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Processo n.º 726/2004
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente A. e como
recorrida a Fazenda Pública, é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional
a norma do artigo 53º, nº 5, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu
do seguinte modo:
· Com a entrada em vigor do Código do IRS, o Legislador criou uma
discriminação qualitativa entre alguns tipos de rendimentos, entre eles os
rendimentos da Categoria A e da Categoria H;
· Pretendendo o Legislador, à data, tributar de uma forma mais favorável
os rendimentos derivados de pensões;
· Tal foi claramente manifestado pelo legislador no preâmbulo do
decreto-lei que aprovou o Código do IRS, bem como no artigo 51.º do Código do
IRS na redacção que perdurou de 1989 a 1994.
· Contudo, apesar dessa ser a intenção do legislador, a verdade é que,
pela introdução do n.º 5 do artigo 53.º do Código do IRS, alguns rendimentos de
pensões, os abrangidos por esta norma, passaram a ser tributadas de uma forma
mais gravosa do que aquela que teria sido as expectativas criadas aos
pensionistas, bem como ao ora recorrente.
· Desta forma, viola-se alguns dos mais elementares princípios
constitucionais do direito fiscal:
· Assim, é violado o princípio da progressividade do Código do IRS, uma
vez que a progressividade deve ser atingida através de taxas progressivas e não
pela eliminação da dedução específica;
· É violado o princípio da capacidade contributiva, já que com a
eliminação/redução da dedução específica deixa de se ter em conta, o mínimo de
encargos necessários à obtenção dos rendimentos do sujeito passivo. Porquê é que
não se passa o mesmo na Categoria A e H?
· É, ainda, violado o princípio da igualdade, uma vez que um sujeito
passivo com igual capacidade contributiva no activo e na reforma, têm uma
tributação completamente diferente, sendo tributado mais gravosamente na reforma
que no activo, quando era precisamente o contrário que o legislador pretendia;
· Mais, viola-se o princípio da tributação pelo rendimento líquido, uma
vez que nos casos em que existe uma eliminação, ou mesmo nos que existe apenas
uma redução, da dedução específica, a taxa incide directamente sobre o
rendimento bruto, tal não foi a intenção do legislador;
· único caso em que essa foi a intenção do legislador foi os rendimentos
de capitais, o que se compreende dada a natureza dos mesmos, mas por esse facto,
para a maioria desses rendimentos o legislador criou taxas de tributação
liberatórias, que nunca, por nunca ser, atingem os 40%;
· Contudo, um pensionista que pare de ter direito à dedução específica,
por aplicação do n.º 5 do artigo 53.º do Código do IRS, vê os seus rendimentos
serem sujeitos a uma taxa de tributação de 40%. Onde é que está a discriminação
qualitativa que o legislador quis criar para esta categoria de rendimentos?;
· Onde é que está o tratamento preferencial que o legislador pretendeu
dar a esta categoria?
· Mas mais, esta norma cria uma incoerência no sistema fiscal português,
uma vez que o artigo 1.º do Código do IRS, dispõe que os rendimentos sejam
sujeitos à taxa depois de se proceder à dedução específica e, o n.º 5 do artigo
53.º do Código do IRS, dispõe que se aplique a taxa sem que primeiro se proceda
à realização da dedução específica, sem que qualquer razão objectiva esteja
subjacente a este normativo:
· Para finalizar, o n.º 5 do artigo 53.º do Código do IRS, viola o
princípio da segurança jurídica na modalidade do princípio da confiança:
· Ora, foi criada a convicção ao Recorrente, e aos pensionistas em geral,
que aquando da reforma ficariam sujeitos a um regime de tributação mais
favorável do que aquele a que se encontravam sujeitos, enquanto sujeitos
passivos enquadrados na Categoria A;
· Diga-se, expectativa essa, criada pelo próprio legislador - quer no
preâmbulo do decreto-lei que aprovou o Código do IRS quer no próprio artigo 51.º
do Código do IRS na sua versão de 1989 até 1994, pelo que consubstancia um
direito adquirido ou a aquisição de um verdadeiro direito subjectivo público,
oponível ao próprio legislador, que se encontra assim assente no Estado de
direito democrático;
· Face ao exposto, conclui-se que a norma em apreço viola os mais
elementares princípios de direito fiscal constitucional, sendo por isso
materialmente inconstitucional.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis deve o presente Recurso ser
julgado procedente por provado, e, em consequência, ser declarada a ilegalidade
por inconstitucionalidade do artigo 53.º, n.º 5 do Código do IRS, porque
violadora dos princípios da igualdade, progressividade, justiça, generalidade,
capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento líquido e princípio da
confiança tudo para que se faça a habitual
Justiça.
A Fazenda Pública contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre apreciar.
2. O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 173/05
(www.tribunalconstitucional.pt), já apreciou a conformidade à Constituição da
norma agora impugnada.
Nesse aresto, o Tribunal Constitucional entendeu o seguinte:
4. Entende-se que todas as questões de constitucionalidade trazidas pelo
recorrente a este Tribunal são improcedentes, devendo, em consequência, negar-se
provimento ao recurso.
Começando pelos princípios invocados pelo recorrente, é seguro que não existe,
na norma em questão, qualquer violação dos princípios da igualdade, da
capacidade contributiva e da justiça na fixação de um limite para dedução a
partir de um certo montante de rendimentos de pensões: são evidentemente
situações diversas as de quem auferia simplesmente rendimentos superiores aos
previstos no n.º 1 (isto é, rendimentos de valor anual superior € 7596,69) – a
quem era aplicável o n.º 2 do artigo 53.º do Código do IRS – e as de quem
auferia rendimentos de valor anual superior ao vencimento base anualizado do
cargo de primeiro-ministro (hipótese do n.º 5 do artigo 53.º). Aliás, as
situações referidas, são diferentes também, designadamente pelo diverso montante
dos rendimentos auferidos, sob o ponto de vista da capacidade contributiva
revelada pelos contribuintes respectivos, o que basta, só por si, para se
excluir a existência de qualquer violação dos princípios da capacidade
contributiva e da justiça.
Não existe, por outro lado, identidade de situações entre os rendimentos do
trabalho e os rendimentos de pensões, quanto aos custos necessários para
obtenção de rendimentos de cada uma dessas categorias, pelo que a previsão da
dedução, também sob este aspecto, não viola o princípio da igualdade. É que –
independentemente de outras considerações – não pode comparar-se a dedução
específica prevista no artigo 53.º do Código do IRS com a dedução dos custos em
que o contribuinte incorreu para a obtenção de rendimentos de outras categorias,
pois a primeira não tem o seu fundamento nessa necessidade de incorrer em custos
para obtenção do rendimento. Improcede, pois, a acusação de “discriminação
qualitativa” deduzida pelo recorrente (e isto, independentemente de quaisquer
considerações sobre qual seria a melhor solução, do ponto de vista da justiça
social, sobre as quais não tem este Tribunal que se pronunciar, apesar de não
poder deixar de notar-se que a invocação deste objectivo vê a sua força sem
dúvida diminuída acima de certos limiares de rendimento, como aqueles que
auferiu o recorrente).
Como se salientou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Março
de 2004, para que remeteu o acórdão recorrido,
«a partir de um montante de rendimentos que, entre nós, no tempo e modo que
vivemos, é, patentemente, muito superior à média do que auferem a maioria dos
agregados familiares, aferindo-se, de resto, pelo vencimento anualizado
atribuído a um dos cargos cimeiros do Estado, a consideração de uma dedução
específica mais reduzida do que a atendida em outros casos, não fere o princípio
da capacidade contributiva, ou o do rendimento líquido, pois não é susceptível
de deixar o sujeito passivo desprovido do necessário à sua subsistência e do seu
agregado familiar. Face a rendimentos de montante relativamente elevado, não
haverá, constitucionalmente, que acautelar o mínimo de subsistência, através da
dedução específica, pois esse mínimo continua garantido pela abundância dos
rendimentos sobejantes, mesmo depois de tributados pela sua totalidade.
Nem ofende o princípio da igualdade, ou o da justiça, a circunstância de
rendimentos de igual montante, se resultantes do trabalho, beneficiarem de
dedução específica superior: como se viu, não há igualdade entre os gastos
suportados por um trabalhador no activo para obter os seus ganhos e os que se
impõem a um pensionista para auferir a sua pensão.
Quanto ao princípio da generalidade, é de observar, como se faz na sentença
recorrida, que a norma em apreço se aplica a «todos aqueles que se integram no
Tatbestand da norma», e que «não é por se aplicar apenas a uma determinada
universalidade, cuidando de regular juridicamente um subconjunto de sujeitos,
que a norma perde os requisitos da generalidade e da abstracção».
Nem ele seria ofendido só porque, como afirma o recorrente, será fiscalmente
«mais gravoso ser reformado do que estar no activo», uma vez que a todos os que
auferem rendimentos de pensões a norma se aplica. Para além do que o gravame a
que se refere o recorrente fica por demonstrar.»
O limite à dedução específica previsto no artigo 53.º, n.º 5, é, aliás, de
aplicação geral, dentro do âmbito da respectiva hipótese, pelo que, também sob
este prisma, não se vislumbra onde poderia residir a violação do princípio da
“generalidade”, igualmente invocado pelo recorrente.
5. Quanto ao princípio da progressividade do imposto, e do objectivo de uma
repartição justa do rendimento, também não é violado pela norma em apreço, que
se limita a prever um limite para a dedução específica para rendimentos anuais
já bastante elevados.
Como se disse também no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31
de Março de 2004, na norma em apreço apenas está em jogo o rendimento
proveniente de pensões, e não é o modo como o rendimento desta origem é
isoladamente tratado que pode, só por si, afectar o princípio da
proporcionalidade, pois que não se considera o rendimento do agregado familiar.
Acresce, decisivamente, que o princípio da tributação progressiva do rendimento
se efectiva com uma tributação mais pesada dos rendimentos relativamente
elevados e com uma tributação mais leve dos relativamente mais baixos, sendo
justamente a este resultado que conduz o n.º 5 do artigo 53º do Código do IRS, o
qual, assim, em lugar de contrariar a progressividade, contribui para a sua
prossecução.
6. No que toca à invocada violação da tributação pelo rendimento líquido – e
deixando de lado a determinação do exacto alcance desta exigência –, a verdade é
que, como também se salientou no citado aresto do Supremo Tribunal
Administrativo, no caso dos rendimentos provenientes de pensões, não se
vislumbra a que despesas dê, necessariamente, lugar a sua obtenção. Tais
despesas, a existirem, sempre serão diminutas, face aos custos em que há
normalmente que incorrer para obter rendimentos da maioria das restantes
categorias sobre que incide o IRS. A consagração de uma dedução específica como
a prevista no artigo 53.º do Código do IRS não pode, pois, ser vista como uma
exigência dessa tributação segundo o rendimento real. E, seja como for, muito
menos o poderá ser o carácter ilimitado de uma tal dedução, sobretudo a partir
de montantes de rendimento relativamente elevados. Tal dedução específica para
rendimentos da categoria H é, antes, um tratamento favorável, relativamente aos
rendimentos de categorias que importem custos.
Nos casos em que a obtenção do rendimento não implicou directamente qualquer
custo, como é o caso dos rendimentos em questão, não há, aliás, qualquer
obstáculo constitucional a que se tribute simplesmente o rendimento auferido,
sem qualquer dedução.
Nem sequer resulta, pois, de um “princípio do rendimento líquido” –
independentemente do exacto alcance da sua consagração constitucional, que,
repete-se, se deixa em aberto – que o legislador ordinário não possa,
relativamente aos rendimentos com origem em pensões, prever um regime de dedução
diferente do adoptado para rendimentos de outras fontes, e, designadamente, um
limite para rendimentos dessa fonte a partir de montantes elevados.
7. Também o confronto com o “princípio da segurança jurídica na modalidade da
tutela da confiança” não conduz a que se vislumbre qualquer
inconstitucionalidade na norma em análise.
Na verdade, não se detecta base suficiente para uma “confiança legítima”, digna
de protecção, que o legislador não pudesse afectar com a introdução de um limite
à dedução prevista para rendimentos da categoria H.
Designadamente, não se detecta base jurídica para a alegada a convicção do
Recorrente, e dos “pensionistas em geral, que aquando da reforma ficariam
sujeitos a um regime de tributação mais favorável do que aquele a que se
encontravam sujeitos, enquanto sujeitos passivos enquadrados na Categoria A”.
Tal convicção seria, quando muito, relevante no plano político, mas não se
concretizou em qualquer “direito adquirido” (ou na “aquisição de um verdadeiro
direito subjectivo público, oponível ao próprio legislador, que se encontra
assim assente no Estado de direito democrático”), cujo concreto fundamento
jurídico não é, aliás, invocado pelo recorrente. Como se afirmou também no
acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Março de 2004, para que o
acórdão recorrido remeteu na sua fundamentação, nada há, nas normas que
inicialmente integravam o Código do IRS,
«que faça seriamente crer que o regime da dedução específica em causa iria
manter-se ao longo de todo o tempo. A própria novidade do CIRS valeria, para um
contribuinte avisado, como índice do contrário, sabido como é que as leis novas
são sujeitas a testes, acontecendo, com frequência, que, ou porque se revelem
ineficazes, ou inconvenientes, ou, até, por produzirem efeitos perversos, são
alteradas – sem falar nas mudanças que o decurso do tempo, a alteração das
circunstâncias, a melhor ponderação das coisas, ou as diferentes opções do
legislador, vêm a provocar.
Tudo para dizer que se não vê que o legislador de 1988 haja criado alguma
expectativa que tenha traído com a introdução do nº 5 do artigo 53º do CIRS,
sendo certo que não basta, para que haja violação do princípio da confiança, a
mera crença, desenraizada, na imutabilidade das leis que vigoram num dado
momento histórico.»
O que se verificou com a introdução do n.º 5 do artigo 53.º (então n.º 4 do
artigo 51.º) do Código do IRS, já em 1993 (pela Lei n.º 75/93, de 20 de
Dezembro), foi, simplesmente, o uso, pelo legislador ordinário, de forma que não
pode considerar-se intolerável, da sua liberdade de conformação. E sem que
tenha, com a sua actuação – a introdução de um limite à dedução prevista para
rendimentos da categoria H, para rendimentos anuais superiores ao vencimento
anualizado do Primeiro-Ministro –, frustrado qualquer confiança legitimamente
formada sobre a manutenção do direito anterior. Dir-se-á, até, que o natural é,
antes, que o quadro legislativo dos impostos evolua, e que matérias como a dos
limites a deduções, sobretudo para rendimentos relativamente elevados, não podem
considerar-se, à partida, como tipicamente merecedoras de uma estabilidade tal
que as torne imunes a alterações, ou, mesmo, que possam fundar uma confiança
digna de protecção na manutenção do respectivo regime.
Há, pois, que confirmar o juízo de não inconstitucionalidade a que chegou o
acórdão recorrido, negando provimento ao presente recurso.
Em consequência, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a
norma apreciada.
Nos presentes autos reiterar-se-á tal juízo de não inconstitucionalidade.
Não tendo sido suscitada qualquer questão nova que deva ser apreciada, remete-se
para a fundamentação do Acórdão nº 173/05, concluindo-se pela não
inconstitucionalidade da norma do artigo 53º, nº 5, do Código do Imposto sobre o
Rendimento das Pessoas Singulares.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao
recurso, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 19 de Abril de 2005
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos