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Processo n.º 525/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A., com os demais sinais dos autos, reclama para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção actual (LTC), do despacho proferido pelo Juiz
Desembargador relator do Tribunal da Relação de Lisboa que lhe não admitiu o
recurso interposto para este Tribunal Constitucional.
2 – Compulsados os autos, importa relatar, com interesse para a
decisão da presente reclamação:
2.1 – Por Acórdão de 29 de Junho de 2006, o Tribunal da Relação de
Lisboa decidiu rejeitar o recurso interposto pelo ora reclamante uma vez que
tendo este sido “convidado a formular novas conclusões, concertadas e
devidamente sintetizadas”, não deu cumprimento ao solicitado nem qualquer
justificação para tal.
Notificado da decisão, o reclamante, por requerimento de 4 de Julho
de 2006, alegou não ter sido notificado do teor do despacho que o havia
convidado a formular novas conclusões, requerendo a notificação do despacho de
fls. 2061 verso, de forma a sanar “o vício de notificação, nos termos do art.
121.º, n.º 2 do CPP”; e, por requerimento de 17 de Julho de 2006, recorreu para
o Supremo Tribunal de Justiça do mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa.
Em 4 de Setembro de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa notificou
o reclamante “para juntar aos autos o original da notificação constante de fls.
2062”, e, considerando que este não cumprira o determinado decidiu, por Acórdão
de 26 de Outubro de 2006, indeferir, por extemporâneos, os requerimentos
apresentados pelo reclamante de 4 de Julho de 2006 e de 13 de Setembro de 2006.
Discordando, novamente, do decidido, o ora reclamante recorreu desse
Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, e, não tendo relator admitido tal
recurso (despacho de fls. 2722), requereu, a 6 de Dezembro de 2006, que “sobre
esse despacho recaí[sse] um acórdão a proferir em conferência, nos termos do
artigo 700.º n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP”.
Face ao requerido, o Desembargador relator proferiu o seguinte
despacho:
“O despacho de fls. 2722 – que não admitiu o recurso interposto é da competência
do juiz relator, titular do processo.
Face à natureza do despacho de fls. 2722, não se justifica nem decorre da
lei qualquer imposição no sentido de ser proferido em conferência.
O despacho encontra-se proferido correctamente e segundo os ditames da lei
processual (artigo 414.º e sgs. do C.P.P.)”.
Notificado desse despacho, o reclamante interpôs dele recurso para o
Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:
“O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70.º da
Lei n.º 28/82, de 15/11, com as alterações subsequentes.
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art.
121.º, n.º 2, do CPP, com a interpretação com que foi aplicada na decisão
recorrida.
Tal interpretação viola o art. 32.º da Constituição da República
Portuguesa.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos no
requerimento do recorrente de 04/07/2006, nas suas alegações de recurso
expedidas por fax em 17/07/2006; no seu requerimento de 11/09/2006, expedido via
fax; alegações de recurso expedidas via fax em 13/11/2006.
(...)”
O Tribunal da Relação de Lisboa, levando em conta que “o despacho de fls 2727,
que rejeitou o pedido de conferência, em virtude da natureza do despacho de fls.
2722, não justificar nem impor que o aludido despacho fosse proferido em
conferência, não aplicou essa norma nem a sua inconstitucionalidade foi
suscitada de modo processualmente adequado”, decidiu não admitir o recurso.
2.2 – É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação, na
qual se invoca:
«1º
Por despacho de pronúncia de fls. 1512 e sgs., o arguido, ora reclamante, foi
pronunciado por 4 crimes de receptação p. e p. no arts. 231º, nº 1 do C.P.; 15
crimes de falsificação de documentos autênticos p. e p. no art. 256º, nº 1 a) e
b) e nº 3 do C.P.; 4 crimes de falsificação de documentos simples p. e p. no
art. 256º, nº 1 a) e b) do C.P.; e 3 crimes de burla qualificada, p. e p. no
arts. 217º, nº 1 e art. 218º nº 1 do C.P. e 1 crime de burla qualificada, na
forma tentada p. e p. no arts. 217º, nº 1 e 2 e art. 218º nº 1 do C.P..
2º
O tribunal de 1ª instância decidiu condenar o reclamante nas seguintes penas
parcelares:
1 ano e 5 meses de prisão, por cada crime de receptação;
1 ano e 5 meses de prisão, por cada crime de uso de documento falsificado;
1 ano e 9 meses de prisão, por cada crime de burla qualificada;
em cúmulo jurídico, na pena de quatro anos e três meses.
3º
Dessa decisão, o arguido recorreu para o venerando Tribunal da Relação de
Lisboa.
4º
No dia 03/07/2006, o arguido foi notificado do acórdão da Relação de Lisboa, que
rejeitou o seu recurso porque tendo sido convidado a reformular novas
conclusões, concentradas e devidamente sintetizadas, e que não só não deu
satisfação aquilo que lhe havia ser solicitado, como nada disse, entretanto em
justificação do seu omissivo comportamento.
5º
Em face disso, no dia 04-07-2006, o mandatário do reclamante deslocou-se ao
Tribunal para examinar os autos no sentido de esclarecer a situação.
6º
Ora sucede que compulsados os autos, constatou-se que o reclamante, certamente
por lapso manifesto, não foi notificado do teor do douto despacho exarado no
verso de fls. 2061.
7º
Na verdade, a ausência da referida notificação foi tão só a razão de ser do
silêncio do arguido.
8º
Com efeito, em 29 de Maio de 2006 o arguido foi notificado do constante a fls.
2061, sendo certo que o seu verso está em branco, pelo que lhe era impossível
cumprir, como obviamente era do seu interesse, o douto despacho de fls. 2061
verso.
9º
Desta forma, as garantias de defesas do recorrente foram preteridas, e,
consequentemente, uma interpretação inconstitucional do art. 32º da Constituição
da República Portuguesa (CRP).
10º
Atenta esta factualidade, no dia 04/07/2006, o reclamante arguiu a competente
nulidade, por falta de notificação, nos termos do art. 121º, nº 2 CPP,
apresentando prova para o efeito; e, por mera cautela, apresentou recurso para
esse alto Tribunal do acórdão que rejeito o recurso.
11º
Por despacho de fls. 2693, o arguido foi notificado para juntar o original da
notificação reproduzida a fls. 2062, o que fez, por seu requerimento de
11/09/2006, expedido via fax.
12º
Por douto acórdão de 26/10/2006, foi decidiu indeferir, por extemporâneos, os
requerimentos de 04/07/2006 e de 13/09/2006.
13º
Em 13/11/2006, via fax, o reclamante interpôs recurso desse acórdão para esse
venerando Supremo Tribunal de Justiça.
14º
Por douto despacho de fls. 2722 do Exmo. Relator Desembargador, o recurso não
foi admitido por falta de suporte legal.
15º
Em face disso, no dia 30/11/2006 (via fax), o ora reclamante veio requerer que
sobre esse despacho recaísse um acórdão a proferir em conferência, nos termos do
art. 700º, nº 3 do CPC, aplicável ex vi do art. Nº 4 do CPP. (Ac. do STJ de
03-10-2002; proc. 2707/02-5ª, SASTJ, nº 64, 99.)
16º
Por despacho de fls. 2727, o Exmo. Senhor Relator Desembargador entendeu que tal
despacho de fls. 2722 não é susceptível de ser levada á conferência.
17º
Salvo o devido respeito, o arguido discorda completamente com tal posição.
18º
Desde logo, a referida nulidade foi invocada e decidida tão só e pela primeira
vez no Tribunal da Relação.
17º
Por outro lado, neste caso, o reclamante tem direito a que sobre esse despacho
recaísse um acórdão a proferir em conferência, para eventualmente a recorrer
deste se assim entender, garantindo assim um duplo grau de jurisdição.
18º
Ademais, está aqui em causa uma questão de direito processual penal, sendo
recorrível o douto acórdão de 26/10/2006 para o venerando Tribunal
Constitucional.
19º
Caso contrário, é inconstitucional, por violação do art. 32º nº 1 da
Constituição da República Portuguesa, a interpretação vertida no despacho
reclamado. (Ac. do Tribunal Constitucional de 20/12/2006, proc. 643/2000; DR.,
II série, de 25/01/2001)
20º
Na verdade, o despacho reclamado ofendeu os direitos substantivos e processuais
do arguido, designadamente o direito ao recurso.
21º
Aliás, o arguido foi julgado pelo um Tribunal Colectivo, o MP não usou da
faculdade prevista no art. 16º, nº 3 do CPP, devendo, por isso, tomar em linha
de conta a pena abstractamente aplicável a cada um dos crimes.
22º
Donde, também aqui não se vislumbra a aplicação das al. e) e f) ao caso.
2.2 – Neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto pugnou pelo
indeferimento da reclamação alegando que:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Na verdade, confrontado com a decisão do relator que, na Relação, não admitiu o
recurso que o arguido pretendia interpor para o S.T.J., veio este – em vez de
reclamar para o Presidente do Tribunal Superior, nos termos processualmente
adequados – requerer que sobre tal despacho de não admissão, incidisse acórdão
da secção, como era previsível – e atento o evidente erro no meio processual
utilizado – o relator limitou-se a consignar que, do seu despacho, não cabia
reclamação para a conferência – não tendo, como é óbvio, esta questão processual
a mínima conexão com a “norma” a que se pretendia reportar o recurso de
constitucionalidade interposto, cujos pressupostos não de verificam”.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
3 – Como se constata do relatado, a decisão reclamada estribou-se em
dois fundamentos individualizados. Por um lado, considerou que o despacho do
qual foi interposto o recurso para este Tribunal não fez aplicação da norma que
consubstanciava o objecto do recurso de constitucionalidade; por outro, ponderou
que o recorrente não havia suscitado a questão de constitucionalidade de modo
processualmente adequado.
Estes argumentos não só não se encontram rebatidos no texto da
reclamação, como, de resto, são integralmente procedentes.
Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC apenas pode ter como objecto normas jurídicas que hajam sido aplicadas
como sua ratio decidendi pela decisão recorrida, devendo a questão de
constitucionalidade ser adequadamente suscitada durante o processo [cf. Cardoso
da Costa, “A jurisdição constitucional em Portugal”, in Estudos em homenagem ao
Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos
n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994;
n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995, e,
ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da
República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos
acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de
30 de Outubro de 2000].
No caso sub judicio, a decisão recorrida – na qual apenas se decidiu
indeferir o pedido de intervenção da conferência quanto ao despacho que não
admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – não faz
aplicação da norma do artigo 121.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, cuja
alegada violação o reclamante pretendia ver apreciada no recurso não admitido.
Independentemente dessa realidade, também se afigura procedente a
consideração de que a questão de constitucionalidade definida pelo ora
reclamante não foi adequadamente suscitada durante o processo.
Como este Tribunal tem estabelecido, de forma contínua e
sistemática, «“suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo
de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma
questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama,
obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a
norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender
de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se
aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao
menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a
constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a
Constituição não ao acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de
administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando
muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão
(cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da
República, II Série, de 15-05-1996)”.
Por outro lado, ainda, quanto ao cumprimento desse ónus, há que
notar que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada de modo a que o
Tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional
do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão
de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu
conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com
os parâmetros constitucionais que se têm por violados pois só assim se
possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização
da constitucionalidade dos actos normativos.
Regressando aos autos e perscrutando o teor dos requerimentos de
onde o reclamante faz decorrer a suscitação da questão de constitucionalidade,
impõe-se concluir que a constitucionalidade do artigo 121.º, n.º 2, do CPP – qua
tale ou numa determinada dimensão normativa – não foi suscitada pelo reclamante
nos termos supra referidos.
De facto, este sempre imputou a violação do artigo 32.º da Constituição à
decisão vertida no Acórdão de 29 de Junho, fazendo-o, ademais, nos requerimentos
de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, num momento onde
o poder jurisdicional do Tribunal a quo se encontrava esgotado quanto ao
conhecimento de tal questão.
C – Decisão
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte)
UCs.
Lisboa, 16 de Maio de 2007
Benjamim Rodrigues
Rui Pereira
Rui Manuel Moura Ramos