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Processo n.º 92/2005
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de constitucionalidade do acórdão de fls. 302 e ss., através de requerimento com o seguinte teor:
I - Fundamentos do Recurso:
1° O arguido, no âmbito do processo nº 712/01.1PAMGR do 1° Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, recorreu da sentença condenatória.
2° Em sede de audiência de julgamento, na sessão de julgamento realizada no dia
26.02.2004, o arguido prestou declarações nas quais afirmou, na sua essência, que na data em que os factos descritos na acusação ocorreram se encontrava de férias no Algarve.
3° Referiu ainda ter utilizado o seu telemóvel – 9-------------, para efectuar chamadas para a sua residência na Marinha Grande e ainda de ter recebido chamadas da sua companheira neste telemóvel.
4° O arguido vem acusado de no dia 28 de Setembro de 2001, ter agredido o ofendido com uma cabeçada e com um objecto não identificado.
5° Para descoberta da verdade material e nos termos do artigo 340° do Código de Processo Penal, o arguido requereu em sede de audiência de julgamento, que a empresa B. fosse notificada para fornecer aos autos a facturação detalhada do telemóvel do arguido no período entre 28 de Setembro de 2001 e 28 de Outubro de
2001, bem como a possível localização das chamadas.
6° O Ministério Público em sede de audiência não se opôs a esta pretensão do arguido.
7° O Tribunal a quo indeferiu esta pretensão do arguido, fundamentando não estar demonstrado ser o arguido o proprietário do telemóvel,
8° Que o telemóvel poderia ter sido emprestado a outra pessoa e que o lapso de tempo ocorrido não viabiliza esta pretensão.
9° O arguido não se conforma com o teor do despacho recorrido, considerando ser o meio de prova requerido essencial à sua defesa.
10º Na realidade sempre poderia a operadora de telemóvel confirmar se o arguido é ou não proprietário do mesmo, informando sobre os dados pessoais.
11° No que concerne ao prazo decorrido, caberia ainda à operadora de telemóvel informar o tribunal sobre a viabilidade do requerimento do arguido, nomeadamente, dizendo se ainda tinha na sua posse os elementos da facturação detalhada.
12° Em relação ao empréstimo do telemóvel, é um elemento que apenas pode ser visto no seu conjunto, em relação a toda a prova produzida.
13° Veja-se que o requerimento foi interposto ainda antes da audição das testemunhas de defesa,
14° Tendo o arguido afirmado que a sua companheira e testemunha de defesa estava na Marinha Grande.
15° Por outro lado, também não poderia o arguido obter por si estes elementos, já que, como é de conhecimento comum, as operadoras de telemóvel apenas fornecem estas informações mediante despacho judicial, “escudando-se” no sigilo das telecomunicações,
16° Existindo jurisprudência no sentido de não as integrar neste conceito.
17° Uma vez que está em causa a versão do arguido de que não estava presente na data dos factos, considera-se fulcral para a descoberta da verdade material, que além da prova testemunhal e declarações do arguido, exista eventual prova documental que corrobore a mesma.
18° O tribunal a quo indeferiu esta pretensão do arguido, e, este, no seu recurso de
03.03.2004, invocou a inconstitucionalidade desta decisão face ao estatuído no artigo 32° CRP, por violação das suas garantias de defesa.
19° O arguido, inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, invocando expressamente a inconstitucionalidade desta decisão por violação do artigo 32° CRP.
20° O Tribunal da Relação de Coimbra, não se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade, existindo, assim, omissão de pronúncia.
II - Pressupostos processuais do recurso:
21° O presente recurso constitucional é interposto ao abrigo do artigo 70°, nº l, alínea b) da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
22° O recorrente pretende ver discutida a constitucional idade da decisão do tribunal a quo face ao estatuído no artigo 32° CRP e artigo 340° CPP.
23° O arguido considera que foi violado o artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
24° O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade na sua alegação de recurso de 03.03.2004.
25° O Acórdão proferido no âmbito destes autos, não é susceptível de recurso ordinário.
Requer assim: Que seja admitido o presente recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
Proferido Despacho ao abrigo do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o recorrente respondeu o seguinte:
A., arguido nos autos acima identificados, vem expor e requerer o seguinte:
1 - A constitucionalidade da norma e o sentido que o arguido pretende ver discutida face ao Acórdão do Tribunal da Relação é o artigo 340° do Código de Processo Penal face ao estatuído no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, o princípio da presunção de inocência;
2 - Na realidade o que se trata é do indeferimento liminar de meios de prova que inocentam o arguido sem que seja tentada averiguar junto das entidades competentes se podem fornecer tais informações relevantes;
3 - O arguido invocou esta questão nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra em 03.03.2004,
4 - Recurso esse interposto antes do recurso da decisão final e que o Tribunal a quo da Marinha Grande, podia ter reparado;
5 - Tendo o arguido manifestado interesse na sua subida aquando do recurso da decisão final;
6 - A norma constitucional violada é o artigo 32° CRP e o princípio constitucional violado é o da presunção de inocência do arguido;
7 - A questão fulcral é saber se ao tribunal a quo é permitido dentro do seu poder discricionário face ao artigo 340° do CPP, afectar de modo definitivo essa presunção de inocência, não permitindo sequer a realização da prova fundamental da inocência do arguido, invertendo assim o ónus da prova.
Requer assim: Que seja admitido o presente recurso, ordenando-se a revogação da decisão sumária proferida.
Cumpre apreciar.
2. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo. Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995). O recorrente pretende submeter a apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 340º do Código de Processo Penal, e afirma que suscitou a questão de constitucionalidade nas alegações do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra. Ora, das alegações dos dois recursos do recorrente não consta qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada ao artigo 340º do Código de Processo Penal.
Na verdade, as alegações de fls. 114 e ss. são completamente omissas quanto a uma hipotética questão de constitucionalidade relativa à norma do artigo invocado, apenas se referindo que esse e outros preceitos foram violados. As alegações de recurso de fls. 136 e ss., por seu turno, são igualmente omissas quanto à questão de constitucionalidade indicada na resposta ao Despacho proferido ao abrigo do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Verifica-se, assim, que não foi suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa, pelo que não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso por manifesta falta do pressuposto processual consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa.
3. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, de acordo com o artigo
78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
A.. arguido nos autos acima identificados, vem nos termos do artigo 78°-A, nº 3 da Lei 28/82 de 15 de Novembro RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA Da decisão sumária proferida nestes autos I - Fundamentos do Recurso:
1° O arguido sempre suscitou a inconstitucionalidade de normas jurídicas, nomeadamente dos artigos 340° do Código de Processo Penal, posto que é da aplicação da mesma que decorrem os recursos interpostos.
2° Preenchendo assim os pressupostos previstos no artigo 70° da L TC.
3° O arguido, inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, invocando expressamente esta inconstitucionalidade.
4° Para tanto, o arguido alegou o seguinte:
5° Em sede de audiência de julgamento, na sessão de julgamento realizada no dia
26.02.2004, o arguido prestou declarações nas quais afirmou, na sua essência, que na data em que os factos descritos na acusação ocorreram, se encontrava de férias no Algarve.
6° Referiu ainda ter utilizado o seu telemóvel – 9------------, para efectuar chamadas para a sua residência na Marinha Grande e ainda de ter recebido chamadas da sua companheira neste telemóvel.
7° O arguido vem acusado de no dia 28 de Setembro de 2001, ter agredido o ofendido com uma cabeçada e com um objecto não identificado.
8° Para descoberta da verdade material e nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal, o arguido requereu em sede de audiência de julgamento, que a empresa B. fosse notificada para fornecer aos autos a facturação detalhada do telemóvel do arguido no período entre 28 de Setembro de 2001 e 28 de Outubro de
2001, bem como a possível localização das chamadas.
9° O Ministério Público em sede de audiência não se opôs a esta pretensão do arguido.
10º O Tribunal a quo indeferiu esta pretensão do arguido, fundamentando não estar demonstrado ser o arguido o proprietário do telemóvel.
11° Que o telemóvel poderia ter sido emprestado a outra pessoa e que o lapso de tempo ocorrido não viabiliza esta pretensão.
12° O arguido não se conformou com o teor do despacho recorrido, considerando ser o meio de prova requerido essencial à sua defesa.
13° Na realidade sempre poderia a operadora de telemóvel confirmar se o arguido é ou não proprietário do mesmo, informando sobre os dados pessoais.
14° No que concerne ao prazo decorrido, caberia ainda à operadora de telemóvel informar o tribunal sobre a viabilidade do requerimento do arguido, nomeadamente, dizendo se ainda tinha na sua posse os elementos da facturação detalhada.
15° Em relação ao empréstimo do telemóvel, é um elemento que apenas pode ser visto no seu conjunto, em relação a toda a prova produzida.
16° Por outro lado, também não poderia o arguido obter por si estes elementos, já que, como é de conhecimento comum, as operadoras de telemóvel apenas fornecem estas informações mediante despacho judicial, “escudando-se” no sigilo das telecomunicações,
17° Existindo jurisprudência no sentido de não as integrar neste conceito.
18° Uma vez que está em causa a versão do arguido de que não estava presente na data dos factos, considera-se fulcral para a descoberta da verdade material, que além da prova testemunhal e declarações do arguido, exista eventual prova documental que corrobore a mesma.
19° O tribunal a quo indeferiu esta pretensão do arguido, e, este, no seu recurso de
03.03.2004, invocou a inconstitucionalidade desta decisão face ao estatuído no artigo 32° CRP, por violação das suas garantias de defesa.
20° O arguido, inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, invocando expressamente a inconstitucionalidade desta decisão por violação do artigo 32° CRP
21° O Tribunal da Relação de Coimbra, não se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade, existindo, assim, omissão de pronúncia.
22° A inconstitucionalidade subjacente é a da norma prevista no artigo 340° do CPP face ao disposto no artigo 32° CRP, na medida em que permite o indeferimento arbitrário por parte do julgador de meios de prova indispensáveis à inocência do arguido.
23° Pelo que tendo preenchido os pressupostos exigidos na lei, deverá a decisão sumária ser reparada, ordenando-se a sua substituição por outro, apreciando-se o recurso interposto pelo arguido. Requer assim: Que seja admitido o presente recurso, ordenando-se a revogação da decisão sumária proferida .
O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
1° A presente reclamação é manifestamente improcendente.
2° Na verdade, a argumentação do recorrente - que não suscitou, durante o processo e em termos processualmente adequados qualquer questão de inconstitucionalidade normativa - em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso.
Cumpre apreciar.
2. O reclamante afirma que suscitou uma questão de constitucionalidade reportada ao artigo 340º do Código de Processo Penal. No entanto, não procede à demonstração de tal afirmação, limitando-se a descrever um conjunto de vicissitudes processuais que de modo algum evidenciam a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa. De resto, é o próprio reclamante que afirma, no artigo 20º da Reclamação, que suscitou a inconstitucionalidade da decisão. Ora, como se demonstrou na Decisão Sumária reclamada, não foi suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada ao artigo
340º do Código de Processo Penal. A presente reclamação reforça tal demonstração. Assim, não se verifica o pressuposto processual do recurso de constitucionalidade interposto, pelo que a presente reclamação é manifestamente improcedente.
3. Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 31 de Março de 2005
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos