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Processo n.º 116/2005
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 15 de Fevereiro de 2005 o relator proferiu a seguinte decisão:-
“1. Na sequência da detenção, pela Polícia Judiciária, de A., detenção essa operada em satisfação de um mandado de detenção europeu emitido pelo Tribunal Central de Instrução nº 6 da Sala Penal, 1ª Secção, da Audiência Nacional Espanhola, foi, por despacho lavrado em 10 de Dezembro de 2004 pelo Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, entendido nada haver que obstasse à execução daquele mandado, pelo decidiu o reconhecimento da respectiva exequibilidade, a realizar mediante a entrega do detido àquele Tribunal Central de Instrução.
Inconformado, recorreu o detido para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na motivação adrede produzida e para o que ora releva, dito:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................ III PRISÃO PREVENTIVA
O ora Recorrente só pode estar privado da liberdade nos casos taxativamente indicados nas alínea[s] do art. 27-3, Constituição.
Tal disposição não comporta interpretação analógica.
Não consta de qualquer das alíneas do art. 27-3, Constituição, que o ora Recorrente possa estar preso preventivamente à ordem dos presentes autos pelo que deve ser imediatamente remetido à liberdade.
.............................................................................................................................................................................................................................................. SINDICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA DO ESTADO-MEMBRO EMISSOR DO MDE
Entendeu o ac[ó]rdão em crise não ter que sindicar a decisão exequenda.
--ponto 3 de fls. [ ]112 e113.
Sem razão.
Na verdade, a prisão preventiva está sujeita aos prazos máximos previstos na Lei. -- art.28-4, Constituição.
E o ora Recorrente demonstrou que havia sido posto em liberdade por se ter esgotado o prazo máximo de prisão preventiva no processo-sumário 10/99, Rollo de Sala 7/99, Juzgado Central de Instrucción n.º 6, Audiência Nacional, Sala de lo penal, Secci[ó]n primera -- conforme consta de fls. 85 e 86 com tradução a fls.
67 e 68.
É exactamente pelo mesmo processo que foi emitido o presente MDE.
Caberá aqui historiar o percurso da detenção do ora recorrente.
..............................................................................................................................................................................................................................................
O ora recorrente nunca mais foi notificado pessoalmente pelas autoridades espanholas nos autos que deram origem à emissão do presente MDE.
Pelo que, face à Lei portuguesa, não violou quaisquer deveres de que tenha sido notificado -- repete-se que não lhe foram impostas quaisquer obrigações processuais pelas autoridades espanholas -- que imponham ou justifiquem a sua prisão preventiva e a consequente emissão do presente MDE.
O que levará à recusa da entrega do ora Recorrente às autoridades espanholas por violação do art. 28-3, Constituição. VI PENA MÁXIMA DE PRISÃO APLICÁVEL
Consta do MDE que a pena máxima aplicável ao ora Recorrente é de 32 anos de prisão. -- ponto 34 da tradução de fls. 25.
Quando no ordenamento jurídico português o limite máximo da pena de prisão é de 25 anos. -- art. 41-1, CP.
E, em caso algum, este limite pode ser excedido -- art. 41-3, CP.
E o condenado em tal pena de 25 anos será sempre posto em liberdade cumpridos que sejam 5/6 da pena, ou seja, logo que estejam cumpridos 20 anos e 4 meses de prisão. -- art. 61-5, CP.
Assim, só poderia ser ordenada a entrega do ora Recorrente se fosse imposto ao Estado espanhol desse a garantia de que não seria condenado em pena superior a
25 anos e que seria posto em liberdade, caso fosse condenado, logo que estivessem cumpridos os mencionados 20 anos e 4 meses de prisão. -- art. 13-b), Lei 65/2003, 23 Agosto, e art. 5-2, da Decisão Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 Junho.
Em cumprimento do art. 33-4, Constituição que, de outro modo, seria violado.
Mas tal não sucedeu no despacho em crise.
.............................................................................................................................................................................................................................................. VII CONCLUSÕES
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13. O ora Recorrente só pode estar privado da liberdade nos casos taxativamente indicados nas alínea[s] do art. 27-3, Constituição;
14. Tal disposição não comporta interpretação analógica;
15. Não consta de qualquer das alíneas do art. 27-3, Constituição, que o ora Recorrente possa estar preso preventivamente à ordem dos presentes autos pelo que deve ser imediatamente remetido à liberdade.
16. Entendeu o ac[ó]rdão em crise não ter que sindicar a decisão exequenda.
--ponto 3 de fls. 112 e113;
17. A prisão preventiva está sujeita aos prazos previstos na Lei. -- art.28-4, Constituição;
18. E o ora Recorrente demonstrou que havia sido posto em liberdade por se ter esgotado o prazo máximo de prisão preventiva no processo--sumário 10/99, Rollo de Sala 7/99. Juzgado Central de Instrucción n.º 6, Audiência Nacional, Sala de lo penal, Secci[ó]n primera -- conforme consta de fls. 85 e 86 com tradução a fls. 67 e 68;
19. É exactamente pelo mesmo processo que foi emitido o presente MDE;
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29. O ora recorrente nunca mais foi notificado pessoalmente pelas autoridades espanholas nos autos que deram origem à emissão do presente MDE;
30. Face à Lei portuguesa, não violou quaisquer deveres de que tenha sido notificado que imponham ou justifiquem a sua prisão preventiva e a consequente emissão do presente MDE;
31. O que levará à recusa da entrega do ora Recorrente às autoridades espanholas por violação do art. 28-3, Constituição;
..............................................................................................................................................................................................................................................
37. Assim, só poderia ser ordenada a entrega do ora Recorrente se fosse imposto ao Estado espanhol desse a garantia de que não seria condenado em pena superior a 25 anos e que seria posto em liberdade, caso fosse condenado, logo que estivessem cumpridos os mencionados 20 anos e 4 meses de prisão. -- art. 13-b), Lei 65/2003, 23 Agosto, e art. 5-2, da Decisão Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 Junho.
38. Em cumprimento do art. 33-4, Constituição que, de outro modo, seria violado.
39. Mas tal não sucedeu no despacho em crise.
40. Assim, o despacho em crise omitiu a pronúncia relativamente à aplicação da garantia imposta pelo art. 13-b), Lei 65/2003, 23 Agosto, o que importa a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que insira na decisão em crise a imposição da garantia em apreço;
41. O despacho em crise fez errada interpretação e aplicação da Lei aos factos, violando, designadamente, os arts. 27-3. 28-4 e 33-4, Constituição, arts.
41-2-3, e 61-5, CP, arts. 118 e seguintes, CPP, arts. 13-b)-c), Lei 65/2003, 23 Agosto e art. 5-2-3, da Decisão Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho’.
Em 27 de Dezembro de 2004 o detido apresentou nos autos requerimento por via do qual solicitava a revogação da medida de coacção de prisão preventiva, pretensão que veio a ser indeferida por despacho proferido em 4 de Janeiro de 2005 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Janeiro de 2005, negou provimento ao recurso.
Após a prolação daquele aresto, foram juntos aos autos:-
- um requerimento, apresentado no Tribunal da Relação de Lisboa em 6 de Janeiro de 2005, subscrito pelo mandatário do detido, no qual indicava pretender
‘fazer uso do direito de alegar por escrito’;
- um requerimento, apresentado também naquele Tribunal e na mesma data, no qual se arguia a nulidade decorrente da falta de notificação ao detido da resposta, apresentada pelo Ministério Público, à motivação de recurso, resposta esse da qual só teria sabido quando foi notificado do despacho de admissão de recurso, já que nele se mencionou a existência dessa resposta;
- um requerimento, apresentado no indicado Tribunal e em 12 de Janeiro de 2005, no qual se revelava a intenção de recorrer do despacho que indeferiu o pedido de revogação da medida de coacção de prisão preventiva, requerimento esse que capeava a motivação tocante a esse recurso.
Por despacho prolatado em 20 de Janeiro de 2005 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça foi, relativamente a tais requerimentos e motivação, determinada a extracção de traslado do processado para posterior decisão.
Do acórdão de 13 de Janeiro de 2005 foram arguidas nulidades consistentes, na óptica do solicitante, em não ter sido notificado para efectuar alegações escritas ou orais e em não ter aquele aresto sindicado a decisão das autoridades judiciárias espanholas.
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Janeiro de
2005, indeferido a arguição, fez o detido juntar aos autos, em 31 do mesmo mês, requerimento com o seguinte teor:-
‘A., nos autos de execução de mandado de detenção europeu em referência, respeitosamente expõe:
Depois de notificado do, aliás douto, acórdão que manteve a decisão de entregar o ora requerente às Justiças de Espanha veio o ora Recorrente, em tempo, arguir nulidades do mesmo que até ao momento não foram decididas.
O Ora Requerente pretende interpor recurso daquele acórdão para o Tribunal Constitucional.
Entende que só se inicia o prazo para recorrer após a decisão das mencionadas nulidades.
No entanto, como o art. 411-1, CPP -- aplicável por força do disposto no art. 34, Lei 65/2003, 23 de Agosto -- dispõe que o prazo de interposição dos recursos conta-se a partir da notificação da decisão, Vem, para que de modo nenhum expire o prazo para recorrer, através do presente requerimento interpor recurso para o Tribunal Constitucional’.
Por despacho de 2 de Fevereiro de 2005 lavrado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal
(cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento da presente impugnação.
Nestes autos está em causa, e tão só, o recurso intentado interpor do acórdão tirado em 13 de Janeiro de 2005, por intermédio do qual foi negado provimento à impugnação do despacho proferido em 10 de Dezembro de 2004 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu ser exequível o mandado de detenção europeu referente ao detido, entregando-o à autoridade judiciária espanhola determinadora da emissão daquele mandado.
Muito embora o requerimento de interposição de recurso não obedeça às prescrições constantes dos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, e muito embora, igualmente, no Alto Tribunal a quo, se não tenha lançado mão do que se encontra estatuído no nº 5 do mesmo artigo, não se justifica, no caso, que, no presente órgão de administração de justiça, seja cumprido o determinado no nº 6, ainda do dito artigo.
Na verdade, ainda que o detido, na sequência de uma tal determinação, viesse agora a fazer as menções a que se reportam os referidos números 1 e 2, o que é certo é que, como a seguir se verá, não seria possível tomar conhecimento do objecto do recurso.
Nesse contexto, a determinação de efectivação do convite a que alude o indicado nº 6 do artº 78º-A postar-se-ia como a prática de um acto perfeitamente inútil.
2.1. Disse-se já que do objecto da impugnação em presença não é possível tomar conhecimento, cumprindo explicitar as razões de uma tal asserção.
Embora isso não conste do requerimento de interposição de recurso, parece patente que o mesmo somente poderia ancorar-se na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Acontece que, na motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o ora impugnante em passo algum imputou a qualquer normativo ínsito no ordenamento jurídico infra-constitucional (ainda que alcançado por via de um processo interpretativo), o vício de desarmonia com a Lei Fundamental. Antes, como deflui do relato supra efectuado, assacou ao despacho então recorrido a violação de determinados preceitos constitucionais, a par da violação de preceitos constantes da lei ordinária.
Ora, como se sabe, o objecto dos recursos de constitucionalidade é constituído por normas e não por outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas. E, postando-nos, como nos postamos, perante um recurso esteado na referenciada alínea b) do nº 1 do artº
70º, mister era que, precedentemente à prolação do acórdão ora querido impugnar, o recorrente tivesse equacionado qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a normas.
Nada disto sucedeu na situação sub specie.
Daí que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em sete unidades de conta”.
Da transcrita decisão reclamou o detido nos termos do nº
3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Na peça processual consubstanciadora da reclamação, após transcrever determinados passos da motivação e das «conclusões» do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (e de que grande parte se encontrava igualmente transcrita da decisão reclamada), limitou-se a sustentar:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
A decisão recorrida declarou não estar verificada nenhuma causa de recusa da execução do mandado de detenção europeu sem sindicar a decisão proferida pelo órgão competente do Estado emitente do mandado, designadamente, se o ora Reclamante podia ser detido e preso à ordem dos autos em que foi proferida tal decisão e, em consequência, dos presentes autos.
Tal declaração-decisão aplicou o art. 11. Lei 65/2003, 23 Agosto, na sua literalidade.
Mas tal disposição -- a do art. 11, Lei 65/2003, 23 Agosto -- é inconstitucional -- por violação do art. 28-4, Constituição -- se aplicado literalmente sem observância da sindicabilidade da decisão proferida pelo órgão competente do Estado emitente do mandado, designadamente, repete-se, se o ora Reclamante podia ser detido e preso à ordem dos autos em que foi proferida tal decisão e, em consequência, dos presentes autos.
Outros fundamentos existem ainda na motivação de recurso do Reclamante”.
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a mesma ser manifestamente infundada, não pondo “o reclamante em causa o fundamento da decisão reclamada: a não suscitação, durante o processo e em termos processualmente adequados, de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso interposto para este Tribunal Constitucional”.
Cumpre decidir.
2. É por demais clara a sem razão da reclamação agora deduzida.
Na mesma não são avançadas quaisquer razões que infirmem a ratio da decisão impugnada que, em súmula, consiste em não ter sido, no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a norma do ordenamento jurídico ordinário, sendo que, como nos situamos, dado o que foi exposto naquela decisão, perante um recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister era, para abrir a via de uma tal forma de impugnação, que fosse equacionada a desarmonia constitucional da norma vertida no artº 11º da Lei nº
65/2003, de 23 de Agosto, norma esta que, só agora, com a reclamação apresentada, parece que seria aquela que o impugnante desejaria submeter à apreciação deste Tribunal.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 9 de Março de 2005
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício