânea a sua
motivação”, o recurso interposto pelo arguido B., e ordenou “ a baixa dos autos
à primeira instância a fim de aí ser liquidada e paga a multa devida pelos
demais recorrentes, cominada no art.º 145.º do Cód. de Proc. Civil,
procedendo-se à ulterior tramitação”, com os seguintes fundamentos:
«(...)
Cumpre decidir, cotejando a Lei:
Dispõe o art.º 411.° do CPP que o prazo para interposição do recurso é de 15
dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença,
do respectivo depósito na secretaria, podendo ser interposto por simples
declaração na acta o recurso de decisão proferida em audiência, podendo a sua
motivação, neste caso, ser apresentada no prazo de 15 dias, contado da data da
interposição.
Por sua vez, estabelece o art.º 414 °, n.º 2 e n.º 3, do CPP, que o recurso não
é admitido quando for interposto fora de tempo e além do mais, quando faltar a
motivação, não vinculando o tribunal superior a decisão que admita o recurso.
Nos termos do art.º 104.° do CPP, aplicam-se à contagem dos prazos para a
prática de actos processuais as disposições da lei processual civil, ou seja, o
disposto no art.º 144 ° do Cód. Proc. Civil.
Certo é que por força do disposto no art.º 107.°, n.º 2 e n.º 3, do CPP, os
actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei,
por despacho do juiz, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos
processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento,
devendo tal requerimento ser apresentado no prazo de três dias, contado do termo
do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.
Dispõe então o n.º 5 deste mesmo preceito legal que, independentemente do justo
impedimento, pode o acto ser praticado, no prazo, nos termos e com as mesmas
consequências que em procedimento civil, com as necessárias adaptações, o que
remete o intérprete para o disposto nos art.ºs 145.°, n.ºs 5, 6 e 7, e 146.° do
Cód. Proc. Civil.
A tal não obsta o estatuído no art.º 107.°, n.º 6, do CPP de que “Quando o
procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.°,
n.º 3, parte final, o juiz, a requerimento do assistente, do arguido ou das
partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78.°, 287.° e
315.°, até ao limite máximo de 20 dias”.
Ora, todo o citado normativo não permite que os sujeitos processuais e mesmo o
tribunal derrogue o carácter peremptório do prazo consignado na lei para
interposição do recurso e respectiva motivação - ut art.º 411.°, n.º 3, do CPP.
É que estribaram-se os recorrentes A. e C. - fIs.7103 e 7108 - na necessidade da
transcrição do teor das cassetes para a motivação dos seus recursos e no facto
de não ser viável ao tribunal facultá-la dentro do prazo que lhes é imposto por
lei (15 dias).
Acontece, porém, que a transcrição da prova tem como único escopo dar ao
Tribunal da Relação a possibilidade de examinar e eventualmente alterar a
matéria de facto, sendo esta questionada nos precisos termos vertidos nos n.ºs 3
e 4 do art.º 412.° do CPP (cfr. art.º 431.°, al. b), do CPP) e não proporcionar
aos recorrentes elementos que permitam elaborar a motivação em que se pretenda
pôr em crise a matéria de facto, podendo, para o efeito, o interessado requerer
ao tribunal que lhe forneça, de imediato, a cópia das cassetes onde a mesma foi
gravada – ut art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 39/95, de 15/2.
Daí que, nos termos do art.º 412.°, n.º 4, do CPP, quando as provas tenham sido
gravadas, as especificações previstas nas al.s b) e c) do seu n.º 3, fazem-se
por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição, a qual
compete ao tribunal recorrido, nos termos do Assento n.º 2/2003, de 30/01.
Por isso que os recorrentes não estavam impedidos de recorrer da matéria de
facto pelo simples facto de não haver transcrição, sendo aqui inadmissível a
aplicação subsidiária do Cód. Proc. Civil, pois que não omisso o CPP nessa
matéria e com um regime próprio, concretamente o disposto no art.º 698.° do C.
P. Civil.
Tal prazo de interposição do recurso, em processo penal, só excepcionalmente é
prorrogável, nos apertados termos do disposto no art.º 107.º, n.º 6, do CPP.
Não foi esse o fundamento em que se estribaram os recorrentes e o despacho que
deferiu e fixou um prazo suplementar de 15 dias que, a ter suporte legal, jamais
poderia iniciar-se, também, “a contar da notificação da transcrição”, como
decorre do despacho de fls. 7118v., nem tal consubstancia a legal “excepcional
complexidade”, face ao exigido pelos n.ºs 3, al. b), e 4 do art.º 412.º do CPP,
uma vez que os recorrentes dispõem, eles próprios, tal como o tribunal, além do
mais, dos seus próprios apontamentos e mesmo cópia das cassetes.
Talvez por essa razão é que o próprio recorrente/requerente A., deu entrada da
sua motivação, a fls.7211, em 11/10/01, ou seja, no terceiro dia útil,
requerendo logo em simultâneo oferecer-se para o pagamento da multa prevista no
art.º 145.° do C. P. Civil, o recorrente/requerente C. e o recorrente D. dão
entrada da sua motivação, a fls. 7129 e 7187 em 9/10/01, no primeiro dia útil
após o termo do prazo que se verificara em 8 de Outubro de 2001, requerendo
aquele, também, a passagem de guias para pagamento da multa (fls. 7121 verso).
Por sua vez, só em 11/12/2001 deu (fls.7396) entrada em tribunal a motivação do
recorrente B.!
Tal significa, nos termos expostos e do disposto no art.º 414.°, n.º 2, in fine,
que não pode ser admitido o recurso do arguido B., por falta de atempada
motivação e que a admissibilidade dos recursos dos arguidos A., C. e D. está
condicionada ao pagamento da multa cominada no art.º 145.°, n.ºs 5 e 6, do C. P.
Civil, por força do disposto no art.º 107.°, n.º 5, do CPP.
Na verdade, não há ofensa de caso julgado, apesar da concordância de todos os
sujeitos processuais e M.º P.º, no tribunal recorrido, com o despacho que
prorrogou o prazo de apresentação das motivações, pois que a decisão que admitiu
os recursos não vincula este tribunal superior, nos termos do art.º 414.°, n.º
3, do CPP.
Não podem invocar-se, in extremis, os princípios constitucionais da boa fé e da
lealdade processuais e inerente confiança dos sujeitos processuais nas decisões
judiciais com ofensa da lei, buscando a convolação, ilegal, do ilegal no legal!
- por alguma razão as já referidas cautelas dos recorrentes/requerentes A. e C..
Em conclusão: o prazo de interposição do recurso consagrado no art.º 411.° do
Cód. Proc. Penal é peremptório, só podendo ser prorrogado nos apertados limites
do art.º 107.º, n.º 6, do mesmo diploma legal.
Não integra ou constitui “excepcional complexidade” em ordem a permitir e
fundamentar tal prorrogação a obrigatoriedade legal de especificação, pelos
recorrentes, da sua discordância factual por referência aos suportes técnicos,
imposta pelo art.º 412.°, n.º 4, do CPP.
A decisão que admita o recurso não constitui caso julgado, ainda que com a
concordância de todos os sujeitos processuais, e não vincula o tribunal
superior.
Tendo sido interpostos em acta todos os recursos, em 21/09/01, o último dia do
prazo, sem sanção, para apresentação das respectivas motivações, ocorreu em
8/10/2001 (Segunda-feira).
É manifestamente extemporânea a junção da motivação pelo recorrente B., em
12/12/01, não podendo ser admitido tal recurso.
A admissibilidade dos demais interpostos recursos está condicionada ao atempado
pagamento da respectiva multa - ut art.º 107.º do CPP.»
Notificados dessa decisão, vieram os arguidos D., A. e B., respectivamente,
apresentar pedido de aclaração do acórdão, interpor recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça e arguir a obscuridade e ambiguidade do acórdão, na parte em
que, postergando o despacho da primeira instância que alargou o prazo para
apresentar a motivação de recurso, aplicou ao caso o disposto no artigo 414.º,
n.º 3, do Código de Processo Penal, decidindo que aquele despacho não vinculava
o tribunal superior, e rejeitando por extemporâneo o recurso interposto pelo
último arguido referido.
Sobre tais pedidos recaiu acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, tirado em
conferência em 11 de Fevereiro de 2004, no qual se decidiu:
§ quanto ao pedido de aclaração, que o “acórdão de fls.
deve ser interpretado de acordo com o artigo 145.º, n.º 6, do C. P. Civil, no
sentido de que será a secretaria do tribunal de 1.ª instância, quando o processo
aí baixar a notificar o arguido D. para pagar a multa em falta”;
§ “quanto ao recurso interposto pelo arguido A., que
subirá em diferido, com o recurso da decisão final, art.º 407.º, n.º 1 (a
contrario) e n.º 3, sem efeito suspensivo, art.º 408.º”; e
§ indeferir “o pedido formulado pelo arguido B., por nele
o requerente não revelar qualquer ambiguidade ou obscuridade do despacho
recorrido, que aliás entendeu perfeitamente, mas antes manifestar a sua
discordância relativamente ao mesmo”.
Notificado deste acórdão, o arguido A. apresentou novo pedido de aclaração,
dizendo, entre o mais:
“Há uma razão evidentíssima, de ordem prática, que demonstra a justeza legal da
admissão imediata e até da necessidade do efeito suspensivo (aqui teria que
interpretar-se a decisão em articulação com o recurso base, que se quer fazer
prosseguir com a 2.ª motivação, e que é interposto da decisão final
condenatória). É que, no fundo, o que o recorrente pretende é que seja mantida a
plena eficácia do despacho da 1.ª instância de 8.10.01, proferido a fls. 7118 e
vs., em que foi concedido prazo mais dilatado a todos os recorrentes para a
prática do acto e, consequentemente, que seja apreciada a motivação por ele
requerente apresentada em juízo em 10.12.01 e não aquela que, apenas por mera
cautela, apresentara em 11.10.01. Ora, se bem interpretarmos o texto do acórdão
de 11.02.04, nele parece vislumbrar-se com clareza o reconhecimento das razões
do requerente. Ora, constituindo tais razões – a que o acórdão diz aderir –
argumentos para a manutenção da validade integral do despacho que concedeu o
prazo mais dilatado, parece que está aberta a possibilidade concreta (e não só
abstracta, se bem que bastaria a existência desta) para, arguida a nulidade
correspondente, vir a ficar de pé, surtindo plenamente todos os seus efeitos, o
despacho de 1.ª instância de fls. 7118 e segs. E se assim concretamente vier a
ser – como em possibilidade abstracta já o é, o que tanto basta – temos que não
pode o mesmo despacho sofrer interpretações e produzir efeitos. O que, se se
entender que não pode tal decisão ser globalmente reparada, com efeitos para
todos os destinatários do despacho – todos os recorrentes – implica a subida
imediata com efeito suspensivo, do recurso oportunamente interposto pelo
requerente, tudo com base no disposto nos art.ºs 407.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 e
ainda art.º 408.º, n.º 1, al. a), todos do CPP, o que expressamente se requer.”
Em 2 de Março de 2004, o arguido/recorrente B. interpôs recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, pedindo a “revogação do acórdão recorrido [o acórdão de 26
de Março de 2003], de forma a que o recurso interposto em primeira instância
seja considerado atempado, seguindo-se-lhe o conhecimento do respectivo
objecto”.
Por despacho de 14 de Abril de 2004, foram admitidos os recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, a subirem imediatamente nos autos, com efeito suspensivo,
nos seguintes termos:
«Requerimento de fls. 8087:
(...)
No que a este requerimento concerne, parece-nos que mais que rectificar lapsos
de escrita se intenta primacialmente questionar as diferentes posições que se
mostram dos autos quanto ao prazo para interposição dos recursos, questão esta
directamente sindicada no recurso de fls. 8093 e ss.
Ora. de evidente razão se nos antefigura o recurso interposto ao abrigo do art.º
678.º, n.° 2, CPC, por remissão do art.º 4.° CPP, quando nitidamente está em
causa a ofensa de caso julgado.
Em nome das segurança e certeza jurídicas, aliadas à boa fé e confiança
envolventes dos actos processuais, achamos, pelo menos ilógico, que se altere o
que decidido foi em 1.ª instância quanto ao alargamento do prazo concedido para
a interposição dos recursos.
Se nenhum dos intervenientes processuais, designadamente o M. P., questionou tal
decisão, não colhe vir ora fazê-lo com o argumento de que o despacho que admite
o recurso não vincula o tribunal superior; é que nem é esta a verdadeira
questão.
A decisão que se arredou (que alargou o prazo para recorrer), é anterior à que
admitiu o recurso e só esta última. que “admita o recurso ou que determine o seu
efeito e regime de subida que não vincula o tribunal superior” - art.º 414.°,
n.° 3, CPP, que em nosso entender, e salvo sempre o devido respeito, não abrange
aquela que, com razões atendíveis ou não, alargou o prazo.
Esta, no trânsito, vincula as partes, formando caso julgado.
A tese que se vem defendendo recolheu inteira concordância do TC que em recente
Acórdão de 14 de Janeiro último, sob o n.° 44/04, decidiu julgar
inconstitucionais os art.ºs 411.°, n.° 1, e 420.º, n.º 1, na interpretação de
que “permitiria a destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma decisão
não impugnada da 1.ª instância quanto à prorrogação do prazo de recurso...”.
Na ordem destas razões e no seguimento deste entendimento, urgente e necessário
se torna que esta questão seja dilucidada antes do conhecimento, de fundo, dos
interpostos recursos, sob pena de, decidindo desde já, estarmos eventualmente a
praticar actos inúteis, o que mostra arredado e até proibido, nos temos do art.º
137.º CPC, por força ainda do art.º 4.° CPP.
Do que colhe inteiro cabimento a pretensão manifestada de interposição de
recurso para o Venerando Supremo Tribunal que, assim se admite, a subir de
imediato, nos autos e com efeito suspensivo.»
3.O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão tirado em conferência em 23 de
Setembro de 2004, após apreciar a questão prévia suscitada pelo relator no exame
preliminar, decidiu “pela rejeição, por irrecorribilidade, dos recursos opostos
pelos cidadãos A. e B. à decisão da Relação de Coimbra que, em 26 de Março de
200[3], determinou a baixa do processo à 1.ª instância para liquidação da multa
correspondente ao atraso do recurso daquele e não admitiu, com fundamento em
extemporaneidade, o recurso deste”, pelos fundamentos seguintes:
«(...)
4. QUESTÃO PRÉVIA
4.1. “Não é admissível recurso (...) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas
relações, que não ponham termo à causa” (art.º 400.º, 1, c do CPP) e, bem assim,
“de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que
seja aplicável (...) pena de prisão não superior a cinco anos (...)” (art.º
400.º, 1, e do CPP).
4.2. Ora, a Relação de Coimbra, no recurso que decidiu em 26MAR02, não pôs termo
à causa quando, relativamente ao recorrente A., determinou a baixa do processo à
1.ª instância para liquidação da multa correspondente ao atraso detectado na sua
motivação.
4.3. É certo que essa decisão - quando não admitiu, com fundamento em
extemporaneidade, o recurso do condenado B. - já não terá posto termo à
respectiva causa. Só que o fez mediante “acórdão proferido, em recurso, em
processo por crime a que é aplicável (...) pena de prisão não superior a cinco
anos (...)”.
4.4. E daí, pois, que o acórdão da Relação não fosse (nem seja) susceptível, em
ambos os casos, de recurso para o Supremo.
4.5. Com efeito, “o prazo para interposição do recurso é de 15 dias e conta-se a
partir da notificação da decisão (...)” (art.º 411.º, 1 CPP), podendo a
respectiva motivação, quando o recurso é interposto [como no caso] por
declaração na acta, apresentar-se “no prazo de 15 dias, contado da data de
interposição” (n.º 3).
4.5. E, no caso, as motivações de ambos os recursos não observaram esse prazo
peremptório.
4.6. É certo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações
previstas nas alíneas b) e c) do n.º anterior [ ‘as provas que impõem decisão
diversa da recorrida’ ], se fazem por referência aos suportes técnicos, havendo
lugar a transcrição” (art.º 412.º, 4). O que porém não quer dizer que a
transcrição - mesmo que oficial - condicione a motivação do recurso. Pois que a
transcrição não se destina a “servir” a motivação do recurso em matéria de facto
(cujas “especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art.º 412.º” se
farão por referência aos “suportes técnicos” de gravação da prova, e não por
referência à sua transcrição), mas antes - e tão-só - a facilitar à Relação a
apreciação da prova documentada, quando impugnada (art.º 431.º, b).
4.7. A verdade, porém, é que, em 24 e 25SETO1, os arguidos A. e C. (ora não
recorrente) requereram que o prazo para apresentação das suas motivações se
iniciasse com a notificação da transcrição, requerimento que o juiz do processo
lhes concedeu.
4.8. Dir-se-ia por isso, a propósito, que “os despachos que recaiam unicamente
sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (...) (art.º
672.º CPC).
4.9. Todavia, “os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos
estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária [que dirigir a fase
do processo a que o acto respeitar], a requerimento do interessado e ouvidos os
outros sujeitos processuais a que o caso respeitar, desde que se prove justo
impedimento” (art.º 107.º, 2 CPP).
4.10. Ora, no caso, só os interessados A. (ora recorrente) e C. (ora não
recorrente) requereram - com fundamento em “impedimento” decorrente da falta de
transcrição oficial da prova - autorização para motivar o seu recurso “fora do
prazo estabelecidos por lei”.
4.11. Daí que o despacho que lhes alargou o prazo para apresentação da motivação
do recurso só a eles pudesse - nos termos do art.º 107.º, 2 do CPP - aproveitar.
4.12. De qualquer modo, a decisão que, na 1.ª instância, acabou por admitir
(apesar de motivados para além do prazo legal) os recursos (nomeadamente dos
interessados que para tanto não invocaram “justo impedimento”) não seria
susceptível - porque sem força obrigatória dentro do processo, já que “não
vincula o tribunal superior” (art.º 414.º, 3 do CPP) - de constituir “caso
julgado formal” cuja ofensa viesse, depois, a sustentar, por si, novo recurso
(cfr. art.º 678.º, 2 do CPC).
4.13. Finalmente, não será tarefa do STJ (ante a irrecorribilidade ordinária da
decisão da Relação), mas eventualmente do Tribunal Constitucional, julgar da
eventual “inconstitucionalidade” (“por violação dos princípios da segurança
jurídica e da confiança e das garantias de defesa consagrados, respectivamente,
nos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição”) dos artigos 411.º, n.º 1, e
420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação (que a Relação lhes
possa ter dado) “segundo a qual tais normas permitiriam a destruição dos efeitos
anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada da primeira instância
quanto à prorrogação do prazo de recurso” (TC 14JAN04, ac. 44/2004, proc.
636/03-2, Cons.ª MARIA FERNANDA PALMA).
4.14. Bastará para tanto que os interessados, no prazo prescrito pelo art.º
75.º, 2 da LTC, venham a interpor recurso constitucional, com esse (ou outro)
fundamento, no prazo de 10 dias a contar “do momento em que se torna[r]
definitiva a decisão que não [tiver] admit[ido] recurso [para o STJ]”.»
Notificado deste acórdão, o recorrente B. arguiu a sua nulidade, e apresentou,
subsidiariamente, recurso de constitucionalidade, pela seguinte forma:
«Consta das CONCLUSÕES B1 e B2 ser sempre admissível recurso de qualquer decisão
judicial, desde que a mesma viole caso julgado anterior.
Ora, salvo o devido respeito, V.ªs Ex.ªs, Senhores Juízes Conselheiros, no
predito acórdão não se pronunciam de forma directa, mas tão-somente oblíqua, à
laia de um obiter dictum sobre tal crucial questão. Com efeito, se é exacto que
no ponto 4.11. parecem querer excluir o requerente do âmbito da invocação de um
caso julgado que lhes possa aproveitar, exclusivamente - ainda com ressalva do
respeito devido e efectivamente nutrido, que muito é - pela razão de ordem
formal de o requerente não ter “formalizado” o pedido de prorrogação de prazo, a
verdade é que, logo de seguida, o acórdão franqueia a entrada pela janela ao que
não permitiu o fizesse pela porta. E isto por isso que, como consta da nota de
rodapé n.° 16, de fs., 12, V.ªs Ex.ªs reconhecem expressamente que a concessão
de prazo, nos termos em que o foi por força de decisão judicial transitada, foi
concedida a todos os recorrentes.
Acresce que, diferentemente do que se refere no acórdão, o que está em jogo não
é o disposto no art.º 400.°, do CPP, mas antes o princípio geral de direito
processual, destinado a tutelar a confiança, no caso, nas decisões judiciais,
decorrente do art.º 678.°, n.° 2, do CPCivil, aplicável ex vi art.º 4.° do CPP -
de resto, a propósito da írrita ideia de que o caso julgado não é valor com
tutela constitucional, veja-se o excelente estudo de ISABEL ALEXANDRE, ‘O caso
julgado na jurisprudência constitucional portuguesa’, Estudos em homenagem ao
Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, 11 ss.
Face ao precedentemente exposto, a situação, para o requerente, tem de tudo
menos de clareza. Mas algo se lhe afigura sobrar sem resto: V.as Ex.as, acabaram
por não tomar posição expressa sobre questão que cabia conhecer a esse Tribunal,
assim incorrendo na nulidade da al. c) do n.° 1 do art.º 379.°, do CPP,
aplicável nos termos do n.° 4 do art.º 425.° do mesmo diploma.
Porém e por cautela, atento o teor da parte final do acórdão, também ele, mais
uma vez, repete-se, salvo o devido respeito, eivado de não despicienda dose de
esoterismo, subsidiariamente ao que vem de referir-se e por cautela, o
requerente desde já interpõe recurso para o Tribunal Constitucional da decisão
do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Março de 2002, que não admitiu o
recurso para ela interposto, nos termos mais detalhadamente referidos no ponto
2.3. do presente acórdão.
Este recurso é interposto ao abrigo do disposto nos art.ºs 69.° e ss. da Lei do
Tribunal Constitucional e, tendo especialmente em vista os comandos das al. b) e
f) do n.° 1 do art.º 70.° da mesma Lei.
Através deste recurso, pretende-se que o Tribunal Constitucional declare a
inconstitucionalidade material dos art.ºs 411.°, n.° 1, 414.°, n.° 2, e 420.°,
n.° 1, todos do CPP, por violação, na interpretação que o acórdão recorrido lhes
deu, segunda a qual, apesar de uma decisão judicial transitada proferida no
processo, concedendo o prazo para a apresentação da motivação do recurso só após
a notificação da disponibilização das transcrições, esta decisão judicial seria
inoperante face ao disposto no art.º 411.°, n.º 1, e 420.°, n.° 1. Com efeito,
uma tal dimensão interpretativa, viola não só o disposto no art.º 32.°, n.° 1,
da CRP, como os princípios constitucionais da confiança, da segurança jurídica
(caso julgado) e das garantias de defesa.
Neste (bom) sentido, como se salienta nos arestos quer da Relação de Coimbra,
quer do STJ proferidos nos presentes autos, julgou já o acórdão do Tribunal
Constitucional de 14 de Janeiro de 2004 (acórdão n.° 44/2004, processo n.°
636/03-2). Daí a precedente alusão à al. g) do n.° 1 do art.º 70.°, da LTC.
A presente questão foi suscitada na motivação e nas conclusões do recurso que o
requerente levou perante o STJ, sendo, de resto, de conhecimento oficioso, como
decorre do art.º 204.° da CRP.»
O mesmo recorrente apresentou ainda, em 13 de Outubro de 2004, requerimento
autónomo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos mesmo
termos em que o tinha feito aquando da apresentação do requerimento de arguição
de nulidade, acima transcrito.
Por sua vez, o recorrente A. apresentou requerimento de recurso de
constitucionalidade, “ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, alíneas b) e
g), da respectiva Lei”, pretendendo «ver declarada a inconstitucionalidade
material do art.º 411.º (n.ºs 1 e 3) do Código de Processo Penal, na
interpretação concreta que o Acórdão da Relação de Coimbra referido [acórdão de
26 de Março de 2003] aplicou – e que este Supremo Tribunal se julgou legalmente
impedido de apreciar – segundo a qual “tais normas permitiriam a destruição dos
efeitos anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada de primeira
instância quanto à prorrogação do prazo de recurso”, assim, não tendo em
consequência admitido a junção da motivação de recurso apresentada pelo arguido
ao abrigo daquele despacho judicial não impugnado, por violação dos princípios
constitucionais da legalidade, da boa fé e da lealdade processuais, da segurança
jurídica, das garantias de defesa, da igualdade de armas e do direito ao recurso
consagrados nos art.ºs 2.º e 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa».
4.Por acórdão tirado em conferência em 4 de Novembro de 2004, o Supremo Tribunal
de Justiça decidiu indeferir a reclamação apresentada, pelos seguintes
fundamentos.
«1. A DECISÃO RECLAMADA
1.1. O STJ, em 23SETO4, rejeitou, por irrecorribilidade, o recurso oposto pelo
cidadão B. à decisão da Relação de Coimbra que, em 26MAR03, não admitira, com
fundamento em extemporaneidade, o recurso por ele interposto do acórdão do
tribunal colectivo de Vagos que, em de 21SET01, o condenara, como autor de um
crime de extorsão, na pena de 3,5 anos de prisão.
1.2. E fê-lo, de um lado, por não ser admissível recurso “de acórdãos
proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja
aplicável (...) pena de prisão não superior a cinco anos (...)” (art.º 400.º, 1,
e do CPP), e, de outro, porque a decisão que, na 1.ª instância, admitira o
recurso nem sequer era susceptível - porque sem força obrigatória dentro do
processo (art.º 414.º, 3 do CPP) - de constituir “caso julgado formal” cuja
ofensa (cfr. art.º 678.º, 2 do CPC) viesse, depois, a sustentar, por si, novo
recurso.
2. A RECLAMAÇÃO
Insatisfeito, o recorrente arguiu em 11OUT04 a “nulidade” do acórdão, na medida
em que este “acabou por não tomar posição expressa sobre questão que lhe cabia
conhecer” (a de saber se é “sempre admissível recurso de qualquer decisão
judicial, desde que a mesma viole caso julgado anterior”).
3. BREVÍSSIMA APRECIAÇÃO
3.1. Independentemente da resposta que mereça a questão (que continua a dividir
o Supremo) de saber se, também em processo penal (cfr. art.º 678.º, 2 CPC), é
“sempre admissível recurso de decisão judicial que viole caso julgado anterior”,
a verdade é que o STJ, na decisão ora sob aclaração, entendeu explicitamente
que, “de qualquer modo”, “a decisão que, na 1.ª instância, acabou por admitir
(apesar de motivados para além do prazo) os recursos (nomeadamente dos
interessados que para tanto não invocaram ‘justo impedimento’) nem [sequer]
seria susceptível - porque sem forca obrigatória dentro do processo, já que ‘não
vincula o tribunal superior’ (art.º 414.º, 3 do CPP) - de constituir ‘caso
julgado formal’ cuja ofensa viesse, depois, a sustentar, por si, novo recurso”.
3.2. O STJ justificou pois a sua decisão, indicando cabalmente os motivos (de
direito) por que não admitiu o recurso da decisão da Relação (mesmo que este, se
fundamentado em ofensa de caso julgado, sempre fosse, por isso, de admitir):
desde logo, porque “proferido, em recurso, em processo por crime a que é
aplicável (...) pena de prisão não superior a cinco anos (...)” (art.º 400.º, 1,
e do CPP); e, por outro, porque “a decisão que, na 1.ª instância, acabou por
admitir os recursos não era susceptível - porque sem força obrigatória dentro do
processo (art.º 414.º, 3 do CPP) - de constituir ‘caso julgado formal’ cuja
ofensa [pela Relação] viesse, depois, a sustentar, por si, novo recurso [para o
Supremo]”.
3.3. Mas, ao rejeitar o recurso, o STJ não fechou a porta a eventual recurso de
constitucionalidade (“por violação dos princípios da segurança jurídica e da
confiança e das garantias de defesa consagrados, respectivamente, nos artigos
2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição”) da própria decisão da Relação.»
Quanto aos recursos de constitucionalidade, «oportunamente os autos descerão à
Relação de Coimbra para admissão (ou não) dos recursos constitucionais ora
opostos à sua decisão de 26 de Março de 200[3] pelos arguidos A. (em 12 de
Outubro de 2004) e B. (em 11 de Outubro de 2004, “subsidiariamente”)».
5.Admitidos estes recursos, no Tribunal Constitucional os recorrentes foram
notificados para alegar.
O recorrente B. apresentou, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
«B1: O próprio artigo 411.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, quando tomado
literal e irrestritamente, padece ou pode sofrer de inconstitucionalidade
material, como intentou demonstrar-se sob A1.2 da motivação supra, por
potencialmente violador do disposto no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição da
República e da alínea b) do n.° 3 [do artigo 6.º] da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem. Ora,
B2: no caso dos autos, o Tribunal recorrido, ao adscrever-se ao prazo de quinze
dias decorrente do citado normativo do direito legislado, não se tendo embora
disso apercebido, começou por violar o disposto no n.° 1 do artigo 32.°, da
Constituição da República e na alínea b) do n.° 3 [do artigo 6.º] da assinalada
Convenção. Por outro lado,
B3: os “princípios gerais do processo penal” e, de entre eles, o da “lide leal”
(fair trial) constituem elementos interpretativos de natureza análoga às das
normas formalmente constitucionais cuja consideração o aplicador nunca pode
perder de vista sob pena de, fazendo-o, violar o disposto no n.° 1 do artigo
16.° da Constituição da República, como, ao cabo e ao resto, sucedeu na espécie
dos autos.
B4: O princípio da confiança, encontrando guarida no disposto no artigo 2.° da
Constituição, como um dos étimos fundantes da própria ideia de Estado de direito
democrático, redundou violado por força da interpretação e aplicação a que o
Tribunal da Relação de Coimbra procedeu do disposto no artigo 414.°, n.° 3, do
Código de Processo Penal
B5: e, bem assim, implicitamente, do artigo 420.°, n.° 1, do mesmo diploma, na
medida em que este para aquele remete.
B6: Termos em que devem V.as Ex.as declarar a inconstitucionalidade material dos
aludidos comandos do Código de Processo Penal, face à concreta dimensão
interpretativa que lhes foi atribuída no acórdão recorrido, por violação do
disposto nos artigos 2.° e 32.°, n.° 1 - este último, de aplicação directa -
ambos da Constituição da República Portuguesa.»
Por sua vez, o recorrente A. concluiu as suas alegações pela seguinte forma:
«1.ª – O despacho de fls. 7118, que prorrogou o prazo para apresentação da
motivação de recurso, recebeu a aceitação de todos os intervenientes
processuais, designadamente do MP e dos assistentes, que dele inclusivamente se
aproveitaram para apresentarem as correspondentes respostas, pelo que transitou
em julgado;
2.ª – Na verdade, o despacho de fls. 7118 não admitiu o recurso - este foi
admitido pelo despacho de fls. 7568 - pelo que transitou em julgado, não lhe
sendo aplicável o regime prescrito pelo art.º 414.°, n.° 3, do CPP;
3.ª – Como quer que seja, nunca o disposto no art.º 411.°, n.ºs 1 e 3, do CPP
pode ser interpretado no sentido de impedir que decisão de 1.ª instância, não
impugnada, que dilatou ou prorrogou os prazos aí consignados, venha a ver
destruídos os seus efeitos por decisão da 2.ª instância em contrário proferida
com referência explícita ou implícita ao disposto no art.º 414.°, n.ºs 2 e 3, e
420.°, n.º 1, daquele mesmo Diploma Legal;
4.ª – Assim, o Acórdão da Relação de 26.03.02, ao decidir que a peremptoriedade
do prazo consignado no art.º 411.º, n.ºs 1 e 3, do CPP impede que seja valorada,
ou surta eficácia, decisão judicial proferida na 1.ª instância, não impugnada,
que haja prorrogado tal prazo fora dos afastados limites do art.º 107.°, n.° 6,
do CPP, efectua uma interpretação daqueles preceitos, por referência ao disposto
nos art.ºs 414.°, n.ºs 2 e 3, e 420.°, n.º 1, do CPP, com as necessárias
adaptações, manifestamente contrária à Constituição e, consequentemente, faz
incorrer aqueles preceitos (art.ºs 411.°, n.ºs 1 e 3, do CPP), na interpretação
concreta deles assim efectuada, no vício de inconstitucionalidade material, por
violação dos princípios constitucionais da boa fé e da lealdade processuais, da
segurança jurídica, das garantias de defesa, da igualdade de armas e do direito
ao recurso consagrados no art.º 2.° e 32.°, n.ºs 1 e 5, e 205.°, n.º 2, todos da
Constituição da República;
5.ª – Ou seja: a norma retirada da interpretação daqueles preceitos (art.º
411.°, n.ºs 1 e 3, do CPP) conjugada com o disposto nos art.ºs 414.º, n.ºs 2 e 3
(referidos no Acórdão), e com o disposto no art.º 420.°, n.° 1, do CPP (não
referido no Acórdão, mas implicitamente aplicado), afronta a Constituição, por
constituir exigência funcionalmente inadequada à possibilidade de exercício do
direito de recorrer constitucionalmente garantido (art.º 32.°, n.° 1, da CRP),
desrespeitadora da legalidade e da garantia de efectivação dos direitos e
liberdades fundamentais (art.º 2.° da CRP) e destruidora da boa fé, da lealdade
e da confiança jurídica que devem merecer as decisões dos Tribunais (art.º
205.°, n.° 2, da CRP);
6.ª – Conforme se alegou no requerimento de interposição do presente recurso de
constitucionalidade, trata-se da mesma questão superiormente decidida pelo
Acórdão n.° 44/2004 deste Tribunal, proferido no processo n° 636/03, pois que as
diferenças são meramente aparentes (ali tratava-se de recurso não interposto em
acta, acto regido pelo n.º 1 do art.º 411.° e aqui interposto nos termos da 2.ª
parte do n.° 3 do mesmo preceito; ali tratava-se de rejeitar o recurso por
referência ao art.º 420.°, n.° 1, e aqui trata-se tão-só de rejeitar a segunda
motivação por referência ao art.º 414.°, n.ºs 2 e 3, do mesmo Diploma Legal);
7.ª – Deve pois este Tribunal declarar a inconstitucionalidade material da norma
retirada do art.º 411.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, interpretada em conjugação com o
disposto no art.º 414.°, n.ºs 2 e 3 e 420.°, n.° 1, do mesmo Diploma legal,
segundo a qual o prazo ali (art.º 411.º, n.ºs 1 e 3, do CPP) concedido para
apresentação da motivação do recurso apresentada em processo penal pelo arguido
contra sentença condenatória não pode ser alterado ou prorrogado fora das
hipóteses previstas no art.º 107.°, n.° 6, do mesmo Diploma Legal, não podendo,
consequentemente, surtir eficácia o despacho judicial não impugnado proferido em
1.ª instância que decidiu prorrogar esse prazo, o qual se admite poder ver
destruídos os seus efeitos por decisão posterior proferida pelo Tribunal ad quem
por referência àqueles últimos preceitos (414.°, n.ºs 2 e 3, e 420.°, n.° 1, do
mesmo CPP);
8.ª – Deve, pois, decidir-se que essa interpretação concreta faz padecer aqueles
preceitos (art.º 411.°, n.ºs 1 e 3, do CPP por referência aos art.ºs 414.°, n.ºs
2 e 3, e 420.°, n.° 1, do mesmo Diploma legal) do vício de inconstitucionalidade
material por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da boa fé e
da lealdade processuais, da confiança e da segurança jurídicas, das garantias de
defesa, da igualdade de armas e da garantia do direito ao recurso, previstos nos
art.ºs 2.°, 32.°, n.ºs 1 e 5, e 205.°, n.° 2, todos da Constituição da República
Portuguesa.
Termos em que se requer seja concedido provimento ao presente recurso, e,
consequentemente, seja ordenada ao Tribunal da Relação a reformulação do Acórdão
de 26.03.03, a proceder em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade a
proferir.»
Nas suas contra-alegações, o representante do Ministério Público junto do
Tribunal Constitucional concluiu pela procedência do presente recurso, pela
seguinte forma:
“1 – É inconstitucional, por violação dos princípios das garantias de defesa e
do processo equitativo, a interpretação normativa dos artigos 411.º, n.º 3,
414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que faculta ao
Tribunal “ad quem” a apreciação oficiosa da tempestividade do recurso, quando
esta decorre inteiramente da questão da legalidade de uma prorrogação do prazo
para recorrer ou motivar o recurso deferida precedentemente pela primeira
instância, por decisão que não foi de imediato impugnada ou questionada por
outro sujeito do processo.
2 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, enquanto reportado a tais
normas.”
Por parte da segunda recorrida, F., nada foi dito.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
A) Delimitação e objecto dos recursos de constitucionalidade
6.Em ambos os recursos de constitucionalidade foram impugnadas as normas dos
artigos 411.º, n.º 1, 414.º, n.º 3, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal
(embora no segundo recurso as normas impugnadas abranjam também as do n.º 3 do
artigo 411.º e do n.º 2 do artigo 414.º do mesmo Código), com a seguinte
redacção:
“Artigo 411.º
(Interposição e notificação do recurso)
1. O prazo para interposição do recurso é de quinze dias e conta-se a partir da
notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na
secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta-se a
partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever
considerar-se presente.
(…)
3. O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não
admissão do recurso. Se o recurso for interposto por declaração na acta, a
motivação pode ser apresentada no prazo de quinze dias, contado da data da
interposição.
(…)”
“Artigo 414.º
(Admissão do recurso)
(…)
2. O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for
interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias
para recorrer ou quando faltar a motivação.
3. A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o
regime de subida não vincula o tribunal superior.
(…)”
“Artigo 420.º
(Rejeição do recurso)
1. O recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou que se
verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do
artigo 414.°, n.º 2.
(…)”
Expressamente invocadas no acórdão de 26 de Março de 2003 do Tribunal da Relação
de Coimbra foram as normas dos artigos 411.º, n.ºs 1 e 3, 414.º, n.ºs 2 e 3, mas
não a do artigo 420.º (que prevê a rejeição do recurso quando “se verifique
causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414.º,
n.º 2”), a qual, no entanto, corresponde, como fundamento, ao sentido da
decisão. Por outro lado, tal norma foi indicada no despacho que admitiu o
recurso interposto de tal decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (a
propósito de um acórdão do Tribunal Constitucional que decidira questão idêntica
– o acórdão n.º 44/04, publicado no Diário da República [DR], II Série, de 20 de
Fevereiro).
Já nas contra-alegações produzidas neste Tribunal o Ministério Público deixou de
lado a norma (geral) do n.º 1 do artigo 411.º, presumivelmente porque a do seu
n.º 3 se apresentava como norma especial aplicável à situação dos autos. Uma vez
que a forma de contagem do prazo para a apresentação da motivação, no caso dos
autos, depende antes do n.º 3 do artigo 411.º do que do seu n.º 1, tal
encurtamento do conjunto de normas objecto do recurso não tem, porém,
significado relevante para os seus efeitos sobre a decisão recorrida.
Além disso, a não inclusão desse n.º 3 no primeiro recurso (como também a
omissão da do n.º 2 do seu artigo 414.º do Código de Processo Penal) não impede
que a decisão a proferir em relação ao conjunto de normas possa valer, em termos
idênticos, para o primeiro e para o segundo recorrentes, apesar de as normas
indicadas por cada um deles para apreciação deste Tribunal não serem
inteiramente coincidentes – e isto dispensando, mesmo, a eventual invocação da
essencial comunicabilidade dos efeitos do recurso de constitucionalidade, aos
não recorrentes, nos termos do disposto no artigo 74-º da Lei do Tribunal
Constitucional (do seu n.º 3, e não do seu n.º 2, embora o segundo recorrente
tenha também interposto o seu recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea
g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional). É que, como se
decidiu no Acórdão n.º 255/98, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional
[ATC], vol. 39, pp. 475, basta identificar a questão jurídico-processual cuja
constitucionalidade está em causa, podendo corrigir-se a base legal em
conformidade com a interpretação do tribunal a quo sobre as normas aplicáveis,
para se preencher o requisito da suscitação adequada de uma questão de
constitucionalidade normativa. Ora, essa questão, que cumpre apreciar, muito
embora nem sempre exactamente assim identificada, pode, claramente, ser
identificada como a da possibilidade de o tribunal ad quem apreciar
oficiosamente a tempestividade do recurso quando esta “decorre inteiramente da
questão da legalidade de uma prorrogação do prazo para recorrer ou motivar o
recurso deferida precedentemente pela primeira instância, por decisão que não
foi de imediato impugnada ou questionada por outro sujeito do processo.”
Tal questão tanto pode ser referida às normas identificadas pelo primeiro
recorrente, como às indicadas pelo segundo, como às referidas pelo Ministério
Público, a ela se reconduzindo a interpretação dos “art.ºs 411.º, n.º 1, 414.º,
n.º 2, e 420.º, n.º 1, todos do CPP (…) segundo a qual, apesar de uma decisão
judicial transitada proferida no processo, concedendo o prazo para a motivação
do recurso só após a notificação da disponibilização das transcrições, esta
decisão seria inoperante face ao disposto no art.º 411.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1”
(formulação do recurso de constitucionalidade de B.); ou do “art.º 411.º, n.º 3,
do CPP, na exacta interpretação concreta que o Acórdão da Relação lhe tinha
dado, ou seja, a de tal preceito fixar prazo peremptório insusceptível de ser
prorrogado e, consequentemente, dever ser rejeitada pelo Tribunal ad quem, por
força do disposto nos art.ºs 414.º, n.ºs 2 e 3, a motivação de recurso
apresentado dentro do prazo mais alargado concedido expressamente pelo Juiz
competente, em despacho não impugnado” (formulação adoptada pelo recorrente A.
perante o Supremo Tribunal de Justiça); ou «do art.º 411.º (n.ºs 1 e 3) do
Código de Processo Penal, na interpretação concreta que o Acórdão da Relação de
Coimbra referido lhes deu (…), segundo a qual “tais normas permitiriam a
destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada da
primeira instância quando à prorrogação do prazo de recurso”, assim não tendo em
consequência admitido a junção da motivação de recurso apresentada pelo arguido
ao abrigo daquele despacho judicial não impugnado» (formulação adoptada pelo
mesmo arguido no requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade); ou, ainda, “da norma retirada do art.º 411.º, n.ºs 1 e 3,
do CPP interpretada em conjugação com o disposto no art.º 414.º, n.ºs 2 e 3, e
420.º, n.º 1, do mesmo Diploma legal, segundo a qual o prazo ali (art.º 411.º,
n.ºs 1 e 3, do CPP) concedido para apresentação da motivação do recurso
apresentada em processo penal pelo arguido contra sentença condenatória não pode
ser alterado ou prorrogado fora das hipóteses previstas no art.º 107.º, n.º 6,
do mesmo Diploma Legal, não podendo, consequentemente, surtir eficácia o
despacho judicial não impugnado proferido em 1.ª instância que decidiu prorrogar
esse prazo, o qual se admite poder ver destruídos os seus efeitos por decisão
posterior proferida pelo Tribunal ad quem por referência àqueles últimos
preceitos (414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, do mesmo CPP)” (formulação
adoptada pelo mesmo arguido nas conclusões das alegações do recurso de
constitucionalidade).
7.Como já se referiu, o primeiro recurso parece ter sido interposto ao abrigo
das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
enquanto o segundo foi interposto invocando antes as alíneas b) e g) do mesmo
normativo. (mesmo admitindo que se tratou de lapso de escrita no 1.º recurso,
atenta a subsequente referência a “precedente alusão à alínea g) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC”, ver-se-á que o efeito é o mesmo).
Como é referido pelo Ministério Público nas suas contra-alegações, não podem,
porém, ser considerados os recursos interpostos ao abrigo das alíneas f) e g)
desse n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional: quanto à alínea f)
porque, durante o processo, não foi suscitada nenhuma ilegalidade por violação
de lei de valor reforçado, nem estavam em causa normas constantes de diploma
regional, ou ofensivos do estatuto de uma região autónoma; quanto à alínea g),
porque as normas impugnadas – e a questão jurídico-processual – não são
inteiramente idênticas às anteriormente julgadas inconstitucionais,
designadamente no acórdão n.º 44/2004, já citado. Como bem salientou o
Ministério Público no Tribunal Constitucional, “na verdade, no caso dos autos,
sendo o recurso interposto em acta, a intempestividade é reportada à
apresentação em juízo da motivação, fundando-se a ampliação do prazo para
motivar o recurso (e não para recorrer) no diferimento da sua contagem para o
momento da conclusão das transcrições oficiosas da prova (e não, como ocorria no
processo a que se reportou o dito acórdão do Tribunal Constitucional, à
aplicação subsidiária em processo penal do regime contido no artigo 698.º, n.º
6, do Código de Processo Civil)”.
Tal dissemelhança das normas objecto de apreciação e das inerentes questões
jurídico-constitucionais não pode, porém, impedir que esse mesmo acórdão, bem
como outros, possam, e devam, ser considerados na fundamentação da presente
decisão, por haver, no essencial, similitude substancial entre o que aí estava
em causa e o que aqui se discute.
Conclui-se, portanto, estarem apenas em causa os recursos interpostos ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, cujo
requisito de suscitação durante o processo da inconstitucionalidade das normas
pretendidas impugnar se deve considerar preenchido – não tanto, ou não só, por a
decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Março de 2003 se postar como
uma decisão-surpresa, mas sim por, mesmo antes de ela ter sido tomada (na
sequência da promoção, de 12 de Junho de 2002, do Ministério Público junto do
Tribunal da Relação de Coimbra no sentido da baixa dos autos à 1.ª instância
para notificação dos recorrentes que apresentaram versões provisórias das suas
motivações fora do prazo previsto no n.º 3 do artigo 411.º do Código de Processo
Penal pagarem a respectiva multa), logo ter sido suscitada a
inconstitucionalidade desse entendimento de tal norma (cfr. fls. 7968 v.) e ela
ser, só por si, suficiente para sustentar a imputação de inconstitucionalidade
que veio a abranger um conjunto mais alargado de normas.
B) Apreciação da questão de constitucionalidade
8.Identificado que está o objecto e o tipo dos recursos interpostos, há que
passar a deles tomar conhecimento, sendo esta tarefa simplificada pela
existência de anterior jurisprudência deste Tribunal sobre a questão essencial
em discussão: a da conformidade constitucional de uma decisão, pelo tribunal ad
quem, sobre a legalidade de despachos anteriormente proferidos no processo,
contra os quais nenhum sujeito processual reagiu, a qual, pela preclusão dos
efeitos de tais despachos, põe em causa a estratégia processual adoptada (e a
confiança formada) pelos intervenientes nesse processo em função desses
despachos.
A identificação que assim se postula entre os precedentes jurisprudenciais e o
presente caso – embora insuficiente para dar por preenchida a identidade
normativa alegada por um dos recorrentes para efeitos de fundar o recurso na
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional com base no
acórdão n.º 44/2004 – é, com efeito, mais do que suficiente para que essa e
outras decisões que convocaram algumas das normas aqui impugnadas sirvam de
argumento para a decisão que vai ser proferida (o que se pode explicar pelo
diferente nível de abstracção a que opera a identidade normativa pressuposta na
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional e a
semelhança substancial requerida para um lugar paralelo, ou um precedente, na
jurisprudência constitucional, para efeitos de consideração na fundamentação da
sua decisão).
9.Assim, no acórdão n.º 39/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt),
julgou-se “frustrada a confiança legítima depositada pelo recorrente na anterior
decisão do tribunal a quo, contra a qual nenhum outro sujeito processual reagiu”
quando “a interrupção do prazo do recurso, declarada por decisão do tribunal a
quo”, foi “considerada inválida pelo tribunal ad quem”, por isso se julgando
inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Penal,
“na interpretação segundo a qual é extemporâneo o recurso interposto pelo novo
defensor do arguido dentro do prazo reiniciado a partir da sua nomeação, depois
de ter sido proferido em 1.ª instância despacho, não impugnado, a interromper o
anterior prazo de interposição de recurso, motivado por pedido de escusa no
anterior patrono deduzido na sua pendência.” Escreveu-se o seguinte na
fundamentação de tal decisão:
«[...] num processo em que a interrupção do prazo do recurso, declarada por
decisão do tribunal a quo, seja considerada inválida pelo tribunal ad quem,
mesmo quando os restantes intervenientes processuais se conformaram com tal
interpretação, nenhum deles reagindo contra esse despacho, o direito de recurso
antes reconhecido por decisão judicial em certos termos – num certo prazo que
restava – vem a ser praticamente inutilizado pelo tribunal ad quem, sendo
frustrada a confiança legítima depositada pelo recorrente na anterior decisão do
tribunal a quo, contra a qual nenhum outro sujeito processual reagiu. Na
verdade, no presente caso, como salienta o Ministério Público nas
contra-alegações produzidas no Tribunal Constitucional, a decisão da 1.ª
instância veio determinar a “concessão ao arguido de uma verdadeira prorrogação
ou extensão do prazo para exercer o direito de recurso da decisão condenatória
contra si proferida – assentando, naturalmente, toda a sua estratégia processual
subsequente na consolidação de tal situação processual, decorrente de ‘a parte
contrária’ se ter conformado com tal decisão. Ora, como é manifesto, a oficiosa
revogação de tal despacho – apesar da autonomia do incidente em que o mesmo se
inseriu – afecta a segurança e confiança no fluir da causa e põe em crise o
exercício do direito ao recurso, ínsito no princípio constitucional das
garantias de defesa”. Considerando a projecção da decisão recorrida, com este
teor revogatório, no iter processual e na posição do arguido/recorrente, tem de
reconhecer-se, na verdade, que um processo assim configurado, em que a garantia
do recurso é deste modo postergada, contra a confiança legitimamente fundada em
decisão anterior não impugnada que determinara a prorrogação do prazo, não pode
ser considerado um due process of law, e não se conforma com as garantias de
defesa que a Constituição assegura em processo penal – designadamente, com o
reconhecimento, entre estas, do direito ao recurso. Assim, no contexto de
aplicação dessa norma ao caso dos autos, o que se tem de concluir é que a
interpretação do artigo 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal em apreciação,
ao levar a considerar como intempestivo o recurso interposto dentro do prazo
fixado por despacho do tribunal a quo, apesar de este não ter sido impugnado,
afronta directamente o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República, ofende
os princípios da segurança e certeza jurídicas, e retira ao processo aqui em
causa as características de um due process of law (e, dir-se-á ainda, viola
também, indirectamente, o n.º 3 deste artigo 32.º, na medida em que, por essa
via de interrupção do prazo e revogação da interrupção, se evita que o arguido
seja efectivamente assistido por um defensor em todos os actos do processo –
questão que, porém, se pode deixar aqui em aberto, tendo-se alcançado a
conclusão de que a norma é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1,
da Constituição).
A norma em questão, ao possibilitar a revogação oficiosa de uma decisão
judicial, não impugnada, que havia tido como efeito a extensão do prazo para o
arguido exercer o direito de recurso da decisão condenatória, afecta, aliás,
também, de forma intolerável, os princípios da segurança e da confiança
jurídica, ínsitos no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da
Constituição da República.
Tal dimensão normativa é, pois, inconstitucional, sendo de conceder provimento
ao recurso.».
No acórdão n.º 44/2004 (disponível também em www.tribunalconstitucional.pt),
além da norma do n.º 1 do artigo 420.º, também a do n.º 1 do artigo 411.º do
Código de Processo Penal foi considerada inconstitucional “na interpretação
segundo a qual tais normas permitiriam a destruição dos efeitos anteriormente
produzidos de uma decisão não impugnada da primeira instância quanto à
prorrogação do prazo de recurso, por violação dos princípios de segurança
jurídica e da confiança e das garantias de defesa consagrados, respectivamente,
nos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição”, escrevendo-se, designadamente,
o seguinte:
“5. Não está em causa, no presente processo, nem a constitucionalidade dos
concretos prazos processuais nem qualquer direito constitucionalmente tutelado à
prorrogação dos mesmos. No recurso sub judicio, a única questão relevante é a da
alteração de uma decisão de primeira instância quanto à prorrogação de prazos
com fundamento no disposto em normas reguladoras de prazos, que não contemplam
qualquer possibilidade de prorrogação.
Ora, a interpretação dos artigos 411.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal que faz decorrer dos mesmos uma força vinculativa que ultrapassa
a situação jurídico‑processual resultante da não impugnação de decisão anterior
que concedera a prorrogação do prazo põe manifestamente em causa a confiança
jurídica que a estabilidade de uma decisão judicial não impugnada gera no
arguido enquanto sujeito processual.
Independentemente de se saber se a prorrogação dos prazos determinada pela
decisão judicial de primeira instância corresponde a uma interpretação correcta
do direito ordinário, ou mesmo se aquela decisão quanto a uma prorrogação de
prazo deveria ter sido notificada a todos os sujeitos processuais, é claro que,
uma vez produzidos os efeitos dessa decisão, eles não poderiam ser
posteriormente destruídos, abalando as expectativas do arguido relativamente ao
prazo de que disporia para recorrer alicerçadas numa decisão judicial não
impugnada.
O princípio do Estado de direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas
manifestações, e portanto também dos tribunais, ao Direito criado ou determinado
anteriormente, de modo definitivo. Assim, não é legítimo que uma decisão ao
abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que
baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou
ela mesma flagrantemente violadora de direitos (o que, de resto, aqui não se
poderá analisar nem está em causa como problema de constitucionalidade), venha a
ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa fé da actividade
processual do arguido, nomeadamente o exercício normal do seu direito de
defesa.”
Por sua vez, no acórdão n.º 722/2004 (acessível igualmente em
www.tribunalconstitucional.pt), decidiu-se julgar inconstitucional “por violação
dos princípios da segurança jurídica, da confiança e das garantias de defesa
consagradas nos artigos 2.º e 32º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo
414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual é
permitida a destruição, pelo tribunal superior, de efeitos anteriormente
produzidos por uma decisão não impugnada da primeira instância que declarou
‘interrompido’ o prazo em curso para o arguido recorrer”.
Estes fundamentos são de reiterar no presente caso.
10.Daqui resulta, portanto, que três das cinco disposições trazidas a este
Tribunal já foram julgadas inconstitucionais, a diferentes propósitos, mas
essencialmente com base na mesma constelação de interesses e em situações
processuais semelhantes à que se perfila nos presentes autos. As duas únicas
normas em relação às quais não houve anterior pronúncia – as do n.º 3 do artigo
411.º e do n.º 2 do artigo 414.º do Código de Processo Penal – não são
verdadeiramente autónomas em relação a essas outras: a do n.º 3 do artigo 411.º
por constituir apenas o desenvolvimento de um caso especial previsto no seu n.º
1 (norma esta julgada inconstitucional no acórdão n.º 44/2004); a do n.º 2 do
artigo 414.º por prever, entre as situações de não admissão do recurso, a da
interposição “fora de tempo”, sendo, aliás, a disposição para a qual o n.º 1 do
artigo 420.º (norma julgada inconstitucional nos acórdãos n.ºs 39/2004 e
44/2004) expressamente remete.
O que os presentes autos têm de particular em relação aos anteriores acórdãos
citados – a convocação de um conjunto mais alargado de normas – em nada diminui
a similitude essencial da questão que, em diversas configurações fácticas e
normativas, foi sendo decidida, no sentido da desconformidade constitucional da
norma que permite uma decisão do tribunal ad quem em sentido contrário à
tempestividade do recurso, quando decorre inteiramente da questão da legalidade
de uma prorrogação do prazo para recorrer ou motivar o recurso deferida
anteriormente pela primeira instância, em decisão que não foi impugnada ou
questionada por qualquer outro sujeito do processo, por violação dos princípios
da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, e das garantias de
defesa consagradas nos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição.
11.Embora os recorrentes estejam obrigados a apresentar perante o Tribunal
Constitucional a formulação da norma que reputam inconstitucional, quando tal
norma não corresponda ao sentido literal de uma disposição legal, como é aqui o
caso, nada obriga o Tribunal a, na decisão que proferir, adoptar essa mesma
formulação. Uma vez que não é necessário, nem conveniente (face à não discussão
de tal matéria na fundamentação do acórdão), convocar a questão do trânsito em
julgado para a formulação do juízo de constitucionalidade, não se adopta a
interpretação indicada no 1.º requerimento de recurso. Uma vez que a
interpretação proposta no 2.º requerimento de recurso se circunscreve à norma
dos n.ºs 1 e 3 do artigo 411.º do Código de Processo Penal e difere na sua
formulação da que foi apresentada nas suas alegações de recurso perante este
Tribunal (e da que foi apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça), segue-se
antes formulação próxima da que foi sugerida nas contra-alegações de recurso
apresentadas pelo Ministério Público, que traduz exactamente o alcance do
presente juízo de inconstitucionalidade.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento dos recursos de
constitucionalidade apresentados ao abrigo das alíneas f) e g) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional;
b) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios da
segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, e das garantias de
defesa consagradas nos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma dos
artigos 411.°, n.º 3, 414.°, n.ºs 2 e 3, e 420.°, n.º 1, do Código de Processo
Penal, interpretados no sentido de permitir ao tribunal ad quem a apreciação
oficiosa da tempestividade do recurso que para ele foi interposto, e a decisão
no sentido da intempestividade, quando esta decorre inteiramente da questão da
legalidade de uma prorrogação do prazo para recorrer, ou motivar, o recurso
deferida precedentemente pela primeira instância, por decisão que não foi
impugnada ou questionada por outro sujeito do processo;
c) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e
determinar a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o presente
juízo sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos