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Processo n.º 195/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, a
recorrente A., notificada, em processo de execução fiscal, para efectuar o
pagamento de determinada quantia, referente a IRC do ano de 1989, veio invocar a
prescrição e, subsidiariamente, requerer a suspensão do processo. O requerido
foi indeferido por decisão do Chefe de Serviços de Finanças de Oliveira do
Hospital. Inconformada, reclamou para o Tribunal Tributário de Coimbra. Por
sentença deste Tribunal, de 28 de Junho de 2004, foi a reclamação indeferida,
considerando-se improcedentes quer a invocada prescrição quer o pedido de
suspensão da execução.
2. Não se conformando com esta decisão, a recorrente interpôs recurso, “em
matéria de direito, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo”. Por decisão de 7 de Outubro de 2004, declarou-se este Tribunal
incompetente em razão da hierarquia e determinou a remessa do processo ao
Tribunal Central Administrativo Norte, conforme fora, entretanto, adicionalmente
requerido pela recorrente. Este, por acórdão de 11 de Novembro de 2004, negou
provimento ao recurso, desatendendo a reclamação e mantendo o despacho
reclamado. Considerou, para tal, não só que a dívida ainda não se encontrava
prescrita, mas também que a suspensão requerida não era legalmente admissível.
3. Veio, então, a recorrente requerer a reforma do acórdão, nos termos do art.º
669° do Código de Processo Civil. Alegou, nomeadamente, que “face à matéria de
facto e às considerações, doutamente tecidas de direito, deveria o recurso ter
sido julgado procedente”. E acrescentou
“[...] 16° Ora, sendo a prescrição de conhecimento oficioso, impunha-se, como se
impõe, ao Tribunal a realização oficiosa de todas as diligências que se
considerem como úteis ao apuramento da verdade, relativamente aos factos que lhe
seja lícito conhecer, e a prescrição é precisa e inequivocamente uma dessas
situações.
17º Pe1o que, entende a requerente ter ocorrido manifesto lapso na qualificação
jurídica dos factos, pois tendo a sentença de 1ª instância estabelecido
erradamente aquela data, impunha-se que o acórdão fixasse de forma definitiva,
concreta e correcta a mesma e, não o podendo fazer, ordenar a baixa dos autos ao
tribunal recorrido para o efeito.
18° O que não podia fazer, salvo o devido e muito respeito, era limitar-se a
considerar, sem que elementos houvesse para tal, a data de 17.12.1999.
19° Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite o
conhecimento da questão referida, na extensão ante alegada e que aqui se dá por
inteiramente reproduzida, tal interpretação é manifestamente inconstitucional
por violação do princípio do acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP,
nas suas dimensões de direito a uma tutela jurisdicional efectiva e do direito
ao recurso a todos os meios de prova tendentes ao exercício do direito.
20° Entende, ainda, a ora requerente que o douto acórdão recorrido também
laborou em erro na qualificação jurídica da questão da suspensão do processo de
execução fiscal por virtude da pendência de um processo de revisão.
21° Na verdade, ao contrário do referido no douto acórdão, entende a recorrente
que o efeito suspensivo não pode deixar de ser reconhecido ao pedido de revisão
oficiosa - que consubstancia uma verdadeira reclamação que corresponde ao
respectivo conceito doutrinal consagrado no art.º 158° do CPA. - e consequente
reacção judicial contra o mesmo formulado.
22° Assim, por força do art.º 52°, n.º 1 da LGT, o pedido de revisão tem efeito
suspensivo, ao contrário do consagrado no douto acórdão que agarrando-se ao
sentido literal da lei e não à sua ratio, apreciou incorrectamente, do ponto de
vista jurídico, tal questão, pois que tendo a revisão por objecto a legalidade
da dívida, aquele efeito suspensivo será de admitir.
23° Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite ao
julgador o conhecimento da questão referida, na dimensão alegada, tal
interpretação é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do
acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP, na sua dimensão de uma tutela
jurisdicional efectiva e plena do direito. [...]”
4. O Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 13 de Janeiro de
2005, indeferiu a reclamação. Escudou-se na seguinte fundamentação:
“[...] 2. O artigo 669º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo DL n°
329-A/95, de 12 de Dezembro, estabelece no seu n° 2 o seguinte:
“2. É ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando:
a) Tenha ocorrido manifesto lapso do juiz da determinação da norma aplicável ou
na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si,
impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso
manifesto, não haja tomado em consideração”.
Portanto, não aqui está em causa a reapreciação, pelo juiz ou juizes, de decisão
já anteriormente proferida sobre as questões suscitadas pelas partes, mas apenas
a eventual correcção de erros evidentes.
Neste sentido, o STA tem entendido - e bem - que o artigo em causa só deve ser
aplicado no caso de evidência de erros palmares facilmente identificáveis na
decisão. É que, de outro modo, estaria a invadir-se o campo de aplicação do
recurso jurisdicional e, por outro lado, a violar-se o princípio constante do
artigo 666°, n° 1 do mesmo diploma segundo o qual, proferida a sentença fica
imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
Deste modo, não pode proceder o referido pedido de reforma quando, como é o caso
dos autos, o interessado invoca erro de julgamento, manifestando a sua
discordância pura e simples com o decidido (neste sentido, entre outros, v. os
Acórdãos daquele Tribunal, de 12.2.2003 - Recurso n° 1419/02.30, de 30.4.2003 -
Recurso n° 12/02.30 e de 24.10.01 Recurso n° 25 671).
No caso dos autos, o que a reclamante pretende, efectivamente, é que o Tribunal
volte a reapreciar as questões por si já anteriormente suscitadas decidindo-as
em sentido contrário, o que o artigo 669° não consente. O acórdão debruçou-se
detalhadamente sobre as questões suscitadas no recurso e tomou a sua opção no
sentido ali expresso.
Por isso, não estamos perante qualquer lapso manifesto que caiba corrigir.
Deste modo, não pode ser atendida a reclamação.
3. Prevenindo o indeferimento da reclamação com o fundamento agora exposto, veio
a reclamante alegar que o artigo 669° assim interpretado deve ter-se por
inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do
direito de recurso a todos os meios de prova tendentes ao exercício do direito.
Uma vez que a reclamante não concretiza em que é que essa violação se traduz, o
tribunal nem sequer está obrigado a conhecer desta questão, já que não cabe aos
tribunais elaborar construções jurídicas teóricas, apenas se ocupando de
questões concretas suscitadas pelas partes.
De todo o modo, sempre se dirá que não se vê em que é que a proibição de
reapreciar questões já suscitadas pelas partes e decididas viola o princípio da
tutela jurídica. Por outro lado, também é perfeitamente descabido afirmar que o
artigo 669° assim interpretado viola o direito de recurso a todos os meios de
prova, já que os meios de prova foram apresentados anteriormente não consagrando
tal norma qualquer direito a apresentação de meios de prova após proferida a
decisão.
É claro que, numa situação como a dos autos, a decisão até poderia estar errada
e nem poderia ser corrigida em via de recurso, uma vez que ele não é admissível.
No entanto, essa é uma situação normal da vida. Atente-se, por exemplo, numa
decisão de um juiz de 1ª instância da qual não cabe recurso em função do valor
da causa.
No caso concreto dos autos, o legislador admitiu apenas o recurso em última
instância para este Tribunal, pelo que a decisão de mérito - aquela que a
reclamante pretende ver modificada - não pode já ser alterada, a não ser nos
casos previstos no artigo 669º, interpretado nos termos em que o foi e que segue
a jurisprudência uniforme do STA. [...]”
5. Desta decisão foi interposto recurso para este Tribunal, através do seguinte
requerimento:
“[...], notificada do acórdão proferido por esse Tribunal em 13 de Janeiro de
2005, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão igualmente prolatado por esse
Tribunal, de 11 de Novembro de 2004, vem daquele interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º
70° da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e art.º 280°, n.º 1, alínea b), da
Constituição da República Portuguesa (CRP), pretendendo a apreciação de
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 669° do Código Processo Civil
no entendimento ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora recorrido,
de 13 de Janeiro de 2005.
O recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma cuja
inconstitucionalidade pretende ver apreciada no articulado em que pediu a
reforma do acórdão proferido pelo Tribunal agora recorrido em 11 de Novembro de
2004.
Conforme alegado nesse articulado, a recorrente entende que a interpretação dada
a essa norma pela decisão agora recorrida viola o direito de acesso aos
tribunais consagrado no art.º 20° da CRP, nas suas dimensões de direito a uma
tutela jurisdicional efectiva e de consideração oficiosa de todos os meios de
prova que estão à disposição do tribunal e ainda de direito a uma decisão
jurisdicional justa proferida segundo o direito que regula a relação jurídica em
que se traduz o litígio decidido pelo tribunal. [...]”.
6. Na sequência, foi proferida pelo Relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do
artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não
conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte relevante, o seu
teor:
“6. Admitido o recurso no Tribunal Central Administrativo Norte, cumpre, antes
de mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que a decisão que o
admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC).
Entende a recorrente que “a interpretação dada a essa norma [ a constante do
artigo 669° do Código Processo Civil] pela decisão agora recorrida viola o
direito de acesso aos tribunais consagrado no art.º 20° da CRP”.
Ora, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o recurso
previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70º da LTC pressupõe, designadamente,
que a recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da
norma - ou interpretação normativa - que pretende ver apreciada, e que, não
obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado - a norma ou interpretação
normativa arguida de inconstitucional -, como ratio decidendi, no julgamento do
caso. Importa, por isso, no presente caso, começar por determinar a exacta
interpretação normativa do artigo 669º cuja inconstitucionalidade foi suscitada
pela recorrente durante o processo para, num segundo momento, verificar se foi
nessa exacta interpretação normativa que aquele preceito foi efectivamente
aplicado, como ratio decidendi.
Vejamos, então.
6.1. Desde logo há que começar por sublinhar que, seguramente, não pretende a
recorrente que o Tribunal Constitucional se envolva na discussão de saber se os
preceitos aplicados pelo acórdão reformando ou o próprio artigo 669º do Código
de Processo Civil foram correcta ou incorrectamente interpretados e aplicados ao
caso concreto. É que, como é sabido, não compete a este Tribunal sindicar a
interpretação e aplicação que a decisão recorrida faz, no caso concreto, do
direito ordinário - na perspectiva de saber se é ou não a melhor interpretação
dos preceitos aplicados - mas apenas decidir se a interpretação normativa desses
preceitos pela qual optou a decisão recorrida é ou não compatível com a
Constituição e, designadamente, com princípios e normas invocados pela
recorrente.
6.2. Por outro lado, parece também evidente que o que vem questionado pela
recorrente não é a dimensão normativa do artigo 669º do Código de Processo Civil
que impede o tribunal recorrido de, fora dos casos nele previstos, nomeadamente
dos casos de “lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou na
qualificação jurídica dos factos”, voltar a apreciar, em sede de pedido de
reforma da decisão, as questões já por si exaustivamente ponderadas e decididas
no acórdão cuja reforma foi requerida. Não só porque, como a recorrente
certamente não desconhecerá, a ser assim colocada a questão de
inconstitucionalidade, não deixaria esta de poder ser qualificada como
manifestamente infundada, mas também porque, a ser essa, precisamente, a
questão, a mesma não poderia deixar de vir igualmente reportada ao artigo 666º
do Código de Processo Civil, na parte em que este estatui que o poder
jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa se esgota com a prolação da
decisão, sob pena de completa inutilidade.
6.3. Afastadas as hipóteses referidas em 6.1. e 6.2., verifica-se que a
recorrente considera ter havido “manifesto lapso na qualificação jurídica dos
factos” e, nesse pressuposto, invoca a inconstitucionalidade ao artigo 669º do
Código de Processo Civil, quando interpretado em termos de, “na extensão [...]
alegada”, não permitir a reforma da sentença. A interpretação normativa do
artigo 669º cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada por
este tribunal é, então, a que considera não haver lugar à reforma da decisão em
caso de lapso manifesto do juiz na determinação da norma aplicável ou na
qualificação jurídica dos factos. Esta é, por conseguinte, a questão de
constitucionalidade que foi colocada no pedido de reforma da sentença, como
resulta, aliás, do teor dessa peça processual, já transcrita e que agora aqui se
recorda, na parte relevante:
“[...] 17º Pe1o que, entende a requerente ter ocorrido manifesto lapso na
qualificação jurídica dos factos, [...].
19° Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite o
conhecimento da questão referida, na extensão ante alegada e que aqui se dá por
inteiramente reproduzida, tal interpretação é manifestamente inconstitucional
por violação do princípio do acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP,
nas suas dimensões de direito a uma tutela jurisdicional efectiva e do direito
ao recurso a todos os meios de prova tendentes ao exercício do direito.
20° Entende, ainda, a ora requerente que o douto acórdão recorrido também
laborou em erro na qualificação jurídica da questão da suspensão do processo de
execução fiscal por virtude da pendência de um processo de revisão.
[...]
23° Sendo certo que, a entender-se que o art.º 669° do CPC, não permite ao
julgador o conhecimento da questão referida, na dimensão alegada, tal
interpretação é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do
acesso aos tribunais disposto no art.º 20 da CRP, na sua dimensão de uma tutela
jurisdicional efectiva e plena do direito. [...]”. (Negrito aditado).
6.4. Ora, colocada a questão nestes termos, a verdade é que, como vai ver-se
sumariamente já de seguida, não foi nessa interpretação normativa que o artigo
669º do Código de Processo Civil foi efectivamente aplicado, como ratio
decidendi, pela decisão recorrida. Com efeito, o que nesta se considerou, em
termos que, como já dissemos, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar,
foi que não teria havido lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou
na qualificação jurídica dos factos, pelo que, nesse pressuposto, não havia
lugar à reforma da decisão. Nesse sentido, lê-se expressamente naquela decisão
“[...] No caso dos autos, o que a reclamante pretende, efectivamente, é que o
Tribunal volte a reapreciar as questões por si já anteriormente suscitadas
decidindo-as em sentido contrário, o que o artigo 669° não consente. O acórdão
debruçou-se detalhadamente sobre as questões suscitadas no recurso e tomou a sua
opção no sentido ali expresso. Por isso, não estamos perante qualquer lapso
manifesto que caiba corrigir”.
6.5. Assim sendo, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do
objecto do recurso, por falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade,
a saber: ter a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, a exacta
interpretação normativa do artigo 669º do CPC cuja constitucionalidade a
recorrente pretendia ver apreciada.”
7. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que a ora reclamante
fundamenta da seguinte forma:
“A - Da preterição do despacho a que se refere o artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da
Lei do Tribunal Constitucional, em relação com o disposto no artigo 78.º-A, n.º
1, do mesmo diploma, no âmbito do Processo Constitucional
[A] 1. A ora Reclamante, notificada do acórdão proferido pelo Tribunal Central
Administrativo Norte, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão prolatado
nesse tribunal, de 11 de Novembro de 2004, veio interpor recurso para este
Tribunal Constitucional, “ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º
70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e art.º 280.º, n.º 1, alínea b), da
Constituição da República Portuguesa (CRP), pretendendo a apreciação de
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 669.º do Código de Processo
Civil no entendimento ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora
recorrido, de 13 de Janeiro de 2005.”
[A] 2 Na douta decisão sumária, aqui em crise, o Meritíssimo Relator, considerou
- e bem... - que a recorrente “não pretende (...) que o Tribunal Constitucional
se envolva na discussão de saber se os preceitos aplicados pelo acórdão
reformando ou o próprio artigo 669.º do Código de Processo Civil foram correcta
ou incorrectamente aplicados ao caso concreto”.
Na verdade, não e configurando entre nós - ao contrário do que sucede com a
Verfassungsbschwerde alemã ou com o recurso de amparo espanhol - o recurso de
constitucionalidade como instância de controlo da bondade da aplicação que os
demais tribunais façam da lei, ao Tribunal Constitucional apenas caberá, como
refere o Relator, “decidir se a interpretação normativa desses preceitos pela
qual optou a decisão. recorrida é ou não compatível com a Constituição”, tendo a
Reclamante, por isso, indicado que pretendia ver apreciada a constitucionalidade
da norma constante do artigo 669. º do Código de Processo Civil no entendimento
ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão recorrido. Longe, portanto, de
pretender sindicar directamente a constitucionalidade da decisão recorrida .
[A]3, Também no juízo manifestado na douta decisão sumária, “parece evidente que
o que vem questionado pela recorrente não é a dimensão normativa do artigo 669.º
do Código de Processo Civil que impede o tribunal recorrido de, fora dos casos
nele previstos, nomeadamente dos casos de “lapso manifesto na determinação da
norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”, voltar a apreciar, em
sede de pedido de reforma da decisão, as questões já por si exaustivamente
ponderadas e decididas no acórdão cuja reforma foi requerida”, uma vez que, a
ser assim, a questão de constitucionalidade “não deixaria de poder ser
qualificada como manifestamente infundada”, Daqui emerge, em rigor, que a
admitir-se ser esta a dimensão normativa que a Reclamante pretendia ver
questionada, a mesma teria de ser qualificada como manifestamente infundada
(quod erat demonstrandum...), o que, em todo caso, envolveria, sempre, no âmbito
desse fundamento material, um juízo que, embora podendo concretizar-se em
decisão sumária ( ex .ví o disposto no artigo 78.º-A,n.º 1, da LTC), teria
subjacente o conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade.
[A]4. Ora, como transparece - e claramente - da douta decisão sumária em crise,
o Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator dá por “afastadas as hipóteses referidas
em 6.1. e 6.2. [aqui mencionadas em [A]2. e [A]3.]”, estribando a ratio
decidendi do juízo reclamado no facto de a decisão recorrida não ter aplicado,
como ratio decidendi a exacta interpretação normativa do artigo 669.º do C PC
cuja constitucionalidade se pretendia ver sindicada. E, em conformidade, “por
falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade” se decidiu “não tomar
conhecimento do objecto do recurso”.
[A]5. Para alcançar tal conclusão, em jeito de tutela substitutiva, o
Meritíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relatar lembrou que a recorrente havia
considerado, no pedido de reforma então deduzido, existir “manifesto lapso na
qualificação jurídica dos factos”, pelo que - mas apenas no juízo do Venerando
Relator -,”a interpretação normativa do artigo 669.º cuja constitucionalidade a
recorrente pretende ver apreciada (...) é, então, a que considera não haver
lugar à reforma da decisão em caso de lapso manifesto do juiz na determinação da
norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”, sendo assim delimitado,
ex officio..., o objecto do recurso de constitucionalidade.
[A]6. Logo, não tendo o tribunal a quo considerado ter existido tal lapso
manifesto...
[A]7. Deixando-se, por ora, de lado o problema da concretização do objecto do
recurso de constitucionalidade ( cfr., infra, o que se alegará em “B. -
Concretização do objecto do recurso: a concreta - e real - dimensão normativa
cuja constitucional idade se pretende ver apreciada”), a Reclamante entende
existir, na presente decisão sumária, uma autêntica contraditio in integrum
entre o pedido constante do requerimento de interposição de recurso e o ( único)
fundamento invocado para se ter decidido não conhecer do seu objecto, potenciado
– rectius, originado – pelo facto de o Meritíssimo Relator ter preterido, em
interpretação conjugada com o artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC- que adiante,
igualmente, se questionará - a realização do despacho a que se referem o artigo
75.º - A, n.ºs 5 e 6, da LTC.
[A]8. Atentem, Venerandos Conselheiros, no seguinte:
[A]9. No seu requerimento de interposição de recurso, a ora Reclamante afirmou
pretender do Tribunal Constitucional “apreciação de inconstitucionalidade da
norma constante do artigo 669.º do Código de Processo Civil no entendimento ou
interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora recorrido, de 13 de Janeiro
de. 2005”. E a presente decisão sumária toma como objecto do recurso, sem que
tal tenha sido definido pela recorrente, uma outra norma - acima referida -, e
fazendo uma insustentável interpretação “correctora” (recte, ab rogante ou
revogatária, para não possa haver confusão com a bem fundada interpretação
correctiva da Interesseniurisprudenz) do pedido da Recorrente, concretiza, ela
mesma, uma dimensão normativa conducente ao não conhecimento do recurso pelo
facto de o tribunal a quo a não ter aplicado como ratio decidendi.
[A]10. Ora, cabendo aos recorrentes a delimitação do objecto do recurso, mal se
compreende tal “tutela de substituição”.
[A]11. Como muito mal se compreende que não tenha havido lugar à prolação de
despacho de aperfeiçoamento, convidando a recorrente para indicar em
concretização a dimensão normativa que pretendia ver sindicada, assim se
evitando que, erradamente, o Tribunal assumisse como objecto do recurso uma
inexacta dimensão normativa.
[A]12. De resto, como se verá, num caso como o presente impunha-se que a tal
despacho houvesse lugar.
[A]13. Como decorre, lapidarmente, da Jurisprudência desse Colendo Tribunal,
entre elas se contando alguns acórdãos relatados pelo Meritíssimo Conselheiro
que proferiu a douta decisão sumária.
[A] 14. Conforme entendimento do Tribunal Constitucional, taxativamente
expresso, inter alia, nos Acórdãos n.ºs 621/03 e 296/04 (dessa mesma 3.ª
Secção):
«Uma decisão sumária é proferida, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º- A da LTC,
entre outros casos, se o relator “ entender que não pode conhecer-se do objecto
do recurso.” E o mesmo sucede, isto é, haverá também lugar a decisão sumária, se
o recorrente, notificado, nos termos dos n.ºs 5 ou 6 do artigo 75°-A da LTC, não
indicar integralmente os elementos exigidos pelos n.ºs 1 a 4 deste mesmo artigo.
A respeito do convite a que se refere o artigo 75°-A da LTC, importa, aliás,
distinguir entre pressupostos de admissibilidade do recurso e requisitos do
requerimento de interposição do recurso. O referido convite visa permitir
previstos naquele artigo, no pressuposto de que tal suprimento é essencial para
que se possa decidir sobre o conhecimento do recurso, não podendo nem devendo
ser utilizado quando, nos termos do artigo 137° do Código de Processo Civil,
configure um acto inútil.(sublinhado aditado ao original)».
[A]15. É certo que, como bem se compreende e se afirma no Acórdão n.º 25/04, “o
convite de aperfeiçoamento previsto no artigo 75°-A n.ºs 5 e 6 da LTC
reporta-se, apenas, aos requisitos do requerimento de interposição de recurso
constantes nos n.ºs 1 a 4 do mesmo artigo e não aos pressupostos processuais do
recurso, como era o caso, e cuja falta é logicamente insusceptível de suprimento
(...), retira[ndo-se] do disposto do n.º 2 do artigo 78°-A é unicamente que, nos
casos em que, depois do convite previsto no artigo 75°-A n.ºs 5 e 6 da LTC,
continue a faltar, no requerimento de interposição de recurso, a indicação dos
elementos exigidos pelos n.ºs 1 a 4 do artigo 75º-A da LTC, deve ser lavrada
decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso. Nada mais do que
isto”.
[A]16. Por isso, como se menciona no Acórdão n.º 296/04, se “a ratio decidendi
da decisão reclamada não se encontra num vício do requerimento de interposição
do recurso, susceptível de ser corrigido na sequência de um despacho de
aperfeiçoamento, mas num vício (...) logicamente insusceptível de ser
ultrapassado pela resposta a um despacho de aperfeiçoamento do requerimento de
interposição do recurso”, a prolação de tal despacho acaba por configurar um
acto inútil, que, como tal, é legalmente inadmissível.
[A] 17. Não será, assim, manifestamente, quando se decide não conhecer do
objecto do recurso com o (único) fundamento constante da decisão sumária em
crise, e se constata, no requerimento de interposição de recurso, a falta de
explicitação da dimensão normativa que se pretende ver sindicada.
A]18. E isto porque, como muitíssimo bem se entendeu no Acórdão n.º 413/03,
relatado pelo Meritíssimo Senhor Juiz Conselheiro que assinou a, sempre douta,
decisão aqui reclamada, ao não ser indicada “a exacta interpretação normativa do
preceito referido que considera inconstitucional, a recorrente coloca ainda o
Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se encontra
preenchido outro dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na
alínea b) do n,º1 do artigo 70º da LTC; ou seja: saber se a decisão recorrida
utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa do artigo” (sem
realçados no original).
[A]19. E de outro modo não poderia ser.
[A]20. Pois, como também já foi explicitado pelo Tribunal Constitucional, no
Acórdão n.º 571/04 (Processo n.º 399/04) - onde, numa hipótese materialmente
análoga à que resulta dos presentes autos, o relator só proferiu decisão sumária
após ter “notificado o recorrente para dar cabal cumprimento ao disposto no
artigo 75º - A, n.º 1, da LTC” e de este, ainda assim, não ter concretizado a
dimensão normativa que pretendia ver sindicada -, há sempre que ter em linha de
conta que “ não é a este Tribunal que cabe a delimitação do objecto do recurso
de constitucionalidade. Essa definição cabe ao recorrente e é imprescindível -
como se reitera no recente Acórdão n .º 342/2003 (inédito) -, quer para
delimitar os poderes de cognição do Tribunal Constitucional, quer para lhe
permitir verificar se estão ou não preenchidos os demais requisitos de
admissibilidade do recurso interposto, sendo que tal ónus não se pode dar por
cumprido quando o Recorrente apenas indica pretender ver fiscalizadas a
“aplicação e interpretação dos artigos (...)”, sem que se concretizem.
minimamente as dimensões normativas relevantes - cf., além da jurisprudência
mencionada na decisão sumária, o já mencionado Acórdão n.º 342/2003, que trata
de uma questão materialmente análoga à que emerge do caso sub judicio -, não
sendo nesta sede- de reclamação da decisão sumária - momento apropriado para
precisar [após ter sido convidado para o efeito, sublinhe-se] o sentido
normativo que o Reclamante pretendia ver sindicado” ( original sem realçados) .
[A]21. Ora, atendendo à natureza e à função do processo constitucional,
instrumento adjectivo da concretização de um verdadeiro Estado de direito
material, numa situação como a dos presentes autos, era fundamental que fosse
dada à Reclamante a possibilidade de “aperfeiçoar” o que plasmou no seu
requerimento de interposição, assim se evitando uma decisão - em vários
sentidos, onerosa para a Reclamante - que, com os contornos supra referidos,
acaba por “concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso, por
falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade, a saber: ter a decisão
recorrida aplicado, como ratio decidendi a exacta interpretação normativa do
artigo 669.º do C PC, cuja constitucionalidade a recorrente pretendia ver
apreciada”, quando consta, do requerimento de interposição do recurso que se
pretendia sindicar “a norma constante do artigo 669.º do Código de Processo
Civil no entendimento ou interpretação dados a essa norma pelo acórdão ora
recorrido”.
[A]22. É que, se é certo que o artigo 75.º-A da LTC não impõe ao Tribunal
Constitucional um dever de colaboração, também não é menos verdade que ele não
pode ser interpretado no sentido de admitir que não haja lugar a “despacho
convite de aperfeiçoamento” quando, em função da resposta a tal, pode o Tribunal
Constitucional ver-se “compelido” a conhecer do objecto do recurso de
constitucionalidade, rectius dito de outro modo, quando o fundamento da decisão
sumária que o Tribunal deixou expresso, deixaria de existir com o suprimento da
insuficiente indicação da dimensão normativa sindicanda.
[A]23. O que, em qualquer circunstância, é potenciado pela natureza do recurso
de constitucionalidade e do direito de acesso ao Tribunal Constitucional para
ver sindicada, sub species constitutionis a bondade material dos critérios
normativos que são aplicados ( ou cuja aplicação é recusada) pelos restantes
tribunais.
[A]24. Recurso que, atento o seu emérito papel, nem sequer está sujeito a
alçada(s), ou a normas limitativas do seu exercício dentro das circunstâncias
constitucionalmente previstas.
[A]25. Em analogia, decerto não totalmente lograda – posto que o recurso de
constitucionalidade não conhece norma idêntica à do artigo 400º do Código de
Processo Penal (no sentido de condicionar o recurso ao sentido da decisão
judicial, claro está) – poderia aqui chamar-se à colação mutatis mutandis, o
regime cristalizado – constitucional, legal e jurisprudencialmente – no seio do
Processo Criminal.
[A]26. E recorde-se, a esse nível, o julgamento de inconstitucionalidade das
normas dos artigos 412.º, n.º 1 e 420.º do Código de Processo Penal quando
interpretadas no sentido de que a falta de concisão das conclusões da motivação
levar à imediata rejeição do recurso sem que previamente seja feito convite ao
recorrente para suprir tal deficiência - normas que foram julgadas
inconstitucionais pelos Acórdãos n.ºs 193/97, 43/99, 417/99, tendo havido com o
Acórdão n.º 337/2000 a correspondente declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral.
[A]27. O mesmo se diga, em lugar paralelo, do entendimento que o Tribunal
Constitucional reservou à interpretação do artigo 412.º, n.º 2, do mesmo
diploma, segundo a qual se atribuía ao deficiente cumprimento dos ónus que nele
se prevêem o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja
facultada oportunidade processual de suprir o vício detectado: também julgada
inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 288/2000, 388/2001, 401/2001 e 192/2002; e,
posteriormente, declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo
Acórdão n.º 320/2002.
[A]28. Ora, tudo visto, acredita a Reclamante que, nesta sede, se retomará a
jurisprudência do Tribunal Constitucional – aí incluídos alguns a restos
prolatados pelo Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator- deferindo-se a presente
reclamação.
[A]29. Caso contrário, a entender o Tribunal Constitucional que a norma
conjugada dos artigos 78,º-A, n.º1, e 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da L TC suporta uma
interpretação segundo a qual se admite que seja proferida decisão sumária de não
conhecimento com fundamento em a norma não ter constituído ratio decidendi da
decisão recorrida, sem que - havendo o recorrente indicado pretender ver
apreciada a norma na interpretação assumida como fundamento normativo por parte
da decisão recorrida – seja proferido despacho convite para que o recorrente
defina o objecto do recurso, concretizando a norma cuja constitucionalidade
pretende ver sindicada, sempre constituirá um critério normativo eivado de
inconstitucionalidade porque claramente violador do disposto no artigo 20.º da
CRP em relação com o artigo 280.º da CRP.
[A]30. Inconstitucionalidade essa que, para os devidos efeitos, aqui se suscita.
[A]31. E que se refere, em jeito de “recurso de constitucionalidade”, à decisão
sumaria reclamada, com a sua fundamentação própria, pretendendo assim a
Reclamante, ad cautelam, prevenir-se quanto a uma - outra - fundamentação a
posteriori e ficcionadamente retroagida, como acréscimo, ao que então se decidiu
sumariamente.
[A]32. Pois também um critério normativo que, em face de recurso ou reclamação,
permitisse aos Tribunais fazer incorporar , em termos práticos, numa concreta
decisão, uma argumentação diferenciada da que daí consta, acrescentando, a
posteriori elementos decisórios inovadores, seria inconstitucional por violação
do princípio da certeza ou segurança jurídica, acolhido numa dimensão
material-substantiva do Estado de Direito Democrático, e, em rigor, do dever de
fundamentação estabilizada das decisões judiciais.
[A]33. E, note-se, tal exigência é, no seio do recurso de constitucionalidade,
absolutamente fundamental e imprescindível para a concreta sindicância da
constitucionalidade das normas na dimensão em que foram aplicadas pelas decisões
recorridas.
[A]34. Designadamente, e no que tange apenas e só com a inconstitucionalidade
supra suscitada no ponto A29. - i. é, independentemente de se encontrar uma
outra ratio decidendi que possa determinar o não conhecimento do objecto do
recurso -, mal seria que o Tribunal Constitucional, viesse em resposta a tal
questão, fazer uma insólita interpretação “correctora” e “psicologicamente”
subjectivista do decidido.
[A]35. É que, para efeitos da consideração de tal problema de
constitucionalidade, a decisão sumária, mais não é do que uma típica decisão
recorrida e, como tal, estabilizada na forma como aplicou os preceitos cuja
constitucionalidade se vê aqui sindicada.
“B. - Concretização do objecto do recurso: o(s) concreto(s) – e reais –
segmento(s) normativo(s) cuja constituciona1idade se pretende ver apreciada”.
[B]36. A Reclamante, como já anteriormente manifestou, entende, com base nas
mais elementares razões de boa (ou tão-só razoável...) aplicação jurídica - que,
infelizmente, o Tribunal Constitucional, atendendo à sua competência cognitiva,
não pode avaliar/sindicar - que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo
Norte de 11 de Novembro de 2004 erra manifestamente na determinação do sentido
jurídico-normativo da norma aplicável à factualidade então sub judice.
[B]37. E, por isso, requereu, com fundamento no disposto no artigo 669.º do
Código de Processo Civil, a reforma da decisão em crise,
[B]38. louvando a sua fundamentação na existência de erro manifesto nos termos
já referidos.
[B)39. Aí suscitou um problema de inconstitucionalidade normativa recortado em
torno de um critério normativo que impedisse a reforma de uma decisão errada.
Ou,
[B]40. mais precisamente, por outras palavras, aí suscitou a
inconstitucionalidade da norma do artigo 669.º do Código de Processo Civil
quando interpretado no sentido de que o erro de julgamento de que o tribunal
possa tomar consciência a quando da reclamação ou do pedido de reforma ( que, no
juízo da ora Reclamante, é até bem patente e grave) não constitui fundamento de
reforma de uma decisão jurisdicional.
[B]41. Ou seja, a Reclamante pretendia aí acautelar uma interpretação do
preceito - que veio efectivamente a ser sufragada pelo Tribunal - nos termos da
qual muito embora o tribunal se apercebesse da existência de um erro (até
manifesto) de julgamento viesse, no entanto, a considerar que não poderia
reformar a decisão.
[B]42. Contudo, além de não ter tido êxito junto do tribunal a quo no
acolhimento da sua pretensão relativa ao fundo da causa, a Reclamante foi ainda
surpreendida com o insólito entendimento do preceito do art.º 669°, n.º 2, do
CPC, nos termos do qual “numa situação como a dos autos, a decisão até poderia
estar errada e nem poderia ser corrigida em vias de recurso (quis dizer-se em
vias de reclamação), uma vez que ele (recurso) não é admissível. No entanto,
essa é uma situação normal da vida”.
[43] É um tal entendimento normativo cuja conformidade com a Lei Fundamental,
por violação do direito constitucional do acesso aos tribunais e ao recurso
consagrado no art.º 20° da CRP, a Reclamante pretende ver apreciada.
[44] E não se diga que esse critério não foi fundamento normativo - para daí
tirar a conclusão de que ele não pode ser objecto do recurso de
constitucionalidade -, chamando-se em apoio até o uso de uma expressão em
condicional- “poderia estar errada”.
[ 45] Tal posição só poderá ser tomada isolando esse termo verbal relativamente
ao princípio que o julgador em verdade adoptou e é por demais evidente que é o
seguinte: de acordo com o disposto no art.º 669°, n.º 2, do CPC, pode o tribunal
admitir que a sua decisão anterior até esteja errada; mesmo que o esteja, não
está ele obrigado a alterá-la por via da reclamação nele prevista.
[46] Uma norma destas constitui uma negação do direito à justiça e por isso se
pretende que seja analisada pelo Tribunal Constitucional.
[47] Imagine-se o descrédito que ela induz para os cidadãos no seu sistema de
justiça: equivale a dizer que o tribunal mesmo com dúvidas quanto ao direito
lhes pode negar a aplicação desse direito.
É demais!.........
[48] Não se diga que uma tal dimensão normativa não corresponde exactamente à
dimensão do art.º 669°, n.º 2, do CPC, cuja inconstitucionalidade foi suscitada
no requerimento de pedido de reforma e por esta via não se admita o recurso.
[49] A entender-se que uma tal hipótese se verifica, não poderá deixar de
entender-se também que esse outro sentido aplicado pelo tribunal a quo seria
então totalmente imprevisível e inesperado - uma interpretação insólita - e como
tal sempre se terá de considerar estar a reclamante dispensada do ónus da sua
suscitação, de acordo com a jurisprudência constante e uniforme do Tribunal
Constitucional.
[50] Termos em que se requer que seja esta reclamação atendida e ordenado o
prosseguimento do recurso.”
8. Notificada para responder, querendo, à reclamação, a recorrida sustentou que
a reclamação deveria “ser desatendida, não se conhecendo do objecto do recurso.”
Cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
9. Na decisão sumária ora reclamada, foi julgado não ser possível conhecer do
objecto do recurso de constitucionalidade interposto, por falta de um dos
pressupostos legais de admissibilidade, a saber: ter a decisão recorrida
aplicado, como ratio decidendi, a exacta interpretação normativa do artigo 669º
do CPC cuja constitucionalidade a ora reclamante pretendia ver apreciada.
10. A ora reclamante vem contestar tal decisão, invocando, no essencial, que:
a) dado o teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal por
ela apresentado, deveria ter “havido lugar à prolação de despacho de
aperfeiçoamento, convidando a recorrente para indicar em concretização a
dimensão normativa que pretendia ver sindicada”;
b) “a entender o Tribunal Constitucional que a norma conjugada dos artigos
78,º-A, n.º1, e 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC suporta uma interpretação segundo a
qual se admite que seja proferida decisão sumária de não conhecimento com
fundamento em a norma não ter constituído ratio decidendi da decisão recorrida,
sem que - havendo o recorrente indicado pretender ver apreciada a norma na
interpretação assumida como fundamento normativo por parte da decisão recorrida
– seja proferido despacho convite para que o recorrente defina o objecto do
recurso, concretizando a norma cuja constitucionalidade pretende ver sindicada,
sempre constituirá um critério normativo eivado de inconstitucionalidade porque
claramente violador do disposto no artigo 20.º da CRP em relação com o artigo
280.º da CRP”;
c) foi “surpreendida com o insólito entendimento do preceito do art.º 669°, n.º
2, do CPC, nos termos do qual «numa situação como a dos autos, a decisão até
poderia estar errada e nem poderia ser corrigida em vias de recurso (quis
dizer-se em vias de reclamação), uma vez que ele (recurso) não é admissível. No
entanto, essa é uma situação normal da vida»”, “cuja conformidade com a Lei
Fundamental, por violação do direito constitucional do acesso aos tribunais e ao
recurso consagrado no art.º 20° da CRP, [...] pretende ver apreciada”,
dispensada que estaria “do ónus da sua suscitação”, por tal entendimento ser
“totalmente imprevisível e inesperado”.
Vejamos se tem razão.
10.1. A presente reclamação, não obstante as “considerações, doutamente
tecidas”, assenta, porém, por completo, num pressuposto claramente errado: o de
que, no caso concreto, deveria ter havido lugar à prolação de despacho de
aperfeiçoamento, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal
Constitucional (LTC).
Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – o
interposto pela ora reclamante -, porque de recurso se trata, pressupõe,
designadamente, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de modo
processualmente adequado, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica
- ou de uma sua dimensão normativa e que, não obstante, a decisão recorrida a
tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso.
O convite previsto no n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, como aliás ressalta da
jurisprudência deste Tribunal, nomeadamente do acórdão n.º 296/2004, citado pela
ora reclamante, visa permitir que um recorrente de boa fé, não tendo dado
cumprimento, desde logo, como devia, à exigência, contida no artigo 75º-A da
LTC, de indicação dos elementos previstos nos n.ºs 1 a 4 do mesmo artigo, venha
suprir tal falta. Ponto essencial, como facilmente se compreenderá – é,
portanto, que se verifique a situação prevista no n.º 5 do referido artigo
75º-A, isto é que “o requerimento de recurso não indi[que] algum dos elementos
previstos no presente artigo”. Sendo ainda certo que o convite só será efectuado
no pressuposto de que tal suprimento é essencial para que se possa decidir sobre
o conhecimento do recurso, não devendo nem podendo ser utilizado quando, nos
termos do artigo 137º do Código de Processo Civil, configure um acto inútil.
Ora, como é patente, não é essa a situação dos autos, ao contrário do que a ora
reclamante, contra si própria errada e surpreendentemente pleiteando, pretende
agora fazer crer. De facto, o recurso foi interposto por meio de requerimento,
no qual a ora reclamante indicou expressamente a alínea do n.º 1 do artigo 70º
da LTC ao abrigo da qual o recurso era interposto, a norma cuja
inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal apreciasse, a norma
constitucional que entendia violada, a peça processual em que suscitara a
questão de inconstitucionalidade, bem como, por remissão para esta última peça,
a exacta identificação da dimensão normativa que pretendia ver apreciada. Foram,
assim, indicados pela ora reclamante todos os elementos exigidos pelo disposto
nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º - A da LTC, não existindo, ao contrário do que é
pressuposto pela sua argumentação, qualquer insuficiente indicação da dimensão
normativa sindicanda, pelo que, não se encontrando preenchida a previsão do n.º
5 do mesmo dispositivo, nunca poderia haver lugar à prolação do despacho-convite
previsto no n.º 6 daquele mesmo artigo, uma vez que nada havia a aperfeiçoar.
Não existe, portanto, na decisão sumária, como do seu próprio teor claramente
decorre, qualquer contradição, não foi efectuada qualquer interpretação
“correctora” do pedido da ora reclamante, não houve qualquer actuação “em jeito
de tutela substitutiva”, nem tão pouco se assumiu erradamente, como objecto do
recurso, uma qualquer “inexacta dimensão normativa”, que, aliás, não poderia ser
objecto de conhecimento por parte deste Tribunal, uma vez que não fora
efectivamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida. Na referida decisão sumária constatou-se, pura
e simplesmente, que a exacta dimensão normativa do artigo 669º do Código de
Processo Civil, questionada pela ora reclamante, tal como tinha sido por ela
delimitada, não foi aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida, o que,
como é pacífico, inviabiliza o conhecimento do objecto do recurso interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Nada mais!
Improcedem, assim, todos os argumentos da reclamante quanto à alegada
“preterição do despacho a que se refere o artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da Lei do
Tribunal Constitucional”.
10.2. Partindo do pressuposto, errado como se viu, de que, no caso concreto,
deveria ter havido lugar à prolação de despacho de aperfeiçoamento, suscita a
ora reclamante uma questão de inconstitucionalidade reportada a uma alegada
eventual interpretação, a efectuar pelo Tribunal Constitucional, da norma
conjugada dos artigos 78,º-A, n.º1, e 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC, segundo a qual
se admitiria que fosse proferida decisão sumária de não conhecimento, com
fundamento no facto de a norma não ter constituído ratio decidendi da decisão
recorrida, sem que fosse efectuado “convite para que o recorrente defina o
objecto do recurso”.
Ora, entendendo o Tribunal Constitucional, como resulta indiscutivelmente do
atrás exposto, nomeadamente do que já se dissera na decisão sumária, e sem fazer
qualquer “insólita interpretação «correctora» e «psicologicamente» subjectivista
do decidido”, que o objecto do recurso estava, desde início, inequivocamente
definido e delimitado pela ora reclamante, não está em causa a suposta
interpretação que esta pretenderia questionar, pelo que está vedado a este
Tribunal pronunciar-se sobre uma tal eventualidade, no caso concreto, puramente
académica.
10.3. Invoca ainda a ora reclamante que, tendo suscitado a inconstitucionalidade
de uma determinada dimensão normativa do artigo 669.º do Código de Processo
Civil – aquela que, como sobejamente se demonstrou na decisão ora reclamada, não
constituiu ratio decidendi da decisão recorrida -, foi “surpreendida com o
insólito entendimento do preceito do art.º 669°, n.º 2, do CPC, nos termos do
qual «numa situação como a dos autos, a decisão até poderia estar errada e nem
poderia ser corrigida em vias de recurso (quis dizer-se em vias de reclamação),
uma vez que ele (recurso) não é admissível. No entanto, essa é uma situação
normal da vida»”. Entendimento que, por ser “totalmente imprevisível e
inesperado” a dispensaria “do ónus da sua suscitação” e “cuja conformidade com a
Lei Fundamental, por violação do direito constitucional do acesso aos tribunais
e ao recurso consagrado no art.º 20° da CRP”, pretende, agora, proferida que
está a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, ver apreciada.
Em relação a este ponto apenas se dirá que, ainda que se aceite que uma
interpretação normativa inteiramente insólita e totalmente imprevisível e
inesperada possa, excepcionalmente, dispensar a recorrente do ónus de suscitar,
de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, a inconstitucionalidade de uma tal interpretação, não fica aquela,
todavia, dispensada de, no requerimento de interposição do recurso - que fixa o
objecto do mesmo -, invocar precisamente esse facto. Ora, não foi isso que
aconteceu nos presentes autos. Na verdade, aqui, o que se passou foi que a ora
reclamante, no requerimento de interposição do recurso, nada achou de insólito,
imprevisível ou inesperado, de tal modo que identificou claramente a peça
processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver
apreciada, o que, por si só, é incompatível com a invocação da existência de uma
“decisão-surpresa”, no sentido que este Tribunal lhe tem atribuído.
Ora, como o Tribunal tem repetidamente afirmado, fixado o objecto do recurso,
não pode a recorrente, em qualquer peça processual subsequente, ampliar esse
objecto [cfr. nesse sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 366/96
(Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996), 324/99 (Diário da
República, II Série, de 25 de Outubro de 1999), ou, mais recentemente, o Acórdão
n.º 286/00 (disponível na página Internet do Tribunal Constitucional no endereço
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/)], pelo que não pode o
Tribunal conhecer da alegada inconstitucionalidade.
Acresce que, em qualquer caso, ainda que se admitisse que o entendimento do n.º
2 do artigo 669º do Código de Processo Civil – resultante de uma modificação
deliberadamente operada pela ora reclamante sobre o texto do acórdão recorrido
–, cuja inconstitucionalidade é agora suscitada, fosse diverso daquele
entendimento que já foi objecto de apreciação na decisão sumária reclamada, que
tal entendimento pudesse ser tido como insólito, totalmente imprevisível e
inesperado e ainda que tal inconstitucionalidade tivesse sido atempadamente
questionada, o facto é que bastaria ler com mediana atenção o acórdão recorrido
para verificar que também este entendimento daquela norma não constituiu razão
de decidir do acórdão.
Com efeito, para o Tribunal Central Administrativo Norte, “não estamos perante
qualquer lapso manifesto que caiba corrigir”, pelo que, “deste modo, não pode
ser atendida a reclamação”. Ou seja, para o Tribunal Central Administrativo
Norte, na sequência de jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal
Administrativo, a decisão de mérito só pode ser alterada “nos casos previstos no
artigo 669º, interpretado nos termos em que o foi”, isto é quando há erro
manifesto, o que não era o caso nos autos. Não entendeu, ao contrário do que
pretende a ora reclamante, que, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 669°
do Código de Processo Civil, pode o tribunal admitir que a sua decisão anterior
esteja – como ela considera – manifestamente errada, sem que seja obrigado a
alterá-la por via da reclamação prevista naquele artigo. Aliás, a frase agora
citada pela ora reclamante, que, além do mais, nem sequer tem o sentido que esta
- substituindo a palavra recurso por reclamação - lhe pretende atribuir, nada
mais é do que um “obiter dictum”. Expresso, outrossim, na sequência da afirmação
de que “uma vez que a reclamante não concretiza em que é que essa violação se
traduz, o tribunal nem sequer está obrigado a conhecer desta questão, já que não
cabe aos tribunais elaborar construções jurídicas teóricas”.
Também por este motivo não seria possível a este Tribunal conhecer de tal
questão.
10.4 Por último, refira-se apenas que, precavendo a possibilidade de o Tribunal
Constitucional vir a utilizar, no julgamento da reclamação, um fundamento
diferente do que constituiu a ratio decidendi da decisão sumária reclamada,
suscita a ora reclamante, ad cautelam, a inconstitucionalidade de “um critério
normativo que, em face de recurso ou reclamação, permitisse aos Tribunais fazer
incorporar, em termos práticos, numa concreta decisão, uma argumentação
diferenciada da que daí consta, acrescentando, a posteriori, elementos
decisórios inovadores”, por alegada violação do “princípio da certeza ou
segurança jurídica, acolhido numa dimensão material-substantiva do Estado de
Direito Democrático, e, em rigor, do dever de fundamentação estabilizada das
decisões judiciais”.
Ora, independentemente de qualquer consideração sobre a bondade da tese
sustentada pela ora reclamante, o facto é que, também neste ponto, não está
colocada qualquer questão de constitucionalidade de que este tribunal deva
conhecer, no contexto da presente reclamação. E, desde logo, pela óbvia razão de
que a tal eventualidade, ad cautelam antecipada pela ora reclamante, se não
confirma, uma vez que a presente decisão subscreve, na íntegra, a fundamentação
que já havia constituído ratio decidendi da decisão sumária reclamada para
concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso que a mesma
pretendeu interpor. O que agora aqui se acrescentou, além da reiteração daquela
fundamentação, mais não constitui do que um esforço para não deixar sem resposta
- até para que a presente decisão não possa ser acusada de omissão de pronúncia
- nenhuma das diversas questões suscitadas - algumas delas, como a das eventuais
inconstitucionalidades ou do carácter insólito de determinadas interpretações,
pela primeira vez - pela ora reclamante na sua reclamação.
11. Pelo exposto e, no essencial, pelas razões já constantes da decisão
reclamada – que, como se demonstrou, mantêm inteira validade, em nada sendo
abaladas pela reclamação apresentada - é efectivamente de não conhecer do
objecto do recurso que a ora reclamante pretendeu interpor.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se a
decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 20 de Abril de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício