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Processo n.º 57/05
3.ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 76 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. A. reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho do Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Évora que não admitiu o recurso de revista por si interposto do Acórdão daquele Tribunal de Relação de 18 de Março de 2004, com cópia a fls. 21, que declarou resolvido o contrato de arrendamento comercial existente entre a reclamante e os outros réus da acção, como inquilinos, e B. e outros, como senhorios, e condenou os primeiros a despejarem de imediato o imóvel arrendado, restituindo-o aos segundos livre e devoluto de pessoas e coisas. O recurso não tinha sido admitido por o valor da acção, inferior à alçada da Relação, não o permitir, nos termos do disposto no artigo 678º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil (despacho de fls. 37).
Após ter sustentado que era admissível o recurso que pretendia interpor para o Supremo Tribunal de Justiça, porque “no entender da recorrente
(...) o artigo 57º, n.º 1 [do Regime do Arrendamento Urbano] abrange todas as acções de despejo, respeita a todos os contratos de arrendamento e não apenas os contratos de arrendamento habitacional (artº 678º n.º 5)”, a reclamante invocou, designadamente, que
“11. Em suma, defende assim a maioria da doutrina que as acções de despejo admitem sempre recurso, quer estejamos perante um contrato de arrendamento habitacional, quer estejamos perante um contrato de arrendamento comercial, independentemente de valor.
12. Não tem qualquer razão de existência a não admissão de recurso. A recorrente tal como a posição defendida no acórdão do Tribunal Constitucional defende que estamos perante uma situação de inconstitucionalidade” [referindo-se, provavelmente, ao acórdão que cita de seguida, o Acórdão n.º 655/98).
A reclamante afirmou, ainda, que o citado acórdão n.º 655/98 do Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais “as normas constantes do artº 678 do n.º
1 do CPC, nos casos em que o valor da causa seja inferior ao da alçada da Relação (...), diferente do estipulado no artº 57 n.º 1 do Rau, por violação dos artº 13º e 20º da Constituição), e que era necessário o julgamento ampliado da revista, nos termos do disposto nos artigos 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil.
Por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2004, de fls. 40 e seguintes, a reclamação foi indeferida, tendo-se então afirmado o seguinte:
“Verifica-se que a ora reclamante faz uma grande confusão no que concerne à admissibilidade do recurso para este Tribunal.
Com efeito, tanto pelo artigo 57º do RAU, como pelo artigo 678º, n.º
5, do CPC é sempre admissível recurso para a Relação independentemente do valor da causa, aliás, se assim não fosse no caso vertente, não tinha havido recurso para o Tribunal da Relação de Évora, porquanto o valor desta acção é inferior à alçada do Tribunal da 1ª Instância. E o que se decidiu no acórdão do Tribunal Constitucional invocado foi «julgar inconstitucional a interpretação das normas constantes dos artigos 678º, n.º 1, e 689º, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo a qual da decisão dos embargos de terceiro, deduzidos contra execução de sentença de despejo em que o recorrente invoca a qualidade de arrendatário, não
é admissível o recurso para o Tribunal da Relação (nos casos em que o valor da causa seja inferior ao da alçada da Relação), diferentemente do estipulado no artigo 57º, n.º 1, do RAU, por violação dos artigos 13º e 20º da Constituição».
Mas aqui o que está em causa é a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e não para a Relação e no que respeita a este não se verificando as excepções acima referidas, não há que proceder à delimitação do
âmbito dos artigos 678º, n.º 5, do CPC e 57º do RAU para efeitos de admissão do recurso, sempre sujeita à regra geral do n.º 1 do artigo 678º do CPC.
Donde a decisão que não admitiu o recurso não ser inconstitucional Por último, face ao disposto no artº 732º-A do CPC, a solicitação por qualquer das partes para julgamento ampliado só pode ocorrer depois de o recurso de revista ser admitido, o que não acontece no caso dos autos. Daí ser inviável a apreciação do pedido visando tal objectivo.”
Por despacho de 23 de Novembro de 2004, de fls. 59, foi indeferido o pedido de esclarecimento deste despacho.
2. Vieram então A. e os outros réus da acção interpor recurso para o Tribunal Constitucional, “ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), e artigo
75º-A, n.ºs 1 e 2, da Lei Orgânica sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional”, acrescentando que
“Com o presente recurso, pretendem os recorrentes ver apreciada a inconstitucionalidade e legalidade do artigo 57º, n.º 1, do RAU (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) e artigo 678º, n.º 5, do CPC, uma vez que entendem que este viola os artigos 13º e 20º da C.R.P.
A questão da inconstitucionalidade daqueles preceitos legais foi já devidamente invocada pelos recorrentes aquando das Reclamações apresentadas, face à não admissão pelo Supremo Tribunal de Justiça do Recurso de Revista alargada, com o propósito de se proceder à uniformização de Jurisprudência; porquanto existem Acórdãos em sentido diverso quanto à mesma questão jurídica que se prende com a necessidade de autorização e comunicação ao Senhorio por parte do Arrendatário, de celebração de Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial.
Pretende-se ainda ver apreciada a Constitucionalidade e Legalidade, por se entender que viola também os artigos 13º e 20º da C.R.P., das seguintes normas legais:
- artigo 64º, n.º 1, alínea f) do RAU, alíneas f) e g) do artigo 1038º do Código Civil (distinção entre as figuras jurídicas de Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento e Contrato de Arrendamento);
- artigo 111º do RAU e artigo 1060º do CC (distinção entre cessão de exploração e contrato de arrendamento e sublocação);
- artigo 111º do RAU e 1129º do CC (distinção entre cessão de exploração de estabelecimento e contrato de comodato).
Entendem ainda os recorrentes que a posição sufragada no que tange a todas as normas jurídicas anteriormente mencionadas e em particular no que diz respeito ao entendimento das regras jurídicas respeitantes às alçadas dos Tribunais (artigo 678º, n.º 5, do CPC) que, na perspectiva do Tribunal a quo, impedem, por si só, a admissão e apreciação de Recurso de Revista, reveste a natureza de interpretação restritiva que é flagrante e objectivamente violadora dos artigos 13º e 20º da C.R.P., sendo também ilegal, na medida em que ofende o preceituado no artigo 9º, n.º 1, do CC, ao limitar o âmbito de aplicação do artigo 57º do RAU, somente às situações jurídicas de arrendamento habitacional, excepcionando do seu campo de aplicação o arrendamento comercial.”
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Independentemente da existência de outros obstáculos, que se não referem por desnecessidade, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso, por não terem sido aplicadas pela decisão recorrida quaisquer normas contidas nos preceitos legais indicados no requerimento de interposição de recurso.
Com efeito, neste requerimento os recorrentes dizem pretender a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 57º do RAU e do artigo
678º, n.º 5, do Código de Processo Civil, por um lado, e das normas dos artigos
64º, n.º 1, alínea f), e 111º do RAU, bem como dos artigos 1038º, alíneas f) e g), 1060º e 1129º do Código Civil, por outro.
Ora é manifesto que o despacho recorrido, que se limitou a indeferir a reclamação contra a não admissão do recurso, apenas decidiu com base nas disposições respeitantes às condições de admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não aplicando, naturalmente, nenhuma norma contida, nem nos artigos 64º, n.º 1, alínea f), e 111º do RAU, nem nos artigos 1038º, alíneas f) e g), 1060º e 1129º do Código Civil.
Mas o mesmo se verifica quanto às normas dos artigos 57º do RAU e
678º, n.º 5, do Código de Processo Civil. Com efeito, a questão de constitucionalidade que os recorrentes invocam quanto a estes dois preceitos respeita ao problema de saber se o âmbito de aplicação da regra da admissão de recurso para a Relação, prevista no artigo 57º do RAU, vale apenas para os casos em que está em causa um arrendamento habitacional, ou, também, para os arrendamentos comerciais. Simplesmente, não era esse o problema então colocado, como o despacho agora recorrido esclarece, já que o que estava em causa era a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e não para a Relação. Ora, neste âmbito, o que se decidiu no despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi que da decisão da Relação, no caso dos autos, “não cabe recurso, atento o disposto no citado artigo 678º, n.º 1, do CPC”.
O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo da citada alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 destina-se a conhecer da alegada inconstitucionalidade de normas efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, como expressamente ali se refere e o Tribunal tem repetidamente afirmado.
Deste modo, não tendo nenhuma das disposições impugnadas sido aplicada pela decisão recorrida, não pode o Tribunal conhecer do objecto do recurso (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 367/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994).
4. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro. Assim, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
2. Inconformados, os recorrentes reclamaram para a conferência, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão reclamada. Para o efeito, os reclamantes C., D., A. vieram dizer o seguinte:
“1- Não podem os ora reclamantes conformar-se com o teor da douta decisão sumária proferida in casu, porquanto, salvo o devido respeito não se mostram devidamente apreciadas e decididas todas as questões substanciais e processuais suscitadas pelos ora reclamantes nas diversas peças processuais por si até agora oferecidas;
2 - ORA , Desde logo e como questão prévia; sempre se dirá que a douta decisão sumária não considerou nem fez qualquer referência à reclamação face à não admissão do recurso de Revista oportunamente apresentado junto do STJ por C. e D..
3 - Apenas referindo a douta decisão sumária, a reclamação apresentada por A., e ainda assim, limitando-se a peça reclamada a reproduzir na integra o teor da douta reclamação apresentada pela reclamante, bem como o despacho quanto à mesma proferida, o mesmo se dizendo quanto ao requerimento de esclarecimento e respectivo despacho decisório.
4- Porquanto, A douta decisão sumária ERROU ao não argumentar ou sequer apreciar os fundamentos e razões aduzidas por banda de C. e D. na respectiva reclamação junto do STJ, designadamente foi entendimento destes reclamantes invocar a não convergência de opinião na doutrina em relação ao âmbito de aplicação do n.º 5 do art. 678.º do CPC, existindo teses que pugnam pelo alargamento da recorribilidade em acções de despejo que digam respeito a contratos de arrendamento, cujo o fim seja o exercício de comércio ou profissão liberal,
5 - Designadamente, pugnam pela tese da recorribilidade sem prejuízo do valor da causa e objecto do contrato de arrendamento, PAIS DE SOUSA, LEMOS JORGE, e o malogrado Juiz Conselheiro JORGE ALBERTO ARAGÃO SEIA.
6 - ERRA também a douta decisão sumária ao não contemplar nem a propósito aduzir qualquer argumentação acerca da questão da necessidade de UNIFORMIZACÃO DA JURISPRUDÊNCIA quanto à questão jurídica consistente na necessidade ou desnecessidade da comunicação e autorização do senhorio face à exploração de Estabelecimento comercial.
7- Há que evidenciar que todos os reclamantes inicialmente em peças processuais distintas, e por fim ao âmbito da mesma peça requereram e evidenciaram desde sempre a absoluta necessidade e emergência de se proceder à UNIFORMIZACÃO Jurisprudencial no que tange à questão jurídica em apreço, não sendo descabido ora frisar que tal questão tem sido, sistematicamente ignorada pelas instâncias Jurídicas Superiores, junto das quais tem os ora reclamantes desenvolvido actividades e iniciativa processual.
8- A douta decisão Sumária à semelhança de anteriores decisões proferidas não aprecia devidamente a questão por demais relevante para o tema jurídico em debate, respeitante à necessidade de UNIFORMIZACÃO da mui diversa JURISPRUDÊNCIA CONTRADITÓRIA diariamente propalada em distintos arestos dos nossos tribunais.
9- Mais se dirá; Que nunca os ora reclamantes referiram existir uma inconstitucionalidade e ilegalidade das normas constantes do art. 57.º n.º 1 do RAU, art.º 678.º n.º 5 do CPC, como normas jurídicas de per si consideradas, o que constitui efectivamente clara inconstitucionalidade, referiram sim a possibilidade de diversas interpretações dadas às citadas normas, interpretações estas absolutamente contraditórias entre si e que por serem todas elas potencial e efectivamente aplicáveis nas decisões a proferir nos diversos tribunais originaram clara violação dos art. 13° e 20º da CRP.
10 - Mal se compreende que num estado de direito democrático, cujo um dos princípios básicos é a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, a justiça das decisões judiciais, bem como o legítimo direito dos cidadãos no acesso do direito seja posta de parte a apreciação e decisão de uma questão jurídica em sentido unívoco, antes continuando a ser permitido a produção de decisões judiciais que ao sabor do caso e da posição doutrinária adoptada, in concreto por cada julgador, redunde no benefício de alguns cidadãos, e em prejuízo de outros, obnubilando princípios básicos do ordenamento jurídico português, e fazendo destes praticamente “letra morta”!.
11 - Frise-se que é ilegal a realização de uma interpretação restritiva das normas jurídicas invocadas supra, o que ofende o preceituado no n.º 1 do art.º 9 do CC.
12 - É certo que legalmente a decisão inicial de admissão do recurso oportunamente interposto junto do Colendo Tribunal Constitucional, não vincula este mesmo tribunal ;
13 - Todavia, e salvo devido respeito por opinião contrária, entendem os ora reclamantes não haverem sido devidamente analisados, ponderados e contra argumentados cabalmente no âmbito da douta decisão sumária, todos os argumentos tendentes à demonstração das inconstitucionalidades e ilegalidades invocadas supra, atento o facto de não terem os reclamantes questionando as normas em si, mas sim a divergência de interpretações que quanto às normas, persistem na nossa ordem jurídica, e que muitas vezes faz cair por “terra”, apenas como de um jogo de sorte ou azar se tratasse, os legítimos direitos adquiridos e que colocam em causa o princípio da igualdade de tratamento a propósito de uma mesma questão jurídica e que originam decisões injustas.
14 - ERRA também a douta decisão sumária ao considerar desnecessário invocar outros obstáculos à apreciação de questões suscitadas junto do Tribunal Constitucional antes de tecer argumentações, no sentido de não conhecimento do recurso que parte de uma errónea interpretação e entendimento à cerca das razões e argumentos oportunamente oferecidas pelos reclamantes.
15 - ERRA mais uma vez a douta decisão sumária ao considerar que não pode o tribunal conhecer do recurso também por razões que alegando DESNECESSIDADE não invoca, contribuindo ainda mais para que os reclamantes se sintam injustiças, cite-se pois este entendimento que não pode ser de alguma forma aceite pelos ora recorrentes “independentemente da existência de outros obstáculos, que se não referem por desnecessidade, o tribunal constitucional não pode conhecer do presente recurso ...” folhas 5 e 6 da douta decisão.
16 - Salienta-se assim, que indubitavelmente tem os cidadãos o legítimo direito a tomar conhecimento de todos os fundamentos que servem de base a uma decisão que colida com as suas expectativas e indefira a sua pretensão.
17 - Desde logo, face à extrema penosidade que acarreta para os direitos e pretensões dos ora reclamantes, a douta decisão reclamada, legítimo e lógico é esperar que a mesma se mostre ampla e perfeitamente fundamentada porquanto é consabidamente lesiva da pretensão dos ora reclamantes.
18 – E não se diga, a título de argumentação meramente processual, a qual deixa incompreensivelmente de parte as questões de fundo, que não foram aplicadas ao caso concreto as normas jurídicas atrás mencionadas quando na verdade o que contestam os reclamantes é a interpretação divergente e restritivas dada a estas mesmas normas, e não as mesmas na sua essência.
19 - Diga-se ainda que, não pode nem deve qualquer norma respeitante às alçadas dos tribunais superiores servir de fundamento para a não apreciação de uma questão jurídica de fundo com a qual se mostra inequivocamente conexa.
20 - Porquanto, ao considerar ser irrecorrível uma decisão jurídica que respeita a um contrato de arrendamento para o exercício do comércio, tendo-se por base o valor dessa mesma acção colide esta questão processual com a regra substantiva que respeita à hipótese de recurso no âmbito de uma acção de despejo em sede de contrato de arrendamento, designadamente, veja-se o art. 57º n.º 1 do RAU.
21 - ERRA mais uma vez a douta decisão sumária, ao afastar o conhecimento do recurso interposto tendo por base o facto de estar em causa a admissibilidade de recurso junto do STJ e não para o tribunal da relação porquanto tal recurso visava, ab initio, em sede de recurso de revista alargada promover a UNIFORMIZAÇÃO de JURISPRUDÊNCIA divergente.
22 - Mais se dirá ainda, que a argumentação aduzida pelos ora reclamantes nos pontos 19 e 20 desta reclamação colhe também para demostrar que ERRA a douta decisão sumária proferida ao considerar não haverem sido aplicadas ao caso concreto as disposições legais impugnadas no recurso pelos ora reclamantes, pelo que se insiste na pretensão de ver admitido e decidido o recurso interposto para este tribunal constitucional Nestes termos, deverá ser admitida a RECLAMAÇAO PARA A CONFERÊNCIA, atentas as razões e argumentos invocados supra, havendo lugar ao conhecimento do objecto do Recurso interposto, seguindo-se os ulteriores termos legais até final, com o que se fará a sã, serena e acostumada JUSTIÇA!”
Os reclamados pronunciaram-se no sentido do indeferimento da reclamação.
3. Em primeiro lugar, há que reconhecer que deveria ter sido referida a reclamação apresentada por C. e D., sobre a qual foi proferido o despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a não admitir o recurso interposto para esse mesmo Tribunal, peças constantes do processo apensado e das respectivas fls. 479 e 540.
Nessa reclamação, os reclamantes sustentam que deveria ser admitido o recurso de revista que interpõem do acórdão do Tribunal da Relação de Évora atrás referido (fls. 21) porque o artigo 57º do Regime do Arrendamento Urbano também se aplica aos arrendamentos para o exercício do comércio e de indústria e
“se mostra discutível o critério do valor da causa como impedimento à admissão do mesmo”.
E requerem, ainda que, a ser admitido o recurso de revista, “haja lugar ao julgamento ampliado da revista, atento o disposto nos artigos 732ºA e
732ºB do C.P.C., uma vez que a decisão recorrida em sede de revista se mostra em clara oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de Direito.”
Sobre esta reclamação foi proferido o despacho de fls.540, que, comparado com o despacho de fls. 40, tem de diferente o seguinte:
“Diversamente do sustentado pelos reclamantes, no caso dos autos, visto estarmos perante a resolução de um contrato de arrendamento comercial, com o consequente despejo dos réus, a norma que reclama aplicação é a do artº 57º do RAU e não a do artº 678º, n.º 5 do CPC, por aquela se referir à acção de despejo sem estabelecer qualquer discriminação, dado abranger todos os contratos de arrendamento urbano e não apenas os de habitação, como acontece com a última norma.
Mas, mesmo que se entendesse que o citado artigo 678º, n.º 5 do CPC também abrange na sua previsão os contratos de arrendamento comercial, a sua aplicabilidade só relevava no recurso para a Relação e nunca no recurso para o S.T.J., para o qual a admissibilidade do recurso depende da regra geral do n.º 1 do artº 678º do CPC.”.
Quanto à razão da não admissão do recurso – baseada no n.º 1 do artigo 678º do CPC – e à negação do pedido de julgamento ampliado da revista, a resposta é igual à que consta do despacho de fls. 40.
4. Feito este acrescentamento, tudo o mais se mantém nos precisos termos da decisão reclamada, decisão que não deixou de apreciar nenhuma questão que lhe coubesse decidir, desde logo porque o Tribunal Constitucional não pode apreciar senão as questões colocadas no próprio recurso de constitucionalidade – e não, portanto, nas reclamações apresentadas no Supremo Tribunal de Justiça .
Os reclamantes sustentam que a decisão sumária errou porque não se pronunciou sobre diversas questões de interpretação de direito ordinário que referem – âmbito de aplicação do n.º 5 do artigo 678º do Código de Processo Civil ou do artigo 57º do Regime do Arrendamento Urbano, “necessidade ou desnecessidade de comunicação e autorização do senhorio face à exploração de estabelecimento comercial” e necessidade de uniformização de jurisprudência; e errou também por não ter apreciado as ilegalidades e inconstitucionalidades demonstradas pelos reclamantes e por não ter indicado outros obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso; e errou ainda porque o recurso que interpuseram pretendeu ser uma revista alargada para obter a uniformização da jurisprudência e, finalmente, por afirmar “não haverem sido aplicadas ao caso concreto as disposições legais impugnadas no recurso pelos ora reclamantes”.
5. A verdade é que a presente reclamação não toma em conta, nem de que decisões foi interposto o recurso de constitucionalidade, nem qual é o objecto e o âmbito possível deste último.
Em primeiro lugar, o recurso foi interposto dos despachos do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, fundamentando-se no disposto no n.º 1 do artigo 678º do Código de Processo Civil, indeferiram as reclamações apresentadas contra o despacho de não admissão dos recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Tribunal da Relação de Évora.
Ora, como se disse na decisão reclamada, em termos que valem para os dois despachos do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não foram aplicados os preceitos referidos no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, em nenhuma das suas interpretações. Quanto aos artigos 678º, n.º 5 e 57º do Regime do Arrendamento Urbano, porque, como ali se disse, se não tratava de recurso para a Relação, sendo que estes preceitos só a essa hipótese se aplicam; quanto aos demais, porque, estando em causa decisões sobre admissibilidade do recurso interposto, nem lhes caberia aplicar preceitos relativos ao litígio substancial.
Se os ora reclamantes tivessem recorrido para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Évora que decretou o despejo, como era possível mesmo depois de o Supremo Tribunal de Justiça ter indeferido a reclamação contra a não admissão dos recursos – é o que expressamente se prevê no n.º 2 do artigo 75º da Lei nº 28/82 –, poderiam questionar perante o Tribunal Constitucional a constitucionalidade das normas com base nas quais o despejo foi decretado.
É o que resulta do disposto no artigo 79º-C da Lei nº 28/82, e o que está de acordo com a função do recurso de constitucionalidade.
Assim sendo, não podia o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso interposto. Nunca lhe caberia, aliás, apreciar questões de direito ordinário, limitado que está à apreciação de normas aplicadas pela decisão recorrida com o sentido com que esta as interpretou e aplicou.
Em segundo lugar, verificando o Tribunal Constitucional que falta uma condição de admissibilidade do recurso interposto – no caso, a não aplicação das normas impugnadas –, torna-se realmente desnecessário apontar outras faltas, porque em hipótese alguma se poderia conhecer do recurso. Trata-se da regra fixada pelo n.º 2 do artigo 660º do Código de Processo Civil, preceito aplicável
à decisão do recurso de constitucionalidade, em virtude do disposto nos artigos
69º da Lei nº 28/82 e 713º do Código de Processo Civil.
6. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não conhecimento do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 10 de Março de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Artur Maurício