Imprimir acórdão
Processo n.º 311/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 49 e seguintes dos presentes autos, foi proferida decisão
sumária em que se decidiu negar provimento ao recurso interposto para este
Tribunal por A..
Este recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao abrigo do
artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tem como
objecto a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 678º,
n.º 1, do Código de Processo Civil, por alegada violação dos artigos 18º, n.º 1,
e 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Embora o recorrente
tivesse indicado outros preceitos legais no requerimento de interposição do
recurso, só o artigo 678º, n.º 1, do Código de Processo Civil foi aplicado na
decisão recorrida, razão pela qual na decisão sumária proferida apenas se
conheceu da inconstitucionalidade de tal norma.
A decisão de não inconstitucionalidade e de não provimento do
recurso, constante da decisão sumária reclamada, fundamentou-se em abundante
jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a norma impugnada no
presente recurso.
Na decisão sumária reclamada invocaram-se os mais recentes acórdãos
do Tribunal Constitucional sobre a questão suscitada – concretamente os acórdãos
n.ºs 680/04, de 30 de Novembro de 2004 (proc. n.º 725/04), 84/05, de 16 de
Fevereiro de 2005 (proc. n.º 800/04), 215/05, de 22 de Abril de 2005 (proc. n.º
233/05) e 232/05, de 3 de Maio de 2005 (proc. n.º 202/05), em que era recorrente
o ora reclamante – e transcreveu-se, na parte considerada relevante, o acórdão
n.º 84/05.
Perante a jurisprudência invocada, a decisão sumária reclamada
concluiu, remetendo para os fundamentos constantes dos acórdãos referidos, que a
norma do artigo 678º, n.º 1, do Código de Processo Civil não contraria a
Constituição da República Portuguesa.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, sem
invocar qualquer norma legal (requerimento de fls. 58 e seguintes), nos
seguintes termos:
“[...]
1 - A Exmª. Conselheira Relatora tematizou o recurso apenas no plano da
irrecorribilidade segundo o valor da causa, que, na verdade é sistema
constitucional segundo a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional.
2 - Contudo, não é nesse plano que o recorrente pretende argumentar a
inconstitucionalidade do art° 678-1 – CPC, como norma impediente do recurso que
interpôs na 1ª Instância, por discordar do despacho que o condenou em multa por
pretensa falta ao dever de cooperação processual.
3 - Com efeito, o bloco central dos argumentos a utilizar seria antes o da
infracção da lei fundamental primitiva do arbítrio judicial.
4 - É que, aceitando-se a constitucionalidade «tout court» da irrecorribilidade
segundo o valor da causa, é permitido aos Juízes graduar as multas
sistematicamente abaixo de metade do valor da alçada, justamente para impedirem
a dupla apreciação judicial nestes casos.
5 - Ora bem! O duplo grau de recurso é, sim, sistema baseado nos princípios
constitucionais do acesso à Justiça e à decisão justa e de acordo com os
pressupostos informadores do Estado Democrático de Liberdades.
6 - Por conseguinte, a estrutura fundamental de exacção do arbítrio prepotente
das autoridades, nomeadamente judiciais.
7 - E uma interpretação da norma compressora deste sistema de garantias
fundamentais até ao ponto de arbitrariedades vulgares se poderem instalar sem
debate, é naturalmente transformadora do artº 678°-1 – CPC em preceito
inconstitucional.
8 - Atinge o princípio da proporcionalidade e adequação do artº 18/3 da CRP.
9 - E, de qualquer modo, instala uma protecção ao sofisticado arbítrio judicial,
muito próximo de ser dolosamente inconstitucional.
10 - É este o problema que o recorrente tem pretendido, com insistência deveras,
que o Tribunal Constitucional aprecie.
11 - Sem êxito! Mas na esperança de que termine de vez este diálogo de surdos.
12 - Note-se, por exemplo, que, nos acórdãos referidos pela Exmª. Conselheira,
nunca veio à colação uma visão óbvia do enviesamento das decisões dos Tribunais,
de não receberem, nestes casos de multa, os recursos, a saber:
a) Entendem que é aplicável o artº 678-1 – CPC, que, no entanto, afasta o artº
456-3 do CPC.
b) E, contudo, esta última norma é, sem dúvida, uma estrutura que corresponde,
ponto por ponto, à argumentação do recorrente.
c) A não ser assim, existe uma absurda contradição do ordenamento.
13 - Enfim, V. Exªs., ao revogarem o despacho tabelar de recusa do recurso,
julgarão depois a inconstitucionalidade do artº 678-1 – CPC, no segmento
interpretativo de barrar o recurso de multas inferiores a metade do valor da
alçada, como é de Justiça.
[...].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu (fls. 63):
“[...]
1º. A presente reclamação é – como bem sabe o reclamante, dados os precedentes
jurisprudenciais já formados em inúmeros processos idênticos – manifestamente
infundada.
2º. Na verdade, a limitação à recorribilidade, expressa na norma questionada, é
plenamente compatível com o direito de acesso à justiça e aos tribunais,
resultante do preceituado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
[...].”.
Cumpre apreciar e decidir, entendendo a presente reclamação como
tendo sido deduzida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do
Tribunal Constitucional.
II
4. A decisão sumária reclamada, que negou provimento ao recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, em consequência do julgamento de não
inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do recurso,
fundamentou-se na jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a
norma impugnada no presente recurso.
Tal decisão sumária foi proferida ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, n.º 1, da LTC, uma vez que se encontravam preenchidos, no caso, os
pressupostos que esta disposição exige para uma decisão individual do relator no
Tribunal Constitucional. Na verdade, nos termos do citado artigo 78º-A, n.º 1,
“se entender que [...] a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma
já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal [...], o relator profere
decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior
jurisprudência do Tribunal”.
5. Na reclamação agora deduzida, o reclamante manifesta o seu desacordo
relativamente à decisão sumária emitida nos autos e à doutrina subjacente aos
acórdãos proferidos por este Tribunal, reiterando a opinião no sentido da
inconstitucionalidade da norma contida no 678º, n.º 1, do Código de Processo
Civil.
A verdade, porém, é que o reclamante não aduz qualquer argumento
novo, que não tenha sido considerado nos acórdãos em que se firmou a
jurisprudência seguida, e que seja susceptível de alterar o sentido da posição
adoptada pelo Tribunal Constitucional.
Reafirma-se portanto que a norma do artigo 678º, n.º 1, do Código de
Processo Civil, ao estabelecer uma limitação à recorribilidade das decisões
judiciais, não é incompatível com o direito de acesso à justiça e aos tribunais,
consagrado na Constituição da República Portuguesa.
Nada mais resta pois do que confirmar o decidido.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão
reclamada, que negou provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos