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Processo n.º 964/04
1.ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. recorre, ao abrigo da alínea b) do n.1 do artigo 70º da Lei n. 28/82 de 15 de Novembro (LTC), do acórdão proferido em 8 de Julho de 2004 na Relação de Lisboa, acusando de inconstitucional a clausula 137ª do ACTV do Sector Bancário publicado no BTE n.º 42, 1ª Série de 15 de Novembro de 1994, por violar o artigo
63º n.º 4 da Constituição da República.
O recurso, porém, não foi admitido por decisão sumária do seguinte teor:
O recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Como resulta do requerimento de interposição, o recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade de uma cláusula de um acordo colectivo de trabalho. A jurisprudência deste Tribunal tem elaborado um conceito funcional de “norma”, ou seja, um conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade (cfr. Acórdão n.º 26/85, publicado no DR, II Série, de 26 de Abril de 1985), o que tem conduzido o Tribunal, maioritariamente, a concluir no sentido de as cláusulas que compõem os acordos e as convenções colectivas de trabalho não poderem ser objecto de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade (Acórdãos nºs 172/93, 214/94, 637/98, 697/98, 492/2000,
352/2001, 10/2003, 19/2003 e 531/04).
Concluiu-se, por exemplo, no Acórdão n.º 172/93 (publicado no DR, II Série, de
18 de Junho de 1993):
“[...] como as normas das convenções colectivas de trabalho não provêm de entidades investidas em poderes de autoridade, e muito menos provêm de poderes públicos, então não estão sujeitas à fiscalização concreta de constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do artigo
280º, n.º 1, alínea b), da Constituição.”
É esta jurisprudência que aqui também se adopta. O presente recurso visa justamente a apreciação da constitucionalidade de norma constante de cláusula de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, matéria que, em consequência desse entendimento, se deve considerar excluída do
âmbito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n. 1 do artigo
70º da LTC. Pelo exposto, ao abrigo do n. 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Reclama a recorrente contra esta decisão, da seguinte forma:
1. Através da douta decisão sumária ora reclamada, que pelas razões constantes dos Acórdãos, deste mesmo Tribunal, com os n.º 173/93, 214/94, 637/98, entre outros citados, entendeu não ser possível tomar conhecimento do recurso interposto pelo ora Reclamante, defende-se a ideia de que tudo o que respeita a acordos e convenções colectivas de trabalho não está sujeito a controlo de constitucionalidade.
2. A posição acima expressa decorre do facto de o Tribunal Constitucional, ainda que por maioria, ter vindo a entender que 'as normas constantes do acordo colectivo não integram o conceito de norma para efeito de recurso de constitucionalidade'.
3. Mais tem vindo a defender o Tribunal Constitucional e citando o Acórdão n.º
172/93, que '(...) como as normas das convenções colectivas de trabalho não provêm de entidades investidas em poderes de autoridade, e muito menos provêm de poderes públicos, então não estão sujeitas à fiscalização concreta de constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do art. °
280°, n.° 1, alínea b), da Constituição'.
4. De facto, tem sido entendido que os instrumentos de regulamentação colectiva não contêm actos normativos juridicamente vinculativos e que não são '(...) actos emanados de um poder público, ou objecto de um reconhecimento público, cujo conteúdo se imponha vinculativamente por essa sua qualidade(..)'
5. Tal posição, igualmente expressa na decisão ora reclamada, não pode merecer, como é óbvio, a concordância do Recorrente e ora Reclamante.
6. Na verdade, encontrando-nos no domínio do Direito do Trabalho, começaremos por dizer, com recurso aos Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, que se trata de um verdadeiro direito fundamental dos cidadãos, um direito positivo dos cidadãos perante o Estado (Constituição da República Portuguesa anotada, 1978, anotação ao art. 51°, II).
7. Por outro lado, qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, como sucede, 'in concreto' com o ACTV para o sector bancário, para além de fonte de direito de trabalho é, ao mesmo tempo, um acto normativo (neste sentido, Conselheiro Mário de Brito, in Separata ao BMJ, Direito do Trabalho, pág.136), podendo também ele ver-se afectado de inconstitucionalidade quer em termos formais, quer em termos materiais.
8. Não admira, pois, que a esse propósito, tenha Carnelutti, afirmado que a convenção colectiva tem o corpo do contrato e a alma da lei.
9- E a concepção do mundo laboral e da negociação colectiva que se intui através do recurso a estes Ilustres Juristas corresponde, ao fim e ao cabo, a uma parte de grande importância na vida das nossas sociedades, dada a sua íntima ligação
às vertentes sociais, económicas, políticas, 'et pour cause', jurídicas.
10. Como afirma o Professor Monteiro Fernandes, in Temas Laborais, Almedina,
1984, pág.117, 'A negociação colectiva, como processo de produção normativa, reflecte, em cada momento, as preocupações sociais dominantes, em função dos dados da conjuntura económica', concluindo que 'A convenção colectiva tem-se afirmado como a mais influente fonte do Direito do Trabalho' - sublinhado nosso.
11. Dentro de todo o contexto sumariamente exposto, parece ao ora Reclamante, com todo o respeito, que as razões invocadas para não conhecer do recurso interposto, perdem toda a razão de ser .
12, E perdem toda a razão de ser sobretudo, por razões de natureza jurídico/constitucional e por razões ligadas ao leque de atribuições e competências do Tribunal Constitucional.
13. Em primeiro lugar, da análise dos preceitos constitucionais em causa, não se alcança o entendimento avançado pelo Ilustre Conselheiro quando, é indiscutível, que o ACTV em discussão comporta um conjunto de normas jurídicas, como tal reconhecidas pelo Estado.
14. Doutro modo, a aceitar a tese em discussão, não se compreende a possibilidade de recurso a órgãos de soberania, como os Tribunais, para dirimir conflitos desta natureza.
15. Por outro lado, da leitura do art 70° da Lei do Tribunal Constitucional, em particular, do seu n.º 1 alíneas a) e b), o vocábulo “norma” aí empregue, não autoriza qualquer interpretação limitativa, incompatível, aliás, com a ideia de fiscalização concreta de constitucionalidade.
16. Importa não olvidar que a matéria suscitada no recurso interposto, prende-se com a Lei de Bases da Segurança Social e com o art. 63° n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
17. Aliás, este preceito constitucional ao dispor que 'Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o calculo das pensões de velhice e invalidez
(...)' (sublinhado nosso), está a reconhecer expressamente a natureza e dignidade pública de ordenamentos jurídicos - como os instrumentos de regulamentação colectiva - que a decisão sumária ora reclamada não reconhece, para mais num domínio fundamental da vida dos cidadãos (a segurança social).
18. Não pode, assim, o ora Reclamante aceitar o entendimento defendido pelo Ilustre Conselheiro dada a inexistência de qualquer correspondência com a letra da lei.
19. O que importa apurar é se uma norma, num determinado caso concreto, ofende ou não o tecido constitucional.
20. Se dúvidas existissem quanto a este entendimento, bastaria o recurso aos eminentes constitucionalistas atrás citados (Direito Constitucional, 5ª edição, Almedina, 1992, pág.1061) onde, no âmbito da fiscalização concreta de inconstitucionalidade, depois de afirmarem que ' Não há, porém, qualquer restrição quanto à natureza das normas impugnadas: podem ser normas materiais ou processuais, podem incidir sobre o mérito da causa ou apenas sobre meios probatórios ou pressupostos processuais, podem ou não lesar direitos fundamentais ou interesses legítimos das partes. Isto não significa que os problemas de inconstitucionalidade digam apenas respeito a actos normativos, pois não são impensáveis hipóteses de actos privados...directamente violadores da constituição... ' .
21. Os citados ilustres constitucionalistas, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem ainda, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2° Vol., Coimbra Editora, 1985, pág. 471, que “(...) é possível estabelecer um elenco dos actos, cujo conteúdo, por ser constituído por normas, está sujeito a fiscalização da constitucionalidade.” (negrito nosso), elencando especificamente para o efeito as convenções colectivas de trabalho.
22. Igualmente acrescentam que “Embora a Constituição não seja explícita quanto ao valor jurídico dos contratos e acordos colectivos de trabalho e remeta para a lei a determinação da eficácia das respectivas normas (art. 56º n.º 4), é entendimento corrente de que eles são fonte de direito com valor pelo menos idêntico ao das portarias regulamentares. Deve, pois, entender-se que estão sujeitos ao controlo da constitucionalidade.' - ob. supra cit., pág. 474.
23. Na verdade, e conforme alude igualmente o recente Acórdão n.º 580/2004 deste Tribunal, a propósito do mencionado art. 56°, n.º 4 da Constituição, 'a jurisdicidade de tais normas é indiscutível, por estar fundamentada na lei.'
24. E saliente-se que o aludido douto acórdão deste tribunal, ainda que por maioria, concluiu que 'as normas constantes de convenções colectivas de trabalho se devem ter como normas para efeitos de controlo de constitucionalidade cometido a este tribunal'
25. E, na modesta opinião do ora Reclamante, a prevalecer o entendimento plasmado na douta decisão sumária ora reclamada, qualquer questão emergente de interpretação de um instrumento de regulamentação colectiva, ainda que viciada de manifesta inconstitucionalidade, nunca era passível de apreciação pelo Tribunal Constitucional, continuando a norma afectada a vigorar no ordenamento jurídico.
26. Tal condicionalismo, a verificar-se, constituiria, decerto, uma evidente contradição com a natureza e objectivos prosseguidos pelo Tribunal Constitucional. Termos em que, deve a presente reclamação ser deferida e, em consequência, ser admitido o recurso interposto pelo ora Reclamante, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Os argumentos avançados pelo recorrente para inverter a jurisprudência a que se adere, foram devidamente tratados no arestos citados na decisão sumária em reclamação. Assim, resta fazer apelo à doutrina perfilhada nos aludidos arestos, que aqui se aplica, com menção de ser essa a jurisprudência deste Tribunal. Com este fundamento se indefere a reclamação, mantendo a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 16 de Março de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos (Vencido. Tomaria conhecimento do recurso, por entender que o Tribunal pode apreciar a constitucionalidade das regras contidas em convenções colectivas de trabalho, designadamente pelas razões constantes do Acordão nº 214/94.) Maria João Antunes (Vencida pelas razões constantes da declaração do Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos) Artur Maurício