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Processo n.º 229/02
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Em 27 de Outubro de 1998, A., melhor identificado nos autos, interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação e declaração de nulidade do acto administrativo do Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Regional de 20 de Agosto de 1998, que indeferiu o requerimento do autor ao Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural em que pedia a revisão da indemnização a pagar pelo abate de 428 cabeças de gado de que era proprietário, na sequência do diagnóstico de BSE (encefalopatia espongiforme dos bovinos) num dos efectivos da sua exploração, ou a explicitação de que “pretende restringir a indemnização à aplicação das regras que decorrem do Despacho Conjunto n.º 344/98, publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Maio de 2000”. Por acórdão de 2 de Maio de 2000, a 2.ª Subsecção da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo decidiu, em conferência, negar provimento ao recurso, considerando, para o que ora importa, o seguinte:
«2.9. Em síntese conclusiva sobre a justa indemnização:
- O abate dos animais suspeitos de contágio deve ser indemnizado nos termos do art.º 9.º, n.º 2, do DL 48051; § 1.º do art.º 8.º do DL n.º 39209; art.º 1.º do DL n.º 195/87; Portaria n.º 114-A/96, de 6 de Maio; e Despacho Conjunto dos Ministros das Finanças e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, publicado no DR, II Série, n.º 111, 14.5.98.
- A indemnização a atribuir aos proprietários nos termos daquelas normas, cujo
“quantum” resulta da aplicação da tabela de cálculo anexa ao citado Despacho Conjunto, tem de respeitar os critérios de justiça e proporcionalidade decorrentes do princípio do Estado de Direito democrático do art.º 2.º da Constituição, tem de garantir igualdade na distribuição dos encargos públicos e no tratamento dos diversos proprietários atingidos, não pode ser meramente simbólica ou irrisória, e, tendencialmente, tem de ser contemporânea do sacrifício especialmente imposto.
- A indemnização justa não se pode definir em termos absolutos, apenas pode balizar-se por duas fronteiras tão afastadas uma da outra quanto o permitem os limites acabados de enunciar.
- A tabela anexa ao Despacho Conjunto que serviu de base ao cálculo final dos montantes pagos ao recorrente satisfaz as exigências da justa indemnização porque não adopta critérios abstractos, atinge valores que presumivelmente estão próximos do valor que em prognose resultaria do funcionamento do mercado nas condições existentes, elimina o perigo de uma eventual desvalorização profunda causada pela existência de zoonose e os factos a que manda atender permitem distinguir as diferentes destinações dos bovinos, permitem ter em conta o valor dos animais em carne, segundo um padrão médio, corrigido depois por uma compensação pela qualidade da exploração possível e esperada de cada um dos nove tipos de animais que contempla, o que tem de entender-se, também, como uma compensação por lucros cessantes.
- Segundo aquela tabela, o valor dos animais abatidos resulta do somatório do valor em carne, de acordo com o respectivo peso e categoria, com o montante compensatório pela qualificação da exploração, esta entendida como as qualidades e as características zootécnicas de cada exemplar que permitem esperar um certo rendimento pela exploração da capacidade produtiva (leite) e reprodutiva
(crias), que a tabela apresenta sob a designação de “compensação pelo valor produtivo” e que cumpre as exigências do art.º 1.º do DL n.º 195/87, de 30 de Abril.» O recorrente recorreu então para o pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 22 de Janeiro de 2002, confirmou o acórdão recorrido, escrevendo, no que agora releva, o seguinte:
“Embora o desiderato de justiça na indemnização se alcance seguramente quando o legislador opta pelo critério do valor de mercado do bem expropriado, outros critérios são possíveis para atingir o mesmo fim (Ac. do Trib. Const. n.º
194/97, de 11/3/97, in Acs. do Trib. Const., vol. 36.º, pág. 413). Importa, pois, averiguar se os critérios fixados pela norma, fórmula ou tabela e que têm de ser observados na fixação do montante indemnizatório permitem a reposição do estábulo na situação idêntica à do que fora sacrificado. Segundo o recorrente tal não sucedeu, defendendo, sem todavia indicar o valor dos animais abatidos, que deveriam ter sido avaliados por peritagem antes do abate. Assim, refere em 1.º lugar que o valor da carne não foi calculado de acordo com a cotação do dia no mercado do Montijo, pelo que os 41 274 464$00 pagos a tal título deveriam ascender a 58 213 750$00. Refere, em 2.º lugar, o recorrente que a indemnização arbitrada ignorou as características genéticas de cada animal para a produção da carne, o seu estado sanitário, idade e maneio. Finalmente, e em 3.º lugar, o recorrente defende que não se atendeu ao valor zootécnico dos animais abatidos, pois que se tratava de animais cuja raça tinha sido apurada. Como compensação pelo respectivo abate, foi paga ao recorrente a quantia total de 82 934 464$00 (79 349 464$00 + 3 585 000$00), montante que ultrapassou os 58
213 750$00 indicados pelo recorrente como sendo o valor total da carne calculado de acordo com a cotação do dia no Montijo. De acordo com o n.º 9 do Despacho Conjunto n.º 334/98, o pagamento pelo abate sanitário dos bovinos portadores da BSE abrange uma indemnização a título de abate sanitário e uma compensação pelo valor produtivo dos animais, segundo os critérios da tabela anexa, onde se estabelece o montante por cabeça e diferenciando-se os bovinos de aptidão leiteira dos de aptidão para carne e dentro de cada classe os vários tipos de animais. Tendo em atenção o número de animais abatidos segundo o recorrente e atendendo à cotação do dia no Montijo, o mesmo deveria receber 58 213 750$00, quando efectivamente recebeu o total de 82 934 464$00 (41 274 464$00 indemnização por abate e 38 075 000$00 + 3 585 000$00 por compensação pelo valor produtivo). Ou seja, o valor total recebido pelo recorrente a título de indemnização e apurado segundo os critérios legais corresponde a uma justa indemnização pelo abate forçado dos seus bovinos, não se vislumbrando a violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade, como aquele defendia. Efectivamente, pelo montante respeitante a compensação foram abrangidas as situações alegadas pelo recorrente e sobretudo o valor produtivo dos animais abatidos. Ao assim ser decidido, não violou o acórdão recorrido o mencionado princípio da justa indemnização, pelo que improcedem as conclusões agora em análise.”
2.Inconformado, o recorrente intentou o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional). No Tribunal Constitucional foi proferido o despacho de aperfeiçoamento previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A do mesmo diploma, na redacção da Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, tendo o recorrente, em resposta, esclarecido que pretendia “ver apreciada a constitucionalidade do artigo 9.º e dos anexos I e II do Despacho Conjunto n.º 334/98, publicado no Diário da República n.º 111, de 14 de Maio (II Série), norma que estipula as regras de indemnização dos proprietários de animais objecto de abate compulsivo e de destruição”. Determinada a produção de alegações, só o recorrente as apresentou, concluindo deste modo:
«a) No caso sub judice, a manada do ora Recorrente, composta por 428 cabeças de gado foi sujeita a uma medida de abate compulsivo, por motivos de saúde pública, em virtude de ter morrido uma das reprodutoras da manada, à qual foi posteriormente diagnosticada a BSE, sendo certo que as restantes 427 se encontravam em perfeitas condições sanitárias. b) O abate sanitário por razões de saúde pública configura uma situação de destruição de bens por motivos de utilidade pública, situação essa, abrangida pelo artigo 62.º, n.º 2, da CRP, e que está sujeita, naturalmente a normativo especial para regulação da situação específica e definição daquele que é o modo de apurar o quantum certo que, sem excessos, compensa o proprietário pelo dano que lhe foi causado. c) Na concretização do sentido do direito fundamental em referência, a Doutrina e a Jurisprudência têm sido unânimes em considerar que justa indemnização é aquela que garante ao proprietário dos bens destruídos a compensação plena pela perda patrimonial suportada, em termos de o colocar na posição em que se encontraria caso esse acto lesivo nunca tivesse sido praticado. d) O normativo, que define em concreto a indemnização a atribuir em cada situação específica, deve, naturalmente, conformar-se com o princípio constitucional da justa indemnização, não podendo contrariar o mencionado preceito, visto tratar-se de um direito com o estatuto de direito análogo aos direitos, liberdades e garantias fundamentais. e) O Recorrente foi indemnizado ao abrigo do Despacho Conjunto n.º 334/98 que estabelece os critérios para o cálculo da indemnização a atribuir aos proprietários de animais sujeitos a abate sanitário, o qual foi emitido ao abrigo da Portaria n.º 144-A/96, que por sua vez foi proferida, nomeadamente em atenção ao disposto no artigo 2.º do DL n.º 195/87. f) A indemnização que, a final, foi atribuída ao ora Recorrente, composta por uma parcela relativa à indemnização por abate e outra referente à compensação pelo valor produtivo dos animais abatidos, conforme os critérios constantes do artigo 9.º do Despacho Conjunto e respectivos anexos, não constitui uma justa indemnização porque não representa o valor da manada de que o mesmo se viu privado. Ora, são precisamente os mencionados critérios, bem como os montantes compensatórios aí previstos que violam o princípio insíto no artigo 62.º, n.º 2 da CRP. h) No que respeita ao critério de indemnização pelo abate, é estabelecido um valor único para o quilo da carne; independentemente da aptidão dos bovinos, da sua raça e da sua idade, sendo o peso da carcaça calculado em 55% do peso do animal vivo. Para além de se poder discutir se o preço de 392$00 por quilo de carne constitui um valor justo e real do mesmo, a verdade é que a circunstância de este valor ser único e independente das oscilações e diversidades de valor existentes no mercado bovino, torna-o, só por isso, num critério absolutamente
“cego” e aleatório que, assim, viola o princípio constitucional da justa indemnização. i) Quanto à compensação pelo valor produtivo dos animais abatidos, é estabelecido como critério base a inscrição dos bovinos no livro genealógico da respectiva raça, sendo essa inscrição valorizada em cerca de 70%. j) À luz do mencionado critério não faria qualquer sentido a exploração de cruzados, o que, como é do conhecimento público, é uma prática corrente, na grande maioria das explorações agrícolas, com o propósito de aumentar a produtividade, pelo que se mostra evidente que a inscrição num qualquer livro genealógico não pode ser um elemento de avaliação da produtividade de um animal. k) Acresce que ainda que a inscrição num livro genealógico da respectiva raça valorizasse o animal em cerca de 70%, a verdade é que este critério também se mostra “cego” à realidade existente, por se fixar um valor único para o animal inscrito, independentemente da respectiva raça. l) Mais ainda, a existência dos livros genealógicos depende unicamente da iniciativa dos privados e a inscrição dos animais nos mencionados livros é meramente facultativa, donde existem raças, como é o caso da raça saler, que não têm livro genealógico organizado, havendo obviamente vários criadores de animais com raças que têm livro organizado, que aí não inscrevem os seus animais. Daqui resulta que os criadores de animais de raças para as quais não exista livro genealógico organizado ficam irremediavelmente prejudicados em face dos criadores de animais para cuja raça exista esse livro, sendo igualmente discriminados os criadores de animais cruzados, os quais, como se sabe, são, na maioria das vezes, os que apresentam maiores níveis de produtividade. m) Assim sendo, este critério mostra-se inócuo para atingir o fim a que se destina, ou seja, a definição do valor correcto a atribuir para compensação do valor produtivo dos animais abatidos. De facto, semelhante objectivo só seria alcançado se o Despacho Conjunto atendesse a factores tão fulcrais como a raça, as características genéticas para a produção de carne ou de leite, o estado sanitário dos animais, a sua idade e o seu maneio, ou seja, a sua alimentação e demais cuidados prestados pelo seu criador. n) Ora, na medida em que o Despacho Conjunto n.º 334/98 visa apurar o valor produtivo dos animais sem atender a estes elementos atrás descritos, assentando em critérios que não têm vocação para avaliar a produtividade de um animal, mostra-se esse diploma inadequado para atribuir a justa indemnização, necessária em face do artigo 62.º, n.º 2, da CRP. o) Cabe referir que, em casos em tudo semelhantes, como os que se encontram previstos no DL n.º 195/87, a indemnização a atribuir corresponde a um valor tão próximo quanto possível dos valores correntes do mercado, devendo a mesma ter em conta, não só o valor zootécnico dos animais, mas também e sobretudo a qualificação da exploração agrícola, de cada criador. p) Ora, se a única diferença entre o DL n.º 195/87 e o Despacho Conjunto n.º
334/98 reside na circunstância de o primeiro ter um âmbito de aplicação mais geral e o segundo se restringir às hipóteses de BSE, não se pode, em caso algum, sustentar que existia base ou justificação para que se estabeleça uma diferença tão marcada entre os critérios de atribuição de indemnização por abate sanitário. q) Para além do exposto, o Despacho Conjunto n.º 334/98 omite uma indemnização pelos lucros cessantes, pelo que, em qualquer circunstância, se mostra incapaz de repor um qualquer criador, cujos animais tenham sido objecto de um abate sanitário compulsivo, na situação em que o mesmo se encontraria, caso esse acto lesivo nunca tivesse sido praticado. r) Nestes termos, e porque de uma justa indemnização se trata, dever-se-ia atender a cada circunstância concreta, atribuindo aos criadores os valores devidos a título de lucros cessantes e a isso fazendo acrescer o valor inerente aos custos de reconstituição de uma manada com iguais características, o que deve incluir não só o custo de aquisição no mercado nacional ou estrangeiro, de novos novilhos e os custos de manutenção desses animais até à idade produtiva, pois só assim se coloca o lesado na situação em que se encontraria caso o acto nunca tivesse sido praticado. s) Pelo que se conclui que o regime jurídico constante do Despacho Conjunto n.º
334/98, por apresentar critérios inábeis para reconstituir essa situação, viola de forma gritante o princípio constitucional da justa indemnização o qual se impõe como decorrência evidente do Estado de Direito Democrático. t) A vertente positiva do princípio da igualdade implica o tratamento diferente de situações que se mostrem substancial e objectivamente diferentes, devendo esta decorrência do mencionado princípio orientar toda a Ordem Jurídica Portuguesa, nomeadamente toda a legislação referente à fixação de indemnizações por actos lesivos do direito de propriedade. u) Ora, o Despacho Conjunto n.º 334/98 mostra-se incapaz de respeitar o mencionado princípio, visto que os critérios em que assenta a definição dos montantes compensatórios não têm em conta elementos tão destacadamente importantes como sejam a raça dos animais abatidos. v) De facto, a raça do animal é o factor mais importante na diferenciação entre bovinos, pelo que não pode deixar de ser atendido quando o que está em causa é apurar o preço da carne por quilo e o valor produtivo do animal. Motivo pelo qual a total omissão de qualquer referência à raça dos animais abatidos, entre os critérios de fixação de uma indemnização, implica um total desfasamento destes critérios face à realidade que é a da existência de diferentes e variadas espécies de bovinos, com inevitáveis consequências a nível das suas características genéticas e do seu valor. Face ao que, não tratando de forma efectivamente diferente situações que são objectiva e substancialmente diferentes, o Despacho Conjunto n.º 334/98 viola claramente o princípio constitucional da igualdade, princípio este que se impõe a toda e qualquer actuação da Administração de um Estado de Direito Democrático. Termos em que se requer a V. Ex.as. se dignem a dar provimento ao presente recurso, julgando o Despacho Conjunto n.º 334/98 inconstitucional por violação do Princípio da Justa Indemnização e do Princípio da Igualdade, com o que v. Ex.as. farão a habitual JUSTIÇA!» Cumpre agora apreciar e decidir. II. Fundamentos
3.A disposição impugnada do Despacho Conjunto n.º 334/98, de 18 de Março de
1998, dos Ministros das Finanças e da Agricultura, do Desenvolvimento Regional e das Pescas (o seu artigo 9.º), determina o seguinte:
“Aos proprietários dos animais abrangidos pelas presentes medidas de abate compulsivo e destruição é devido o pagamento de uma indemnização a título de abate sanitário adicionada de uma compensação pelo valor produtivo dos animais abatidos, de acordo com os montantes fixados nos anexos ao presente despacho.” O anexo I concretiza esses montantes para os “bovinos de aptidão leiteira” e o anexo II concretiza-os para os “bovinos de aptidão carne”, discriminando-se, em cada, “9 tipos de animais”, com base em 4 tipos de critérios: idade; sexo do animal; inscrição ou não em livros ou registos; e estado reprodutor das fêmeas.
É o seguinte o texto desse anexos:
« Anexo I Tabela a aplicar nos bovinos de aptidão leiteira
Tipos de animaisIndemnizações
por abate
—
Por quiloCompensação pelo valor produtivo
Reprodutores inscritos em livros genealógicos ou registos zootécnicos.
392$00250 000$00
Vacas inscritas em livros genealógicos ou
registos zootécnicos. 240 000$00
Vacas em produção não inscritas em livros
genealógicos ou registos zootécnicos. 140 000$00
Fêmeas bovinas com mais de 8 anos – $ –
Novilhas cobertas inscritas em livros genealógicos
ou registos zootécnicos. 190 000$00
Novilhas cobertas não inscritas em livros
genealógicos ou registos zootécnicos. 40 000$00
Novilhas vazias 20 000$00
Novilhos 50 000$00
Vitelos/vitelas 25 000$00
Nota. — O peso da carcaça será calculado em 55% do peso vivo.
Anexo II Tabela a aplicar nos bovinos de aptidão carne
Tipos de animaisIndemnizações
por abate
—
Por quiloCompensação pelo valor produtivo
Reprodutores inscritos em livros genealógicos ou registos zootécnicos.
392$00250 000$00
Vacas inscritas em livros genealógicos ou
registos zootécnicos. 240 000$00
Vacas em produção não inscritas em livros
genealógicos ou registos zootécnicos. 140 000$00
Fêmeas bovinas com mais de 14 anos – $ –
Novilhas cobertas inscritas em livros genealógicos
ou registos zootécnicos. 190 000$00
Novilhas cobertas não inscritas em livros
genealógicos ou registos zootécnicos. 40 000$00
Novilhas vazias 35 000$00
Novilhos 75 000$00
Vitelos/vitelas 40 000$00
Nota. — O peso da carcaça será calculado em 55% do peso vivo. » Entende o recorrente que a indemnização fixada de acordo com estas regras não constitui “uma justa indemnização”, violando “o princípio ínsito no artigo 62.º, n.º 2, da CRP”, aduzindo diversas insuficiências nos critérios utilizados para se fixar o valor do quilo de carne e o valor produtivo dos animais abatidos.
4.Na decisão recorrida escreveu-se que “atendendo à cotação do dia no Montijo, o
[recorrente] deveria receber 58 213 750$00, quando efectivamente recebeu o total de 82 934 464$00 (41 274 464$00 indemnização por abate e 38 075 000$00 + 3 585
000$00 por compensação pelo valor produtivo)”, e notou-se que “o recorrente recebeu um total de 82 934 464$00, portanto quase o dobro do valor em carne calculado, e mais 24 720 714$00 do que o valor em carne indicado pelo próprio recorrente como o resultante da aplicação das cotações do mercado do Montijo, e que seriam as cotações máximas para os melhores tipos de carne, aplicados à totalidade do peso das carcaças a considerar”, sendo que “aquele valor da cotação da carne não entra em conta com nenhum outro factor de diferenciação, isto é, se o recorrente tivesse necessidade de vender uma parte do seu efectivo para carne naquele mercado não teria uma majoração pelo valor de exploração dos animais, como teve no caso”. Resulta, portanto, do que se disse nessa decisão que, por criticáveis que fossem, os critérios estabelecidos no despacho conjunto impugnado - além de terem “a grande vantagem de facilitar o pagamento da indemnização imediatamente após a ocorrência do prejuízo, permitindo, desta perspectiva, maior aproximação da ‘justa indemnização’”, como também se escreveu na decisão recorrida –, permitiriam a fixação de valores indemnizatórios superiores aos valores médios de mercado para a carne dos animais abatidos, sendo que o valor de mercado da carne a apurar não pode considerar os específicos factores dos concretos animais do recorrente e as características diferenciadoras que ele invoca
(designadamente, valor zootécnico, apuramento da raça, características genéticas). Estas considerações, recolhidas na decisão recorrida, poderiam eventualmente constituir logo uma razão autónoma para que os critérios escolhidos para determinar os montantes indemnizatórios escapassem à censura do Tribunal Constitucional. Seja como for, porém, tais critérios também não podem ser considerados inconstitucionais por se não acompanhar o pressuposto de partida do recorrente: o de que a “justa indemnização” no caso de abate sanitário tem, por imperativo constitucional, de corresponder ao valor real de mercado dos animais em causa. Na verdade, não se trata, para fundamentar esta última afirmação, de reconhecer ou de recusar natureza expropriativa às providências de abate compulsório e destruição de animais por razões de saúde pública, na linha da identificação das normas constitucionais referentes à expropriação com o seu sentido clássico, decomponível em dois momentos:
“um momento privativo e um momento apropriativo do direito de propriedade. A expropriação clássica apresenta-se como um procedimento de aquisição de bens, com vista à realização de um interesse público. Característica essencial do conceito clássico de expropriação é a mudança do titular do direito.” (Alves Correia, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, separata da Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra, 2000, p. 13).
É certo que o abate compulsório e destruição de animais se reconduz a uma situação de extinção do direito, e não a qualquer aquisição originária (ou, mesmo, a uma aquisição derivada translativa do direito, como pretendia a doutrina clássica e ainda pretende certa doutrina), e que se fundamenta em razões de saúde pública que, frequentemente, podem não ser imputáveis ao proprietário e às quais, aliás, o interesse deste também não é alheio (embora se possa duvidar da constitucionalidade de uma regra segundo a qual tal perda, imposta pela autoridade, deve simplesmente ser deixada ali onde sobreveio). É, porém, pertinente a distinção entre expropriação “como processo de aquisição de um bem” e expropriação “como imposição de um sacrifício ao particular” (Alves Correia, As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Coimbra, 1982, p. 77, e O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra,
1989, pp. 471 e ss.), sendo que a tutela constitucional do direito de propriedade, que é do que agora se cuida, está ligada logo ao segundo sentido, não exigindo o primeiro. Não há, por outro lado, que recusar natureza expropriativa ao abate compulsório e destruição de animais por se não tratar de expropriação de bens imóveis (assim José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1997, p. 13, e autores aí citados), por se não tratar de situações de “apropriação temporária de bens ou serviços” (idem, p. 41, itálico aditado) ou de nacionalização dos meios de produção e solos (idem, p. 40). O instituto do abate compulsório não se reconduz a nenhuma destas modalidades, mas, ainda assim, não há que recusar-lhe natureza análoga à de uma medida expropriativa: no abate compulsório e destruição de animais com fundamento em razões sanitárias, por intervenção dos poderes públicos e em prossecução do interesse público, não deixa de ir implícita uma ponderação de interesses e valores análoga à que pauta o recurso
às referidas diferentes modalidades expropriativas (sobre as diferenças entre a expropriação propriamente dita e a nacionalização veja-se o acórdão n.º 452/95, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º vol., pp. 135-219). E, em todo o caso, não seriam as características doutrinais, ainda que legalmente decantadas, que, só por si, excluiriam da aferição constitucional um instituto que colhe previsão na lei.
5.O que obsta, porém, a que se conclua no sentido da insuficiência dos critérios fixados para a indemnização, é o que já resulta das considerações tecidas pelo tribunal a quo: ou seja, que o montante indemnizatório fixado com base nos critérios adoptados, ainda que eventualmente menos satisfatórios, não poria em causa mesmo a “justa indemnização” que a Constituição exige no artigo 62.º, n.º
2. Importa notar, com efeito, que, mesmo no âmbito das expropriações por utilidade pública, contempladas no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição a par da requisição, a “justa indemnização”, aí imposta, não tem de ser apurada com base no valor real ou concreto do mercado, mas antes segundo um “valor de mercado normativamente entendido”, ou “valor de mercado normal ou habitual”. Assim, tem de admitir-se uma consideração do valor dos bens afectados à luz do mercado segundo um padrão de normalidade, e, designadamente, tratando-se de bens destinados precipuamente a determinada finalidade, considerando apenas esta
(assim, um específico valor de uso, por exemplo, não tem de ser considerado). Como se escreveu no acórdão n.º 210/93 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24.º, págs. 549-564):
«(...)
9. O artigo 62.º, n.º 2, da Lei Fundamental, ao estabelecer que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de “justa indemnização”, consagra claramente o princípio da indemnização como um pressuposto de legitimidade do acto expropriativo (cfr. F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, p. 120-122 e 156-162) ou, por outras palavras, como “um elemento integrante do próprio acto de expropriação” (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 337. Cfr. também F. Alves Correia, Formas de Pagamento da Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública – Algumas Questões, separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia”, 1984, Coimbra,
1991, p. 15 e 16, nota 4). Aquele preceito constitucional determina que a indemnização por expropriação deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação directa e objectiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário
(cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1990, p. 532 e 546). Apesar disso, a expressão “justa indemnização”, inserta no artigo 62.º, n.º 2, da Lei Fundamental, não pode ser considerada como uma fórmula vazia. É, antes, uma fórmula carregada de sentido, na qual podem ser colhidos importantes limites
à discricionaridade do legislador ordinário.
10. Em obra recente, F. Alves Correia (cfr. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, cit., p. 532 e ss.) defende que o conceito constitucional de “justa indemnização” leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação. Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões - aquelas que têm a ver com o princípio da justiça da indemnização visto na direcção do expropriado -, dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério abstracto, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa compensação adequada do dano infligido ao expropriado. Além disso, no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos. Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito da relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação. No campo da relação interna da expropriação, confrontam-se as regras de indemnização aplicáveis às diferentes expropriações. Neste domínio, o princípio da igualdade impõe ao legislador, na definição de regras de indemnização por expropriação, um limite inderrogável: não pode fixar critérios de indemnização que variem de acordo com os fins públicos específicos das expropriações (v.g. critérios de indemnização diferentes para as expropriações de imóveis destinados
à abertura de vias férreas, ao rasgo de auto-estradas, à execução dos planos urbanísticos, etc.), com os seus objectos (v.g. critérios diferenciados de indemnização para as expropriações de imóveis e móveis, prédios rústicos e prédios urbanos, solos agrícolas e solos urbanizados, etc.) e com o procedimento a que elas se subordinam. O princípio da igualdade não permite que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados. Aquele princípio obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A observância do “princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos” na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um “carácter reequilibrador” em benefício do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se traduzir numa “compensação séria e adequada” ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular. Na perspectiva de F. Alves Correia, o critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado (Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo. Com a expressão “valor de mercado normativamente entendido”, designa o autor que se vem citando “o valor de mercado normal ou habitual”, não especulativo, isto
é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções, as quais são ditadas por exigências da justiça. Uma boa parte destas manifesta-se em reduções que são impostas pela especial ponderação do interesse público que a expropriação serve, como a eliminação dos elementos de valorização puramente especulativos e das mais-valias ou aumentos de valor ocorridos no bem expropriado, em especial nos terrenos, que tenham a sua origem em gastos ou em despesas feitas pela colectividade. Mas, noutros casos, aquelas traduzem-se em majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo (para mais desenvolvimentos, cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico, cit., p. 550 e ss.).
11. Também o Tribunal Constitucional vem densificando, em variados arestos, o conceito de “justa indemnização” do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição. Assim, no Acórdão n.º 131/88 (publicado no Diário da República, I Série, n.º
148, de 29 de Junho de 1988) - no qual foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 30.º do Código das Expropriações de 1976, depois de esta mesma norma ter sido julgada inconstitucional, em quatro casos concretos, pelos Acórdãos n.ºs 341/86, 442/87,
3/88 e 5/88 -, escreveu-se que “a Constituição ..., embora estabelecendo que a indemnização há-de ser justa, não define um concreto critério indemnizatório, mas é evidente que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., revista e ampliada, 1º vol., p. 331)”. Por sua vez, no Acórdão n.º 52/90 (publicado no Diário da República, I Série, n.º 75, de 30 de Março de 1990) - aresto que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do n.º 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações de 1976, em processo de repetição do julgado, após a mesma norma ter sido julgada inconstitucional, em três casos concretos, através dos Acórdãos n.ºs 109/88, 381/89 e 420/89 -, ponderou o Tribunal:
“Em termos gerais, deve entender-se que a justa indemnização há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação”. E um pouco mais adiante:
“O pagamento da justa indemnização, para além de ser uma exigência constitucional da expropriação, é também a concretização do princípio do Estado de direito democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os actos lesivos de direitos ou causadores de danos. Tal indemnização tem como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropriação. E, se esta indemnização não pode estar sujeita ou condicionada por factores especulativos, por, muitas vezes, artificialmente criados, sempre deverá representar e traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado (v. o Acórdão n.º 381/89)”.»
6.Nenhum dos critérios resultantes desta jurisprudência para delimitar a “justa indemnização” é posto em causa pela operação dos critérios fixados, nas normas em causa, para a indemnização pelo abate compulsório dos animais a que se reportam os presentes autos. Considerando o valor de mercado da carne dos animais, a indemnização total fixada não é nominal, irrisória ou simbólica, sendo, como referiu a decisão recorrida, mais elevada do que a que resultaria do mero valor de mercado aferido pelo preço de venda da carne dos animais abatidos – isto, para além de prosseguir, também, a igualdade na repartição de encargos, ao fazer reverter sobre todos os contribuintes o custo da erradicação do risco detectado na exploração pecuária do recorrente, e de salvaguardar o interesse público, tanto pela remoção do risco (resultante do abate de todos os animais, e não somente dos contaminados, de cada exploração com casos detectados), como pelo pagamento de compensações superiores ao valor de mercado, de modo a evitar a tentação de sonegar a existência de animais infectados. Não é, aliás, ilegítimo que o legislador tome em conta, para fixar a indemnização pelo valor dos animais abatidos – numa exploração de animais que visam, em primeiro lugar, a produção de carne –, o valor dos animais numa consideração tipificadora, justificada também pelo carácter múltiplo
(eventualmente mesmo de massa) das situações a indemnizar, que não torna exigível que se avalie e atenda a “cada circunstância concreta” de cada animal ou conjunto de animais. Essa consideração, sem dúvida, poderá ser mais adequada nuns casos (aqueles em que apenas poderia estar em causa o valor da carne ou leiteiro dos animais, e não qualquer apuramento de raça, ou valor zootécnico) do que noutros, mas, tendo em conta a finalidade primeira a que se destinam os animais em causa (aptidão leiteira ou aptidão para carne), não afasta a indemnização, nestes últimos casos, dos critérios da “justa indemnização” constitucionalmente consagrados: trata-se de uma indemnização que não é apenas simbólica ou irrisória, e que no caso concreto foi mesmo superior à do valor de mercado da carne dos animais. Não estava, portanto, em causa o concreto quantum da indemnização fixado no caso, sendo a “justa indemnização” um critério normativo que pode em certos casos ficar abaixo do preço de mercado, e a indemnização atribuída ficava mesmo acima do (de um certo) preço de mercado (o da venda da carne ao quilograma). E, como se salientou no citado acórdão de 2 de Maio de 2000, os critérios a que se manda atender nas normas em questão “estão próximos do valor que em prognose resultaria do funcionamento do mercado nas condições existentes, eliminam o perigo de uma eventual desvalorização profunda causada pela existência de zoonose e, os factos a que [se] manda atender permitem distinguir as diferentes destinações dos bovinos, permitem ter em conta o valor dos animais em carne, segundo um padrão médio, corrigido depois por uma compensação pela qualidade da exploração possível e esperada de cada um dos nove tipos de animais que contempla, o que tem de entender-se, também, como uma compensação por lucros cessantes.”
7.Resta a questão da igualdade de tratamento em relação aos produtores abrangidos pelo abate sanitário de animais ao abrigo do Decreto-Lei n.º 195/87. Tal comparação – e apenas de comparação se trata, por as instâncias terem considerado que o caso sub iudicio não seria contemplado no seu âmbito – também não é, porém, procedente, na medida em que, no domínio das relações externas (da
“análise comparativa da situação jurídico-patrimonial dos proprietários expropriados e não expropriados”), e como se disse na decisão recorrida, não existiu prejuízo para o expropriado; e, no domínio das relações internas (da
“comparação das regras de indemnização aplicáveis aos diferentes tipos de expropriação”), também só resulta que o regime indemnizatório adoptado é genericamente conforme com o vigente para as intervenções ablativas da propriedade admitidas na Constituição, e apenas evolutivamente diferente do fixado, onze anos antes, para abates sanitários. Aliás, se os animais abatidos estivessem inscritos num Livro Genealógico, a
“diferença de cerca de 70% na compensação do valor produtivo de uma vaca inscrita, face a uma não inscrita”, a somar aos montantes atribuídos, teria possivelmente desmobilizado a contestação aos critérios, sem prejuízo, porém, de estes continuarem a padecer das mesmas deficiências que o recorrente lhes apontou. O que significa que os critérios fixados para a indemnização – que o próprio recorrente admitiu permitirem “estimar o potencial genético dos animais em questão” (…) “a nível mundial na produção de leite”, mas já não “a nível nacional na produção de carne, nomeadamente nas raças bovinas autóctones” – são globalmente adequados. Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade – nem numa versão negativa (no sentido de não permitir tratar “de forma efectivamente diferente situações que são objectiva e substancialmente diferentes”), nem numa versão positiva (no sentido, oposto, da existência de
“uma diferença tão marcada entre os critérios de atribuição de indemnização por abate sanitário” – os do Despacho Conjunto n.º 334/98 e os do Decreto-Lei n.º
195/87), como, em ambos os casos, pretende o recorrente. Pelo que há que negar provimento ao presente recurso. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucionais as normas do artigo 9.º e dos anexos I e II ao Despacho Conjunto n.º 334/98, dos Ministros das Finanças e da Agricultura, do Desenvolvimento Regional e das Pescas, publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Maio, sobre o valor da indemnização a atribuir aos proprietários de animais abatidos no quadro das medidas de erradicação da encefalopatia espongiforme dos bovinos; b) Em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade. c) Condenar o recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 31 de Março de 2005
Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos