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Processo n.º 470/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 240 e seguintes, não se tomou
conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos
seguintes fundamentos:
“[…]
5. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (supra, 4.), constitui seu
pressuposto processual a invocação pelo recorrente, durante o processo, da
questão da inconstitucionalidade da norma que pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie.
Esclarece depois o artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei, que tal recurso só pode ser
interposto «pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade […]
de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Sucede, porém, que a recorrente não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida: nem nas alegações que produziu no recurso ordinário que interpôs para
a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (supra, 2.), nem nas alegações
que produziu no recurso para o Pleno desta Secção (supra, 3.).
Apenas nas alegações produzidas perante o Tribunal Central Administrativo –
como, de resto, a recorrente reconhece no requerimento de interposição do
presente recurso (supra, 4.) – foi suscitada questão dessa natureza (supra, 1.).
A invocação da questão da inconstitucionalidade nessas alegações não pode
todavia considerar-se adequada para cumprir o ónus processual a que se referem
os artigos 70º, n.º 1, alínea b) e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional
(vejam-se, por exemplo, os acórdãos n.ºs 396/01 e 54/02 deste Tribunal,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Não tendo a recorrente suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa perante o tribunal que proferiu a decisão, há que concluir que não foi
cumprido o ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2,
da Lei do Tribunal Constitucional e, consequentemente, que não se encontra
preenchido um dos pressupostos processuais do presente recurso.
Não pode, assim, conhecer-se do respectivo objecto.
[…]”.
2. Notificada da referida decisão sumária, A. dela vem agora reclamar
para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do
Tribunal Constitucional, aduzindo as seguintes razões (fls. 253 e seguintes):
“[…]
Na verdade, tendo presente a douta declaração de voto da Sra. Juíza Conselheira,
Maria Fernanda Palma, no Acórdão n.º 396/01 Proc. N° 303/2000 2ª Secção, citado
pela decisão sumária ora reclamada, no qual se diz:
«Votei vencida por entender que o Tribunal Constitucional deveria ter tomado
conhecimento do objecto de recurso, já que não só não é claro que o recorrente
tenha abandonado, no recurso subordinado para o Pleno (...) a questão da
constitucionalidade (...) como porque não é exigível que quem tenha obtido
vencimento na primeira instância tenha de vir suscitar de novo a questão de
constitucionalidade no recurso subordinado (...)» – a recorrente considera que,
por maioria de razão «in casu» tendo esta suscitado a questão de
constitucionalidade na alegação apresentada no Tribunal Central Administrativo,
não seria exigível que o viesse a fazer em sede de contra-alegacão apresentada
da decisão da 1ª Secção do STA que lhe fora favorável tanto mais quanto esta
contra-alegação foi proferida em recurso por oposição de julgados interposto
pela Autoridade Administrativa aí recorrente, o qual por natureza, está, apenas,
confinado aos pontos em que haja oposição de julgados.
Ora, o que se verificou é que o Acórdão proferido pelo STA, em sede de recurso
ordinário foi inteiramente favorável à recorrente e, como tal, esta não estava,
com o devido respeito, obrigada a suscitar aí, em sede de contra-alegação, a
questão de constitucionalidade suscitada no Tribunal «a quo» não podendo assim
interpretar-se o disposto no artº 72º n.º 2 da LTC nos termos em que o fez a
Sra. Juiz Conselheira Relatora uma vez que deve entender-se que a questão de
constitucionalidade foi suscitada de modo apropriado por ter sido apresentada
perante o Tribunal que funcionou como 1ª instância (no caso o TCA) quando o
recurso interposto da decisão deste último foi decidido pela 1ª Secção do STA de
modo inteiramente favorável à recorrente e no recurso (para o Pleno) por
oposição de julgados interposto pela Autoridade Administrativa, a ora recorrente
só podia questionar os pontos em que houvesse oposição de julgados.
Aliás, afigura-se à recorrente, que a tese por si sustentada se coaduna, de
resto com o disposto no art° 70º n.º 2 da LTA quando prevê: «Os recursos
previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que
não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de
jurisprudência» (sic).
Deve, pois, em Conferência revogar-se a douta decisão de Exma. Conselheira
Relatora de não tomar conhecimento do objecto do recurso, atentas as
circunstâncias do caso supra-enunciadas a merecer o reconhecimento de que a
questão da constitucionalidade suscitada pela recorrente no TCA foi feita de
modo processualmente adequado, nos termos e para os efeitos do artº 72º n.º 2 da
LTC, devendo assim prosseguir o recurso como é de justiça.”.
Notificado da reclamação para a conferência, o recorrido Secretário
de Estado dos Assuntos Fiscais não respondeu (fls. 258-259).
Cumpre apreciar.
II
3. O artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional é claro ao
exigir que, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da mesma Lei, a questão de inconstitucionalidade que se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie tenha sido suscitada perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida.
Como se explicou na decisão sumária ora reclamada (supra, 1.), a
recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade que constitui o
objecto do presente recurso perante o tribunal recorrido: nem nas alegações que
produziu no recurso ordinário que interpôs para a 1ª Secção do Supremo Tribunal
Administrativo, nem nas alegações que produziu no recurso para o Pleno desta
Secção.
Não o tendo feito, é evidente, perante o preceituado no artigo 72º,
n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, que não cumpriu o ónus aí previsto.
Sustenta a reclamante que, no recurso para o Pleno, só podia
questionar os pontos em que houvesse oposição de julgados (supra, 2.),
pretendendo certamente, com tal argumentação, fazer vingar a tese segundo a qual
lhe não era exigível suscitar a questão de inconstitucionalidade perante o
tribunal recorrido.
Sem razão, porém. É que, como se disse e repete, não foi apenas no recurso para
o Pleno que a recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade. Também
não o fez no recurso ordinário para a 1ª Secção do Supremo Tribunal
Administrativo. Assim sendo, não procede manifestamente o argumento segundo o
qual não podia suscitar perante o tribunal recorrido a questão de
inconstitucionalidade, por estar limitada à matéria da oposição de julgados.
Por outro lado, a circunstância de a decisão recorrida ter sido proferida em
recurso de decisão favorável à ora reclamante não a eximia naturalmente do
cumprimento do ónus consagrado no artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional. É que este ónus de impugnação não é afastado quando a instância
intermédia acolhe a alegação de inconstitucionalidade, devendo ser cumprido
sempre que seja previsível a aplicação, pelo tribunal ad quem, de certa norma
que o recorrente reputa inconstitucional (como era certamente o caso dos autos,
desde logo porque o Tribunal Central Administrativo já havia negado provimento
ao recurso contencioso de anulação interposto pela ora reclamante).
III
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente
reclamação, confirmando-se a decisão sumária que não tomou conhecimento do
objecto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 14 de Outubro de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos