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Processo n.º 845/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é
recorrente A. e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC).
2. Em 15 de Novembro de 2005, foi proferida decisão sumária, pela qual se
entendeu não tomar conhecimento do objecto do recurso (artigo 78º-A, nº 1, da
LTC).
É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
«1. O recurso de constitucionalidade previsto nos artigos 280º, nº 1, alínea b),
da Constituição da República Portuguesa e 70º, nº 1, alínea b), da LTC, embora
caiba de decisões dos Tribunais, é um recurso normativo, ou seja, visa a
apreciação da conformidade à Constituição de normas ou segmentos normativos.
Assim, a recorribilidade das decisões dos Tribunais para o Tribunal
Constitucional ao abrigo da mencionada alínea depende de estas haverem aplicado
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, assim
se definindo, então, a questão que ao Tribunal Constitucional cabe apreciar
(artigo 71º, nº1, da LTC): “Objecto do recurso interposto ao abrigo da al. b) é
a questão de inconstitucionalidade de norma de que a decisão recorrida faça
efectiva aplicação” (Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito
Processual Constitucional, 2ª edição, p. 43).
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 15/95 (não publicado),
“Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização
concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte
que dela participa. Aí a questão de constitucionalidade é uma questão
incidental, em estreita relação com o 'feito submetido a julgamento' (CRP, artº
207º), só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso”.
2. A aplicação, pela decisão recorrida, de norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo é, pois, um requisito do recurso previsto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC. Porém, este requisito não se verifica no
caso em apreço.
Na verdade, a decisão do Pleno do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo não aplicou, como ratio decidendi, a norma contida no artigo 60º
do RGT. O acórdão pronunciou-se apenas sobre a existência de oposição de
julgados, concluindo pela negativa, pelo que não chegou a emitir juízo acerca da
interpretação e aplicação do artigo referido.
A decisão recorrida não aplicou – nem, aliás, poderia aplicar, face à
problemática que decidiu – a norma cuja inconstitucionalidade a recorrente
pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, o que implica o não conhecimento
do objecto do recurso e justifica a prolação da presente decisão sumária (artigo
78º-A, nº 1, da LTC).
3. Cumpre ainda assinalar que o requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional não refere expressamente que se pretenda interpor
recurso da decisão do Supremo Tribunal Administrativo. Porém, ainda que se
sustentasse ser visada a decisão do Tribunal Central Administrativo, apesar de
aquele requerimento ser dirigido ao Senhor Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal
Administrativo, impor-se-ia de qualquer forma o não conhecimento do objecto do
recurso.
Estabelecendo o artigo 76º, nº 1, da LTC que é ao tribunal que tiver proferido a
decisão recorrida que compete apreciar a admissão do recurso de
constitucionalidade, no presente caso importaria então concluir que o recurso
não foi admitido pelo tribunal que proferiu a decisão recorrida, circunstância
que implica o não conhecimento do mesmo.
Como se escreveu na Decisão Sumária nº 53/2005, “o entendimento de que o
endereçamento de requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional a órgão diverso do tribunal que proferiu a decisão recorrida e a
prolação de decisão de admissão de recurso por órgão incompetente constituem
obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade tem sido
reiteradamente subscrito por este Tribunal: cf., por último, as Decisões
Sumárias n.ºs 178/2004 e 558/2004 e os Acórdãos n.ºs 613/2003, 129/2004 e
622/2004, e demais jurisprudência neles citada'».
3. Desta decisão vem agora a recorrente reclamar, nos termos do disposto no
artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
«1. É exacta a transcrição do requerimento de interposição de recurso feita na
decisão reclamada.
2. Como dos autos se vê, obteve a aqui Recorrente vencimento na 1ª Instância,
através de decisão que não aplicou qualquer norma que pudesse ser considerada
inconstitucional.
3. Pelo que, naturalmente, não poderia recorrer para o TCAN da decisão ali
proferida, e, muito menos, suscitar no recurso qualquer questão de
inconstitucionalidade.
4. O Acórdão do TCAN, esse - proferido sob recurso interposto pela Fazenda
Nacional - é que aplica norma - o art. 60° da LGT - que, na interpretação que
dela faz, é, no modo de ver da Recorrente, inconstitucional, por violação do
disposto no art. 267°, n° 5, da Lei Fundamental.
5. E desse Acórdão, nos termos do disposto no art. 280°, n° 2, do CPPT, apenas
pode recorrer-se por oposição de julgados para o ST A.
6. Foi, como se vê, o que fez o Recorrente.
7. O recurso, também como se vê, foi admitido, e, apresentada a Alegação
demonstrativa da Oposição de Julgados – na qual, expressamente, se suscitou a
questão da inconstitucionalidade – foi o mesmo admitido,
8. E, por isso, para esse recurso, apresentou a Recorrente Alegações sobre o
mérito da causa, em que tratou, em pormenor, a questão da inconstitucionalidade.
9. Veio, porém, o Pleno do STA a considerar não verificada a oposição de
julgados e a julgar findo o recurso.
10. Ao fazê-lo, cimentou na ordem jurídica o Acórdão do TCAN, assim sancionando
o entendimento desse Tribunal e, designadamente, a inconstitucionalidade que,
perante si, havia sido suscitada, aplicando, por essa via indirecta, ele
próprio, o STA, norma – a do art. 60° da LGT – que, efectivamente, na
interpretação que dela é feita, é inconstitucional
11. Pelo que desse Acórdão do Pleno, ainda que não incidindo sobre o mérito da
causa, se há-de poder recorrer para esse Tribunal Constitucional.
12. Até porque se se recorresse do anterior – o do TCAN – nunca poderia o
recurso ser admitido por, perante este Tribunal nunca se ter suscitado a questão
da inconstitucionalidade, porque foi este mesmo TCAN a, pela primeira vez,
trazer à colação a interpretação inconstitucional do art. 60° da LGT..
13. Entender como entendeu a Senhora Juiz conselheira Relatora é denegar
Justiça,
14. E, além de manter a inconstitucionalidade suscitada, praticar acto ele
próprio inconstitucional, agora por violação do art. 202°, n° 2, da Lei
Fundamental,
15. Na base de argumentos formais, por ter a Recorrente tido o “azar” de ter
ganho de causa na 1ª Instância».
Cumpre apreciar e decidir.
4. Notificada da reclamação, a Fazenda Pública não apresentou qualquer
resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Na decisão sumária que é objecto da presente reclamação concluiu-se pelo não
conhecimento do objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, em virtude de
a decisão recorrida – o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do
Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Julho de 2005 – não ter aplicado, como
ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade a recorrente pretendia ver
apreciada – o artigo 60º da Lei Geral Tributária.
Através da presente reclamação, a reclamante confirma que foi daquela decisão
que interpôs recurso para o Tribunal Constitucional e que esta não aplicou o
artigo 60º daquela Lei. Com efeito, ao sustentar, com os argumentos que
mobiliza, que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo aplicou por “via
indirecta” o artigo 60º da Lei Geral Tributária, acaba por confirmar que, com
razão, a decisão reclamada não deu como verificado um dos requisitos do recurso
de constitucionalidade previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC:
“9. Veio, porém, o Pleno do STA a considerar não verificada a oposição de
julgados e a julgar findo o recurso.
10. Ao fazê-lo, cimentou na ordem jurídica o Acórdão do TCAN, assim sancionando
o entendimento desse Tribunal e, designadamente, a inconstitucionalidade que,
perante si, havia sido suscitada, aplicando, por essa via indirecta, ele
próprio, o STA, norma – a do art. 60° da LGT – que, efectivamente, na
interpretação que dela é feita, é inconstitucional”.
De resto, é a própria reclamante quem afirma que a norma em causa foi aplicada
pelo Tribunal Central Administrativo Norte. Diga-se, a este propósito, que o
fundamento da decisão reclamada em nada é contrariado por a reclamante sustentar
que o recurso não poderia ser admitido se fosse interposto da decisão deste
Tribunal, uma vez que foi este que, pela primeira vez, trouxe à colação a
interpretação inconstitucional do artigo 60º da Lei Geral Tributária, não tendo
sido perante tal instância suscitada anteriormente a questão da
inconstitucionalidade deste artigo. Para além de os recorrentes terem o ónus da
suscitação prévia das questões de inconstitucionalidade (artigos 70º, nº 1,
alínea b), e 72º, nº 2, da LTC), note-se que, no caso em apreço, a ora
reclamante impugnou judicialmente, no Tribunal Tributário de 1ª Instância do
Porto, liquidação oficiosa de IRS, sustentando, para além do mais, a não
observância do disposto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, o que é revelador
de que teve oportunidade processual para suscitar a inconstitucionalidade da
interpretação normativa que pretendeu questionar.
Como a reclamante não contrariou o sustentado na decisão sumária, demonstrando
que a decisão recorrida aplicou o artigo 60º da Lei Geral Tributária, na
interpretação formulada no requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal, resta concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício