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Processo n.º 238/04
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O Ministério Público interpôs recurso, ao abrigo da alínea a) do
n.º 1 do artigo 70.º e com a legitimidade conferida pela alínea a) do n.º 1 do
artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 25 de Novembro (LTC), da decisão do Tribunal
Judicial da Comarca das Caldas da Rainha que desaplicou, por considerá-la
inconstitucional, a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da
Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-Lei 314/78, de 27 de
Outubro (diploma alterado, por último, pelas Leis n.ºs 133/99, de 28 de Agosto,
147/99, de 1 de Setembro, 166/99, de 14 de Setembro e 31/2003, de 22 de Agosto).
A decisão recorrida foi proferida num processo por incumprimento do
acordo de regulação do exercício do poder paternal, em que é requerente A. e
requerido B.. O Ministério Público promoveu que se procedesse à adjudicação da
quantia de €100 na pensão social recebida pelo requerido, para pagamento das
mensalidades de alimentos vencidas e vincendas (sendo €25 mensais para imputação
nas primeiras e €75 no mais), o que foi indeferido pela decisão recorrida, com a
seguinte fundamentação:
“Analisados os elementos documentais juntos, as declarações da progenitora e o
processado da acção principal, importa reter os seguintes factos com interesse
para a decisão do incidente:
1) Por sentença homologatória proferida em 21 de Outubro de 1998 o exercício do
poder paternal das menores C. e D. foi atribuído à respectiva mãe.
2) Nos termos da mesma sentença, o progenitor ficou obrigado ao pagamento da
quantia de Esc. 15.000$00 mensais a título de alimentos para as menores.
3) O requerido nunca cumpriu essa obrigação, encontrando-se em dívida a quantia
de Euros 4.190.
4) O requerido é toxicodependente e o seu paradeiro é desconhecido.
5) Não exerce qualquer actividade remunerada.
6) Tem como único rendimento conhecido uma pensão por invalidez atribuída pelo
Centro Nacional de Pensões no valor de Euros 189,54 mensais.
7) As menores integram o agregado familiar da mãe, composto, além desta, pelo
actual marido da mesma.
[ ...]
No caso, o requerido aufere uma pensão de invalidez no valor mensal de Euros
189,54. Tal significa que, uma vez operada a adjudicação pretendida – que visa,
a um tempo, a cobrança das prestações vencidas e o pagamento das vincendas esse
rendimento reduzir-se-á a Euros 89,54.
O requerido não tem outros proventos conhecidos e a natureza da pensão que lhe é
atribuída inculca, razoavelmente, a conclusão de que na base dessa concessão
estão motivos de estrita necessidade económica,
Essas considerações remetem-nos directamente para o princípio da dignidade da
pessoa, estruturante da nossa ordem constitucional (art.º 1º, da Constituição da
República Portuguesa).
[ … ]
Na situação vertente, o conflito de direitos para que remete este raciocínio [ a
decisão refere-se ao acórdão n.º 177/02 deste Tribunal] dá-se entre direitos de
igual valia. Com efeito, a dignidade da pessoa do requerido enfrenta a não menos
importante dignidade da pessoa das suas filhas, com a agravante de que a
condição de crianças destas lhes confere uma tutela especial, desde logo, com
consagração constitucional [art.º 69°, n° 1, da Constituição da República
Portuguesa].
Pese embora essa asserção (a da especial protecção das crianças) não se crê que,
no caso concreto, a solução seja a adjudicação das pensões requerida.
De igual modo, não será, sequer, possível fazer ceder ambos os direitos em
confronto por aplicação da previsão do art.º 335°, n° 1, do Código Civil.
Com efeito, a pensão social recebida pelo requerido é por tal forma escassa
(representa 53,15% do salário mínimo nacional) que mesmo a adjudicação do
necessário ao pagamento das prestações de alimentos vincendas colocaria em
iminente risco a sua subsistência.
Aliás, nem se crê que no actual sistema de protecção dos alimentos devidos a
menores seja necessário fazer actuar, de forma tão violenta, os princípios da
prioridade e intangibilidade do crédito alimentício,
Referimo-nos à tutela especial dispensada pela Lei n° 75/98, de 19 de Novembro,
a permitir que o Estado, através de fundo especificamente vocacionado para o
efeito, assegure, como garante, aquilo que o progenitor obrigado a alimentos não
pode assegurar.
Tal equivale a concluir que numa visão integrada do art.º 189°, da Organização
Tutelar de Menores, dos princípios constitucionais acima referidos e do referido
sistema de garantia, aquela primeira norma, por não definir qualquer base mínima
da pensão social que possa ser afectada, afronta directamente a dignidade da
pessoa humana.
Noutra formulação – quando o art.º 189°, da Organização Tutelar de Menores
permite, sem qualquer limite, que uma pensão social seja afecta ao pagamento da
obrigação de alimentos, põe em causa a ordem constitucional portuguesa, o que
não pode passar sem adequada decisão do julgador do caso concreto.
Tais as razões pelas quais, nos termos das disposições citadas e do preceituado
no art.º 280°, n° 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, se
recusa a aplicação ao caso sub judice do disposto na alínea c), do n.º 1, do
art.º 189°, da Organização Tutelar de Menores e, nessa conformidade, se indefere
o requerido pelo Ministério Público”.
2. No Tribunal Constitucional (artigo 79.º da LTC), o Ex.mo
Procurador-Geral Adjunto alegou e conclui nos seguintes termos:
“1- A doutrina formulada no Acórdão n.º 177/02 deve ser transporta do âmbito dos
limites à penhorabilidade de pensões ou prestações sociais para o plano do
eventual limite à adjudicação de rendimentos, com vista à satisfação de
obrigação alimentar – não podendo tal adjudicação privar o devedor de alimentos
da disponibilidade da quantia – inferior ao salário mínimo nacional – essencial
à sua própria sobrevivência.
2- É inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, a
interpretação normativa do artigo 189º, n.º 1, alínea c), da Organização Tutelar
de Menores que legitima a adjudicação, para satisfação de alimentos a filho
menor, de uma parcela equivalente a mais de metade de uma pensão social de
invalidez, auferida pelo progenitor, que não é titular de outros bens ou
rendimentos, e cujo valor global representa 53,15% do salário mínimo nacional.
3- Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante
da decisão recorrida.”
Não houve contra-alegações.
3. O preceito em que se insere a norma impugnada dispõe o seguinte:
“Artigo 189.º
( Meios de tornar efectiva a prestação de alimentos)
1 – Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as
quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o
seguinte:
a) ...
b) ...
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões,
percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos
semelhantes, a dedução será feita nesses prestações, quando tiverem de ser pagas
ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e
ficando os notificados na situação de fiéis depositários
2 – As quantias deduzidas abrangerão também os alimentos quer se forem vencendo
e serão directamente entregues a quem deva recebê-las.”
Agrupam-se nesta alínea c) rendimentos de várias proveniências e
títulos de atribuição. O que no processo está em causa é o segmento respeitante
à dedução em pensões sociais, mais rigorosamente, na pensão de invalidez.
A decisão recorrida recusou aplicação a esta norma, com fundamento
em inconstitucionalidade por violação do princípio da dignidade da pessoa
humana, “por não definir qualquer base mínima da pensão social que possa ser
afectada” ou, noutra formulação, “quando … permite, sem qualquer limite, que uma
pensão social seja afecta ao pagamento da obrigação de alimentos”. Inserindo
esta formulação no contexto aplicativo e de fundamentação de que emerge,
conclui-se que a norma foi considerada inconstitucional na interpretação de que
obriga sempre à adjudicação de uma parcela da pensão social auferida pelo
progenitor à satisfação dos alimentos devidos ao filho menor, não permitindo a
isenção, ainda que o montante da pensão seja de tal forma reduzido que a
privação dessa parcela coloque em risco a subsistência condigna do pensionista
devedor.
Não cabe nos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, num
recurso de fiscalização concreta incidindo sobre uma norma relativamente à qual
não se desenha uma interpretação alternativa pacífica e imediatamente evidente
que não colida com a Constituição, dizer se o direito ordinário poderia ser
interpretado e aplicado de outro modo pelo tribunal da causa, por forma a
permitir ao juiz a ponderação concreta das circunstâncias do caso e alcançar,
por uma via com maior economia sistémica, precisamente o mesmo efeito prático
que na decisão recorrida se obteve mediante o juízo de desaplicação agora posto
em exame.
3. Como a decisão recorrida e, mais pormenorizadamente, as alegações
do Ministério Público dão conta, nos seus contornos gerais, a questão não é nova
para o Tribunal Constitucional. O Tribunal já foi chamado a apreciar a
constitucionalidade de normas que permitem a penhora de rendimentos provenientes
de pensões sociais ou rendimentos do trabalho de montante não superior ao
salário mínimo nacional.
Com efeito
- Pelo acórdão n.º 177/2002, publicado no Diário da República, I
Série-A, de 2 de Julho de 2002, na sequência de decisões tomadas em processos de
fiscalização concreta, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b)
do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que
permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não
é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida
exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja
superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade
humana, contido no princípio do Estado de Direito, e que resulta das disposições
conjugadas do artigo 1.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n.ºs 1 e 3
do artigo 63.º da Constituição.
- Pelo acórdão n.º 96/2004, em processo de fiscalização concreta ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o Tribunal julgou
inconstitucional, sempre por violação do princípio da dignidade da pessoa
humana, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e no
n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil (na redacção emergente da
reforma de 1995/96), na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário
do executado, que não seja titular de outros bens penhoráveis suficientes para
satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que priva o executado da
disponibilidade de rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional.
Tem ainda interesse lembrar que, pelo acórdão n.º 62/02 (Diário da
República, II Série, de 11 de Março de 2001), se decidiu “julgar
inconstitucionais, por violação do princípio da Dignidade Humana contido no
princípio do Estado de Direito, tal como resulta das disposições conjugadas dos
artigos 1.º e 63.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, os artigos 821.º,
n.º 1 e 824.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil, na
interpretação segundo a qual são penhoráveis as quantias percebidas a título de
rendimento mínimo garantido”. Também neste acórdão se entendeu que, “conforme
resulta dos citados Acórdãos n.ºs 349/91 e 411/93, o que é relevante, no
confronto com os artigos 13.º e 62.º da Constituição, para concluir pela
legitimidade constitucional da impenhorabilidade é a circunstância de a
prestação de segurança social em causa não exceder o mínimo adequado e
necessário a uma sobrevivência condigna”.
4. Diversamente daquelas que foram objecto da jurisprudência acabada
de referir, a norma que agora está em apreciação não respeita a um acto de
penhora, em sentido próprio (artigos 821.º e ss. do CPC). Visa a realização
coactiva da prestação de alimentos a menor, através de um procedimento executivo
sumário (frequentemente denominado pré-executivo), ou seja, sem instauração de
uma acção executiva e, portanto, sem as formalidades da penhora e no qual o
montante deduzido no rendimento do devedor é adjudicado ao credor peticionante
sem chamamento dos credores concorrentes. Todavia, para a questão de
constitucionalidade colocada, a diversa natureza do acto judicial é irrelevante.
O que conta é tratar-se de uma providência judicial de apreensão e afectação de
certa parcela de rendimentos periódicos daquela natureza (pensões sociais ou
retribuição do trabalho por conta de outrem) à satisfação coerciva de dívidas do
seu titular, com a consequente possibilidade de a diminuição do respectivo
rendimento disponível lhe não permitir a satisfação das necessidades básicas em
termos compatíveis com a dignidade da pessoa humana. Até aqui, há identidade
problemática entre as deduções no incidente de execução por alimentos devidos a
menores, previsto no artigo 189.º da OTM, e a penhora em pensões ou salários.
Sendo com a norma apreciada no acórdão n.º 177/2002 que, atendendo
à natureza do rendimento (pensão social), a norma agora em causa tem maior
afinidade, importa começar por recordar a análise que justificou a declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral a que o Tribunal aí chegou.
Aliás, foi na sua doutrina que a decisão recorrida expressamente se apoiou,
embora reconhecendo que ela não seria directamente transponível para o caso.
Nesse acórdão, o Tribunal começou por reconhecer a existência de uma
colisão ou conflito de dois direitos fundamentais. Por um lado, o credor goza de
um direito à satisfação do seu crédito, podendo chegar à sua realização
executiva à custa do património do devedor, sendo tal direito, enquanto direito
de conteúdo patrimonial, tutelado pelo artigo 62.º, n.º 1 da Constituição
(garantia da propriedade privada). Por outro, o artigo 63.º da Constituição
reconhece a todos os cidadãos um direito à segurança social que, nos termos do
n.º 3, “protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade,
bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de
meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”. Considerou-se que este
preceito constitucional, “como se escreveu no Acórdão n.º 349/91 (in Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 19.º Vol., pág. 515) “poderá, desde logo, ser
interpretado como garantindo a todo o cidadão a percepção de uma prestação
proveniente do sistema de segurança social que lhe possibilite uma subsistência
condigna em todas as situações de doença, velhice ou outras semelhantes. Mas
ainda que não possa ver-se garantido no artigo 63.º da Lei Fundamental um
direito a um mínimo de sobrevivência, é seguro que este direito há-de extrair-se
do princípio da dignidade da pessoa humana condensado no artigo 1.º da
Constituição” (cf. Acórdão n.º 232/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional,
19 º Vol., pág.341)”.
Ponderou-se, depois, que existindo o referido conflito, “o
legislador não pode deixar de garantir a tutela do valor supremo da dignidade da
pessoa humana – vector axiológico estrutural da própria Constituição –
sacrificando o direito do credor na parte que for absolutamente necessária – e
que pode ir até à totalidade desse direito – por forma a não deixar que o
pagamento ao credor decorra o aniquilamento da mera subsistência do devedor e
pensionista. Essencial se torna, pois, a realização de um balanceamento, da
utilização de uma adequada proporção na repartição “dos custos do conflito” (cf.
J.C.Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976, Almedina, 1987, pág. 233). Em consequência, será constitucionalmente
aceitável o sacrifício do direito do credor, se o mesmo for necessário e
adequado à garantia do direito à existência do devedor com um mínimo de
dignidade”.
Seguidamente, o Tribunal enfrentou o problema de a norma aí em
apreciação admitir a penhora até 1/3 dos salários auferidos pelo executado,
mesmo de salários não superiores ao salário mínimo nacional, tal como admite a
penhora de idêntica parte das prestações periódicas recebidas a título de pensão
de aposentação ou pensão social, sem qualquer limitação expressa decorrente do
respectivo montante, reiterando a seguinte ponderação:
“Porém, assim como o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a
remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades
impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido
como o ‘mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer
que seja o motivo, assim também, uma pensão por invalidez, doença, velhice ou
viuvez, cujo montante não seja superior ao salário mínimo nacional não pode
deixar de conter em si a ideia de que a sua atribuição corresponde ao montante
mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do respectivo
beneficiário.
Em tais hipóteses, o encurtamento através da penhora, mesmo de uma parte dessas
pensões – parte essa que em outras circunstâncias seria perfeitamente razoável,
como no caso de pensões de valor bem acima do salário mínimo nacional –,
constitui um sacrifício excessivo e desproporcionado do direito do devedor e
pensionista, na medida em que este vê o seu nível de subsistência básico descer
abaixo do mínimo considerado necessário para uma existência com a dignidade
humana que a Constituição garante.
Nestes termos, considera-se que a norma do artigo 824º, nºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil, na medida em que permite a penhora até 1/3 quer de vencimentos
ou salários auferidos pelo executado, quando estes são de valor não superior ao
salário mínimo nacional em vigor naquele momento, quer de pensões de aposentação
ou de pensões sociais por doença, velhice, invalidez e viuvez, cujo valor não
alcança aquele mínimo remuneratório, é inconstitucional por violação do
princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de direito,
constante das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, nº2, alínea a) e 63º,
n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.”
5. Nesta jurisprudência, o Tribunal adoptou como referencial do
rendimento (de pensões sociais ou do trabalho subordinado), cuja penhora julgou
incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana, o correspondente ao
salário mínimo nacional [No acórdão n.º 62/2002 a questão, sendo da mesma área
temática, tinha outro matiz porque o crédito penhorado provinha do rendimento
mínimo garantido, que é uma prestação de segurança social que não excede o
mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência condigna, isto é, que pelas
suas condições de atribuição e fórmula de cálculo dispensa a busca de outras
referências, porque lhe é conatural não exceder o mínimo indispensável a uma
existência digna]. Critério que, no essencial, veio a ser acolhido pela nova
redacção do artigo 824.ºdo CPC, emergente do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de
Março, ao estipular-se, como limite mínimo da impenhorabilidade de salários,
pensões e rendimentos semelhantes relativamente impenhoráveis quando o executado
não tenha outro rendimento, o salário mínimo nacional (cfr. n.ºs 1e 2), embora
facultando a ponderação casuística em casos excepcionais, num e noutro sentido
(cfr. n.ºs 4 e 5).
Porém, como salienta o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no Acórdão
n.º 96/2004, deixou-se em aberto, porque a norma não tinha sido aplicada com tal
alcance (Cf. n.º 8 desse Acórdão), a hipótese na qual, de modo genérico, se
enquadra o objecto do presente recurso: a da “penhorabilidade” de uma parcela
de tal rendimento (o salário ou a pensão social do executado que não exceda o
salário mínimo nacional) para satisfação de uma obrigação de alimentos. De
notar, aliás, que na nova redacção do n.º 2 do artigo 824.º o Código de Processo
Civil o legislador veio a afastar deste limite de penhorabilidade precisamente a
hipótese de o crédito de execução ter natureza alimentar.
Todavia, o Tribunal, também desta vez, não tem de ocupar-se deste problema em
toda a sua extensão. Antes deve desde já introduzir-se um outro elemento de
especificação dentro desse conjunto de questões (porque é essa a dimensão em que
à norma foi recusada aplicação e porque essa dimensão a diferencia face ao
parâmetro constitucional, como iremos ver): o que se discute é a extensão da
“penhorabilidade” da pensão por invalidez do progenitor (e não de rendimento
deste com outra proveniência) para satisfação da obrigação de alimentos ao filho
menor (e não de qualquer outra obrigação alimentar).
6. Nesta situação não bastará, porque não seria adequado à
repartição dos “custos do conflito” tal como ele, no plano constitucionalmente
relevante, se apresenta perante a norma em apreciação, proceder à simples
transposição da ponderação que foi feita e sumariamente se expôs quando estava
em causa a satisfação de uma dívida indiferenciada. E não é adequado porque o
elemento constitucional que aí foi decisivo (o princípio da dignidade da pessoa
humana) não pode aqui ser lançado a um só prato da balança, uma vez que a
insatisfação do direito a alimentos atinge directamente as condições de vida do
alimentando e, ao menos no caso das crianças, comporta o risco de pôr em causa,
sem que o titular possa autonomamente procurar remédio, se não o próprio direito
à vida, pelo menos o direito a uma vida digna.
O dever de alimentos a cargo dos progenitores, um dos componentes em
que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores, não
pode reduzir-se a uma mera obrigação pecuniária, quando se trata de ponderação
de constitucionalidade dos meios ordenados a tornar efectivo o seu cumprimento.
Ainda que se conceba o vínculo de alimentos como estruturalmente obrigacional, a
natureza familiar (a sua génese e a sua função no âmbito da relação de família)
marca o seu regime em múltiplos aspectos (v.gr. tornando o direito
correspondente indisponível, intransmissível, impenhorável e imprescritível –
cf. maxime o artigo 2008.º do Código Civil).
Mesmo quando já tenha sido objecto de acertamento judicial, isto é,
quando corporizado, para o pai que não tem a guarda, numa condenação a uma
prestação pecuniária de montante e data de vencimento determinados, do lado do
progenitor inadimplente não está somente em causa satisfazer uma dívida, mas
cumprir um dever que surge constitucionalmente autonomizado como dever
fundamental e de cujo feixe de relações a prestação de alimentos é o elemento
primordial. É o que directamente resulta de no n.º 5 do artigo 36.º da
Constituição se dispor que os pais têm o direito e o dever de educação e
manutenção dos filhos.
Os beneficiários imediatos deste dever fundamental são justamente os filhos,
tratando-se de um daqueles raros casos em que a Constituição impõe aos cidadãos
uma vinculação qualificável como dever fundamental cujo beneficiário imediato é
outro indivíduo (e não imediatamente a comunidade). Assim, tal prestação é
integrante de um dever privilegiado que, embora pudesse ser deduzido de outros
lugares da Constituição [v.gr. do reconhecimento da família como elemento
fundamental da sociedade (artigo 67.º) e da protecção da infância contra todas
as formas de abandono (artigo 69.º)], está aqui expressamente consagrado, como
correlativo do direito fundamental dos filhos à manutenção por parte dos pais.
Estamos, como diz Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, 3ªed., pág 169), perante um caso nítido de deveres reversos
dos direitos correspondentes, de direitos deveres ou poderes-deveres com dupla
natureza [A elevação deste dever elementar de ordem social e jurídico (que se
exprime no brocardo qui fait l’enfant doit le nourrir) a dever fundamental no
plano constitucional encontra-se também noutros textos constitucionais de países
da mesma família civilizacional, designadamente, no artigo 39.º, n.º 3, da
Constituição Espanhola (“os pais devem prestar assistência de toda a ordem aos
filhos nascidos dentro ou fora do matrimónio, durante a sua menoridade e nos
demais casos previstos na lei”), no artigo 30.º, I, da Constituição Italiana
(“os pais têm o direito e o dever de manter, instruir e educar os filhos, mesmo
nascidos fora do casamento”) e no artigo 6.º, II, da Lei Fundamental da Alemanha
(“a assistência e a educação dos filhos são um direito natural dos pais e a sua
primordial obrigação). Também no âmbito internacional se afirmam tais deveres
(para os pais) e direitos (para os filhos), designadamente no artigo 27.º da
Convenção sobre os Direitos da Criança (Aprovada pela Resolução da Assembleia da
República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º
49/90, de 12 de Setembro, publicados no Diário da República, I Série, de 12 de
Setembro de 1990) que estabelece caber “primacialmente aos pais e às pessoas que
têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas
possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias
ao desenvolvimento da criança” (n.º 2 )].
Não é, portanto, pela perspectiva da garantia contida no artigo 62.º
da Constituição, aplicável aos direitos de crédito, que a posição do filho,
credor da prestação de alimentos, deve ser observada no momento da
compatibilização prática com a salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa
do progenitor afectado pela dedução no seu rendimento periódico para realização
coactiva do direito daquele.
Por isso se entende que o critério de comparação com o salário
mínimo nacional não é o adequado para determinar a “proibição constitucional de
penhora” nesta situação em que (na medida inversa da protecção ao devedor)
também o princípio da dignidade da pessoa do filho pode ser posto em causa pelo
incumprimento, por parte do progenitor, de uma obrigação integrante de um dever
fundamental para com aquele. Não é critério que neste domínio possa ser eleito,
como regra geral, pelas consequências incomportáveis no plano social e pelo
significativo esvaziamento do conteúdo do direito-dever consagrado no n.º 5 do
artigo 36.º da Constituição que implicaria. Basta pensar na hipótese de o
progenitor que tem a guarda do filho também não auferir rendimento superior ao
salário mínimo nacional ou na sua generalização ao universo das famílias em que
nenhum dos pais aufere mais do que o salário mínimo nacional [O que não será
realidade negligenciável. Em Outubro de 2003, data da decisão recorrida, a
percentagem de trabalhadores a tempo completo por conta de outrem que auferia o
salário mínimo era de 6,2%, segundo dados da Direcção-Geral de Estudos
Estatística e Planeamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social,
in http://www.deep.msst.gov.pt/estatistica/remuneracoes].
Deste modo, o critério de determinação da parcela do rendimento do
progenitor que não pode ser afectado ao pagamento coactivo da prestação de
alimentos devidos ao filho não pode alcançar-se por equiparação ao montante do
salário mínimo nacional, montante este que pode servir de referencial quando os
“custos do conflito” se hão-de repartir, em sede constitucional, entre a
preservação de um nível de subsistência condigna do devedor e a garantia do
credor à satisfação do seu crédito, tutelada pelo artigo 62.º, n.º 1 da
Constituição, mas não quando entram em colisão o dever e o direito correlativo
de manutenção dos filhos pelos progenitores, situação em que, de qualquer dos
lados, fica em crise o princípio da dignidade da pessoa humana, vector
axiológico estrutural da própria Constituição. De um modo ainda aproximativo,
pode reter-se a ideia geral de que, até que as necessidades básicas das crianças
sejam satisfeitas, os pais não devem reter mais rendimento do que o requerido
para providenciar às suas necessidades de auto-sobrevivência.
7. Porém, não basta concluir que o critério do salário mínimo
nacional – na designação actual, retribuição mínima mensal garantida (artigo
266.º do Código do Trabalho) – é imprestável como referencial de isenção de
penhorabilidade em casos deste género, para obter resposta à questão de
constitucionalidade colocada. Efectivamente, com isso admite-se que não ofende a
Constituição operar a dedução forçada, para satisfação da prestação alimentar a
favor do filho menor, em rendimento do progenitor que não ultrapasse o
correspondente ao valor daquela retribuição mínima, mas continua por resolver o
problema concretamente colocado de saber se e a que nível deve considerar-se
constitucionalmente vedada essa dedução em pensão social de invalidez do devedor
de alimentos.
Para isso, há que ter presente, como se afirmou no acórdão n.º
509/02 (Diário da República, I Série-A, de 12 de Fevereiro de 2003), que “este
Tribunal, na esteira da Comissão Constitucional (cfr. Acórdão nº 479, Boletim do
Ministério da Justiça, n.º 327, Junho de 1983, págs. 424 e segs.), tem vindo a
reconhecer, embora de forma indirecta [no acórdão de que esta transcrição é
feita esse reconhecimento é directo, fundando o julgamento de
inconstitucionalidade a que se chegou], a garantia do direito a uma
sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência”. No caso, a
vertente que pode ser posta em causa pelo não reconhecimento de um montante
mínimo imune à dedução forçada, aliás como nos demais em que estava em causa a
constitucionalidade da penhora de pensões ou salários, é a chamada dimensão
negativa da garantia do mínimo de existência, isto é o reconhecimento de um
direito a não ser privado do que se considera essencial à conservação de um
rendimento indispensável a uma existência minimamente condigna. E, por outro
lado, moderando a premência do lado do alimentando, há que levar em conta que a
impossibilidade de realização coactiva da prestação desencadeia a intervenção de
prestações públicas que se filiam na tarefa do Estado de protecção à infância
(artigo 69.ºda Constituição), nomeadamente a do “Fundo de Garantia de Alimentos
devidos a Menores”, criado pela Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e regulamentada
pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que assegura o pagamento em
substituição do progenitor de quem não foi possível obter a prestação através
dos meios previstos no artigo 189.º da OTM, embora em montante não
necessariamente coincidente com a da prestação em falta.
Ora, rejeitado o critério do salário mínimo, o ordenamento jurídico
oferece um outro referencial positivo que pode ser usado como critério
orientador do limite de “impenhorabilidade” para este efeito: o do rendimento
social de inserção, criado pela Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio (em substituição
do rendimento mínimo garantido, criado pela Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho) e
regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 283/2003, de 8 de Novembro e pela Portaria
n.º 105/2004, de 26 de Janeiro (estabelece o montante dos apoios especiais).
Como o Tribunal reconheceu no acórdão n.º 509/02, a consagração do rendimento
social de inserção corresponde à realização, na sua dimensão positiva, da
garantia do mínimo de existência.
Consiste numa prestação, incluída no subsistema de solidariedade no
âmbito do sistema público de segurança social, e num programa de inserção, de
modo a conferir aos indivíduos e aos seus agregados familiares apoios adaptados
à sua situação pessoal, que contribuam para a satisfação das suas necessidades
essenciais e favoreçam a progressiva inserção laboral, social e comunitária.
Consideram-se em situação de grave carência económica para dele poderem
beneficiar os indivíduos cujo rendimento seja inferior ao montante legalmente
fixado para a pensão social do subsistema de solidariedade (artigo 6.º, n.º 1,
alínea b) e artigo 9.º da Lei n.º 13/2003). Nos termos do artigo 59.º da Lei n.º
32/2002, de 20 de Dezembro, o valor da pensão social básica (velhice ou
invalidez) não pode ser inferior a 50% do valor da remuneração mínima mensal
garantida à generalidade dos trabalhadores deduzida da quotização correspondente
à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem.
Ao tempo o quantitativo mensal das pensões de invalidez e de velhice
do regime não contributivo estava fixado em €146, pelo n.º 5 da Portaria n.º
448-B/2003, de 31 de Maio.
Deste modo, embora seja muito discutível que, em situações deste
género, a fixação normativa de um limite quantificado (directamente ou por
referência) leve vantagem, na optimização da solução harmónica do conflito,
sobre a maior adaptabilidade às circunstâncias que resulta da técnica das
cláusulas gerais ou dos conceitos indeterminados (vale por dizer, da outorga de
margem de apreciação ao juiz), afigura-se ser este o valor do rendimento que
teria de considerar-se como correspondendo ao mínimo necessário a assegurar a
auto-sobrevivência do devedor quando esteja em causa a realização coactiva da
prestação alimentar em que o progenitor tenha sido condenado para com os filhos
menores.
Em coerência de valorações, por corresponder à ideia de limiar de subsistência
em cada momento histórico, é este o referencial do rendimento intangível
adequado ao balanceamento dos interesses em conflito, o que afasta a
transposição da jurisprudência que adopta na formulação decisória do julgamento
de inconstitucionalidade a referência ao salário mínimo nacional.
8. Assim enquadrada a questão, pode voltar-se ao concreto juízo de
desaplicação contido na decisão recorrida.
Considerou-se nesta decisão que o requerido, toxicodependente, de
paradeiro desconhecido e não exercendo qualquer actividade remunerada, não tem
outros proventos conhecidos além da pensão social de invalidez no montante de
€189,54, de modo que, mesmo a adjudicação do necessário ao pagamento das
prestações vincendas – €75 mensais, menos portanto do que a dedução pretendida
de €100 (€75 + €25) que se fosse deferida deixaria o rendimento remanescente
reduzido a €89,54 –, colocaria em eminente risco a sua subsistência. De modo que
a norma da alínea c) do n.º1 do artigo 189.ºda OTM, interpretada no sentido de,
não definindo qualquer montante mínimo isento, impor tal dedução, seria
inconstitucional, por violação do princípio da dignidade da pessoa humana,
contido no artigo 1º da Constituição. Na verdade, mesmo na hipótese implícita
na ponderação do tribunal a quo de limitação da dedução às prestações vincendas,
o requerido ficaria com um rendimento remanescente de €114,54, ainda claramente
inferior ao valor do rendimento social de inserção, que no subsistema de
solidariedade social se assume como o mínimo dos mínimos compatível com a
dignidade da pessoa humana.
Consequentemente, tendo presente o que anteriormente se disse sobre
o que identifica e o que distingue a norma apreciada das hipóteses sobre que
recaiu a jurisprudência formada a propósito do artigo 824.º do Código de
Processo Civil, o juízo de inconstitucionalidade contido na decisão recorrida,
que levou à desaplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da OTM, merece
confirmação.
9. Decisão
Pelo exposto, negando provimento ao recurso de constitucionalidade,
decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana,
contido no princípio do Estado de Direito, com referência aos n.ºs 1 e 3 do
artigo 63.º da Constituição, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da
Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de
Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de
prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez
do progenitor que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas
necessidades essenciais.
b) Sem custas.
Lisboa, 8 de Junho de 2005
Vítor Gomes
Gil Galvão
Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto apresentada pela Exmª
Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e para a qual, com vénia, remeto)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta)
Artur Maurício
Declaração de voto
Votei contra a tese da inconstitucionalidade que fez vencimento, no essencial,
porque entendo que, no conflito entre dois direitos de igual natureza, não pode
fazer prevalecer-se o direito do titular que, simultaneamente, está adstrito,
como se escreveu no acórdão, ao “dever fundamental (...) de cujo feixe de
relações a prestação de alimentos é o elemento primordial”.
O julgamento de inconstitucionalidade equivale, no fundo, por um lado, a
dispensar do pagamento de alimentos o progenitor que, na acção própria, foi
condenado a prestá-los, assim inutilizando a avaliação que, pela via adequada,
se fez quanto à sua capacidade de os prestar; note-se, aliás, que a sentença de
condenação na prestação de alimentos pode ser alterada, nomeadamente por
modificação da possibilidade de os prestar por parte do correspondente obrigado.
E equivale, por outro, a transferir a correspondente obrigação para o progenitor
a cuja guarda foram entregues os filhos. Com efeito, há que ter em conta que a
intervenção do Estado, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a
Menores, intervenção considerada relevante pelo acórdão, apenas se realiza se o
alimentado não tiver “rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional”,
nas palavras do artigo 1º da Lei n.º 75/98, nem beneficiar, “nessa medida, de
rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre”.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza