Imprimir acórdão
Processo n.º 192/05
1.ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Por força do acórdão emitido em 14 de Janeiro de 2004 na Relação de Coimbra foi revogado despacho de não pronúncia emitido no 2º Juízo Criminal de Aveiro, determinando-se a sua substituição por outro que pronuncie os arguidos A., B. e a empresa C., no âmbito do processo em que haviam sido acusados pelo Ministério Público, como autores dos crimes de abuso de confiança fiscal e de frustração de créditos fiscais. Em acórdão posterior, emitido em 24 de Março de 2004, a Relação de Coimbra julgou “improcedentes” os requerimentos de arguição de nulidades ou irregularidades do anterior acórdão, apresentados pelos arguidos A. e C. e de aclaração desse aresto, formulado pelo arguido B.. Notificado deste último aresto, o arguido B. apresentou um novo pedido de esclarecimento que foi indeferido por despacho do Relator proferido em 19 de Maio de 2004. Notificado da decisão, o arguido arguiu a nulidade do despacho e requereu que sobre o pedido recaísse acórdão.
O requerimento é do seguinte teor:
B., arguido e recorrido nos autos supra referenciados, tendo sido notificado do douto despacho de fls. 1879, que decidiu o pedido de aclaração do Acórdão de fls. 1863 e segs., vem nos termos dos artigos 379° e 120° do C.P.P., arguir, respeitosamente, a nulidade deste despacho nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. No douto despacho de fls. 1879 afirma-se que: “Mas havendo transacções liquida-se o IVA total que tem de se presumir vai ser recebido” (sublinhado nosso). “Terá que ser a sociedade a demonstrar que, apesar de ter havido as transacções e liquidado o IVA, não as recebeu efectivamente, ou ainda não as recebeu.”
2. Ora, entre as garantias do processo criminal, encontra-se o princípio da presunção de inocência consagrado no n° 2 do art. 32° da Constituição, que é um verdadeiro princípio de prova. Como afirma o Prof. Germano Marques da Silva, in 'Curso Processo Penal', Vol. II a págs. 104, referindo-se a este princípio da presunção da inocência: Significa além disso que as provas tidas em conta para fundamentar a decisão de condenação, hão-de ser legalmente admissíveis e válidas e que o encargo de destruir a presunção recai sobre os acusadores e que não existe nunca
ónus do acusado sobre a prova da sua inocência”.
3. Este princípio da presunção da inocência estabelecido no art. 32°, n.º 2 da C.R.P., integra uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos - art. 18°, n°1 da C.R.P., cf. Germano Marques da Silva, na obra atrás citada.
4. O douto despacho de fls. 1879, porém baseou-se na prévia presunção da culpabilidade do arguido e da empresa, da qual este era administrador, isto é, no princípio contrário, ou seja, no princípio de presunção da culpa destes. Violando assim, claramente, o disposto no citado art. 32°, n.º 2 da C.R.P. e no art. 11 ° da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
5. Como escreve o citado Professor, a págs. 106, na obra atrás referida “O princípio da presunção da inocência é também um princípio de prova, segundo o qual um non liquet na questão da prova de ser sempre valorado a favor do arguido”. Sendo entendimento do recorrido que esta presunção vigora mesmo antes da audiência de julgamento e nesta fase processual.
6. E constituindo o recebimento da importância correspondente ao IVA, um dos elementos que integram o tipo de ilícito previsto no art. 24° do R.J.I.F.N.A., esse elemento não pode presumir-se. Pelo que a interpretação e aplicação feita no Acórdão citado e agora neste despacho, na norma atrás referida, viola claramente o disposto no art. 32º, n.º 2 da CRP e os princípios que vigoram nesta matéria em processo penal. Por tudo o exposto, entende respeitosamente o arguido e recorrido, que o douto despacho enferma da nulidade atrás mencionada, daí a sua arguição nos termos do art. 379º do CPP.
Depois, requereu:
B., arguido e recorrido nos autos supra referenciados, tendo sido notificado do douto despacho de fls. 1952, vem respeitosamente solicitar a aclaração do mesmo, porquanto neste despacho não se faz qualquer referência ao requerimento que tempestivamente remeteu (3/06/2004), onde arguía a nulidade do douto despacho de fls. 1879. Pretende, assim, o arguido esclarecer se esse Venerando Tribunal se irá ainda pronunciar ou não, sobre o seu requerimento onde arguía a nulidade do referido despacho de fls. 1879, ou não o fez por mero lapso, já que ordenou a remessa dos autos à 1ª Instância. Mais requer, que no caso desse Venerando Tribunal não se ter ainda pronunciado sobre este requerimento, que o mesmo seja sujeito a decisão em conferência, nos termos do art. 716° n° 2 do C.P.C., aplicável ao caso sub judice por força do disposto no art. 4° do C.P.P.
Sobre os pedidos foi proferido, em 16 de Novembro de 2004, o seguinte despacho:
Vem o arguido B. requerer que se esclareça se recaiu despacho sobre o seu requerimento de arguição de nulidade do despacho de fls. 1879, e que se não houve pronúncia, solicita que tal requerimento seja submetido a decisão em conferência. No acórdão inicial, de fls. 1817 a 1830 v., foi decidido pronunciar este arguido. O mesmo, pelo requerimento de fls. 1850 e ss., veio requerer a aclaração e rectificação do acórdão inicial. Foi proferido acórdão aclaratório, fls. 1863 a 1866, que julgou improcedente o requerimento. A fls. 1871, vem novamente o arguido requerer a aclaração do acórdão aclaratório. Sobre este requerimento recaiu o despacho de fls. 1879, no qual se considerou que em tal requerimento não se formulava um pedido de aclaração, e “que o requerente entendeu bem o teor do acórdão e da aclaração”. Recaiu despacho (e não acórdão em conferência), por se entender não haver aclaração de acórdão aclaratório, e ainda mais quando nada há a aclarar. Como salienta Rodrigues Bastos in Notas ao Código de Processo Civil, 1972, vol. III, pág. 249, e é a orientação da jurisprudência, não se pode pedir aclaração de decisão aclaratória, pois que a entender-se de outro modo, estaria encontrado o meio de protelar o trânsito de um despacho ou de uma sentença. O professor A. Reis, embora não seja tão peremptório, salienta igualmente, a fls. 152 do Código do Processo Civil anotado, vol. V, reimpressão 1981, “não é admissível que de aclaração em aclaração se eternizasse o prazo para o recurso ou para o trânsito da sentença em julgado, pois não se pode consentir que, aclarado o primeiro acórdão, se pedisse a aclaração de segundo, depois da do terceiro, e assim sucessivamente”. O mesmo professor refere que seria intolerável que o pedido de aclaração se convertesse em expediente meramente dilatório. E, dos sucessivos requerimentos do arguido, é isso que se manifesta, e a que urge pôr cobro. Pois que, deste despacho de fls. 1879, onde se conclui não haver nenhum pedido de aclaração, por tudo ser bem entendido por parte do arguido, vem o mesmo a fls. 1891 arguir a nulidade do despacho. Pronunciamo-nos de fls. 1950, onde se conclui não haver nada a dizer sobre o requerimento de fls. 1891. Despacho não notificado ao arguido, pelo que agora se transcreve: “Fls. 1981: Não se vislumbra o fundamento da nulidade invocada. Apenas há diferentes interpretações, entendendo o requerente que a interpretação do Tribunal viola a Constituição. Por isso, nada a dizer”. Por não ter conhecimento do despacho de fls. 1950, vem o arguido apresentar o requerimento de fls. 1960, referido no início. Do exposto resulta claramente que o arguido utiliza a faculdade legal de requerimento de aclaração, pela forma sucessiva que o vem fazendo, como expediente meramente dilatório. O arguido deveria ter reagido ao acórdão inicial e ao aclaratório, pela via que entendesse viável, e o arguido entendeu requerer sucessivas aclarações, apesar de haver outras, eventualmente, mais proveitosas para ele, recaindo despachos a indicar que nada havia a aclarar. Há que pôr termo ao impasse. Assim, por deste aresto nada a haver a aclarar, têm-se por transitados o acórdão inicial, bem como o acórdão aclaratório, por há muito ter sido ultrapassado o prazo de impugnação dos mesmos por via do recurso. Com os sucessivos requerimentos pretensamente aclaratórios, provocou o arguido incidente processual, pelo que se tributa nas custas do mesmo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, nos temos do art. 84º do Código das Custas Judiciais.
Por seu lado, uma vez notificados do já referido despacho de 19 de Maio, os arguidos A. e C. apresentaram requerimento, que deu entrada em 4 de Junho de
2004, a interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, contra os acórdãos 14 de Janeiro e de 24 de Março, nos seguintes termos:
C. e A., recorridos nos autos do processo em epígrafe, tendo sido notificados do douto despacho (de fls. 1879) proferido na sequência do pedido de aclaração do douto Acórdão de fls. 1863 a 1866, vêm, ao abrigo do disposto no art. 70º-1/b da. Lei do Tribunal Constitucional (LTC), interpor recurso daquele mesmo douto Acórdão de fls. 1863 a 18661 bem como do douto Acórdão de fls. 1817 a 1830, o que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:
1°. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70° da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada sucessivamente, pela Lei n° 143/85 de 26 de Novembro, pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n° 88/95, de 1 de Setembro, e ainda pela Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
2°. Os Recorrentes pretendem que seja apreciada a constitucionalidade das normas ordinárias que, em cumprimento do disposto no artigo 205° da CRP, determinam que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas, entre as quais, designadamente, as normas dos arts. 97°-4 e
374°-2 do CPP (sendo esta última aplicável aos acórdãos ex vi do disposto nos arts. 379°-1/a e 425°-4 deste mesmo diploma), quando interpretadas e aplicadas com o sentido que lhes foi dado pelo douto Acórdão recorrido, o qual foi proferido na sequência do requerimento (de fls. 1844 a 1849) em que os Recorrentes arguiram a nulidade, por falta de fundamentação, do Acórdão que, revogando o douto despacho de não pronúncia, concluiu existirem inícios bastantes para os submeter a julgamento (cfr. fls. 1817 a 1830).
3°. Os Recorrentes sustentam que as normas da lei ordinária que obrigam à fundamentação das decisões judiciais (v.g. as normas dos arts. 97°-4 e 374°-2 do CPP, esta última aplicável aos acórdãos ex vi do disposto nos arts. 379°1/a e
425°-4 do mesmo diploma) violam o disposto no art. 205°-1 da CRP, quando interpretadas e aplicadas com o sentido de que, para lhes ser dado cumprimento, no acórdão que decide existirem indícios suficientes para submeter os arguidos a julgamento não têm de ser enumerados os concretos indícios que sustentam essa decisão, não têm de ser seleccionados de entre aqueles indícios, os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão, e/ou não têm de ser indicadas e submetidas a um exame crítico as provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal.
4° . Conforme foi sustentado pelos Recorrentes no requerimento de fls. 1844 a
1849, no Acórdão que revogou o despacho que não pronunciara os arguidos pelos crimes de que vinham acusados (de fls. 1817 a 1830), através de expressões tão vagas como “face à prova produzida” (fls. 1829) “contêm os autos indícios suficientes”. “Dos factos provados” (fls. 1829 Vº) “entendemos fornecerem os autos elementos que permitem atribuir” e “factualidade apurada” (fls. 1830), concluiu-se sempre num determinado sentido sem se especificar (como a lei expressamente determina) quais os concretos indícios em que se baseou para entender nesse sentido e não noutro.
5°. Ora, sendo a decisão um resultado, a conclusão de um raciocínio, não é admissível que se enuncie unicamente esse resultado ou conclusão, omitindo, como no caso sub judice as concretas premissas de que ela emerge, sob pena de violação do disposto no art. 205° da CRP.
6°. Porém, assim não foi entendido pelo douto Acórdão Recorrido (fls. 1863 a
1866); que indeferiu a arguida nulidade (ou quando assim não se entendesse a irregularidade) (cfr. fls. 1844 a 1849) daquele douto Acórdão de fls. 1817 a
1830.
7°. A questão da inconstitucionalidade das referidas normas foi suscitada pelos Recorrentes no requerimento de fls. 1844 a 1849, em que arguiram a nulidade daquele douto Acórdão que, revogando o douto despacho que não pronunciara os arguidos pelos crimes de que vinham acusados, concluiu pela existência de indícios suficientes para submeter os arguidos a julgamento (de fls. 1817 a
1830).
8°. Os Recorrentes pretendem ainda que seja apreciada e decidida a inconstitucionalidade da norma do art. 24° do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), na redacção que a essa norma foi dada pelo DL n° 394/91 de 24/11, quando interpretada e aplicada com o sentido que lhe foi dado no douto despacho de fls. 1879, no qual em resposta ao pedido de aclaração apresentado pelo recorrido B. a fls. 1871 a 1873, se entendeu que, para efeitos do referido art. 24° do RJIFNA (norma que p. e p. o crime de abuso de confiança fiscal), se presume o recebimento do IVA que foi liquidado a terceiros.
9°. Com efeito, conforme foi expressamente referido no douto despacho de aclaração de fls. 1879, a norma do art. 24° do RJIFNA (maxime o seu n° 2) foi interpretada e aplicada nos Acórdãos recorridos no sentido de que “havendo transacções liquida-se o IVA total que tem de se presumir vai ser recebido”, e de que, por isso, “terá de ser a sociedade a demonstrar que apesar de ter havido as transacções e liquidado IVA, não as recebeu efectivamente, ou ainda não as recebeu”.
10º. Ora, essa decisão foi de tal forma imprevisível e anómala que os recorridos não tiveram até ao presente momento oportunidade processual de suscitarem a respectiva inconstitucionalidade.
11°. A recorrente sustenta que aquela norma do art. 24° do RJIFNA (maxime o seu n° 2), na redacção que lhe foi dada pelo DL. 229/96, de 29/11, quando interpretada e aplicada com o sentido que lhe foi dado pelos doutos Acórdãos Recorridos (ou seja, com o sentido de que “havendo transacções liquida-se o IVA total que tem de se presumir vai ser recebido”, e de que, por isso, “terá de ser a sociedade a demonstrar que apesar de ter havido as transacções e liquidado IVA, não as recebeu efectivamente ou ainda não as recebeu”. - cfr. douto despacho de fls. 1879), viola o disposto no art. 11°-1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem no art. 6°-2 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e no art. 14°-2 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, bem como o disposto no art. 32°-2 da CRP, pelo que a mesma é inconstitucional.
12º. É que, constituindo o recebimento do valor correspondente ao IVA um dos elementos que compõem o Tatbestand da norma do art. 24°-2 do RJIFNA, esse elemento não pode presumir-se, ainda que seja dado como provado que o sujeito passivo fez incidir o imposto nas operações tributáveis que efectuou a jusante, nem o efectivo recebimento da importância correspondente a esse imposto pode resultar de imediato da natureza das transacções ou das regras da experiência.
13º. A dúvida relativa aos elementos de facto- quer sejam pressupostos do preenchimento do tipo de ilícito (seja ele criminal ou contra-ordenacional), quer sejam factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão de ilicitude ou da culpa - não pode deixar de ser resolvida. ex vi da aplicação do princípio in dubio pro reo (Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, pp.
55 e 56), a favor do arguido.
14°. Como referem Vital Moreira e Gomes Canotilho (Constituição da República Portuguesa Anotada. 3ª ed. p. 203) “O princípio da presunção da inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (acerca do relacionamento entre o in dubio pro reo com o princípio da presunção da inocência do arguido, vid. Manuel Simas Santos, Rev, Port. Ciência Criminal, Ano
8, Fasc. 3, p. 480).
15°. O entendimento constante do despacho de fls. 1879 viola claramente o princípio in dubio pro reo, no sentido de que 'um non liquet na questão da prova
/.../ tem de ser sempre valorado a favor do arguido' (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 213).
16°. Pelo exposto, o art. 24° do RJIFNA, na redacção que lhe foi dada pelo DL.
229/96, de 29/11 quando interpretada e aplicada com o sentido que lhe foi dado pelos doutos Acórdãos Recorridos (sentido esse que só veio a ser expresso no douto despacho de aclaração de fls. 1879) viola o disposto no art. 11º-1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 6°-2 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e no art.
14°-2 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, bem como o disposto no art. 32°-2 da CRP, pelo que a mesma é inconstitucional.
17° . A fixação do sentido com que foi interpretada e aplicada a norma do art.
24° do RJIFNA nos Acórdãos recorridos (de que 'havendo transacções liquida-se o IVA total que tem de se presumir vai ser recebido', e de que, por isso, 'terá de ser a sociedade a demonstrar que apesar de ter havido as transacções e liquidado IVA, não as recebeu efectivamente, ou ainda não as recebeu'), por ter sido apenas expressa no douto despacho de aclaração de fls. 1879 é de tal forma imprevisível e anómala que os recorridos não tiveram até ao presente momento oportunidade processual de suscitarem a respectiva inconstitucionalidade.
Nestes termos, considerando que, para além de preenchidos todos os respectivos pressupostos genéricos, se encontram também verificados todos os respectivos pressupostos específicos previstos no art. 70°-2 da LTC, deverá o presente recurso ser admitido com o efeito suspensivo e subida nos próprios autos (art.
78°-4 da LTC).
O recurso não foi, porém, admitido, por se haver considerado que era extemporâneo – despacho emitido em 22 de Setembro de 2004 que, em suma, diz o seguinte:
(...) O mandatário dos recorrentes foi notificado do último [acórdão] em 26 de Março de 2004 - fls. 1869. O recurso foi interposto em 4 de Junho de 2004 - fls. 1883. Assim, é manifestamente extemporânea a interposição do recurso, face ao que dispõe o artigo 75º n. 1 da Lei 28/82 de 15 de Novembro. Motivo pelo qual se não admite o recurso interposto a fls. 1883.
Os mesmos arguidos vieram ainda requerer, em 8 de Outubro de 2004, a “aclaração e rectificação” deste despacho, nos seguintes termos:
C. e A., recorridos nos autos do processo em epígrafe, tendo sido notificados do douto despacho proferido a fls. 1952 dos autos, que indeferiu o requerimento de interposição de recurso dirigido ao Tribunal Constitucional, vêm, nos termos disposto nos arts. 380º-2-3 e 425°-4 do CPP, bem como dos arts. 669°-1/a e
666°-2-3 do CPC, normas essas que, em todo o caso, sempre seriam aplicáveis ao caso sub judice, ex vi do art. 4° do CPP, requerer ACLARAÇÃO e RECTIFICAÇÃO desse mesmo douto despacho proferido a fls. 1952, o que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:
1° - O douto despacho de fls. 1952 indeferiu a admissão, requerida pelos recorridos a fls. 1883, de recurso dirigido ao Tribunal Constitucional, com fundamento na sua alegada extemporaneidade.
2°- Todavia, salvo o devido respeito, o referido douto despacho enferma dos seguintes erros que devem ser corrigidos, bem como das seguintes obscuridades que devem ser esclarecidas. Assim,
3° - No douto despacho de fls. 1952 refere-se o seguinte:
'Recorrem dos acórdãos de fls. 1863 a 1866 e o anterior de 1817 a 1830, sendo aquele aclaração deste. O mandatário dos recorrentes foi notificado do último em
26-03-04 fls. 1869'. O recurso foi interposto em 4-06-04 - fls. 1883' .
4° - Certamente por lapso, nenhuma dessas datas está correcta, pois nem o referido recurso foi interposto no dia 04/06/2004, nem o mandatário dos Recorrentes foi notificado de qualquer acórdão no dia 26/03/2004.
5° - Com efeito, o requerimento através do qual foi interposto o recurso foi remetido a juízo, por telecópia, em 03/06/2004, pelas 19,51 horas, conforme consta da marca inserida pelo aparelho de fax desse TRC nessa telecópia junta aos autos.
6° - Assim, contrariamente ao que certamente por lapso é referido no douto despacho de fls. 1952, o recurso para o TC não foi interposto pelos Recorrentes em 04/06/2004, mas sim em 03/06/2004.
7° - Depois, contrariamente ao que, também certamente por lapso, se refere no douto despacho de fls. 1952, o mandatário dos ora Recorrentes não foi notificado do acórdão de fls. 1863 a 1866 em 26/03/2004 (e muito menos do acórdão de fls.
1817 a 1830, como também por manifesto lapso se refere no despacho de fls.
1952), mas sim em 29/03/2004, conforme resulta de fls. 1869 e da presunção legal da data de notificação dos actos judiciais aos mandatários, quando efectuada através de carta registada - sendo certo que aqui nem seria necessária tal presunção, pois os dias 27 e 28 de Março coincidiram, respectivamente, com um sábado e com um domingo, pelo que tendo a carta para notificação dos Recorrentes do despacho de fls. 1863-1866 sido expedida na sexta feira, dia 26/03/2004, a mesma só seria recebida na segunda feira, dia 29/04/2004.
8° - Para além disso, depois de aos Recorrentes ter sido notificado esse douto acórdão de aclaração de fls. 1863 a 1866, em 24/05/2004 os Recorrentes foram notificados da aclaração que desses acórdãos foi feita a fls. 1879.
9° - Ora, como foi referido pelos Recorrentes no requerimento de interposição de recurso para o TC, a fixação do sentido com que nos acórdãos recorridos foi interpretada e aplicada a norma do art. 24º do RIJFNA (de que 'havendo transacções liquida-se o IVA total que tem de se presumir vai ser recebido', e de que, por isso, “terá de ser a sociedade a demonstrar que apesar de ter havido as transacções e liquidado IVA, não as recebeu efectivamente, ou ainda não as recebeu'), foi apenas expressa nessa aclaração de fls. 1879, e, por isso, de forma tão imprevisível e anómala que os recorridos. até à data em que lhes foi notificado esse despacho de fls. 1879 não tinham tido então oportunidade processual de suscitarem a respectiva inconstitucionalidade.
10º - Todavia, apesar da relevância dessa aclaração de fls. 1879 para o recurso interposto e para o início da contagem do prazo do recurso interposto pelos Recorrentes para o TC, no despacho de fls. 1952 não lhe é feita qualquer referência, pelo que se impõe o esclarecimento das razões subjacentes a essa omissão, isto é, se essa omissão decorreu de lapso ou foi pretendida, e, neste
último caso, qual o fundamento legal de não ter sido considerada para efeitos de início da contagem do prazo de recurso, nos termos do disposto no art. 686-1 do CPC.
11°- Só dessa forma serão esclarecidos os fundamentos do despacho de não admissão do recurso, e só com esses esclarecimentos os Recorrentes poderão tomar uma posição esclarecida sobre o mesmo. I - Temos em que requerem a rectificação das datas que, certamente por lapso, são referidas no despacho de fls. 1952, isto é, quando aí se refere a) que o mandatário dos Recorrentes foi notificado do acórdão fls. 1817-1830
(ou do de fls. 1863-1886) em 26/03/2004; b) que os Recorrentes interpuseram o recurso para o TC em 04/06/2004. II - Apenas para o caso de a referência àquelas datas não resultar de mero lapso
(como os Recorrentes supõem), requerem: a) seja aclarado o referido despacho de fls. 1952, de modo a que os Recorrentes possam compreender qual o fundamento em que ele se baseou para ter concluído que o recurso foi interposto em 04/06/2004, quando dos autos consta que o requerimento de interposição do recurso deu entrada no TRC, por telecópia, em
03/06/2004. É que os Recorrentes, perante a prova constante dos autos de que a telecópia foi recebida em 03-06-04, ficaram sem saber se, no despacho de fls.
1952, se afirma que o recurso foi interposto no dia 04/06/2004, em virtude de a referida telecópia ter sido enviada e recebida naquele dia 03/06/04, embora já depois das 16 horas; b) seja aclarado o mesmo despacho de fls. 1952, de forma que seja esclarecida a afirmação de que o despacho fls. 1863-1866 foi notificado aos Recorrentes em
26/03/2004, e não em 29/04/2004, como eles sustentam e resulta da presunção legal da data de notificação dos actos judiciais aos mandatários, quando a mesma seja feita através de carta registada. III - mais requerem se digne esclarecer: a) Se no despacho de fls. 1952 foi levada em consideração a aclaração de fls.
1879, bem como a data da respectiva notificação ao signatário (24/05/2004);
b) Em caso afirmativo, se o recurso para o TC não foi admitido por ter sido considerado (erradamente) que os Recorrentes interpuseram o recurso no dia
04/06/2004 (ou seja, um dia depois do prazo legal); ou c) No caso de o recurso não ter sido admitido com esse fundamento, qual o fundamento legal para o prazo de interposição do recurso para o TC não ter sido contado da notificação ao signatário da aclaração de fls. 1879, para efeitos do disposto nos arts. 686°-1 do PC. Pelo exposto, requerem a V. Ex.a se digne proceder à rectificação dos referidos erros e à aclaração das referidas obscuridades do douto despacho de fls. 1952.
Tal pedido foi objecto do seguinte despacho, proferido em 16 de Novembro de
2004.
Vêm os arguidos, “C.” e A., requerer a aclaração e rectificação do despacho de fls. 1952 que indeferiu o requerimento de interposição de recurso, de fls. 1883, por extemporaneidade. No acórdão inicial, de fls. 1817 e 1830 v., foi decidido pronunciar estes arguidos. Os mesmos, pelo requerimento de fls. 1835 e ss., vieram arguir a nulidade do acórdão, ou que fosse declarada a irregularidade do mesmo. Uma outra irregularidade é arguida pelo requerimento de fls. 1855. Foi proferido acórdão declaratório de fls. 1863 a 1866, que julgou improcedentes requerimentos de arguição de nulidade e irregularidades. A fls. 1883 vêm estes arguidos apresentar recurso. Recurso não admitido por julgado extemporâneo, conforme despacho de fls. 1952. Deste despacho pedem agora estes arguidos aclaração e rectificação de fls. 1955. Continuamos a entender que o requerimento de recurso é manifestamente extemporâneo, apesar das rectificações pretendidas pelos arguidos, ao referir-se em tal despacho a notificação de fls. 1869 datada de 26-03-04, como bem entenderam os requerentes reporta-se a data de envio de notificação pelo correio, a que se acrescenta os três dias estipulados na lei. A data de 4-06-04, fls. 1883 reporta-se a data de entrada na secretaria, carimbo de entrada, sendo certo que o requerimento foi enviado por fax (telecópia) em
3-06-04 com início às 19 horas e 49 minutos. Porém, em nada afecta o julgamento de extemporaneidade. Os requerentes a fls. 1883 vêm “interpor recurso daquele mesmo douto acórdão de fls. 1863 a 1866, bem como o douto acórdão de fls. 1817 a 1830”. Invocam o despacho de folhas 1879, que não lhes respeita, nem deveria ter sido notificado uma vez que foi de indeferimento, mantendo a natureza de simples despacho, mantendo-se o acórdão como estava. Entendemos que deveria ser notificado a todos os arguidos (incluindo os aqui requerentes) apenas no caso de a aclaração ser procedente, o que vinha a ter natureza de sentença complementar, formando com a inicial uma peça única, “a sentença complementar integra-se na sentença defeituosa” A. Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.
149, reimpressão, 1981. O despacho de fls. 1879 incide unicamente sobre o pedido de aclaração formulado a fls. 1871 pelo arguido B.. Daí que, e bem, os arguidos recorreram somente dos acórdãos referidos sendo o mais recente notificado por carta enviada ao mandatário dos arguidos em
26-03-04. Assim que, quando da apresentação do requerimento de recurso (mesmo tendo em conta a data do fax 3-06-04) há muito que aqueles acórdãos de que se pretendia recorrer, haviam transitado em julgado. Tal como se decidiu. A situação, porém, não é de aclaração, pois que esta se verifica somente no caso de obscuridade ou ambiguidade, art. 669 n.º 1 al. a) do CPCivil, o que manifestamente não é o caso. Os sucessivos, reiterados e persistentes requerimentos pretensamente aclaratórios, conforme resulta do processo e de forma resumida se expôs, mais não são que expediente dilatório, o que a lei não permite e considera expediente processual tributável. Provocaram os arguidos incidente processual, pelo que se tributa o mesmo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC nos termos do art. 84 do Código das Custas Judiciais.
Em 3 de Dezembro de 2004 os recorrentes apresentaram reclamação, formulada ao abrigo do artigo 76º n. 4 da LTC, do seguinte teor:
'C.' e A. recorridos nos autos do processo em epígrafe, tendo sido notificados do douto despacho de fls. 1952 que lhes indeferiu o requerimento de interposição de recurso dirigido ao Tribunal Constitucional, bem como do douto despacho de fls. 1964 a 1966. que lhes indeferiu o requerimento de aclaração e rectificação daquele douto despacho fls. 1952, vêm, nos termos do art. 76°-4 LTC. apresentar reclamação, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes: Salvo o devido respeito, são os seguintes os actos processuais que importam para o conhecimento e decisão da presente reclamação:
1 ° - Através de requerimento apresentado em 20/04/2004. o arguido/recorrido B. requereu a aclaração do Acórdão de fls. 1863 a 1866.
2° - Esse requerimento de aclaração foi notificado aos ora Reclamantes em
24/04/2004.
3°- Em 24/05/2004, os Reclamantes foram notificados do despacho (de fls. 1879) que recaiu sobre aquele pedido de aclaração.
4° - Através de requerimento que, em 03/06/2004, via telecópia, remeteram ao Tribunal da Relação de Coimbra, os ora Reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão de fls. 1863 a 1866, bem como do Acórdão de fls. 1817 a 1830 (cfr. fls. 1883 e ss.).
5° - O despacho de fls. 1952 não admitiu esse recurso, com fundamento em extemporaneidade.
6°- Os aqui Reclamantes requereram então (cfr. requerimento de fls. 1955 a
1959) a aclaração e a rectificação desse despacho que não lhes admitiu o recurso.
7° - Sobre esse requerimento dos ora Reclamantes veio a recair o despacho de fls. 1964 a 1966. A decisão reclamada enferma de erro de interpretação e aplicação da lei. Antes de mais cumpre salientar que, apesar de no despacho de fls. 1964 a 1966 se ter afirmado que o despacho que não admitiu o recurso não enfermava de qualquer obscuridade ou ambiguidade, a verdade é que só através daquele despacho de fls.
1964 a 1966 é que os Reclamantes ficaram esclarecidos dos fundamentos pelos quais o recurso não foi admitido. Assim, segundo consta naquele despacho de fls. 1964 a 1966, o recurso dos Reclamantes não foi admitido porque o despacho de fls. 1879
'não lhes respeita, nem lhes deveria ter sido notificado uma vez que foi de indeferimento, mantendo a natureza de simples despacho, mantendo-se o acórdão como estava.' Naquele mesmo despacho de fls. 1964 a 1966 é ainda referido o seguinte:
'Entendemos que deveria ser notificado a todos os arguidos (incluindo os aqui requerentes) apenas no caso de a aclaração ser procedente, o que vinha a ter natureza de sentença complementar, formando com a inicial uma peça única'. Partindo desse entendimento e levando em consideração que o despacho de fls.
1879 incidia unicamente sobre o pedido de aclaração formulado a fls. 1871 pelo arguido/recorrido B., a decisão reclamada considerou que aquele despacho de fls.
1879 não conferia aos ora Reclamantes a possibilidade de recorrerem dos doutos Acórdãos de fls. 1863 a 1866 e de fls. 1817 a 1830. O certo, porém, é que só naquele despacho de fls. 1879 é que foram esclarecidas as razões pelas quais o douto Acórdão de fls. 1817 a 1830 determinou a pronúncia dos arguidos por todos os crimes de que vinham acusados, apesar de não constar dos autos qualquer indício de que a Reclamante 'C.' tivesse recebido importâncias de IVA. Com efeito, foi apenas nesse despacho que se esclareceu que os doutos Acórdãos de fls. 1863 a 1866 e de fls. 1817 a 1830 tinham interpretado e aplicado a norma do art. 24° do RJIFNA (norma que p. e p. o crime de abuso de confiança fiscal) com o sentido de que, para efeitos de preenchimento dos pressupostos de facto dessa norma, se presume o recebimento do IVA que foi liquidado a terceiros. Conforme foi expressamente referido nesse douto despacho de aclaração de fls.
1879, a norma do art. 24° do RJIFNA (maxime o seu n° 2) foi interpretada e aplicada nos Acórdãos de fls. 1863 a 1866 de fls. 1817 a 1830, respectivamente, no sentido de que 'havendo transacções liquida-se o IVA total que tem de se presumir vai ser recebido', e de que, por isso, 'terá de ser a sociedade a demonstrar que apesar de ter havido as transacções e liquidado IVA, não as recebeu efectivamente, ou ainda não as recebeu'. Ora, nunca no Acórdão de fls. 1863 a 1866 ou no Acórdão de fls. 1817 a 1830, tinha sido feita a mais pequena referência a que subjacente às decisões neles proferidas estivesse uma tal interpretação da norma do art. 24° do RJIFNA. O esclarecimento constante do despacho de fls. 1879 é de tal forma surpreendente que aos Reclamantes não seria razoavelmente exigível que antevissem a possibilidade de a referida norma do art. 24° do RJIFNA poder vir a ser interpretada com o sentido que nele se refere ter esta norma sido interpretada e aplicada pelos doutos Acórdãos de fls. 1863 a 1866 e de fls. 1817 a 1830, respectivamente. Até à data em que os ora Reclamantes foram notificados do despacho de fls. 1879, nunca eles supuseram, ou seria razoavelmente exigível que supusessem, que o Acórdão de fls. 1863 a 1866 e o Acórdão de fls. 1817 a 1830 tivessem interpretado e aplicado a norma do art. 24° do RJIFNA com o sentido de que, para efeitos do preenchimento da sua previsão, se considera que 'havendo transacções liquida-se IVA total que tem de se presumir vai ser recebido', isto é, que existe nela uma presunção legal que vai no sentido de se presumir o recebimento do IVA a partir da existência de 'transacções' e da sua liquidação em factura ou documento equivalente, presunção essa que faz com que o ónus da prova do não recebimento venha a recair sobre a própria arguida. Assim, aquele esclarecimento constante do despacho de fls. 1879 não pode deixar de se considerar complemento e parte integrante do Acórdão que revogou o despacho proferido pela Mmª Juiz de Instrução do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro e ordenou que o mesmo fosse substituído por outro que pronunciasse os arguidos 'C.', A. e B. pelos crimes de que vinham acusados (cfr. 1817 a 1830), bem como do Acórdão de fls. 1863 a 1866. Pelo exposto, na medida em que esclareceu o sentido com que a norma do art. 24° do RJIFNA (maxime o seu n° 2) foi interpretada e aplicada nos Acórdãos de fls.
1863 a 1866 e de fls. 1817 a 1830, respectivamente, não pode aquela decisão de fls. 1879 deixar de ser considerada complemento e parte integrante daqueles Acórdãos, por força do disposto no art. 670°-2 do C PC. De todo o modo e sem conceder, Ainda que se entendesse que o despacho de fls. 1879 não é um despacho de esclarecimento (mas, como se viu, é-o), e, por isso, não faz parte integrante dos Acórdãos a que se reportou, sempre o pedido de esclarecimentos apresentado pelo recorrido B. a fls. 1863 a 1866 aproveitaria aos Reclamantes, designadamente para efeitos da contagem do prazo de recurso, por força do disposto no art. 686°-1 do CPC, subsidiariamente aplicável aos recursos para o Tribunal Constitucional (cfr. art. 69° da L TC). Assim, mesmo em tal caso, o prazo para os ora Reclamantes interporem recurso para o Tribunal Constitucional só começaria a contar depois de proferida a decisão sobre aquele pedido de aclaração formulado pelo recorrido B. a fls. 1863 a 1866 (cfr. art. 686°-1 do C PC). Conforme refere Abílio Neto em anotação ao art. 686° do CPC (Código de Processo Civil Anotado, 18° ed. actualizada, Set. 2004, p. 955), a regra do n° 1 deste artigo 686° 'no que toca ao início da contagem do prazo para recorrer quando alguma das partes requeira a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, aproveita não só àquele que tomou a iniciativa de requerer a rectificação, aclaração ou reforma, mas aos demais com legitimidade para recorrer”. O art. 686°-1 do CPC estabelece o princípio de que o pedido de rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos do art. 667°-1 e do art. 669° do C PC, interrompe o prazo de interposição do recurso, pelo que este só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre aquele requerimento de rectificação, aclaração ou reforma da sentença. Por conseguinte, estipulando o art. 686°-1 do C PC que, se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos do art.
667°-1 e do art. 669°- 1, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento, no caso sub judice o prazo para os Reclamantes interporem recurso para o Tribunal Constitucional começou a contar na data em que lhes foi notificado o despacho que recaiu sobre aquele pedido de aclaração, ou seja na data em que lhes foi notificado o despacho de aclaração de fls. 1879. Conforme consta do sumário do Acórdão proferido pelo STJ em 20/05/2004, nos autos do Recurso n° 03S2008 (e que se encontra publicado em www.dgsi.pt/jstj. nsf),
“se, porventura, se constata que o requerente, através dum pedido de aclaração, ao abrigo do art. 699° do CPG, comete um abuso, ou faz um uso irregular, ou incorrecto, da faculdade que lhe é conferida pelo citado dispositivo legal, há mecanismos legais para sancionar um tal procedimento. O que não poderá é penalizar-se essa conduta com uma sanção tão drástica, como seja a de considerar-se que o recurso não deve ser admitido por manifestamente extemporâneo. O prazo para a interposição do recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento da aclaração”. Ora, como foi referido, o requerimento de aclaração interposto pelo Recorrido B. foi tão pertinente que apenas por força e na sequência dele ficou esclarecido que os Acórdãos de fls. 1863 a 1866 e de fls. 1817 a 1830, respectivamente, haviam interpretado e aplicado a norma do art. 24° do RJIFNA no sentido de que
'havendo transacções liquida-se o IVA total que tem de se presumir vai ser recebido', e de que, por isso, 'terá de ser a sociedade a demonstrar que apesar de ter havido as transacções e liquidado IVA, não as recebeu efectivamente, ou ainda não as recebeu'! Assim, tendo os Reclamantes sido notificados daquele despacho de aclaração de fls. 1879 em 24/05/2004, o prazo de dez dias para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional terminou no dia 03/06/2004. Uma vez que nessa data (03/06/2004) os Reclamantes, via telecópia, remeteram ao Tribunal da Relação de Coimbra o requerimento de interposição do recurso, este deve considerar-se tempestivamente interposto. Ao assim não entender, o despacho reclamado enferma de ilegalidade, por violação do disposto nos arts. arts. 380°-1/b-3 do CPP, 670°-2 e 686°-1 do CPC. Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser admitido o recurso interposto, com as legais consequências.
A reclamação foi admitida por despacho de 15 de Dezembro de 2004 e o respectivo apenso remetido a este Tribunal em 23 de Fevereiro de 2005 (cota a fls. 60), onde deu entrada em 7 de Março.
Em 2 de Dezembro de 2004 o arguido B. recorreu dos referidos acórdãos e despacho de 19 de Maio de 2004, com fundamento na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, nos seguintes termos:
B., recorrido nos autos à margem identificados, notificado do douto despacho de fls.. e datado de 16/11/2004, onde só agora teve conhecimento do despacho que recaiu sobre a sobre arguição de nulidade invocada relativamente ao despacho de fls. 1879 e na sequência do pedido de aclaração do douto Acórdão de fls. 1863 a
1866, vem ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do art. 70° da Lei na
28/82, de 15/11, alterada pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n° 88/95 de 1/09 e pela Lei n° 13-A/98) de Fevereiro) interpor recurso para o Tribunal Constitucional do citado Acórdão, bem como do douto Acórdão. fls. 1817 a 1830 e do douto Despacho de fls. 1879, o que o faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 ° O ora recorrente, veio arguir a nulidade do douto despacho de fls. 1879 que decidiu o pedido de aclaração do Acórdão 1863 e ss., nos termos dos art. 379° e
120° do C.P.P.
2° Entende o recorrente que o princípio da presunção de inocência consagrado no n° do art. 32° da C.R.P., que é um verdadeiro princípio de prova não foi respeitado.
3° No douto despacho de fls. 1879, afirma - se que “mas havendo transacções liquida-se o total que tem de se presumir vai ser recebido” (sublinhado nosso).
«Terá que ser a sociedade a demonstrar que apesar de ter havido as transacções e liquidado IVA, não as recebeu efectivamente ou ainda não as recebeu»
4° - Como afirma o professor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. II, a págs. 104. referindo-se ao princípio da presunção da inocência: «Significa além disso que as provas tidas em conta para fundamentar a decisão de condenação, hão - de ser legalmente admissíveis e válidas e que o encargo de destruir a presunção recai sobre os acusadores e que não existe nunca
ónus do acusado sobre a prova da sua inocência».
5° Este princípio de Presunção de inocência estabelecido no n.º 2 do art. 32° da CRP. integra na norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos – cfr. Germano Marques da Silva na obra atrás citada.
6º Ora o douto despacho de fls. 1879, todavia baseou - se na prévia presunção da culpabilidade do arguido e da empresa da qual este era administrador, i.é., no princípio contrário, ou seja no princípio de presunção da culpa destes. Violando, por isso claramente, o estatuído o citado n° 2 do art. 32° da CRP e no art. 11 ° da Declaração Universal dos Direito do Homem.
7° - Citando ainda o professor Germano Marques da Silva, a págs. 106 na obra atrás referida, «O principio da presunção da inocência é também um princípio de prova, segundo o qual o non liquet na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido» e o entendimento do ora recorrente é que esta presunção vigora mesmo.
8° - E como já referido no seu requerimento do pedido de aclaração constituindo o recebimento da importância correspondente ao IVA um dos elementos que integram um tipo de ilícito previsto no art. 24° do RJIFNA e esse elemento não pode presumir - se, pelo que a interpretação e a aplicação feita no Acórdão citado e no despacho de fls. 1879, da norma atrás referida, viola claramente o disposto no citado n° 2 do art. 32° da C.R.P. e os princípios que vigoram nesta matéria em processo penal.
9º Esta inconstitucionalidade, naquele douto Acórdão, foi suscitada. pelo recorrente no seu requerimento onde arguia a nulidade do despacho fls. 1879 e ss.
10º - E que só obteve resposta no despacho notificado ao ora recorrente, datado de 16/11/2004, que indeferiu a arguida nulidade.
11° O recorrente pretende também que seja apreciada e decidida a inconstitucionalidade da norma do art. 24° do RJIFNA, nas redacções que lhe foram dadas sucessivamente pelo DL n° 324/93, de 24/11 e DL n° 229/96, de 29/11 quando interpretada e aplicada com o sentido que lhe foi dado no douto despacho de fls. 1879, em resposta ao seu pedido de aclaração a fls. 1871 e ss. se decidiu que para efeitos do referido art. 24°, (norma que p. p o crime de abuso de confiança fiscal), se presume o recebimento do IVA que foi liquidado a terceiros e por violação das citadas normas constitucionais. Nestes termos, considerando que, para além de preenchidos todos os respectivos pressupostos genéricos, se encontram também verificados todos os respectivos pressupostos específicos previstos no n.º 2 do art. 70º da LTC, deverá o presente recurso ser admitido com efeito suspensivo e subida nos próprios autos cf. n.º 4 do art. 74º da LTC.
O pedido foi indeferido por despacho de 15 de Dezembro de 2004 do seguinte teor:
A fls. 1970, vem o arguido B. interpor recurso para o douto Tribunal Constitucional. No despacho de fls. 1964 a 1966v. , no que a este arguido respeita se decidiu que há muito foi ultrapassado o prazo para impugnação do acórdão inicial e aclaratório, por via do recurso. Nesse despacho se indicam os motivos, para os quais, se remete. Assim, por se julgar extemporâneo, não se admite o recurso interposto a fls.
1970.
Em 10 de Janeiro de 2005 o arguido B. apresentou a seguinte reclamação:
B. recorrido no processo supra identificado, tendo sido notificado do douto despacho de fls. 1975 e segs. que indeferiu o seu requerimento de interposição de recurso dirigido ao Tribunal Constitucional (cfr. fls. 1970 - dos autos), vem apresentar a presente reclamação, nos termos do art. 76°, n° 4 da Lei n° 28/82 de 15/11 e com os seguintes fundamentos:
1. O ora reclamante, em 2/12/2004, remeteu ao Tribunal da Relação de Coimbra o seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional do douto Acórdão de fls. 1863 e segs., bem como do douto Acórdão de fls. 1817 a
1830 e do douto despacho de fls. 1879.
2. Só o fez em 2/12/2004, pois só em Novembro foi notificado do douto despacho datado de 16/11/2004, que recaiu sobre a sua arguição de nulidade invocada relativamente ao despacho de fls. 1879 e na sequência do pedido de aclaração do douto Acórdão de fls. 1863 a 1866.
3. Respeitosamente, entende o ora reclamante, que a decisão reclamada enferma de erro de interpretação e aplicação da Lei. O ora reclamante não tinha interposto antes qualquer recurso, pelo que não compreende a alusão no que a si respeita, relativamente à ultrapassagem do prazo para impugnação do acórdão inicial e aclaratório (cfr. despacho de fls. 1964 a
1966). Quem o fez, foram os outros arguidos, que também reclamaram para este Venerando Tribunal. Se os fundamentos da não admissão do recurso são os mesmos referidos no despacho de fls. 1964 a 1966, a verdade é que o arguido também não tinha sido notificado do despacho de fls. 1891. O que o douto despacho claramente refere. Só o foi através da notificação deste despacho datado de 18/11/2004. Onde se afasta a nulidade invocada pelo reclamante. O ora reclamante no seu requerimento de arguição de nulidade do despacho de fls. 1879, insurgia-se contar o facto do art. 24° do RJIFNA ser interpretado no sentido de se presumir o recebimento da importância correspondente ao IVA liquidado por parte da empresa, onde o arguido era administrador. Alegando que a interpretação e aplicação feita no Acórdão citado e neste despacho violava claramente o disposto no art. 32°, n° 2 da Constituição da Republica Portuguesa e os princípios que vigoram nesta matéria em processo penal. No douto despacho de aclaração de fls. 1879, a norma do art. 24°, n° 2 do RJIFNA, foi interpretada e aplicada nos Acórdãos de fls. 1863 a 1866 e de fls.
1817 a 1830, respectivamente no sentido de que 'havendo transacções liquida-se o IVA total que tem de se presumir vai ser recebido' e de que, por isso' terá de ser a sociedade a demonstrar que apesar de ter havido as transacções e liquidado o IVA, não as recebeu efectivamente, ou ainda não as recebeu'. Sentido e interpretação desta norma, de que o reclamante só tem conhecimento com o despacho aclaratório atrás citado.
4. E por tudo o exposto tempestivo o recurso por si interposto para este Tribunal Constitucional, pois foi interposto no prazo de 10 dias contados da data em que foi notificado do despacho que recaiu sobre a sua arguição de nulidade na sequência da notificação do despacho de fls. 1879. Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência ser admitido o recurso interposto.
A reclamação foi admitida por despacho de 12 de Janeiro e o respectivo apenso remetido a este Tribunal em 23 de Fevereiro de 2005 (cota a fls. 38), onde deu entrada em 7 de Março.
O representante do Ministério Público emite, sobre a reclamação, o seguinte parecer:
Verifica-se, no caso dos autos, que os arguidos, ora reclamantes, ao serem notificados do acórdão da Relação que ordenou – na sequência de recurso do Ministério Público – a respectiva pronúncia, começaram por invocar nulidade, irregularidades e formular pedido de aclaração do decidido. A Relação, por acórdão de 24.03.2004, julgou improcedentes tais requerimentos, o que motivou um dos arguidos (B.) a apresentar um novo pedido de aclaração, qualificado como traduzindo uso abusivo de tal incidente pós decisório e possível manobra dilatória. Notificados de tal decisão, vieram os arguidos interpor recurso de constitucionalidade, reportado aos dois primeiros acórdãos, proferidos pela Relação, o qual foi julgado extemporâneo, o que motivou a dedução das presentes reclamações. Não assiste razão aos reclamantes. Na verdade, o uso anormal de incidentes pós-decisórios, com finalidade tipicamente dilatória, é insusceptível de obstar ao trânsito em julgado da decisão inicialmente proferida; ora não sendo admissível a formulação de um pedido de aclaração, relativamente a uma decisão que se limita a declarar que o precedente acórdão não padece de qualquer obscuridade, susceptível de ser aclarada, é evidente que a apresentação pelo reclamante B., a fl. 1871, de novo pedido de aclaração se revelou insusceptível de obstar ao trânsito em julgado dos acórdãos que se pretendeu impugnar através do recurso de fiscalização concreta de fls. 1883. O recurso de constitucionalidade teria, pois, de ser interposto nos dez dias subsequentes à notificação do acórdão proferido em 24.03.04- que transitou em julgado, já que o novo pedido de aclaração, “repetido” por um dos arguidos, a fl. 1871, se não enquadra no preceituado no art. 686 do CPC- configurando-se, como típica manobra dilatória, e desprovido de relevância para diferir no tempo a impugnação dos precedentes arrestos. Nestes termos, deverão ser julgadas improcedentes as reclamações deduzidas.
Cabe decidir com base nos factos relatados nas transcritas peças processuais.
A questão que é colocada nesta reclamação é de natureza exclusivamente adjectiva e tem a ver com o prazo de interposição do recurso de inconstitucionalidade previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Ou, melhor dizendo, tem a ver com o dia em que se iniciou a sua contagem, pois ninguém põe em causa que o prazo, previsto no artigo 75º n. 1 da LTC, é de dez dias. Os reclamantes pretendem recorrer dos acórdãos emitidos na Relação de Coimbra em
14 de Janeiro de 2004 e em 24 de Março de 2004. Este segundo acórdão decidiu os pedidos de aclaração e de arguição de irregularidades processuais e de nulidade formulados pelos arguidos contra o acórdão de 14 de Janeiro, julgando
“improcedente” a reclamação e indeferindo o pedido de aclaração. Notificado do último acórdão, um dos arguidos pediu um novo esclarecimento, que o Relator logo rejeitou, por despacho. Os recursos para o Tribunal Constitucional só foram interpostos depois da notificação do despacho que rejeitou o novo pedido de aclaração. Ora, resulta do disposto nos artigos 669º n. 1 e 670º do Código de Processo Civil que da decisão que indeferir requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma não cabe recurso. E, obviamente, dela também não cabe pedido de rectificação, de esclarecimento ou de reforma; na verdade, a decisão que indefere aquele tipo de pedidos não tem qualquer relevo substantivo, pois nada inova no processo ou fora dele. Cumpre assim concluir que com a emissão da decisão que indeferiu os pedidos de rectificação, esclarecimento ou reforma e de arguição de nulidades se esgotou o poder jurisdicional do tribunal para conhecer daquela matéria. Isto é, abriu-se para os interessados, a partir da notificação dessa decisão, a fase de recurso. Em vez disso, um dos interessados apresentou um novo pedido de esclarecimento que, sendo inadmissível, foi rejeitado, e só depois de notificados do correspondente despacho é que os interessados – uns e outro – recorreram dos citados acórdãos. Em qualquer dos casos, os requerimentos de interposição de recurso foram apresentados manifestamente para além do prazo de 10 dias, contado desde a notificação do acórdão de 24 de Março.
Resta, assim, concluir pela extemporaneidade dos recursos e, em consequência, pela improcedência das reclamações formuladas. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 30 de Março de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos