Imprimir acórdão
Processo n.º 787-A/2001
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Notificado dos Acórdãos 100/2005 e 101/2005, veio o
Licº A. requerer ao relator, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 700º do
Código de Processo Civil que lhe fossem indicados os “dados concretos de que
passou a dispor” este Tribunal “e os preceitos legais de que os julgadores
pensam servir-se para” o condenar como litigante de má fé.
Sobre essa pretensão exarou o relator, em 15 de Março de
2005, o seguinte despacho:-
“A audição do ora solicitante foi determinada por uma formação
colectiva deste Tribunal e não pelo relator.
Desde logo daí resulta que não é cabido ao relator comunicar os
‘dados concretos’ que levaram aquela formação à determinação atrás aludida.
Por outro lado, e independentemente do que ficou dito, na
perspectiva do ora relator, os Acórdãos números 100/2005 e 101/2005,
explicitaram suficientemente as razões que eventualmente poderiam conduzir à
consideração de harmonia com a qual a actuação do requerente era subsumível na
previsão da alínea d) do nº 1 do artº 456º do diploma adjectivo civil.
Daí que se não ordene o que quer que seja nos termos do poder a que
alude a alínea a) do nº 1 do artº 700º daquele corpo de leis”.
Após a prolação do transcrito despacho, o impugnante fez
juntar aos autos dois extensos requerimentos, reportado, um, ao Acórdão nº
100/2005 e, outro, ao Acórdão nº 101/2005.
Neles o Licº A. questionou, em primeiro lugar, a forma
como foi desencadeado o procedimento relativo à aplicação do artº 456º do Código
de Processo Civil, dizendo, quanto a este particular, em suma, que o despacho de
15 de Março de 2005 não indicou as disposições legais que vedaram ao relator a
possibilidade de indicar os dados concretos de que os julgadores passaram a
dispor para aquele desencadeamento, que a inobservância do nº 7 do artº 84º da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, diminuiu as garantias de imparcialidade e de
defesa, uma vez que é a mesma a formação colectiva a que formula a «acusação» de
litigância de má fé e a irá julgar e que, sendo a mesma a descrição das
vicissitudes processuais efectuada nos Acórdãos números 100/2005 e 10/2005, não
poderá haver lugar à aplicação de duas sanções ao respondente.
Após, passou a discretear sobre cada uma das descrições
daquelas vicissitudes (e também as vicissitudes processuais ocorridas no ordem
dos tribunais judiciais e de onde emergiu a reclamação julgada por intermédio do
Acórdão nº 46/2002), para concluir, síntese, que a sua actuação processual foi
cabida em face daquilo que, na sua perspectiva, não foi correctamente julgado
pelo Tribunal, quer por não ter respeitado garantias do reclamante ou o
acatamento dos princípios do dispositivo e do processo equitativo, quer por ter
incorrido em ilegalidades, quer por ter desrespeitado exigências de
imparcialidade, quer por ter omitido pronúncia, quer por ter conhecido de
questões sobre as quais não poderia pronunciar-se, quer por não ter identificado
disposições legais ou elementos de facto justificadoras das conclusões que
alcançou, quer por ter praticado factos que a lei não admite, quer por ter
fixado quantitativos de custas desrespeitando o artº 3º do Decreto-Lei nº
303/98, de 7 de Outubro.
E concluiu no sentido de que a conduta que assumiu não
poder consubstanciar um uso reprovável dos meios processuais de que lançou mão,
uso esse iluminado com o propósito de atingir um objectivo ilegal, e de que os
Acórdãos números 100/2005 e 101/2005 não especificaram as disposições legais
aplicáveis permissoras da conclusão segundo a qual as anteriores «reclamações»
apresentadas pelo impugnante eram inadmissíveis, vindo o impugnante a reiterar
os motivos pelos quais, no seu entender, tais «reclamações» tinham razão de ser
em face da actuação deste Tribunal que, repetiu, enfermava dos vícios acima
sintetizados, resultante de uma apreciação truncada e restritora da
“materialização garantística do direito a uma tutela jurisdicional efectiva”,
nada mais tendo os órgãos jurisdicionais intervenientes nestes autos do que
procurado “inviabilizar o reconhecimentos das pretensões do” reclamante, pelo
que a sua condenação como litigante de má fé, a efectivar-se, representaria uma
punição pelo “exercício legítimo de direitos fundamentais”, sendo que, como os
arestos proferidos neste processo constituíram o impugnante “na obrigação de
pagamento de custas de elevada expressão económica”, as «reclamações»
apresentadas tinham também por objectivo defender-se “contra eventuais agressões
patrimoniais”.
Cumpre decidir.
2. Começa o Licº A. por questionar o modo como se
desencadeou o procedimento referente à aplicação do artº 456º do diploma
adjectivo civil, referindo que o despacho do relator, acima transcrito, não
referiu as disposições legais que lhe vedavam a indicação dos dados concretos de
que a formação colectiva passou a dispor para um tal desencadeamento, e que o
não acatamento, in casu, do que se consagra no nº 7 do artº 84º diminuiu as
garantias de imparcialidade e de defesa, pois que será a mesma a formação que
irá julgar da deduzida «acusação» de litigância de má fé.
Pelo que respeita ao vício assacado ao despacho do
relator de 15 de Março de 2005, não estando ele sob reclamação, não competirá a
este Tribunal, funcionando em colectivo, debruçar-se sobre o mesmo, pelo que
cuidará este órgão de administração de justiça de analisar, no ponto em causa,
sobre se, em face das determinações de audição constantes dos Acórdãos números
100/2005 e 101/2005, ficaram diminuídas as garantias de defesa do «reclamante» e
se foi prosseguido um procedimento que põe em causa o princípio da
imparcialidade que deve reger a actividade jurisdicional.
Concernentemente às garantias de defesa, entende o
Tribunal que os dois referidos arestos fizeram uma enunciação detalhada dos
motivos pelos quais se indiciava que o «reclamante» tinha, no procedimento
ocorrido até então neste órgão de administração de justiça, desencadeado toda
uma actividade que não era iluminada com o propósito de invocação de vícios
objectivos (tais como os acima sintetizados) ínsitos nas suas anteriores
decisões.
E isso porque, tendo-se o Tribunal debruçado sobre as
variadíssimas arguições e reclamações, não deixou o «reclamante» de reiterar as
arguições e «reclamações», reeditando argumentos e fundamentos anteriormente não
acolhidos.
Ora, se é legítimo a qualquer «parte» servir-se dos
incidentes de arguição, de «reclamação» ou de pedidos de «reforma» previstos na
lei processual, com a finalidade de obter a declaração de nulidade ou a reforma
das decisões judiciais que porventura padeçam de invocados vícios que, na óptica
da «parte», conduziriam à inviabilização das pretensões formuladas através
desses incidentes, já não é legítimo que, havendo pronúncia do órgão
jurisdicional no sentido de eles se não terem verificado, se continue a
desencadear semelhantes incidentes, ainda que sob a «capa» de eles terem
ocorrido na decisão ou nas decisões que se debruçaram sobre as arguições,
reclamações ou pedidos de «reforma», invocando-se argumentação idêntica,
mormente quando, como na situação sub specie aconteceu, o Tribunal não deixou,
ainda assim e por mais de uma vez, de efectivar apreciação sobre os ulteriores
pedidos.
A enunciação das vicissitudes processuais que se
verificaram não podia deixar de ter por escopo a demonstração de uma actividade
processual desencadeada pelo ora respondente que não podia, objectivamente, ser
considerada tão só como uma defesa, ainda que inusitada, de pontos de vista,
aliás não acolhidos por anteriores decisões, mas sim como um, passe a expressão,
motu continuo que, na realidade, vai impedir que se torne firme o já
anteriormente decidido.
Ora, tal enunciação, por detalhada, não pode deixar de
ser considerada como uma exposição concreta dos «dados» pelos quais o Tribunal
considerou indicar-se uma actuação processual de má fé por banda do respondente,
assim se desenhando uma adequada especificação fáctica sobre a qual o mesmo se
haveria de pronunciar.
Por isso se não vislumbra qualquer diminuição das suas
garantias de defesa no procedimento do artº 456º do Código de Processo Penal.
2.1. Entende o respondente que o não cumprimento do nº 7
do artº 84º da Lei nº 28/82 implicou a diminuição da imparcialidade do Tribunal
e também das suas garantias de defesa, pois, como se disse já, seria a mesma
formação a julgar da «acusação» de litigância de má fé que «formulara».
Não é perfeitamente compreensível uma tal asserção se se
pensar que - na situação a que se reporta o artº 456º do Código de Processo
Penal, e a haver um procedimento determinador da audição da «parte» que
indiciadamente agiu com má fé processual - aquela disposição legal não prescreve
que tal audição deva ser levada a efeito, tratando-se de um tribunal funcionando
em colectivo, pelo relator ou, tratando-se de um tribunal que funciona com um
juiz singular, o mesmo, determinando a aludida audição, não possa,
posteriormente, julgar da existência ou não existência daquela má fé.
As garantias de defesa do «indiciado» resultam, no modo
de ver deste Tribunal, da dação de oportunidade para «contestar» os factos e
circunstâncias que, numa aparência indiciária, apontam para que houve uma
actuação processual de má fé, factos e circunstâncias essas que deverão, como no
caso sucedeu, ser devidamente especificadas, não podendo, pois, resumir-se a uma
indeterminação circunstancial.
De outro lado, não pode considerar-se como a efectivação
de um juízo de valor ex ante, ainda que por uma mera aparência, a verificação
objectiva de uma actuação processual que aponte para um não acatamento de
anteriores decisões do Tribunal, não acarretando essa verificação, desde logo,
uma imputação subjectiva à «parte» do único desiderato de entorpecer a acção da
justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito das anteriores decisões.
Essa imputação, com o consequente juízo sobre a
ocorrência de uma real situação de litigância de má fé, só pode ser atingida
após a audição da «parte», não se lobrigando, por isso, que sejam postas em
causa as garantias de imparcialidade que têm de ser apanágio dos tribunais.
2.2. Também o respondente brande com o argumento de
harmonia com o qual, sendo idêntica a descrição das vicissitudes processuais
efectuada nos Acórdãos números 100/2005 e 101/2005, duas eventuais condenações
como litigante de má fé representariam algo não compatível com o princípio do
non bis in idem.
Se é facto que se deve ter por assente que é semelhante
aquela descrição, nem por isso daí decorre inequivocamente que, com a audição do
ora respondente, e tratando-se, como se trata, de um só processo, se visou o
desencadeamento de um procedimento que eventualmente culminasse com a sua
condenação, por duas vezes, como litigante de má fé.
O que se passou nos autos, foi que, após a prolação de
vários acórdãos, foi, a dado passo, entendido que uma «reclamação» apresentada
pelo respondente e dirigida ao Acórdão nº 178/2003 o tinha sido em prazo que,
para ser analisada, demandaria o pagamento de multa prevista no nº 6 do artº
145º do Código de Processo Civil e, porque em tal sentido foi proferido despacho
pelo relator, dele reclamou o ora respondente, reclamação que veio a ser
indeferida pelo Acórdão nº 434/2003.
Deste aresto foi arguida nulidade e, posteriormente,
sobre outros acórdãos que a ele se seguiram - estando ainda em causa a matéria
atinente ao indeferimento da reclamação do indicado despacho - veio o ora
respondente a deduzir várias «reclamações».
Isso significa que, embora nos mesmos autos, a
determinado passo, passou o Tribunal a proferir decisões, e muitas são elas já,
sobre diferentes matérias: a conexionada com a decidida primitivamente pelo
Acórdão nº 46/2002, que indeferiu a reclamação do despacho de 31 de Outubro de
2001 do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o
recurso intentado interpor para este Tribunal, e a referente ao despacho do
relator que entendeu que, para que pudesse ser objecto de apreciação a
«reclamação» que dizia respeito ao Acórdão nº 178/2003, haveria ele de proceder
ao pagamento da multa do citado nº 6 do artº 145º.
E, justamente por isso, ou seja, porque se tratava de
pontos diversos, passou o Tribunal a decidir em diferentes arestos uma e outra
daquelas matérias, e daí a prolação dos Acórdãos números 100/2005 e 101/2005.
Mas, como já ficou sublinhado, essa circunstância não
significa que a «audição» do ora respondente determinada nos mencionados
Acórdãos tivesse por finalidade o desencadeamento de um procedimento que
eventualmente pudesse conduzir a uma sua «dupla» condenação por litigância de má
fé.
3. Viu-se já que a postura do respondente é no sentido
de ter sido adequada a sua conduta processual.
Não irá o Tribunal reiterar aqui a panóplia das decisões
que já produziu nos autos e sustentar a sua justeza, precisamente porque, no seu
entender, ela foi, nas mesmas, devidamente assinalada.
Ora, em rectas contas, nas extensas respostas agora
apresentadas pelo impugnante, o que o mesmo faz é tentar demonstrar que, no seu
modo de ver, as várias decisões produzidas pelo Tribunal enfermavam de vícios
(repetindo, muitas vezes, referentemente a um dado aresto, as «ilegalidades» -
tomadas estas em termos amplos - que assacara ao precedente acórdão) e que, em
razão disso, reagiu a elas mediante os incidentes de arguição de nulidade e
pedidos de «reforma».
Simplesmente, como se disse já, o Tribunal tem vindo a
lavrar variadíssimas decisões (excepção feita ao Acórdão nº 695/2004, que
efectuou determinadas rectificações de erros de escrita que se surpreendiam no
Acórdão nº 425/2004) que não deram atendimento às pretensões do ora respondente,
fundamentando a razão do decidido e mesmo sublinhando que, embora se devendo
aceitar que poderia o ora respondente não concordar com o decidido, o que se não
antevia como legítimo era que recaíssem solicitações de «reforma» sobre acórdãos
que indeferiram anteriores pedidos dessa natureza.
Não obstante a - ouse-se dizê-lo - «complacência» do
Tribunal em não se limitar, de certo jeito pretorianamente, a indeferir as
pretensões de «reforma» e de arguição de nulidades, invocando que já
anteriormente se tinha debruçado sobre matéria idêntica, conquanto reportada a
anteriores arestos, antes vindo a, de novo, fundamentar as suas decisões,
reafirmando os motivos anteriormente conducentes ao não atendimento delas, o
respondente continuou a esgrimir com os seus pontos de vista, já precedentemente
não aceites.
Anote-se que, em verdade, as matérias que têm dado lugar
ao vasto proferimento de decisões nestes autos redundam, como resulta do acima
exposto, do indeferimento da reclamação, por extemporaneidade, do despacho do
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu um recurso
desejado interpor para o Tribunal Constitucional, e de se ter entendido ser de
exigir o pagamento da multa constante do nº 6 do artº 145º do Código de Processo
Civil para que fosse possível a este último de órgão e administração de justiça
curar de um pedido de «reclamação» dirigido a um dos já variados arestos (o
Acórdão nº 178/2003) que se seguiram ao que decidiu o indeferimento daqueloutra
reclamação.
Há que convir que uma actuação como a do respondente é
inaceitável.
O uso de incidentes processuais que, tantas vezes, mais
não representam que a defesa de um ponto de vista já anteriormente não acolhido
pelo Tribunal, volens nolens, manifesta um propósito de entorpecimento da sua
actuação e vai impedir, necessariamente, que se tornem firmes decisões que, por
outras anteriores já proferidas, não foram consideradas como padecendo de
«ilegalidades», pelo que não é sufragável um entendimento de acordo com o qual
foi aquela actuação que, por malfazeja, deu origem à actividade processual
prosseguida pelo respondente da forma como ficou espelhada nas vicissitudes
relatadas nos Acórdãos números 100/2005 e 101/2005, o que o mesmo é dizer que o
resultado da não existência de trânsito em julgado, quer da decisão (datada de 5
de Fevereiro de 2002) de indeferimento da reclamação do despacho do Conselheiro
Relator do Supremo Tribunal de Justiça de não admissão do recurso interposto
para o Tribunal Constitucional, quer da decisão (datada de 26 de Maio de 2003)
que entendeu que era devido o pagamento da multa a que se reporta o nº 6 do artº
145º do Código de Processo Civil, é, e tão só, imputável ao respondente.
Neste contexto, decide o Tribunal condená-lo, como
litigante de má fé, na multa correspondente a vinte unidades de conta e - tendo
em conta o disposto no artº 459º daquele corpo de leis e que o Licº A. litiga
como advogado em causa própria - dar conhecimento do facto à Ordem dos
Advogados, enviando certidão do presente acórdão e, bem assim, dos Acórdãos
números 100/2005 e 101/2005 .
Lisboa, 20 de Abril de 2005
Bravo Serra
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos