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Processo n.º 787-A/2001
2.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Notificado do Acórdão nº 695/2004, em que se procedeu a rectificação de determinados «erros» de transcrição que teriam sucedido no Acórdão nº 425/2004, veio o impugnante Licº A. apresentar reclamação, ao que tudo indica referentemente a este último aresto (que indeferiu uma «reclamação» que teve por alvo o Acórdão nº 150/2004 que, por sua vez, indeferiu a
«reclamação» dirigida ao Acórdão nº 603/2003, aresto este que indeferiu a
«reclamação» incidente sobre o Acórdão nº 435/2003, que, de seu turno, desatendeu a arguição de nulidades e indeferiu a «reclamação» que recaíram sobre o Acórdão nº 272/2002), com o seguinte teor:-
“A., reclamante nos autos acima identificados, pese embora o devido respeito, considera que o modo como foi tirado o douto acórdão n.º 425/2004, notificado por nota de 21 de Junho de 2004, em que se integra o douto acórdão n.º 695/2004 notificado por nota de 13 de Dezembro de 2004, não se coaduna minimamente com as exigências decorrentes do disposto nos artigos 158.º e 668.º n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil. Os vícios evidenciados, no entender do reclamante, pelo douto acórdão n.º
425/2004 em que se integra o douto acórdão n.º 695/2004, demonstram que, nos presentes autos não foi respeitado o direito ao processo equitativo e leal a todos reconhecido pelos artigos 20.º n.ºs 1 e 4, da Constituição e 6.º n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo que dele vem reclamar com os fundamentos que a seguir se expõem. A - Salvo melhor entendimento, o ora reclamante considera que a presente reclamação é legalmente admissível
1. O Tribunal Constitucional tem ensinado que ‘... importa acautelar, como exigência constitucional, ... que os destinatários de uma decisão judicial tenham conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente para contra ela poderem reagir, através dos meios processuais adequados’(acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/98, de 11 de Fevereiro de 1998, in BMJ n.º 474- Março -
1998, pp. 95,107, carregado acrescentado).
2. O ora reclamante considera que o texto do ponto 2 do douto acórdão n.º
425/2004, em que se integra o douto acórdão n.º 695/2004, permite evidenciar vícios na estrutura da decisão de indeferimento da reclamação apresentada com vista a contestar a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo texto do douto acórdão n.º 150/2004.
3. Segundo o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, ‘o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o principio do contraditório...’
4. ‘Relativamente aos actos jurisdicionais ofensivos dos direitos das pessoas, a impugnação faz-se por recurso ou por reclamação, observadas as disposições processuais aplicáveis...’ (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 340/90, de 19 de Dezembro de 1990, in BMJ n.º 402 - Janeiro - 1991. pp. 169,176, carregados acrescentados).
5. Do disposto nos artigos 203.º da Constituição infere-se que os tribunais têm o dever de decidir sempre de harmonia com disposições legais, concordem ou não com elas os julgadores.
6. O artigo 668.º, nº 3, do Código de Processo Civil estabelece:
‘As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1... podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.’
7. O artigo 677.º do Código de Processo Civil estabelece que ‘a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668º e 669.º’
8. Destas disposições normativas decorre, no entender do reclamante, que, para o legislador, a circunstância de as decisões do Tribunal Constitucional não serem passíveis de recurso, só por si, não elimina a possibilidade de sucessivas decisões proferidas em sede de arguição de nulidades revelarem vícios do naipe dos enunciados nos artigos 668.º, n.º 1, e 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil susceptíveis de implicar a anulação dos sucessivos julgamentos.
9. Assim, enquanto a matéria relativa a nulidades tempestivamente arguidas às sucessivas decisões não for apreciada por forma a que não fique truncada a materialização da dimensão garantística do direito à tutela jurisdicional efectiva, a primeira das decisões não cessa de ser susceptível de reclamação, pois não se compreende como é que, com as irregularidades evidenciadas pela actividade desenvolvida para chegar às decisões posteriores, se poderão sanar os vícios das anteriores.
10. O facto de as decisões do Tribunal Constitucional não serem passíveis de recurso também não poderá significar que essas decisões não devam respeitar as garantias conferidas pelos artigos 158.º e 668.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.
11. Os vícios que, no entender do reclamante, afectam o modo como foram tirados os doutos acórdãos n.ºs 425/2004 e 695/2004 permitem pensar que as decisões de condenação em custas proferidas nestes autos foram ditadas exclusivamente pela preocupação de punir o facto de o reclamante ter reagido a actos praticados no exercício da função jurisdicional por ele considerados ofensivos dos seus direitos fundamentais.
12. Por requerimento enviado em 6 de Julho de 2004, o interessado veio pedir a rectificação de erros de escrita detectados no douto acórdão n.º 425/2004.
13. Por nota de 13 de Dezembro de 2004, é notificado ao interessado o douto acórdão n.º 695/2004 pelo qual se procedeu à rectificação dos erros de escrita indicados.
14. Assim, à luz do disposto nos artigos 670.º, n.º 3, e 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, esta reclamação é apresentada dentro do prazo legalmente previsto.
15. O artigo 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (direito a um recurso efectivo) estabelece:
‘Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.’
16. Nestas condições. a presente reclamação deve ser admitida e examinada equitativamente. B - Razões de facto e de direito da presente reclamação I - O reclamante considera que o douto acórdão n.º 425/2003 não satisfaz as exigências decorrentes do disposto nos artigos 158.º e 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil
17. O reclamante considera que os fundamentos de uma decisão judicial se determinam através da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito aos factos apurados.
18. No que toca ao dever de fundamentação decorrente do artigo 158.º do Código de Processo Civil, o Tribunal Constitucional tem ensinado:
‘A exigência de fundamentação das decisões judiciais corresponde sem dúvida a um imperativo constitucional e constitui uma garantia integrante do conceito de Estado de Direito democrático.
... Sobretudo quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução do objecto do litígio, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que justificam a decisão (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 151/99, de 9 de Março de 1999, in BMJ n.º 485 Abril - 1999, pp. 70, 72- 73, carregados acrescentados).
19. Assim, para além de facilitar o reexame da causa no tribunal superior, a fundamentação exerce a função de promover o auto-controlo do julgador, e é um elemento essencial para garantir a transparência na administração da justiça, sendo, enquanto instrumento de ponderação e de legitimação das decisões judiciais, inerente ao próprio acto jurisdicional.
20. O douto acórdão n.º 425/2004 não indica os elementos de facto e de direito que serviram de premissas à conclusão de que ‘(é) por demais óbvio que, in casu, não se posta nenhuma das situações a que se reportam as nulidades de que aquele artº 202° permite ao tribunal conhecer oficiosamente’. a) No ponto 2 do douto acórdão n.º 425/2004, lê-se:
‘De acordo com o artº 202° do diploma adjectivo civil (disposição que é a invocada pelo reclamante) 'das nulidades mencionadas nos artigos 193.º e 194.º, na segunda parte do n.° 2 do artigo 198.º e nos artigos 199.° e 200.° pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas. Das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso’,
É por demais óbvio que, in casu, não se posta nenhuma das situações a que se reportam as nulidades de que aquele artº 202° permite ao tribunal conhecer oficiosamente’ (carregado acrescentado). b) Destas passagens decorre que o Tribunal Constitucional considerou que o artigo 202.º do Código de Processo Civil lhe veda a possibilidade de conhecer da matéria exposta pelo interessado na reclamação apresentada com vista a contestar a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo texto do douto acórdão n.º
150/2004. c) O ponto 2 do douto acórdão n. 425/2004 não permite ao seu destinatário ou a terceiros identificar elementos de facto que permitam fazer uma ideia da situação que foi excluída do âmbito de aplicação do artigo 202.º do Código ,de Processo Civil nem os critérios normativos de que se serviram os julgadores na actividade de interpretação dessa disposição legal. d) A ausência de indicação dos factos e dos critérios normativos que presidiram
à interpretação do artigo 202.º do Código de Processo Civil. cujo texto vem reproduzido no douto acórdão n.º 425/2004, inviabiliza um controlo geral e externo da fundamentação factual lógica e jurídica da conclusão de que ‘(é) por demais óbvio que, in casu, não se posta nenhuma das situações a que se reportam as nulidades de que aquele artº 202° permite ao tribunal conhecer oficiosamente’. e) O reclamante apresentou reclamação a fim de contestar a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo douto acórdão n.º 150/2004, por ter entendido que esses actos constituem irregularidades susceptíveis de influir no exame e na decisão da causa subsumíveis no n.º1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil que dispõe:
‘Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva. ... produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.’ f) Com efeito, o texto do douto acórdão n.º 150/2004 revela que o Tribunal Constitucional, nesse douto aresto, faz esclarecimentos que alteram substancialmente o texto dos doutos acórdãos n.ºs 603/2003 e 83/2003, tal como foram notificados ao destinatário. g) O interessado apresentou reclamação contra o douto acórdão n.º 385/2002 em que alegou, entre outras coisas, que não tinha sido respeitado o princípio do contraditório, na medida em que foi preterido o direito à audição prévia sobre as questões de direito e de facto decididas para aplicar ao caso o n º 8 do artigo 84.º da Lei do Tribunal Constitucional. h) O reclamante apresentou também reclamação do acto da Secretaria do Tribunal Constitucional pelo qual se começou a executar o douto acórdão n.º 385/2002 antes de decorrido o prazo legalmente previsto para esse douto aresto poder considerar-se notificado ao interessado, caso não tivesse reagido a esse douto acórdão pelo meio processual adequado. i) O reclamante organizou a sua defesa, tendo presente que o Tribunal Constitucional, no douto acórdão 83/2003, tinha dito que as decisões de condenação em custas eram definitivas e tinham transitado em julgado e que, no douto acórdão n.º 603/2003, se tinha julgado incompetente para conhecer da matéria alegada em relação ao processado nestes autos até à entrega de certidão ao Ministério Público para efeitos de execução por custas. j) Por nota de 17 de Fevereiro de 2003, foi notificado o douto acórdão n.º
83/2003 proferido na sequência da reclamação contra o acto da Secretaria do Tribunal Constitucional em que este determinou que só curaria da reclamação do douto acórdão n.º 385/2002 quando se mostrassem pagas as custas, declarando que
‘as condenações em custas ... são definitivas’ (cfr. ponto 2 do douto acórdão n.º 83/2003). k) Pela cópia do auto de apreensão de veículo automóvel que figura em anexo à reclamação do douto acórdão n.º 435/2003, pode verificar-se que foi enviado, pelo Tribunal Judicial de Vimioso, ao comando da Polícia de Coimbra um oficio de
31 de Janeiro de 2003 a ordenar a penhora de veículo do reclamante. l) Não obstante o disposto no artigo 926.º do Código de Processo Civil e todas as diligências empreendidas junto do Tribunal de execução para obter cópia do requerimento executivo e do despacho determinativo da penhora de bens do executado, o único dado de que este dispõe é o que consta do douto despacho proferido sobre reclamação por nulidades de processo apresentada na sequência de sentença de extinção da instância proferida no Tribunal Judicial de Vimioso, cujo extracto por cópia figura em anexo à reclamação apresentada contra o douto acórdão n.º 435/2003. m) Daí resulta que se tratou da execução por custas contadas no Tribunal Constitucional. na sequência do douto acórdão n.º 385/2002. n) O acto de entrega pela Secretaria do Tribunal Constitucional ao Ministério Público, da certidão para fins de execução que deu origem à penhora de veículo do reclamante, ocorreu antes de ter sido proferido o douto acórdão n.º 83/2003 que teve por objecto os actos da Secretaria do Tribunal Constitucional pelos quais se procedeu à execução do douto acórdão n.º 385/2002, antes de este se poder legalmente considerar notificado ao seu destinatário. o) É de jurisprudência que a penhora significa ‘uma agressão patrimonial’
[acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/00 de 2 de Maio de 2000, in Acórdãos do Tribunal Constitucional 47.º volume 2000 (Abril a Junho), pp. 345, 357). p) O procedimento seguido pelo Tribunal Constitucional demonstra que não foi proporcionada ao interessado uma exposição concisa e completa das razões de facto e de direito de decisões de que foi destinatário, tendo ficado na impossibilidade de ponderar, em perfeito conhecimento da situação, se, com os esclarecimentos dados no douto acórdão n.º 150/2004, devia manter ou retirar as suas reclamações contra os doutos acórdãos n.ºs 83/2003 e 603/2003. q) Por outro lado, no mesmo douto acórdão n.º 150/2004, o Tribunal Constitucional declara que não existe no nosso ordenamento ‘jurídico qualquer dispositivo que imponha que, ao se proceder a uma rectificação de um lapso de escrita, tenha o órgão de administração de justiça, antes de a ela proceder, que dar conhecimento a qualquer ‘parte’ processual que, eventualmente ,irá actuar dessa sorte sendo que, na perspectiva deste Tribunal, não será seguramente dos artigos. 667º, nº 2. 668º n.º3. nem do n° 3 do já citado artº 3°, este como aqueles do ,diploma adjectivo civil, que tal imposição deflui’ (carregado acrescentado). r) Desta passagem confrontada com o exposto sobre essa matéria na reclamação que deu origem ao douto acórdão n.º 150/2004, decorre que o Tribunal Constitucional, além de ter alterado os factos alegados pelo interessado para obter o efeito jurídico pretendido, abstém-se de julgar alegando inexistência de disposições no nosso ordenamento jurídico que regulem a actividade tendente à rectificação de lapsos de escrita em actos jurisdicionais. s) Além disso, no douto acórdão n.º 150/2004, o Tribunal Constitucional ameaçou o interessado de condenação por litigância de má fé, caso reagisse a esse douto acórdão, o que, no entender do reclamante, é incompatível com o direito à liberdade de expressão no quadro do exercício do direito de defesa contra actos considerados ofensivos dos direitos das pessoas praticados no exercício da função jurisdicional. t) A alteração do texto dos doutos acórdãos n.ºs 83/2003 e 603/2003, depois de eles terem sido notificados ao interessado, permite pensar que, nos presentes autos, os julgadores nada mais procuraram que inviabilizar o correcto funcionamento do contraditório. u) Nestas condições, o reclamante considera que a indicação dos elementos de facto e de direito que presidiram à interpretação do artigo 202.º do Código de Processo Civil para se concluir que ‘(é) por demais óbvio que, in casu, não se posta nenhuma das situações a que se reportam as nulidades de que aquele artº
202° permite ao tribunal conhecer oficiosamente’, afigura-se indispensável, já que não poderá esquecer-se que o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil dispõe que ‘o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório ...’
21. No entender do reclamante, o douto acórdão n.º 425/2004 não especifica elementos que permitam ao interessado ou a terceiros verificar a correcção da declaração de que ‘tudo o que é esgrimido’ na reclamação que lhe deu origem ‘foi
... já devidamente equacionado’. a) No douto acórdão n.º 425/2004 (fls. 10), lê-se:
‘Por outro lado, tudo o que é esgrimido pelo reclamante como consubstanciando, na sua óptica, a ocorrência de actos que a lei não admitisse ou a omissão de actos ou formalidades que a lei prescrevesse, foi na perspectiva deste Tribunal, já devidamente equacionado nos arestos antecedentes ao presente, maxime no acórdão ora reformando, concluindo-se que essas alegadas nulidades não ocorreram. Esse juízo é agora reiterado, sendo que, de todo em todo, os vícios assacados especificamente ao Acórdão nº 150/2004 não têm a mínima consistência.
... é para si por demais claro que o acórdão em crise não enferma dos vícios que lhe foram imputados’ ( carregados acrescentados ). b) O douto acórdão n.º 425/2004 não contém um enunciado sucinto das questões a decidir no incidente que lhe deu origem, não tendo esse douto acórdão, portanto, sido elaborado de harmonia com o disposto no artigo 713.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. c) A ausência de um enunciado das questões a decidir no douto acórdão n.º
425/2004 não permite a identificação dos factos alegados pelo reclamante para obter o efeito jurídico pretendido com a reclamação pela qual o interessado reagiu aos actos cuja pratica é atestada pelo texto do douto acórdão n.º
150/2004. d) O reclamante considera que a legitimação da conclusão de que ‘... tudo o que
é esgrimido (na reclamação que deu origem ao douto acórdão n.º 425/004) ... foi
... já devidamente equacionado’ não fica assegurada sem a indicação das questões suscitadas pela matéria exposta na reclamação e sem especificação dos doutos acórdãos antecedentes em que essa matéria terá sido tratada. e) Com efeito, os doutos acórdãos antecedentes ao douto acórdão n.º 150/2004 são actos distintos uns dos outros. f) As reclamações pelas quais o interessado reagiu a cada um dos doutos arestos antecedentes têm origem em factos ocorridos em datas diferentes. g) Sendo a reacção a actos jurisdicionais condicionada pelo conteúdo desses actos, tal como foram notificados aos interessados, a matéria exposta nas reclamações apresentadas tem de ser necessariamente diferente. h) No entender do reclamante, uma vez que, através das reclamações nos termos dos artigos 668.º e 202.º do Código de Processo Civil, é posta em causa a legalidade da actividade dos julgadores, o Tribunal Constitucional, à luz das funções do dever de fundamentação, não pode contentar-se em examinar a matéria exposta exclusivamente ‘na perspectiva deste Tribunal’. i) No entender do reclamante, incumbe ao Tribunal Constitucional verificar se o modo de administração da justiça cuja legalidade é posta em causa neste processo
é susceptível de assegurar o direito a uma tutela jurisdicional efectiva da perspectiva da comunidade formada pelo povo em nome de quem é administrada a justiça, ou seja, da perspectiva dos textos legislativos interpretados de harmonia com o disposto nos artigos 9.º e 10.º do Código Civil. j) No entender do reclamante, sem a possibilidade de identificar os doutos arestos antecedentes em que terão sido equacionadas as questões suscitadas pela matéria exposta na reclamação que deu origem ao douto acórdão n.º 425/004, não fica assegurada a transparência do processo e da decisão de indeferimento da reclamação pela qual se contestou a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo douto acórdão n.º 150/2004.
22. O douto acórdão n.º 425/2004 não contém elementos de facto e de direito que legitimam as declarações de que ‘... é seguro ... que a ... persistência do reclamante ...já ultrapassa ... o mínimo do aceitável face à missão da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos ...’ a) No ponto 2 do douto acórdão n.º 425/2004, escreveu-se:
‘O reclamante, com as sucessivas reclamações que tem levado a efeito, demonstra um não acatamento ou um inconformismo pelas já inúmeras decisões tomadas neste processo pelo Tribunal Constitucional que o mesmo não pode aceitar. E, não fora a circunstância de este órgão de administração de justiça não dispor, muito concretamente, de dados dos quais resultasse inequivocamente que a actividade do reclamante é iluminada por um dolo ou uma grave negligência ,na defesa dos seus 'pontos de vista... Mas, não obstante essa falta desses dados concretos, o que é seguro é que a inusitada persistência do reclamante tem, até ao momento, levado o Tribunal a uma actuação, repetida e paciente, sendo que a reiteração a que agora se assiste já ultrapassa mesmo o mínimo do aceitável face à missão da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e de dirimição de conflitos’ (carregados acrescentados). b) Após leitura do ponto 2 do douto acórdão n.º 425/2004, conclui-se que o Tribunal Constitucional não fez uma única referência aos factos alegados através da reclamação pela qual se contestou a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo douto acórdão n.º 150/2004. c) A demonstração de não acatamento do, e de inconformismo com o, modo como são tomadas as decisões de um órgão jurisdicional é a consequência normal do exercício do direito de reclamação nos termos dos artigos 668.º n.º 3 e 202.º do Código de Processo Civil. d) O órgão de administração de justiça, no douto acórdão n.º 425/2004, declara que só não desencadeou o procedimento previsto no artigo 456.º do Código de Processo Civil por ‘não dispor, muito concretamente, de dados dos quais resultasse inequivocamente que a actividade do reclamante é iluminada por um dolo ou uma grave negligência’. e) Apesar da ‘falta desses dados concretos’, o órgão de administração de justiça qualifica a conduta processual do reclamante como ‘inusitada persistência’ e declara que ‘é seguro’ que a ‘reiteração a que agora se assiste já ultrapassa mesmo o mínimo do aceitável face à missão da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos ...’. f) O douto acórdão n.º 425/2004 não permite ao interessado ou a terceiros identificar os elementos da conduta processual apreciados nem os critérios normativos de que se serviu o Tribunal Constitucional para concluir que a actividade em que se materializou essa conduta processual ‘já ultrapassa mesmo o mínimo do aceitável face à missão da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos ...’ g) No entender do reclamante, a legitimação da decisão de indeferimento da reclamação que deu origem ao douto acórdão n.º 425/2004 não fica assegurada exclusivamente com os dizeres do Tribunal Constitucional de que ‘é para si por demais claro que o acórdão em crise não enferma dos vícios que lhe são imputados.’ h) O reclamante considera que a indicação dos dados de que se serviu o Tribunal Constitucional para declarar que é seguro que a ‘reiteração a que agora se assiste já ultrapassa mesmo o mínimo do aceitável, face à missão da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos ...’, é também imposta pelo princípio de imparcialidade. i) Com efeito, segundo se lê, no douto acórdão n.º 425/2004, o órgão de administração de justiça não dispõe, ‘muito concretamente, de dados dos quais result(e) inequivocamente que a actividade do reclamante é iluminada por um dolo ou uma grave negligência na defesa dos seus pontos de vista’. j) Esta declaração permite pensar que os doutos acórdãos proferidos neste processo incidem sobre factos que não foram alegados pelas partes nem resultam da instrução e discussão da causa (artigos 264.º e 664.º do Código de Processo Civil). k) A falta de indicação dos factos de que se serviu o órgão de administração da justiça para apreciar a conduta processual do reclamante leva a pensar que os doutos acórdãos proferidos nestes autos assentam em dados ‘não muito concretos’ fornecidos por terceiros. l) À luz do disposto nos artigos 664.º e 264.º do Código de Processo Civil, para formular o juízo segundo o qual ‘é, seguro’ que a ‘reiteração a que agora se assiste já ultrapassa mesmo o mínimo do aceitável face à missão da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos...’, um órgão de administração de justiça só poderia servir-se de dados concretos fornecidos pelas partes ou extraídos dos elementos dos autos (quod non est in actis non est in mundo). m) Por isso, a indicação desses dados é imposta também pela exigência do respeito das garantias conferidas pelo artigo 203.º da Constituição que estabelece que ‘os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei’. II - No entender do reclamante, o texto do douto acórdão n.º 425/2004 permite evidenciar que a decisão de indeferimento da reclamação que deu origem ao douto acórdão n.º 425/2004 não satisfaz as exigências decorrentes do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
23. No entender do reclamante, o douto acórdão n.º 425/2004 indica premissas de facto que deveriam logicamente conduzir a conclusão oposta, ou diferente da, conclusão de que ‘... o Tribunal tem perfeita consciência que não actuou..., por uma forma que... se possa rotular como parcial’. a) No douto acórdão n.º 425/2004 (ponto 2), lê-se:
‘... o Tribunal tem perfeita consciência que não actuou, de todo em todo, por uma forma que, ainda que de uma perspectiva meramente objectiva, se possa rotular como parcial.
É que, tudo o que haveria a dizer e decidir quanto ao actual pedido foi já dito e decidido, sem que se vislumbre que tivesse havido contradições, inobservância do princípio do contraditório, omissão de pronúncia ou pronúncia sobre questões sobre as quais ao Tribunal era vedado conhecer, ou qualquer outro atentado a direitos, liberdades ou garantias fundamentais do reclamante’ (carregados acrescentados). b) A declaração de que ‘tudo o que haveria a dizer e decidir quanto ao actual pedido foi já dito e decidido’ revela inequivocamente que os julgadores tomaram a decisão de indeferimento da pretensão veiculada pela reclamação que deu origem ao douto acórdão n.º 425/2004, antes de essa reclamação ter sido apresentada. c) Daí infere-se logicamente que, mesmo antes de do processo constarem elementos indispensáveis à existência do douto acórdão n.º 425/2004, os julgadores já tinham tomado a decisão de indeferir a reclamação pela qual se contestou a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo douto acórdão n.º 150/2004. d) O Tribunal Constitucional tem ensinado, a este respeito:
‘‘Para os fins do artigo 6º, § 1º [da Convenção Europeia dos Direitos do Homem], o Tribunal recorda que a imparcialidade deve ser apreciada segundo uma perspectiva subjectiva, tentando determinar a convicção pessoal de um certo juiz numa dada ocasião, e também segundo uma perspectiva objectiva, que assegure que o juiz oferecia garantias suficientes para excluir a este respeito qualquer dúvida legítima’... (N)o domínio da aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem sido entendido que também a parcialidade subjectiva, expressa em actos anteriores à decisão, é inadmissível. Seriam exemplos de parcialidade subjectiva... a denúncia, pelo juiz, da decisão que vai tomar, antes do momento adequado para a proferir’ [acórdão do Tribunal Constitucional n.º 517/00, de 29 de Novembro de 2000, in Acórdãos do Tribunal Constitucional – 48.º volume – 2000
(Setembro a Dezembro), pp. 48l e 494-495]. e) Assim, o fundamento avançado pelo Tribunal Constitucional de que ‘tudo o que haveria a dizer e decidir quanto ao actual pedido foi já dito e decidido’ deveria logicamente conduzir a conclusão oposta à, ou diferente da, conclusão de que o Tribunal Constitucional ‘não actuou, de todo em todo, por uma forma que... se possa rotular como parcial’.
24. No entender do reclamante, os doutos acórdãos antecedentes contêm fundamentos que deveriam conduzir logicamente a uma conclusão oposta à, ou diferente da, conclusão de que não se vislumbra que ‘tivesse havido contradições’. a) O Tribunal Constitucional, no douto acórdão n.º 435/2003, declarou:
‘Na verdade, o Acórdão n.º 272/2002 começou, como se viu, por concluir que a decisão ínsita no Acórdão n.º 46/2002 se mostrava côngrua, por ter sido adequada a um resultado lógico e jurídico das premissas de que se partiu, pelo que não poderia, naquele resultado lógico, deixar de haver lugar ao indeferimento da reclamação deduzida do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça’ (carregados acrescentados). b) O interessado reagiu ao douto acórdão n.º 435/2003, alegando, além do mais, que, tendo presente a passagem antes transcrita, a sua elaboração não se coadunava com o disposto no artigo 713.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. c) Em relação a esta matéria, o Tribunal Constitucional declarou no douto acórdão n.º 603/2003:
‘2.4. Por último, não se divisa minimamente que a decisão tomada no Acórdão n.º
435/2003 fosse tomada sem respeito pelas garantias de imparcialidade. Efectivamente, começar por dizer que dada pretensão não tem razão de ser, expondo, seguidamente, as razões dessa conclusão, não ,significa minimamente o reflexo de uma posição segundo a qual é tomado previamente um juízo de inadmissibilidade da pretensão, buscando-se, depois, qualquer corte argumentativa, independentemente da sua valia, para estear esse juízo prévio. Antes se trata de uma forma de expressão de um raciocínio que não implica, nem pode implicar, uma decisão já tomada independentemente de haver, ou não, suporte fáctico ou jurídico para a respectiva prolação’ (carregados acrescentados). d) As declarações feitas no douto acórdão n.º 425/2004 segundo as quais ‘tudo o que haveria a dizer e decidir quanto ao actual pedido foi já dito e decidido...’, confrontadas com as declarações feitas no douto acórdão n.º
603/2003 antes reproduzidas, deveriam logicamente conduzir à conclusão de que há contradições, já que as declarações feitas no douto acórdão n.º 425/2004 revelam a tomada de decisões sobre pretensões do interessado antes de o acto que veicula essas pretensões e a exposição da matéria tendente a demonstrar a sua procedência ter dado entrada no Tribunal Constitucional e, por conseguinte, independentemente de haver suporte fáctico para a sua prolação.
25. No entender do reclamante, o douto acórdão n.º 425/2004, em que se integra o douto acórdão n.º 695/2004, contém fundamentos que deveriam logicamente conduzir a conclusão oposta à, ou diferente da, conclusão de que ‘não se vislumbra que tivesse havido... inobservância do princípio do contraditório’. a) Em relação à observância do princípio do contraditório, o Tribunal Constitucional tem ensinado:
‘Corolários necessários do princípio da igualdade, quando conjugado com o direito fundamental de acesso aos tribunais, são os princípios do contraditório e da igualdade de armas, os quais assumem, no direito processual civil, particular relevância, se não mesmo a sua máxima expressão e sentido. Na verdade, só com a plena consagração desses, princípios processuais – que se não bastam com um conteúdo meramente formal, mas antes reclamam a verdadeira possibilidade de as partes disporem, em completa paridade, dos mesmos meios processuais, designadamente de produção de prova, gozando assim de iguais possibilidades de reconhecimento das respectivas pretensões – se pode alcançar e realizar de forma efectiva quer o direito de acesso aos tribunais, quer uma verdadeira igualdade entre as partes’ (acórdão do Tribunal Constitucional n.º
497/96, de 20 de Março de 1996, in BMJ n.º 455 – Abril – 1996, pp. 162, 165, carregados acrescentados). b) Para indeferir a reclamação apresentada com vista à contestação da legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo douto acórdão n.º 150/2004, o Tribunal Constitucional declara, no douto acórdão n.º 425/2004, que os pontos de vista expostos pelo interessado ‘não são, nem podem ser, acolhidos pelo Tribunal’. c) No douto acórdão n.º 695/2004, em sede de apreciação do pedido de rectificação de erros de escrita detectados, pelo interessado, após leitura do douto acórdão n.º 425/2004, o Tribunal Constitucional declara:
‘Verifica-se que todos esses alegados erros de escrita são reportados a passos do indicado Acórdão em que se efectuou a transcrição da peça processual apresentada pelo ora solicitante e que deu origem à sua prolação, transcrição essa (a) cuja efectivação, aliás, se procedeu lançando mão de meios de digitalização electrónica’ (fls. 1, carregado acrescentado) e
‘... os alegados lapsos nunca desvirtuariam minimamente o sentido da transcrição feita do rectificando aresto’ (fls. 5, carregado acrescentado). d) O pedido de rectificação de erros de escrita que deu origem ao douto acórdão n.º 695/2004 foi apresentado no contexto que a seguir se expõe. i) O interessado tinha reagido ao douto acórdão n.º 150/2004, porque, além do mais, o Tribunal Constitucional tinha procedida a esclarecimentos que alteravam o conteúdo de doutos acórdãos antecedentes, após terem sido notificados ao destinatário e após este a eles ter reagido pelos meios processuais legalmente previstos. ii) Com efeito, no douto acórdão n.º 83/2004, tal como foi notificado ao destinatário, o Tribunal Constitucional disse que '’a decisão proferida nos autos transita de imediato em julgado’ pelo que as 'condenações em custas são, assim, definitivas’ de onde a efectivação da conta pela secretaria, em casos como este, mais não representa do que o cumprimento do determinado no acórdão que ordenou a extracção do traslado’ (carregado acrescentado). iii) Porém, o Tribunal Constitucional, através do douto acórdão n.º 150/2004, declarou que, diferentemente do que se escreveu no douto acórdão n.º 83/2003,
‘as transcritas asserções, como límpido se depara, não implicam que a decisão impositora de custas não seja imediatamente exequível’. iv) O douto acórdão n.º 425/2004, tal como foi notificado por nota de 21 de Junho de 2004, leva a pensar que o Tribunal Constitucional pretendia fazer crer que, na reclamação pela qual se contestou a legalidade dos actos cuja prática é atestada pelo douto acórdão n.º 150/2004, o interessado tinha declarado que, nesse douto acórdão, o Tribunal Constitucional tinha dito que ‘as transcritas asserções, como límpido se depara, não implicam que a decisão impositora de custas não seja imediatamente exequível’. v) Para o reclamante, as expressões antes transcritas relativas às decisões de condenação em custas proferidas nestes autos têm sentidos substancialmente diferentes. e) As garantias de defesa contra actos considerados ofensivos dos direitos das pessoas praticados no exercício da função jurisdicional que não sejam passíveis de recurso são asseguradas pelo legislador através dos meios processuais previstos nos artigos 202.º e 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. f) A informação de que se procedeu à transcrição da peça processual apresentada pelo solicitante ‘lançando mão de meios de digitalização electrónica’ e a quantidade de erros de escrita que se vislumbram são de molde a revelar que a exposição das razões de facto e de direito feita na reclamação pela qual o interessado reagiu ao douto acórdão n.º 150/2004, nem chegou a ser lida pelos signatários do douto acórdão n.º 425/2004, antes da sua notificação por nota de
21 de Junho de 2004. g) Por outro lado, há que observar que os passos do douto acórdão n.º 425/2004 em que se vislumbram os erros de escrita são a transcrição das declarações feitas pelo reclamante com vista a fazer valer os seus direitos e interesses legítimos. h) A declaração de que ‘... os alegados lapsos nunca desvirtuariam minimamente o sentido da transcrição, feita do rectificando aresto’ leva a pensar que o Tribunal Constitucional, ao tirar os inúmeros acórdãos que fazem parte destes autos, se julgou autorizado a abstrair por completo do sentido das declarações contidas nas peças processuais apresentadas pelo interessado. i) Ora, sem actividade do órgão jurisdicional tendente a verificar se os factos expostos através do meio processual utilizado estão, ou não, provados, e se os pontos de vista defendidos pelo interessado são, ou não, merecedores de sufrágio
à luz das disposições legais indicadas nos actos de processo apresentados, ou de outras encontradas através de actividade de indagação e interpretação exercida no respeito pelo disposto nos artigos 9º e 10º do Código Civil, não há qualquer possibilidade de ver reconhecidas as pretensões legítimas das partes no processo. j) Nestas condições, o fundamento de que os pontos de vista do reclamante ‘não são, nem podem ser, acolhidos pelo Tribunal’ combinado com as informações dadas pelo douto acórdão n.º 695/2004 deveria ter conduzido logicamente a conclusão oposta a, ou diferente da, conclusão de que não houve ‘inobservância do princípio do contraditório’. k) No douto acórdão n.º 695/2004 (f1s. 5), lê-se ainda:
‘Muito embora se deva sublinhar que as rectificações ora pretendidas – vistas no contexto destes autos em que já foram inúmeros os acórdãos tirados e que os alegados lapsos nunca desvirtuariam minimamente o sentido da transcrição feita do rectificando aresto – não representam de todo em todo, um modo sério de litigar, de qualquer modo deixam-se rectificados os 'erros' de transcrição que, efectivamente e atendendo ao que acima se veio expor, se vislumbram na transcrição levada a efeito no Acórdão n.º 425/2004 e, bem assim, os
‘presumidos erros’ que porventura seriam decorrentes das ‘substituições’ pretendidas pela ‘errata’ apresentada’ (carregados acrescentados). l) O Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de um pedido de rectificação de erros de escrita que efectivamente se vislumbram no douto acórdão n.º
425/2004, formula o juízo segundo o qual a conduta do requerente não representa
‘um modo sério de litigar’. m) O juízo feito pelo Tribunal Constitucional é susceptível de lesar o direito ao bom nome e reputação de um cidadão. n) Esse juízo foi emitido sem ter sido dada ao requerente oportunidade para se pronunciar sobre as questões de tacto e de direito suscitadas pela matéria relativa ao modo de litigar consistente na apresentação de um pedido de rectificação de erros de escrita. o) Assim, com a formulação desse juízo, o douto acórdão n.º 695/2004 apresenta-se para o interessado como uma decisão-surpresa. p) O reclamante considera que o Tribunal Constitucional não poderá justificar a preterição de audiência prévia do interessado invocando que se está perante ‘um caso de manifesta desnecessidade’ de observância do princípio do contraditório. i) Com efeito, o juízo segundo o qual a conduta do requerente não representa ‘um modo sério de litigar’ foi emitido no exercício da função jurisdicional que deve desempenhar-se através de actividade que se rege por critérios exclusivamente jurídicos. ii) O n. 1 do artigo 667.º do Código de Processo Civil prevê que, se a sentença contiver erros de escrita pode ser corrigida por simples despacho, ‘a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz’. iii) O Tribunal Constitucional reconhece que os ‘erros’ detectados foram devidos ao meio de transcrição utilizado pelos seus serviços. iv) O simples facto de ter apresentado um pedido de rectificação de erros de escrita que efectivamente se vislumbram no douto acórdão n.º 425/2004 implicou um juízo negativo sobre o modo de litigar do reclamante susceptível de lhe causar prejuízo. v) O reclamante considera que, no âmbito da apreciação de um pedido de rectificação de erros de escrita que efectivamente se detectam num acórdão, o
órgão jurisdicional. antes de proceder à emissão de um juízo negativo sobre o modo de litigar de um requerente, tem de decidir a questão de saber se a emissão desse juízo se enquadra nos limites decorrentes do disposto nos artigos 666.º e
667.º do Código de Processo Civil. vi) Além disso, um órgão jurisdicional, no caso vertente, tinha de decidir a questão de saber se a emissão do juízo segundo o qual a conduta do requerente não representa ‘um modo sério de litigar’ se coaduna com o princípio de que ninguém pode ser prejudicado por erros e omissões que lhe não são imputáveis. q) Tendo presentes estes elementos, o reclamante considera que a prática assim revelada pelo douto acórdão n.º 695/2004, deveria logicamente conduzir também a conclusão oposta à, ou diferente da, conclusão de que não houve ‘inobservância do princípio do contraditório’.
26. O douto acórdão n.º 425/2004 contém declarações que logicamente deveriam conduzir a conclusão oposta à, ou diferente da, conclusão de que não houve ‘... pronúncia sobre questões sobre as quais ao Tribunal era vedado conhecer’. a) No douto acórdão n.º 425/2004, o Tribunal Constitucional declara:
‘E, não fora a circunstância de este órgão de administração de justiça não dispor, muito concretamente, de dados dos quais resultasse inequivocamente que a actividade do reclamante é iluminada por um dolo ou uma grave negligência na defesa dos seus pontos .de vista ou que. com tal actividade, visa unicamente entorpecer a acção da justiça ... seguramente que este já teria desencadeado o procedimento previsto no artº 456° do Código de Processo Civil’ (carregados acrescentados) . b) Resulta destas passagens que órgão de administração de justiça ainda não desencadeou o procedimento previsto no artigo 456.º do Código de Processo Civil. c) Porém, das passagens antes reproduzidas decorre que, no douto acórdão n.º
425/2004, o Tribunal Constitucional tratou de questões relativas a litigância de má fé. d) Ora, o tratamento de questões relativas a matéria de litigância de má fé, sem ter sido desencadeado o procedimento previsto no artigo 456.º do Código de Processo Civil, implica logicamente conhecimento de questões de que o órgão de administração de justiça não podia tomar conhecimento no douto acórdão n.º
425/2004. e) Nestas condições, a declaração de que ainda não foi desencadeado o procedimento previsto no artigo 456.º do Código de Processo Civil juntamente com a conclusão de que não há dados indiciadores de litigância de má fé deveria ter conduzido logicamente a conclusão oposta a, ou diferente da, conclusão de que não [ ] houve ‘... pronúncia sobre questões sobre as quais ao Tribuna era vedado conhecer’.
27. No entender do reclamante, o douto acórdão contém fundamentos que logicamente deveriam conduzir a conclusão oposta à, ou diferente da, conclusão de que não se vislumbra que ‘tivesse havido ... qualquer outro atentado a direitos, liberdades ou garantias fundamentais do reclamante’. a) No ponto 2 douto acórdão n.º 425/2004, lê-se:
‘O reclamante, com as sucessivas reclamações que tem levado a efeito, demonstra um não acatamento ou um inconformismo pelas já inúmeras decisões tomadas neste processo pelo Tribunal Constitucional que o mesmo não pode aceitar. E, não fora a circunstância de este órgão de administração da justiça não dispor, muito concretamente, de dados dos quais resultasse inequivocamente que a actividade do reclamante é iluminada por um dolo ou uma grave negligência ou que, com tal actividade, visa unicamente entorpecer a acção da justiça ... seguramente que este já teria desencadeado o procedimento previsto no artº 456° do Código de Processo Civil
... Neste contexto, não poderá mais o Tribunal pactuar com uma tal postura do impugnante ...’(carregados acrescentados). b) Segundo o n.º 2 do artigo 202.º da Constituição, ‘na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados’. c) O Tribunal Constitucional enuncia os fundamentos de que ‘o reclamante. com as sucessivas reclamações que tem levado a efeito demonstra um não acatamento ou um inconformismo pelas inúmeras decisões tomadas neste processo pelo Tribunal Constitucional que o mesmo não pode aceitar’ e que ‘neste contexto, não poderá mais o Tribunal pactuar com uma tal postura do impugnante ...’ d) No entender do reclamante, o modo de administrar a justiça revelado pelas inúmeras decisões tomadas neste processo pelo Tribunal Constitucional restringe ou trunca a materialização da dimensão garantística do direito à tutela jurisdicional efectiva. e) Nas sucessivas reclamações, o interessado expôs as razões de facto e de direito pelas quais, à luz dos textos constitucionais e legislativos que considerou pertinentes, não pode acatar, ou conformar-se com, o modo de administração da justiça revelado pelas decisões proferidas nos presentes autos. f) No caso, a exposição das razões de facto e de direito implicam críticas à actividade desenvolvida pelo Tribunal Constitucional para tirar as inúmeras decisões que fazem parte destes autos. g) Os fundamentos segundo os quais o Tribunal Constitucional ‘não pode aceitar’ que o interessado através das sucessivas reclamações demonstre o seu inconformismo com as, e o não acatamento das, inúmeras decisões e que ‘não poderá mais ... pactuar com uma tal postura do impugnante ...’ deveriam conduzir
à conclusão de que não está a ser respeitada a liberdade de expressão no quadro do exercício do direito de defesa contra actos considerados ofensivos dos direitos das pessoas praticados no exercício da função jurisdicional. h) A isso acresce que o Tribunal constitucional enuncia o seguinte fundamento:
‘E, não fora a circunstância de este órgão de administração de justiça não dispor, muito concretamente, de dados dos quais resultasse inequivocamente que a actividade do reclamante é iluminada por um dolo ou uma grave negligência na defesa dos seus pontos de vista ou que, com tal actividade, visa unicamente entorpecer a acção da justiça ... seguramente que este já teria desencadeado o procedimento previsto no artº 456° do Código de Processo Civil’ i) Estas passagens revelam o propósito de forçar o interessado a renunciar ao exercício dos seus direitos fundamentais através da imposição da sanção prevista no artigo 456.º do Código de Processo Civil, não obstante a falta de dados concretos indiciadores de litigância de má fé. j) A condenação por litigância de má fé representa não só uma oneração pecuniária com determinada expressão económica mas pode também constituir uma forte lesão moral susceptível de afectar gravemente a dignidade pessoal e profissional de quem a sofre. k) O Tribunal Constitucional reconhece que não existem dados concretos que permitam desencadear o procedimento previsto no artigo 456.º do Código de Processo Civil.
1) Porém, no douto acórdão n.º 425/2004, como nos doutos acórdãos anteriores, o reclamante é condenado em custas de elevada expressão económica que não correspondem, de todo em todo, às prestações de serviço público por ele solicitadas. m) A ameaça, feita por um órgão jurisdicional, de exercer represálias sobre a pessoa de um cidadão ou a agressão do seu património, pelo simples facto de esse cidadão se lhe dirigir para obter o reconhecimento das suas legítimas pretensões deveria logicamente conduzir à conclusão de que há atentado à liberdade de expressão no quadro do exercício do direito de defesa. n) Nestas condições, as declarações de que ‘não obstante a ... falta de dados concretos’ para desencadear o procedimento previsto no artigo 456.º do Código de Processo Civil e de que o Tribunal Constitucional ‘não poderá mais pactuar com a postura do impugnante’ combinadas com a agressão do património do reclamante já materializada através da penhora de bens deste deveria logicamente conduzir a conclusão oposta à, ou diferente da, conclusão de que não houve atentado a direitos, liberdades e garantias fundamentais. o) Na verdade, o reclamante considera que um órgão jurisdicional não pode pretender que um cidadão acate, e se conforme com, as inúmeras decisões proferidas num processo, exclusivamente por receio de que esse órgão jurisdicional desencadeie o procedimento previsto no artigo 456.º do Código de Processo Civil ou de que amplie a expressão económica dos prejuízos causados a esse cidadão pelo recorrido e pelos órgãos jurisdicionais intervenientes nos autos, sem atentar contra direitos, liberdades e garantias fundamentais. Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve a presente reclamação ser admitida e atendida, e, por conseguinte, anular-se o julgamento consubstanciado no douto acórdão n.º 425/2004 e, depois de criadas as condições para uma apreciação serena e objectiva da matéria exposta pelo interessado, proceder-se à sanação das nulidades arguidas, com todas as consequências legais, nomeadamente no que se refere a custas.”
É suficiente a leitura da «reclamação» ora em apreço a aqueloutras que deram lugar ao proferimento dos acórdãos acima indicados - excepção feita ao nº 695/2004 - para se concluir que, por intermédio dela, persiste o impugnante em assacar, desta feita ao Acórdão nº 425/2004, os vícios que imputara aos anteriores arestos e relativamente aos quais este Tribunal já se debruçou, tendo decidido não se verificarem eles e, inclusivamente, dito que não era de todo aceitável uma «reclamação» incidente sobre uma decisão que tomara posição sobre uma «reclamação» deduzida anteriormente sobre outra decisão e que a desatendera.
Recordem-se, a este propósito, a vicissitudes que têm sofrido os presentes autos:-
- por intermédio do Acórdão nº 46/2002, foi indeferida a reclamação deduzida pelo impugnante de um despacho proferido em 31 de Outubro de
2001 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, despacho esse que não admitiu um recurso intentado interpor pelo mesmo impugnante para o Tribunal Constitucional;
- desse acórdão arguiu o reclamante a respectiva nulidade desse acórdão e solicitou a sua reforma quanto a custas, pretensões que foram desatendidas pelo Acórdão nº 166/2002;
- de novo veio peticionar a reforma daqueles arestos quanto a custas, o que veio a ser objecto de indeferimento pelo Acórdão nº
272/2002;
- após a prolação deste aresto, e porque foi formulada nova reclamação, o Tribunal lavrou o Acórdão nº 385/2002, que, ponderando que os sucessivos pedidos de reforma, não atendidos, apontavam no sentido de o requerente estar a levar a cabo uma actividade processual que visava obstar ao cumprimento do decidido no Acórdão nº 46/2002, determinou a extracção de traslado e que fosse o processamento do novo pedido de reforma efectuado em separado, pagas que fossem as custas contadas no Tribunal;
- do Acórdão nº 385/2002 arguida o reclamante a respectiva nulidade, tendo ainda apresentado requerimento em que corporizava uma reclamação do acto da secretaria que o notificou da conta de custas cujo pagamento, segundo o determinado por aquele Acórdão, era condição da apreciação da reclamação deduzida do Acórdão nº 272/2002;
- pelo Acórdão nº 83/2003 foi decidido, por um lado, na esteira de anterior jurisprudência deste Tribunal tirada em autos em que igualmente figurava como «parte» o ora reclamante, que as condenações em custas em situações idênticas às deste processo - em que foi determinada a extracção de traslado - eram definitivas, e, por outro, no que dizia respeito às arguidas nulidades do Acórdão nº 385/2002, o Tribunal só delas curaria, pagas que fossem as custas contadas;
- ao Acórdão nº 83/2003 seguiu-se novo pedido de reclamação, o que foi indeferido pelo Acórdão nº 178/2003;
- em relação ao Acórdão nº 178/2003, apresentou o Licº A. reclamação mas, como lhe foi exigido o pagamento da multa a que se reporta o nº 6 do artº 145º do Código de Processo Civil, reclamou ele dessa exigência, o que deu origem à prolação do despacho de 26 de Maio de 2003, que julgou improcedente essa reclamação;
- do citado despacho reclamou o interessado para a conferência que, pelo Acórdão nº 434/2003, indeferiu a reclamação;
- porque, entretanto, foram pagas as custas contadas, o Tribunal, pelo Acórdão nº 435/2003, desatendeu a arguição de nulidade e pedido de reforma incidentes sobre o Acórdão nº 272/2002;
- sobre os Acórdãos números 434/2003 e 435/2003, seguiram-se novas reclamações, arguições de nulidades e pedido de rectificação de lapsos, que deram origem a que fossem tirados os Acórdãos números 602/2003,
603/2003, 149/2004, 150/2004, 424/2004, 425/2004 e 695/2004 (este atinente à rectificação de alguns dos lapsos indicados pelo reclamante em relação ao Acórdão nº 425/2004);
- do Acórdão nº 425/2004, como resulta do que se disse na parte inicial do vertente aresto, veio deduzida reclamação.
A reiteração sistemática dos pontos de vista do ora reclamante, já rejeitados por várias decisões antecedentemente tomadas por este Tribunal, não pode deixar de significar, não obstante a benevolência com que este, até ao momento, tem pautado a sua actuação, que o impugnante se tem servido dos incidentes de «reclamação» como um meio processual manifestamente reprovável, afigurando-se, assim, que a sua conduta tem por único objectivo protelar, sem fundamento sério, que se tornem firmes as decisões já lavradas.
Tudo apontando, pois, para a consideração de que se indicia que o reclamante assume uma postura que pode ser configurável como integrando litigância de má fé, o Tribunal decide a sua audição para se pronunciar, querendo, sobre uma eventual condenação a esse título.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2005
Bravo Serra Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos