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Processo n.º 768/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. recorre, nos termos da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido em 1 de Junho de 2004 no Supremo Tribunal de Justiça pelo qual foi negado provimento ao recurso interposto. Invoca, no seu requerimento, que o aresto “violou, através de uma visão redutora, [...] o princípio do reconhecimento da dignidade humana, através da interpretação feita do artigo 225º do Código de Processo Penal e 27º da Constituição, que esvazia as decorrências e o alcance de ser Portugal um Estado de direito democrático”. O recurso foi admitido, mas o recorrente foi posteriormente convidado a esclarecer qual a norma (interpretação normativa) acusada de inconstitucional. Respondeu o seguinte:
“... vem indicar que tal disposição é o artigo 225º do Código de Processo Penal e o entendimento de delimitação insuficiente e redutor que da mesma foi feito, contrariando os preceitos constitucionais dos artigos...”.
Foi então proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com o seguinte fundamento:
O recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC tem carácter normativo, devendo a questão de inconstitucionalidade ter sido previamente suscitada perante o tribunal recorrido. Impõe-se, portanto, que o recorrente haja previamente suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa e que essa norma tenha sido efectivamente aplicada pelo aresto recorrido. Apura-se, no entanto, que o recorrente nunca suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa; o que fez, aliás à semelhança da alegação perante o Supremo Tribunal de Justiça, é invocar que a decisão violou determinados princípios constitucionais. Isto é: o que verdadeiramente é acusado de inconstitucional é a decisão proferida e não uma determinada norma que esta haja aplicado. É certo que o recorrente invoca que a decisão aplicou
“entendimento” inconstitucional da artigo 225º do Código de Processo Penal; mas também é seguro que, cabendo-lhe o ónus de especificar esse entendimento, o recorrente foi incapaz de o fazer, apesar de expressamente convidado a tal. Não estão, portanto, verificados os requisitos que permitem conhecer do recurso interposto.
Contra esta decisão reclama o recorrente nos seguintes termos:
A decisão sumária entendeu nunca ter sido suscitada qualquer inconstitucionalidade normativa. Porém, logo na interposição do recurso foi dito:
'O douto aresto ora proferido aplicou norma e entendimento da mesma reputados de inconstitucionais, por violarem o sentido dos art.º 1°, 2°, 3°, b), 16°; 20º-4 e
5, 22° e 27º da CRP'. 'Violou, pois, através de uma visão redutora, ultrapassada e inaceitável o princípio do reconhecimento da dignidade humana, através da interpretação feita do art. 225° do CPP e 27º da CRP (...)'. 'Na realidade, a delimitação interpretativa feita do art.º 225° do CPP isentou o Estado Português
(...)'. “O presente recurso vem, pois, interposto, por via do art. 70º-1-b) da LTC, tendo sido suscitada a inconstitucionalidade do art. 225° do CPP e do entendimento que do mesmo foi feito em conjugação com o art. 27º da CRP ao longo do processo: na petição inicial, no recurso para o Tribunal da Relação de Évora e no recurso para o STJ” (sublinhado de agora). Feito o convite para 'indicar com precisão a norma – interpretação normativa
–acusada de inconstitucionalidade', veio o recorrente a dizer:
'(...) indicar que tal disposição é o art. 225° do CPP e o entendimento de delimitação insuficiente e redutor que da mesma foi feito, contrariando os preceitos constitucionais (...), sendo o recurso para esse altíssimo Tribunal interposto por via da alínea b) do art. 70º-1 da Lei do TC'. Por seu turno e em sede de alegações para o STJ foi dito:
'Antes de mais pela consagração da inconstitucionalidade do art. 225° do CPP na visão redutora e restritiva propugnada, que esvazia manifestamente o alcance pretendido pelas repercussões decorrentes do Estado de Direito Democrático'
'A norma em questão, radicalizando o vertido entendimento recorrido, ao estabelecer especiais requisitos eximentes da responsabilidade, transfere-se para o domínio de violação do texto fundamental.' - transfere-se quem?, dir-se-á? A NORMA EM QUESTÃO, O ART. 225° DO CPP! Retornando mais atrás, do corrimento dos autos, assim foi escrito no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (na sua folha n.º 1l - penúltimo e
último parágrafos):
'Mas, sendo a mais plausível, há que ponderar a possibilidade de outras maneiras de perspectivar diversa solução mais consentânea com os interesses do autor . E uma delas passa, como sustenta o apelante, pela arguida inconstitucionalidade da interpretação alegadamente restritiva e redutora do art. 225° do CPP (...). Isto porque na l9º conclusão do mencionado recurso foi dito:
'Sendo inconstitucional, consequentemente, tal interpretação e tal norma prevista no art. 225° se interpretada daquela forma' (sublinhado de agora). Assim, embora se salvaguarda o devido respeito - intocável, aliás - constata-se que diferentemente da decisão sumária proferida pelo Sr. Juiz Conselheiro Relator, estão verificados os requisitos que permitem conhecer do interposto recurso. Inequivocamente a norma colocada em causa é o art. 225° do CPP. Inequivocamente e evidentemente ao longo de todo o processado, onde após o mencionado convite, se disse de forma clara, concisa e sintética, que se assacava a inconstitucionalidade do ano 225° do CPP . Porquê? Porque, como referido e reiterado anteriormente, o entendimento na aplicação de tal norma, ao isentar o Estado Português de indemnizar pela prisão preventiva, gera um núcleo inaceitável de hipóteses esdrúxulas em que tal possa vir a acontecer, o que contraria o texto fundamental. Assim, requer-se seja decidido dever-se conhecer do objecto do recurso, dando-se cumprimento ao n.º 5 do art. 78°-A da Lei do TC.
O representante do Ministério Público neste Tribunal é de parecer que a reclamação é manifestamente improcedente.
O recorrente nenhum argumento acrescenta à pretensão de ver julgado o recurso. Acontece que a sua insatisfação perante a decisão reclamada decorre do incorrecto conhecimento sobre a particular configuração dos pressupostos deste tipo de recurso. Exige-se, com efeito, que em causa esteja uma norma acusada de inconstitucional e, ainda, que o recorrente enuncie essa norma por forma a que o tribunal não tenha qualquer dúvida sobre o exacto sentido em que o preceito foi aplicado no caso concreto. O recorrente afirma querer questionar norma constante do artigo 225º do Código de Processo Penal; mas no domínio da fiscalização concreta de inconstitucionalidade, impõe-se que o recorrente defina a norma que em concreto lhe foi aplicada, escolhendo de entre os vários sentidos possíveis do preceito, aquele que foi aplicado na decisão recorrida em infracção de norma ou de princípio constitucional. O que manifestamente não aconteceu.
Em consequência, decide-se indeferir a reclamação, mantendo a decisão de não conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050060.html ]